Direito de imagemAFPImage captionA Bolívia vive uma onda de protestos desde as eleições de 20 de outubro
Direito de imagemREUTERSImage captionMovimentos sociais leais a Evo Morales exigem a renúncia imediata da presidente interina Jeanine Áñez
Produtos básicos quase esgotados nos supermercados, filas para comprar pão nas primeiras horas do dia, ruas vazias devido à falta de gasolina... La Paz ainda guarda na memória as cenas mais marcantes dos cercos à cidade em 2003 e 2005.
Em ambas as ocasiões, todos os acessos à capital da Bolívia foram fechados para que nenhum alimento, gasolina ou botijões de gás pudessem entrar.
Nas duas ocasiões, povos indígenas, moradores da cidade de El Alto, produtores de folhas de coca e outros setores decretaram o "cerco de Tupac Katari" a La Paz, uma medida que os mesmos grupos anunciaram nesta semana para defender o ex-presidente Evo Morales.
Morales exilou-se no México após renunciar e pede para retornar à Bolívia para concluir seu mandato até janeiro de 2020. Enquanto isso, as organizações leais a ele não desistem e exigem a renúncia imediata da presidente interina, Jeanine Áñez.
Quatro semanas após as eleições em que a oposição denunciou ter ocorrido uma fraude e que, segundo a Organização dos Estados Americanos (OEA), teve "irregularidades", estes movimentos sociais apelam para uma estratégia que já funcionou antes e que se origina no século 18.
A lenda do cerco
Em 2003, uma mobilização que aparentemente não representava um perigo real para o governo de Gonzalo Sánchez de Lozada transformou-se em um protesto maciço que terminou com a renúncia do então presidente.
As primeiras mortes ocorridas na crise agravaram a situação e levaram as Províncias indígenas no entorno de La Paz a tomar uma decisão: reeditar o cerco de Túpac Katari.
A violenta resposta do governo em El Alto acabou sendo conhecida como o Massacre de Outubro e deixou mais de 70 mortos. Gonzalo Sánchez de Lozada renunciou algumas semanas depois, em 17 de outubro de 2003.
Direito de imagemGETTY IMAGESImage captionOs piores episódios de violência foram registrados em CochabambaDireito de imagemGETTY IMAGESImage captionOs plantadores de coca de Chapare continuam a defender Evo Morales
Em 2005, com Carlos Mesa como presidente, houve uma nova crise política que levou a um novo bloqueio total de La Paz. A medida funcionou mais uma vez, e o mandato de Mesa terminou prematuramente em meados daquele ano.
Essa estratégia remete a 1781, um dos anos mais icônicos das lutas dos povos indígenas contra o colonialismo espanhol. Julian Apaza, conhecido como Túpac Katari, liderou dezenas de milhares de indígenas no cerco à cidade de Nossa Senhora da Paz por vários meses, desencadeando cenas de horror e desespero entre os espanhóis e descendentes de espanhóis que viviam ali.
Embora o cerco tenha sido derrotado e Katari punido com a morte, esse episódio ficou conhecido como um feito indígena que forçou os representantes da colônia a ficarem de joelhos por alguns meses.
Direito de imagemGETTY IMAGESImage captionEm 2003, o acesso rodoviário a La Paz foi bloqueado
Em meados de novembro (2019), Evo Morales fez uma menção ao líder indígena em sua conta no Twitter. "O imperialismo espanhol pensou que, ao desmantelar Túpac Katari há 238 anos, acabaria com a força do povo para romper as correntes do colonialismo. Hoje, mais do que nunca, a luta continua. Diante da repressão do golpismo racista, repetimos a frase: 'Voltarei e serei milhões!'."
A reedição do cerco
Após a renúncia de Evo, uma grande marcha de moradores das Províncias indígenas percorreu La Paz. "Agora sim, guerra civil", eles gritavam enquanto avançavam pelo centro da cidade e caminhavam ao redor do Palácio do Governo e da Assembleia Legislativa Plurinacional.
"Cerco até as últimas consequências, companheiros", disse um dos manifestantes que vestia um poncho vermelho e carregava uma wiphala, bandeira indígena elevada a símbolo nacional por Morales.
Ele explicou que o objetivo dos manifestantes é deixar La Paz "sem um grão de arroz", conforme uma decisão tomada no fim de semana, em uma assembleia dos representantes das Províncias e de organizações sociais ligadas a Morales, na cidade de El Alto, quando decidiu-se sufocar a capital boliviana até que Áñez deixe a Presidência.
Direito de imagemREUTERSImage captionOs apoiadores de Morales exigem a renúncia imediata da presidente interina, Jeanine Áñez
Caso ela não renuncie, o cerco começará entre as próximas terça e quarta-feiras (26 e 27/11) , com uma greve por tempo indeterminado e o "bloqueio de mil ruas".
