sábado, 14 de dezembro de 2019

Banco Mundial: Brasil precisa priorizar as quase 1 milhão de famílias vivendo na pobreza sem Bolsa Família




Pablo Acosta, coordenador dos programas de Desenvolvimento Humano do Banco Mundial no BrasilDireito de imagemDIVULGAÇÃO/BANCO MUNDIAL
Image captionHá quase um milhão de famílias que se qualificam para o Bolsa Família, mas ainda não estão no programa, diz Pablo Acosta
Em fevereiro de 2017, um estudo divulgado pelo Banco Mundial defendia que o Brasil precisava aumentar seus gastos com o programa Bolsa Família para evitar que milhares de novas famílias passassem a viver na pobreza durante a recessão econômica, quando milhares perderiam seus empregos. A previsão se mostrou correta: no mês passado, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou que, em 2018, chegou a 13,5 milhões o número de brasileiros vivendo abaixo da linha da extrema pobreza - 4,5 milhões a mais que em 2014.
Na definição global do Banco Mundial, é considerado em situação de extrema pobreza quem dispõe de menos de US$ 1,90 por dia, o que equivale a aproximadamente R$ 140 por mês. Já a linha de pobreza é de rendimento inferior a US$ 5,5 por dia, o que corresponde a cerca de R$ 406 por mês.
Esta semana, os números mostraram mais uma evidência do retrocesso social: em 2018, o país o caiu uma posição no ranking mundial do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), referência mundial em medida de bem-estar da população.
Responsável por coordenar os programas de desenvolvimento humano do Banco Mundial para o Brasil, o argentino Pablo Acosta defende que, quase três anos depois do alerta, o governo precisa priorizar o socorro às famílias que vivem na pobreza, mas ainda não foram atendidas com o benefício.
"Há quase 1 milhão de famílias, não temos o número exato, mas quase um milhão de famílias que se qualificam para o Bolsa Família, mas ainda não estão no programa. E a razão principal isso é porque havia um orçamento fixado no começo do ano e não se pode permitir que mais gente entre. Então, uma das recomendações, não apenas nossa, mas de muitos outros, é de que realmente precisamos priorizar incluir essas famílias no programa, porque elas são elegíveis", afirmou Acosta, doutor em Economia e especialista em proteção social e mercado de trabalho.
Na visão do Banco Mundial, em períodos difíceis para a economia, as políticas redistributivas como os programas de transferência de renda se revelam ainda mais importantes. O Bolsa Família atende às famílias que vivem com renda per capita de até R$ 89 mensais, e com renda entre R$ 89,01 e R$ 178 mensais. De acordo com o Ministério da Cidadania, em setembro, o programa atendeu 13,5 milhões de famílias, somando um valor total de R$ 2,5 bilhões. O benefício médio foi de R$ 189,21.
Pelas regras do banco, é missão da entidade trabalhar diretamente com o governo de cada país membro; por esse regulamento, o ministro da Economia é o governador responsável pelo seu país no conselho de diretores do Banco Mundial, o que exige interação constante entre os técnicos em reuniões e encontros, explica Acosta.
"Tudo o que fazemos é dedicado a apoiar a economia e o desenvovimento do país, e isso requer constantes discussões e interações em diferentes níveis de poder, não só em nível federal, mas também com alguns Estados e municípios".
O executivo elogia que, de uns tempos para cá, a pauta social tenha crescido no debate político, tanto em iniciativas do Executivo quanto trazidas pelo próprio Congresso.
E diz que, para se tornar uma economia rica, o Brasil precisará priorizar o investimento nas pessoas, em especial para educar melhor os jovens para serem trabalhadores mais produtivos. Mais que reduzir o custo para a contratação, como prevê o programa Verde Amarelo, lançado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, é preciso melhorar a qualidade da educação e dar mais treinamento para que eles consigam lugar no mercado de trabalho.
"Acreditamos que é um dos fatores mais importantes, ter uma população educada e um trabalho produtivo. E isso, basicamente, é investir em pessoas".
Leia os principais trechos na entrevista:
BBC News Brasil - Em 2017, um estudo do Banco Mundial defendia um aumento do orçamento do Bolsa Família para evitar o crescimento da pobreza. Como veem o crescimento da pobreza desde então?
Pablo Acosta - Basicamente segundo os últimos dados de 2018, a pobreza, infelizmente, continuou em uma tendência de alta. Claro que não é uma surpresa, houve uma recessão severa no Brasil nos últimos três anos, e é isso que acontece normalmente. Se qualquer país no mundo sofre esse particular declínio na atividade econômica, a pobreza tende a crescer.
Nossa análise mostra que os números de pessoas na pobreza não ainda estão nos níveis de 2014, antes da recessão, mas ao menos no ano passado estamos mandando menos pessoas para a pobreza do que em 2017.
Em 2018 houve esse aumento leve na pobreza, na que é associada com o US$ 1,9 dólar por dia [definição de pobreza extrema para o Banco Mundial]. Mas dá para ver algumas boas notícias na outra linha de pobreza, entre os que vivem com US$ 5,5 dólar por dia, houve um leve declínio em 2018. Talvez estejamos vendo finalmente a luz no fim do túnel.
Pablo Acosta, coordenador dos programas de Desenvolvimento Humano do Banco Mundial no BrasilDireito de imagemDIVULGAÇÃO/BANCO MUNDIAL
Image captionAcosta: pobreza no Brasil poderia ter sido mais mitigada durante a recessão, mas situação fiscal limitou medidas de proteção social
BBC News Brasil - Mas o senhor acha que esse crescimento da pobreza era inevitável por causa da recessão? Eu tinha a impressão, pela recomendação do banco Mundial em 2017, que se alguns passos fossem tomados, poderíamos evitar parte desse aumento da pobreza.
Pablo Acosta - Primeiramente precisamos entender o que causou o aumento da pobreza. O que aconteceu basicamente foi a perda de renda, a perda de oportunidades de gerar renda para grande parte da população, que é o que acontece durante uma recessão. E você teve uma recuperação lenta, considerando que o nível de desemprego é alto e não está caindo rápido, o que poderia ajudar a melhorar o impacto sobre a pobreza.
Entre aqueles que estão mais afetados estão os pobres, e isso explica porque a pobreza cresceu. Sim, no artigo de 2017 nós argumentamos que havia políticas de proteção social como, por exemplo, o programa Bolsa Família, que poderiam ter melhorado isso um pouco.
Lembrando que o Bolsa Família é um programa de transferência de renda que pode prover alívio temporário, mas não está necessariamente lidando com os problemas do mercado de trabalho.
Para responder sua pergunta: sim, isso poderia ter sido mais mitigado durante a recessão. Isso na verdade aconteceu na recessão de 2008 e 2009, que não era tão severa quanto a de 2015 e 2016. Mas naquela época o governo aumentou a cobertura do Bolsa Família, aumentou o benefício temporariamente e isso ajudou a limitar o impacto na pobreza. Neste caso, por razões diferentes, inclusive a questão fiscal, é claro, que provavelmente explicaria porque não pudemos usar esses mecanismos de proteção social como antes.
BBC News Brasil- Alguns dados indicam que o número de beneficiários parece estar diminuindo durante a crise, embora o número de pobres tenha aumentado. O governo também diz que aumentou a fiscalização contra fraudes e um fez um pente-fino nos cadastros.
Pablo Acosta - É preciso ressaltar que o programa Bolsa Família é muito dinâmico. A ideia é que em qualquer período de tempo há pessoas que devem estar saindo do programa, porque entram e saem da linha de pobreza, não é necessariamente por fraude. Há pessoas que melhoram sua condição financeira e deveriam sair do programa. Então o que vimos é uma leve redução, não somente em razão de fraudes, mas também por famílias que sairiam naturalmente do Bolsa Família porque não têm mais crianças na idade alvo do programa, que é até 18 anos. Uma saída natural, as pessoas não se tornam mais elegíveis. E é por isso que você vê um leve declínio na cobertura.
A questão foi, e aí que entramos nos aspectos mais fiscais, é que quando eles estavam preparando o orçamento, eles não estavam contando com a possibilidade de mais famílias entrarem [no Bolsa Família].
BBC News Brasil - Mas foi sobre isso que o Banco Mundial havia alertado, não?
Pablo Acosta - As famílias se qualificam para receber o Bolsa família quando elas caem abaixo da linha da pobreza. E você tem uma situação hoje, que vocês chamam de fila no Brasil, em que há muitas centenas de famílias, não temos o número exato, mas há quase um milhão de famílias, que poderiam se qualificar para o Bolsa Família, mas não estão ainda no programa. E a razão principal isso é porque havia um orçamento fixo, no começo do ano, e não se pode permitir mais gente a entrar. Então uma das recomendações, não apenas do Banco Mundial, mas de muitos outros, é de que realmente precisamos priorizar incluir essas famílias no programa porque são elegíveis. E isso, claro, requer mais recursos para acomodá-las.
BBC News Brasil - Como vê o efeito das medidas econômicas discutidas este ano em relação à pobreza? Reforma da Previdência, programa de emprego para jovens, reoneração da cesta básica, por exemplo. O senhor tem acompanhado?
Pablo Acosta - Primeiro de tudo, a reforma da Previdência era uma medida muito necessária para tornar as contas públicas mais sustentáveis no país. Quando há um déficit como o existente, você tem muito pouco espaço para políticas sociais, então concordamos foi uma medida muito importante.
Nós também temos notado medidas propostas pelo Executivo, algumas levadas pelo Congresso, estamos agora vendo um crescente movimento de medidas sociais, acho que o governo está tentando abordar isso. Uma das causas originais da pobreza é o declínio na renda, pelo desemprego. E isso, claro, atinge especialmente os jovens. E é uma das principais razões pelas quais eles estão propondo esse programa de emprego para jovens, tentando reduzir os custos e reduzir o desemprego.
E, em relação ao Bolsa Família, há muitas propostas sendo discutidas no Congresso. O ministério da Cidadania também tem falado em introduzir mudanças ao programa para que mais pessoas possam entrar e há componentes, por exemplo, relacionados a financiar creches para crianças. Há movimentos tanto do governo, quanto do Congresso. Eles querem atacar esse assunto, especialmente para superar esse impacto negativo que a crise teve.
BBC News Brasil - E o senhor acha que as propostas vão na direção correta? O do programa de emprego para jovens, por exemplo?
Pablo Acosta - O Brasil não é o primeiro a tentar esse tipo de intervenção. O programa trata de uma parte do problema, que é o alto custo para os empregadores de empregar um jovem. E isso tem mais relevância para a juventude, porque os jovens tendem a ter mais dificuldades para encontrar emprego, em geral. Então é por isso que o governo está tentando reduzir o custo da contratação. Eu diria que vai na direção correta, mas ao mesmo tempo, dada a complexidade da questão, é preciso complementá-lo com outras medidas alternativas.
Casas em favela no BrasilDireito de imagemREUTERS
Image captionSegundo IBGE, em 2018, chegou a 13,5 milhões o número de brasileiros vivendo abaixo da linha da extrema pobreza - 4,5 milhões a mais que em 2014
BBC News Brasil- Que tipo de medidas?
Pablo Acosta - Uma das razões pelas quais você tem desemprego alto é o custo alto, mas a outra é a baixa produtividade. E isso, claro, países têm tomado muitas medidas. A qualidade da educação ainda é um grande desafio no Brasil, precisamos continuar a melhorar a qualidade e relevância da educação.
BBC News Brasil- A baixa produtividade é uma barreira ao emprego dos jovens?
Pablo Acosta - Geralmente eu diria que a baixa produtividade reduz a probabilidade de ser contratado. Basicamente o que estamos dizendo é que alguns jovens têm dificuldades de se inserir ou se reinserirem no mercado de trabalho porque as habilidades deles não estão totalmente desenvolvidas ainda.