No entanto, as organizações de El Alto ligadas a Morales não são as únicas que se juntarão à mobilização. As federações de produtores de folha de coca de El Chapare, no centro da Bolívia, também deram um ultimato a Áñez e dizem que nunca abandonarão o homem que começou como "um deles" e "chegou ao poder em defesa da coca".
O medo do cerco
Lizzy Moraibe é uma estudante universitária de 20 anos e foi a La Paz para estudar. Nos cercos de 2003 e 2005, ele morava em Santa Cruz e tinha menos de 6 anos de idade. Ela diz que não sabe muito bem o que comprar para estocar antes do cerco.
"Há cada vez menos comida, e não sabemos quando isso vai acabar", diz Moraibe, que mora sozinha e vai ao mesmo restaurante todos os dias para almoçar. "A cozinheira toda vez me diz que há menos comida. Que não há frango, agora não há carne. Tudo está acabando."
Direito de imagemREUTERSImage captionOs indígenas aymaras concordaram em se juntar ao cerco a La Paz
Por outro lado, Joeris Vera sabe muito bem como foram os cercos recentes e decidiu aproveitar uma tarde livre para ir aos mercados. Por 2 kg de carne bovina, pagou o equivalente a R$ 126, algo que não deveria custado mais do que R$ 84 antes da atual crise.
"Felizmente, consegui isso, mas acho que a fila para o frango era de três horas", diz ele, resignado.
Vera tem 45 anos e lembra das últimas vezes que o "cerco de Túpac Katari" obrigou La Paz a estocar mantimentos e produtos básicos — e a deixou muito parecida com uma cidade fantasma.
"Eu não quero voltar a viver aquilo. Espero que solucionem a situação de uma vez", diz ele.
Boris MirandaDa BBC News Mundo na Bolívia
Professor Edgar Bom Jardim - PE
Direito de imagemSTFImage captionO presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, se manifestou em voto longo e considerado 'confuso' por outros ministros
Atualizada às 17h35 de 21/11
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, esclareceu nesta quinta-feira (21/11) que sua liminar que havia paralisado centenas de investigações e processos no Brasil há quatro meses a pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) não tem mais validade.
Na sessão de ontem, em que o STF começou a julgar se órgãos de fiscalização como a Receita Federal, o antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e o Banco Central podem repassar informações sigilosas para o Ministério Público sem prévia autorização judicial, Toffoli considerou constitucional o repasse de informações pelo antigo Coaf. "Evidentemente que cai a liminar", disse.
O filho do presidente Jair Bolsonaro é investigado por suposto desvio de recursos de seu ex-gabinete de deputado estadual no Rio de Janeiro, apuração que foi alimentada por dados do antigo Coaf, recentemente renomeado para UIF (Unidade de Inteligência Financeira).
Em julho, Toffoli aceitou seu pedido para suspender a investigação todos os casos similares no país até que o STF julgasse a constitucionalidade desses compartilhamentos por órgãos de controle.
Nesta quinta-feira, o julgamento foi retomado com o voto do ministro Alexandre de Moraes. Ele também votou a favor do livre repasse de dados da UIF para o Ministério Público e as polícias do país, inclusive quando houver solicitação por parte dessas instituições. Uma das questões em discussão no Supremo é se o repasse só pode ser voluntário, sem pedido direcionado por procuradores e promotores.
"Se o Ministério Público pede, é porque tem indícios de alguma coisa. Esses indícios têm que estar fundamentados no PIC (Procedimento Investigatório Criminal), disse Moraes.
Depois dele, o julgamento foi interrompido e será retomado na quarta-feira (27/11).
Divergência sobre Receita
Já no caso do compartilhamento de dados da Receita Federal, os dois ministros divergiram. Para Toffoli, a Receita só está autorizada a repassar "informações globais" que apontem indícios de crime para que o Ministério Público abra investigações. Segundo ele, informações detalhadas como extratos bancários e declarações de Impostos de Renda só podem ser obtidas depois disso, caso haja autorização da Justiça.
Direito de imagemMAURO PIMENTEL/AFPImage captionDefesa de Flávio Bolsonaro pediu que investigações contra o senador fossem suspensas até que recurso sobre outro processo fosse julgado
"Informações globais" seriam, por exemplo, a inconsistência entre o valor total patrimonial declarado pelo investigado no Imposto de Renda e outras movimentações realizadas por ele, segundo Toffoli.