Há aspectos relevantes da qualidade de educação. Um documento recente do Banco Mundial, o Learning Poverty, mostra que quase 50% das crianças de dez anos de idade não conseguem, por exemplo, compreender um texto simples. E também há os dados do Pisa que mostram que 68% dos estudantes brasileiros (contra 2% nas cidades chinesas medidas no Pisa) não conseguem "interpretar e reconhecer como uma situação simples pode ser representada matematicamente". O país está tentando complementar isso com oportunidades de treinamento, e isso poderia ajudar a elevar a produtividade e ajudar os jovens a se inserirem no mercado de trabalho.
BBC News Brasil - Além de reduzir o custo do emprego, deveria haver um programa de educação?
Pablo Acosta - Deveria haver uma série de medidas todas apontando para a mesma direção: como preparar melhor os mais jovens para o mercado de trabalho para que eles possam entrar mais rapidamente e, ao mesmo tempo reduzir o custo de contratar um jovem. Esperamos que a segunda parte continue na agenda, o que também poderia ajudar o mercado de trabalho.
BBC News Brasil- E as mudanças em discussão para o Bolsa Família? Vão na direção correta?
Pablo Acosta - Todas apontam para a mesma direção, no sentido de como aumentar a relevância do Bolsa Família para mais pessoas, e vêm com um diagnóstico de que a redução da pobreza pode ser acelerada. Há muitos caminhos para fazer isso, há muitos debates, e não escolhemos necessariamente um ou outro, mas basicamente você vê propostas que variam de fazer o Bolsa Família um tipo de programa universal, onde cobre a maioria das crianças, e ao mesmo tempo reformando benefícios que são ineficientes e podem ser realocados para o Bolsa Família.
O outro caminho é trabalhando para aumentar o tamanho do benefício também a cobertura de 18 para 21 anos. É preciso ver como essas políticas vão impactar na pobreza, discutir qual será o custo, porque há impactos de custos que são diferentes em cada proposta. Vamos analisar os diferentes cenários e ainda não temos uma posição. Mas valorizamos esse debate, que é importante, particularmente reconhecendo que o programa Bolsa Família continue relevante no Brasil e possa ser fortalecido e ter mais recursos.
Sabemos que o Bolsa Família é um programa poderoso, porque já foi avaliado, tem impacto no desenvolvimento humano. E internacionalmente, comparado com outros países que têm esse tipo de intervenção, custa 0,5% do PIB, o que é um gasto normal para um país do nível de desenvolvimento do Brasil, com um impacto ambicioso sobre a pobreza. É razoável. É um programa que já foi consistentemente avaliado, muitos estudos foram feitos sobre os impactos positivos.
BBC News Brasil- A produtividade do Brasil não cresce há décadas. A baixa produtividade é um problema também para a economia?
Pablo Acosta - É um problema crucial. Quando falamos sobre quais as perspectivas para o Brasil, não só para se recuperar da crise, mas também para continuar a crescer no longo prazo. O Brasil é uma economia que pretende se tornar um país rico. Um dos principais ingredientes para isso é melhorar a produtividade. Os dados mostram que a produtividade tem sido baixa há um longo tempo, é uma tendência antiga, de antes da crise. E requer diferentes políticas, macropolíticas que estimulem a criação de empresas, inovação.
E uma área que me preocupa mais, e à qual damos muita atenção, é em como preparar melhor a força de trabalho. Os aspectos de investir em pessoas, investir em capital humano. Outro indicador do Banco Mundial, que chamamos de Human Capital Index, mostra que, na idade de 18 anos, as crianças só atingem 56% de seu potencial máximo de produtividade. [De acordo com o indicador, ela terá só 56% da produtividade que poderia ter se tivesse tido acesso completo a educação e saúde. Em Singapura, que lidera esse ranking de 170 países, esse percentual é de 100%].
E isso é uma medida que inclui aspectos de saúde e educação, nutrição, o que mostra que há problemas em todas essas dimensões. Na qualidade de educação é a lacuna mais relevante, especialmente no ensino fundamental, que é um grande desafio em termos de qualidade.
Outro aspecto importante é que, no caso do Brasil, um relatório mostra diferenças especiais. Em algumas cidades do Sudeste, esse número de produtividade é de 70%; no Nordeste, ou no Norte, esse percentual é de 45%. Há enormes discrepâncias que mostram a desigualdade no Brasil. Que, novamente, se explicam por investimentos na infância. No longo prazo, vemos que um dos objetivos é aumentar a produtividade dos jovens quando eles chegam ao mercado de trabalho.
BBC News Brasil - E por que falhamos tanto em preparar nossos jovens?
Pablo Acosta - O principal é a qualidade da educação. Em alguns outros países, o problema principal é a nutrição. No Brasil não é a maior preocupação, embora haja regiões do Brasil em que isso ainda é uma preocupação. No geral, a qualidade da educação, mais que o acesso, é o problema. Podemos fazer outra entrevista se quisermos discutir isso a fundo, mas o banco vem trabalhando muito em educação para ajudar a elaborar políticas públicas. Há partes do Brasil muito bem-sucedidas em melhorar o aprendizado, como Sobral, no Ceará. Mostra que dá para fazer.
BBC News Brasil - Considerando que continuemos a falhar em aumentar a produtividade dos jovens, que riscos vê para o futuro do Brasil?
Pablo Acosta - Eu acho que, pelas discussões que temos, o governo está muito consciente desse problema e vai atacá-lo. Mas claro que o risco de não aumentar a produtividade, especialmente nessa situação de desemprego entre jovens, vai continuar limitando o PIB e o crescimento da renda, e pode comprometer as perspectivas do Brasil. São retornos que vão compensar muito no longo prazo, mais que investimentos físicos. Investir nas pessoas, na educação, compensa muito. Esperamos que continuemos nessa tendência de políticas inovadoras para crescer. Para que não só se recupere da crise, mas que olhe no longo prazo, perspectivas de crescimento para que o país se torne um país de alta renda. Acreditamos que é um dos fatores mais importantes para isso, ter uma população educada e um trabalho produtivo. E isso basicamente é investir em pessoas.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

A história é impaciente



Construir um calendário para disciplinar a história é impossível. Há datas que ganham significados e memórias que lembram desfazeres.Nada é limpo, sem mistura. O reino da confusão sempre se alastra. Os europeus invadiram a América. Massacraram culturas, inventaram colonizações, impuseram valores em nome de divindades poderosas. A sociedade continua girando nas rodas da opressão. Há devaneios, resistências, estranhamentos, desejo de superar as violências. Tudo cercado por interesses conflitantes e dificuldades mascaradas, A humanidade não consegue se articular para firmar afetos que expulsem arrogâncias.
O inesperado inunda. As perplexidades não se ausentam. De repente, epidemias avançam exterminando povos e guerras mostram a força de preconceitos. Engana-se quem aposta numa programação. Nem todos são iguais e isso produz a propagação de dúvidas e impaciências. Talvez, exitam soluções para amenizar as ambições, elas teoricamente buscam espaços, levantam esperanças, mas as relações de poder manipulam concentrações de riqueza e não temem assumir perversidades.
Os olhares mudam, porque há horizontes de cores diferentes. Minorias pedem socorros, minorias celebram narcisismos. A inquietude não deixa de seguir os caminhos da história. Lamenta-se a perda de passados, se idealizam tecnologias, no entanto os impasses desenham abismos e amedrontam. A coragem e o medo estão na crista da onda, travam passos, derrubam agilidades. Os calendários terminam cheios de datas decepcionantes e nada promissoras. Trazem a nostalgia e o desencanto.
A impaciência história é tradução da nossa incompletude. Somos animais sociais que teimam em incentivar a competição. Daí as misérias, as utopias enfraquecidas, os governantes descompromissados com a maioria. O mundo não é o paraíso e parece que nunca será. Essa impaciência nos persegue e nos agonia, porém não perdemos a invenção e há toques de leveza que nos fazem respirar. Testemunhamos frustrações, sem contudo assinalar que há brechas e alívios. Quem sabe se o tempo não abrace reviravoltas? Resta respirar, minando os pesadelos.
 Por Paulo Rezende

Professor Edgar Bom Jardim - PE

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Os fatores econômicos que travaram melhora do Brasil no IDH



De 2017 para 2018, o Brasil caiu da 78ª para a 79ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) nesta segunda-feira (9/12).
Na lista anunciada pela ONU, que compara os índices de 189 países e territórios reconhecidos, o IDH do Brasil ficou praticamente estável, subindo, de 0,760 em 2017 para 0,761 em 2018.
O IDH varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, melhor é a situação de um país. Em 2019, a Noruega manteve a liderança mundial com pontuação de 0,954. Na última posição entre os 184 países analisados está mais uma vez o Níger (0,377).
Mas, afinal, o que o IDH diz, na prática, sobre a vida da população de cada país? E, se o indicador do Brasil subiu um pouco em 2018, porque ele caiu no ranking mundial, em vez de continuar avançando como vinha fazendo nas últimas décadas?
A BBC News Brasil analisou o relatório para explicar o que os indicadores do IDH apontam sobre a realidade recente do país. Lembrando que o retrato divulgado hoje é anual, referente a 2018, ano da gestão do presidente Michel Temer: ainda não reflete, portanto, nenhuma medida do governo do presidente Jair Bolsonaro.

O que o IDH analisa sobre um país?

Publicado pela primeira vez em 1990, o Índice de Desenvolvimento Humano foi criado como um contraponto ao Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera apenas os aspectos econômicos do desenvolvimento de um país.
Aos poucos, o IDH tornou-se referência mundial em medida de bem-estar da população, valorizando a importância das condições de desenvolvimento dos seres humanos para medir a prosperidade.
Mas quando se fala em bem-estar, é preciso deixar claro do que trata o indicador. A ONU não mede, por exemplo, se as pessoas são mais felizes em determinado lugar, ou se uma democracia é mais forte que a outra, ou aponta quais os melhores lugares do mundo para se viver.
É uma medida bem técnica, que analisa três fatores principais: a saúde da população, pela expectativa de vida quando as pessoas nascem; o acesso ao conhecimento, pelo número médio de anos de estudo que as pessoas recebem durante a vida; e o padrão de vida, medido pela renda e pelo poder de compra.
Para poderem ser comparados internacionalmente, o Pnud se baseia em dados ONU e do Banco Mundial.
E é importante destacar que, dos anos 1990 para cá, desde que esse indicador passou a ser publicado anualmente, o Brasil melhorou muito.
Entre 1990 e 2018, o índice do Brasil aumentou de 0,613 para 0,761, alta de 24,2%.
Com essa colocação, o Brasil continua no grupo que a ONU considera o dos países que têm alto desenvolvimento humano, mesmo patamar da Colômbia, por exemplo, e com indicadores acima da média para a região da América Latina e Caribe.
Na América do Sul, o Brasil é o 4º país com maior IDH. Chile, Argentina e Uruguai aparecem na frente.

O que fez o Brasil piorar no ranking em 2018?

Segundo o novo documento da ONU, a esperança média de vida dos brasileiros ao nascer estava em 75,7 anos em 2018, contra 73,9 em 2013 - um ganho de quase dois anos, que mostra que o país continuou avançando nesse aspecto.
Já a expectativa de anos de estudo passou de 15,2 para 15,4 no período, enquanto a escolaridade média evoluiu de 7,2 anos para 7,8.
Crianças olhando material escolar em sala de aulaDireito de imagemTÂNIA RÊGO/AGÊNCIA BRASIL
Image captionA expectativa de anos de estudo passou de 15,2 para 15,4 em 2018, enquanto a escolaridade média evoluiu de 7,2 anos para 7,8.
O retrocesso ficou mais evidente no indicador que mede a renda média anual do brasileiro. Em uma das medidas que compõem o IDH, a renda nacional bruta per capita, que estima a renda média ajustada ao poder de compra de cada país, o Brasil registrou em 2018 US$ 14.068, nível próximo ao que era em 2012.
Em 2015, início da recessão econômica, tal indicador era de US$ 14.490. Em 1990, era de US$ 10.082.
Vale explicar que a ONU utiliza o dólar internacional em paridade de poder de compra para estimar a renda nos países, fazendo uma comparação entre preços de produtos e serviços em diferentes países e nos Estados Unidos - é uma medição considerada mais adequada para comparar o bem-estar em diferentes países e não representa a mesma cotação do dólar americano.
Outro número analisado no relatório que dá uma ideia de como a situação econômica piorou durante a crise é o percentual da força de trabalho maior de 15 anos que está procurando emprego, mas não está trabalhando em atividade remunerada e nem de forma autônoma.
Em 2018, tal percentual de desempregados foi de 12,5%, um pouco menor que os 12,8% de 2017, mas bem maiores do que eram antes da crise. Passaram de de 6,7% em 2014 para 11,6% em 2016.
"O que não tem contribuído para o aumento do IDH no Brasil é a parte econômica, porque tem havido uma estagnação desde 2014, 2015. Esperando que a melhora da educação e da saúde se mantenha no futuro, a partir do momento em que a economia se recupere, o IDH do Brasil pode vir a crescer mais rapidamente", disse à BBC News Brasil o economista português Pedro Conceição, diretor do escritório da ONU que produz o relatório.
Conceição considera positivo, porém, o fato de o Brasil seguir em uma trajetória de melhora. "Embora o IDH esteja crescendo pouco nos últimos anos, continua a aumentar."

Por que a desigualdade faz o Brasil menos desenvolvido

O relatório da ONU destaca que, quando ajustado pela desigualdade, o IDH do Brasil cai 24,5%. Como a desigualdade brasileira está entre as mais altas do mundo, esse ajuste derruba o país em 23 posições no ranking, para 0,574.
Colômbia e México, quando analisados na mesma comparação, apresentam perdas do IDH por desigualdade de 23,1% e 22,5%, respectivamente. Na média, tal perda nos países de alto desenvolvimento é de 17,9% e, na América Latina e Caribe, 22,3%.
UTI de hospitalDireito de imagemMARCELLO CASAL JR./AGÊNCIA BRASIL
Image captionNíveis básicos de saúde, educação e padrão de vida são medidos pelo índice da ONU
A parcela dos 10% mais ricos do Brasil concentra cerca de 42% da renda total do país, segundo o relatório.
O documento alerta que no mundo todo, embora os países estejam alcançando ganhos substanciais nos níveis básicos de saúde, educação e padrão de vida, as necessidades de muitas pessoas permanecem não atendidas e, paralelamente, uma próxima geração de desigualdades se inicia, colocando os ricos à frente no desenvolvimento.
A desigualdade é nociva ao desenvolvimento de um país porque, segundo explica a ONU, as condições de partida podem determinar os avanços que uma pessoa consegue alcançar ao longo de sua vida.
"As desigualdades no desenvolvimento humano ferem as sociedades e enfraquecem a coesão social e a confiança das pessoas no governo, nas instituições e umas nas outras. As desigualdades ferem também as economias, impedindo que as pessoas alcancem seu potencial no trabalho e na vida".
Falando da desigualdade global, o relatório cita o exemplo de duas crianças nascidas nos anos 2000, uma em um país com altíssimos níveis de desenvolvimento humano, e outra em um país com baixos níveis de IDH.
A primeira, no exemplo do Pnud, tem mais de 50% de chances de chegar a se matricular no ensino superior: mais da metade dos jovens nos 20 anos em países de alto desenvolvimento humano estão no ensino superior. Em contraste, a segunda tem muito menos probabilidade de permanecer viva.
Cerca de 17% das crianças nascidas em países de baixo desenvolvimento humano nos anos 2000 terão morrido antes de completar 20 anos, em comparação a 1% das crianças em países muito desenvolvidos.
A ONU também destaca que medidas para promover o desenvolvimento na primeira infância, fase fundamental para o potencial das capacidades humanas, tem papel importante para garantir boas condições de partida, logo nos primeiros anos de vida das pessoas.
"As desigualdades nem sempre refletem um mundo injusto. Algumas são provavelmente inevitáveis, como as desigualdades de se desenvolver e criar uma nova tecnologia. Mas quando esses caminhos desiguais têm muito pouco a ver com recompensar talento, esforço ou risco empreendedor, a desigualdade pode ofender o senso de justiça das pessoas e ser uma afronta à dignidade humana", explica o documento, citando injustiças nas áreas de saúde, educação e respeito aos direitos humanos.

Mais políticas para reduzir desigualdades

Em um momento em que se alastram protestos em diversas partes do mundo - dos Coletes Amarelos na França, passando pelos estudantes em Hong Kong, às manifestações em série por países sul-americanos -, o relatório da ONU chama atenção para a necessidade de novas políticas públicas contra as desigualdades.
Ressaltando que as diferenças de oportunidades começam desde antes do nascimento, o documento defende que os governos invistam mais "na aprendizagem, saúde e nutrição das crianças pequenas" para garantir maior igualdade de condições desde a primeira infância.
A ONU também conclama os governos a regular mercados com políticas que garantam "competição saudável", além de proteger os diretos dos trabalhadores.
"Os países com uma força de trabalho mais produtiva tendem a ter uma concentração mais baixa de riqueza no topo, viabilizada, por exemplo, por políticas que apoiam sindicatos mais fortes, estabelecem o salário mínimo certo, criam um caminho da economia informal para a formal, investem em proteção social e atraem mulheres para os locais de trabalho", diz o documento.
Outro ponto importante para a ONU é que os países direcionem sua política fiscal (recolhimento de tributos e gastos públicos) para a redução das desigualdades.
"A tributação não pode ser vista por si só (ou seja, como mera finalidade de arrecadação), mas deve fazer parte de um sistema de políticas, incluindo gastos públicos em saúde, educação e (para incentivar) alternativas a um estilo de vida com uso intensivo de carbono", aponta o documento.
Nesse campo, a organização também destaca a "importância de novos princípios para a tributação internacional", tendo em vista o avanço da digitalização e dos riscos que isso representa para a evasão fiscal (manipulação para pagar menos imposto).
BBC

Professor Edgar Bom Jardim - PE

‘Quero que crianças olhem para mim e vejam seus rostos refletidos no meu’, disse Zozibini Tunzi




Entre 88 candidatas a Miss Universo 2019, a vencedora foi a sul-africana Zozibini Tunzi, de 26 anos. A modelo fez declarações contra o racismo e o machismo. O evento foi realizado no domingo 8, em Atlanta, nos Estados Unidos. Madison Anderson, de Porto Rico, ficou em segundo lugar, seguida da mexicana Sofía Aragón.
É a terceira vez que a África do Sul ganha o prêmio. Em 1978, o país foi vitorioso com Margaret Gardiner, e em 2017, com Leigh Nel-Peters. Zozibini foi a única negra a receber o título desde 2011, quando Leila Lopes ganhou representando a Angola. A miss fez críticas ao preconceito sobre as mulheres negras.
“Eu cresci em um mundo onde uma mulher que se parece comigo, com a minha pele e o meu cabelo, nunca foram consideradas bonitas. Já chegou a hora de pararmos com isso. Quero que crianças olhem para mim e vejam seus rostos refletidos no meu”, disse, após ser perguntada sobre sua atuação caso fosse vencedora.
Em seu discurso, Zozibini também exaltou a necessidade de mulheres ocuparem espaços de liderança.
“Acho que a coisa mais importante que deveríamos estar ensinando para jovens meninas hoje é a liderança. É algo que tem faltado em jovens meninas e mulheres há muito tempo. Não porque não queremos, mas por causa do que a sociedade definiu o que mulheres seriam”, afirmou.
Também postulante ao título, a mineira Júlia Horta ficou entre as 20 mais bonitas, mas foi eliminada antes da final. O Brasil só venceu o Miss Universo em 1963, com Iêda Maria Vargas, e em 1968, com Martha Vasconcellos.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Desigualdade: Brasil tem a 2ª maior concentração de renda do mundo


Os 1% mais ricos concentram 28,3% da renda total do País. Os dados deixam o Brasil somente atrás do Catar, onde a taxa é de 29%


O Brasil é o segundo país do mundo com maior concentração de renda. Os 1% mais ricos concentram 28,3% da renda total do País. Os dados deixam o Brasil somente atrás do Catar, onde a proporção é de 29%. Nesses dois países, quase um terço da renda está nas mãos dos mais ricos. Já os 10% mais ricos no Brasil concentram 41,9% da renda total. A análise é do Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado nesta segunda-feira 9.
Em terceiro lugar da lista aparece o Chile, que concentra 23,7% de sua renda total entre os 1% mais ricos. Entre os vizinhos do Brasil também aparece a Colômbia, em 9º lugar do ranking com taxa de concentração de renda entre os 1% mais ricos de 20,5%.
O relatório também avaliou os países de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que tem como base indicadores de saúde, educação e renda. Medido anualmente, o índice vai de 0 a 1 – quanto maior, ou seja, mais próximo de 1, mais desenvolvido o país. Com IDH de 0,761, o Brasil ocupou o 79º lugar no ranking, com uma pequena melhora de 0,001 em relação ao ano passado. Ainda assim, o Brasil caiu uma posição no ranking mundial, da 78ª para 79ª posição.
Em relação ao IDH, o Brasil figura no bloco de países com alto desenvolvimento humano. Entre os países latino-americanos do grupo, Cuba está à frente do Brasil, na posição 72 e IDH de 0,778; e também o México, na posição 76 e IDH de 0,767. A Colômbia aparece empatada na posição 79 do ranking, com IDH de 0,761. O Peru aparece na posição 82, com IDH de 0,759.
No topo do ranking, entre o bloco de países com muito alto desenvolvimento humano, despontam em primeiro lugar a Noruega (IDH de 0,954), seguida da Suíça (IDH de 0,946) e Irlanda (0,942).
No pólo oposto, entre os países com baixo desenvolvimento humano, os IDHs mais baixos estão em Níger (país da África ocidental), com 0,377 e República Centro-Africana, com IDH de 0,381.
Carta Capital
Professor Edgar Bom Jardim - PE

sábado, 7 de dezembro de 2019

Longe dos estereótipos dos anos 80, como as pessoas com HIV vivem hoje

Intervenção artística Indetectável = Intransmissível de Vinícius Couto. Foto: Douglas Reder /reprodução
INTERVENÇÃO ARTÍSTICA INDETECTÁVEL = INTRANSMISSÍVEL DE VINÍCIUS COUTO. FOTO: DOUGLAS REDER /REPRODUÇÃO

No final dos anos 80, no auge da epidemia do HIV no mundo, a Assembleia Geral da ONU e a Organização Mundial de Saúde instituíram o dia 1º de dezembro como o Dia Mundial de Luta contra a Aids. O Brasil, assim como muito países, aderiu à data. Atualmente, o termo adotado é Mês da Conscientização da Causa Hiv/Aids
O HIV é a sigla em inglês do vírus da imunodeficiência humana. Causador da Aids, ele ataca o sistema imunológico, responsável por defender o organismo de doenças, e, se não for tratado, pode levar à morte.
A doença foi descoberta nos anos 80 e até o inicio dos anos 90 matou mais de 30 mil pessoas no mundo.  Conforme o vírus foi se espalhando, os noticiários da época, que ainda não sabiam exatamente do que se tratava, reforçavam estereótipos sobre a doença. O caso mais conhecido foi a capa da revista Veja, divulgada em abril de 1989, que trazia a imagem de Cazuza, o vocalista da banda Barão Vermelho. Na chamada se dizia: “Cazuza, vítima da Aids que agoniza em praça pública”, exaltando os sintomas físicos da doença como magreza e palidez.
A capa retrata como eram vistas as pessoas que possuíam o vírus nos anos 80/90. Por ser transmitido, na maioria dos casos, por relação sexual, a igreja aproveitou do momento para utilizar a epidemia como justificativa de uma “punição divina”. Drauzio Varella concedeu uma entrevista ao filme Carta Além dos Muros, que trata da doença, e classificou a atitude da Igreja Católica como “criminosa”.
Nos anos 80, o HIV e a Aids não tinham cura. A recuperação total ainda não existe, mas as pesquisas sobre a doença evoluíram e tratamentos com eficiência foram criados. No início da epidemia, uma pessoa com HIV tomava, em média, 18 medicamentos por dia. Hoje esse número chega a dois.
A ciência também conseguiu mecanismos para medir o nível de carga viral de uma pessoa que vive com HIV. Ele pode ser diminuído pelo uso dos medicamentos e, se chegar a um ponto indetectável, o vírus não é mais transmitido para outra pessoa.
Outras formas de prevenção foram descobertas. A profilaxia pré e pós-exposição (Prep e Pep) se tornaram maneiras de barrar o vírus. A Prep é um remédio tomado diariamente que bloqueia a entrada do vírus e a Pep é para quem teve contato com o vírus e consegue “matá-lo” em até 72 horas após a exposição tomando o remédio no período de um mês. No Brasil, todos esses tratamentos estão disponíveis gratuitamente no SUS.
Apesar das mudanças, o preconceito contra pessoas soropositivas continua. A imagem do Cazuza magro na capa da Veja ainda domina o imaginário popular sobre pessoas que vivem com o HIV e o medo da morte associado à doença segue utilizado como forma de prevenção, o que só aumento o preconceito.

Como as pessoas com HIV vivem hoje?

Lucas Raniel tem 27 anos e há seis vive com o vírus. Ele se tornou uma referência na divulgação de informação sobre como é viver com HIV e métodos de prevenção da infecção. Publicitário, ele mora no centro da capital paulista, utiliza seu Instagram e seu canal no Youtube (“Falo Memo”) para produzir conteúdo sobre o tema.
A trajetória de Lucas na divulgação de informação sobre o vírus começou em 2013, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Na época, ele, com 20 anos, cursava Publicidade e Propaganda e passou por um episódio de abuso sexual. Saiu de uma festa alcoolizado e foi se encontrar com um rapaz que conheceu por um aplicativo de relacionamento. Chegou ao local e não se lembra de mais nada. “Apaguei lá. Foi chocante”, relembra.
Alguns meses após o episódio, Lucas começou a sentir sintomas diferentes, como feridas e emagrecimento. Essas alterações levaram-no a procurar um posto de saúde e se testar. Quando o resultado positivo saiu, ele conta que viu o mundo desabar. “Achei que iria morrer. Na época, não tinha informação nenhuma. Achei que nunca mais iria me relacionar com ninguém”, conta Lucas.
LUCAS RANIEL. FOTO: REPRODUÇÃO
Lucas chegou a sofrer agressão física após contar para um rapaz, com o qual ele teve relação, que era soropositivo. “Depois desses episódios, voltei para casa da minha mãe, em Guararapes , pois estava depressivo. Me cuidei e voltei para Ribeirão muito mais forte”, conta.
Em 2017, depois de se informar e se aceitar, o jovem resolveu sair do armário e publicou um texto em seu Facebook assumindo a infecção. Era a largada para virar um influenciador digital.
Centenas de pessoas procuram o youtuber para tirar dúvidas e pedir conselhos. “Há uma deficiência sobre informação. Se o Estado realizasse aula de educação sexual nas escolas, nada disso teria acontecido. Se eu soubesse da Pep, teria tomado e não estaria infectado. Negligência do Estado nesse contexto. Acabei abraçando essa causa.”

E como fica a rotina com o HIV? “É muito tranquilo. Sou muito mais saudável do que era há seis anos. Uma medicação deixa minha carga negativada. Sei tudo o que acontece na minha saúde, no meu corpo”, explica.

A transmissão vertical 

A artista plástica Micaela Cyrino tem 31 anos e durante toda a sua vida viveu com o HIV. A paulistana contraiu o vírus de forma vertical, quando a mãe passa para o filho durante a gestação.
Esse cenário mudou. Se uma pessoa grávida seguir todas as recomendações médicas, a possibilidade de infecção do bebê reduz para níveis menores que 1%. Curitiba foi a primeira cidade brasileira a eliminar a transmissão vertical, no ano de 2017, mostrando que é uma realidade possível.
Na época em que Micaela nasceu a história era diferente. Nos anos 80, início da epidemia, o tratamento do HIV ainda era algo distante e a morte era quase que inevitável. Os pais dela morreram quando tinha apenas seis anos e Micaela foi enviada para um abrigo de crianças soropositivas.
Lá teve uma vida “bem vivida” e iniciou seu processo de militância sobre o tema. No abrigo, segundo Micaela, eram feitos encontros semanais com espaço para as crianças. “Isso formou meu caráter e me fez crescer”, diz.
Micaela chegou a realizar o tratamento com 18 medicamentos diários. Ela lembra que, na época, sentia dores no estômago, tinha vômitos constantes e muito mal estar. A partir de 2015, a artista conta que houve uma melhora no tratamento oferecido. Hoje consegue manter uma vida sem implicações.
Toma dois medicamentos por dia e comparece ao médico duas vezes ao ano, o que é recomendado para quem já conseguiu tornar a carga viral indetectável.
MICAELA CYRINO. FOTO: REPRODUÇÃO
Quanto ao preconceito. Micaela enxerga uma melhora desde o início da epidemia. “Existe um preconceito um pouco diferente do início da epidemia, mas eu sou uma mulher negra, então comparando ao racismo, que é estrutural e cotidiano, acredito que violência é maior que a sorofobia”. Segundo dados do Ministério da Saúde,  aproximadamente 60% das pessoas que possuem HIV no Brasil se declaram pardos ou negros.
Micaela faz parte do Coletivo Amem que atua na luta pela garantia de direitos da população negra a partir do reconhecimento da diversidade. O coletivo inclui, também, a pauta sobre o HIV. “Eu sempre vou ter algo pelo que lutar.”

A luta contra o preconceito transformada em arte

O diretor de arte Vinícius Couto tem 31 anos e há três vive com o vírus do HIV. Quando o paulistano ainda morava no Rio de Janeiro, em 2016, realizou um teste de rotina e se descobriu soropositivo. “Foi um baque, um silêncio absurdo. Fiquei na cama jogado e esqueci tudo que tinha aprendido. A gente sente nojo do corpo, se sente perverso, promíscuo. Reproduz tudo que é estruturalmente aprendido”, conta.
Vinícius voltou para São Paulo, onde mora sua família, e deu início ao tratamento. Durante dois anos, ficou se cuidando sem contar para ninguém sobre sua condição, até que chegou um momento que ele sentiu a necessidade de se assumir.
“Não conseguiria viver mais em silêncio. O silêncio é uma ferramenta do conservadorismo de muita coisa. O que eu vejo hoje é que as pessoas são presas nos anos 80, na capa da Veja do Cazuza. Precisamos de novas representações. O silenciamento é uma das coisas que mais gera tristeza, solidão e isso faz com que as pessoas morram aos poucos”, diz.
Vinícius passou a realizar performances artísticas falando sobre o tema. A primeira aconteceu no Egito, local onde pessoas com HIV são proibidas de entrar. “Acharam o remédio e não entenderam que era de HIV.”
INTERVENÇÃO ARTÍSTICA INDETECTÁVEL = INTRANSMISSÍVEL. FOTO: REPRODUÇÃO
Ele já realizou algumas apresentações em São Paulo, incluindo no dia 1º de dezembro, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Agora seguirá para outras cidades do País. A próxima performance acontece no dia 14 de dezembro, no Rio de Janeiro. “Precisamos humanizar o tema. Todo mundo tem algum caso de pessoa próxima, mas não sabe, porque não se fala.”
Carta Capital

Professor Edgar Bom Jardim - PE