Moraes, por sua vez, defendeu que a Receita Federal pode compartilhar com o Ministério Público todas as informações fiscais e bancárias levantadas pelo órgão em procedimento administrativo. "O compartilhamento dessa prova nada mais é do que prova emprestada, lícita", argumentou.
O ministro lembrou que, em 2016, o STF autorizou a Receita Federal a acessar dados de bancos, sem autorização judicial, quando houver procedimento administrativo para apurar possível sonegação fiscal. Naquele julgamento, a Corte considerou que havia uma transferência de sigilo do banco para a Receita.
Para Moraes, se o STF considerou constitucional o acesso dos dados bancários pela Receita, é possível também que esses dados sejam compartilhados diretamente com o Ministério Público. Isso só deve ocorrer, no entanto, após a Receita concluir administrativamente que houve irregularidade fiscal e lançar a cobrança do tributo, ressaltou o ministro.
"Se houver excesso, e excesso deve ser combatido, sempre haverá supervisão posterior judiciária no momento de (o juiz decidir) receber ou não a denúncia, condenar ou não", disse ainda Moraes ao autorizar o compartilhamento de dados sigilosos entre Receita e Ministério Público.
'Suspeita fundada'
Juristas que defendem a necessidade de autorização judicial antes do envio de dados fiscais e bancários ao Ministério Público argumentam que isso busca evitar abusos do Estado em investigações. Eles ressaltam que o artigo quinto da Constituição Federal estabelece que "são invioláveis" a intimidade e a vida privada das pessoas.
"O juiz só pode autorizar o conhecimento de sigilo fiscal de alguém se houver fundada suspeita da prática de um crime. O que está havendo é uma inversão de ordem", crítica o advogado criminalista Maurício Dieter, professor de direito penal na Universidade de São Paulo (USP) e integrante do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), que foi aceito para participar no julgamento como amicus curiae (amigo da corte).
"Ao juiz cabe avaliar se existe ou não uma base suficiente de informações que autorize violar sua privacidade, sua vida privada. O controle do juiz é para garantir que não vão devassar seu Imposto de Renda a não ser que haja a suspeita de prática de crime", reforça.
Um longo abraço encantou a internet com a fofura e inocência que só as crianças possuem.
Um vídeo tem chamado a atenção da internet desde a semana passada ao mostrar uma cena muito linda e inspiradora de dois amiguinhos que vivem nos Estados Unidos. Maxwell e Finnegan, ambos com 2 anos, estavam havia alguns dias sem se ver e ansiosos para o momento do reencontro.
Como as famílias sabem da proximidade das crianças, resolveram gravar o momento. Michael Cisneros, pai de Maxwell, publicou no Facebook o momento emocionante em que os dois amigos se veem de longe e começam a correr, um em direção ao outro, para finalizar o momento com um longo abraço, que conseguiu sintetizar todo o sentimento de um pelo outro, e encantou a internet com a fofura e inocência que só as crianças possuem.
Michael comenta que os amigos inseparáveis sempre correm para se encontrar e sorriem quando estão juntos. “Eles são inseparáveis, estão sempre superempolgados em se ver”, contou.
Ele também contou que Maxwell e Finnegan dividem praticamente tudo: “Comida, roupas, brinquedos”, e acrescentou: “Isso é tão bonito (…). Se todos pudéssemos ser assim…”
Essa cena tão especial foi gravada quando o pai de Maxwell estava voltando com o filho para casa e se depararam com Finnegan e o pai, que estavam fazendo o caminho oposto na rua. Esse encontro inesperado despertou as reações mais espontâneas que os dois meninos poderiam emitir.
Em uma semana, o vídeo postado por Michael já foi visualizado por mais de 1 milhão de internautas e tem gerado muitos comentários amorosos de pessoas que dizem sentir-se realmente sensibilizadas ao notar o carinho mútuo dos amigos, algo que falta em muitos relacionamentos entre adultos.
As crianças nascem sem nenhum tipo de preconceito ou maldade, e esse vídeo é uma prova viva disso. Elas não se atentam à raça ou condição social, apenas querem ser amigas de todo mundo e compartilhar momentos especiais juntas.
Infelizmente, conforme crescem, são influenciadas por muitos comportamentos tóxicos da sociedade que muitas vezes acabam por dissipar a pureza que existe em seus corações. Nós, adultos e responsáveis pela formação moral das crianças, devemos preservar as características positivas com as quais elas nascem.
Ensine as suas crianças a serem puras, respeitosas e amáveis com as pessoas ao seu redor. Mostre esse vídeo a elas sempre que desempenharem alguma atitude preconceituosa com alguém a sua volta e ajuste o seu próprio comportamento, porque ele sempre será o maior exemplo de suas crianças.
O Sistema Único de Saúde (SUS) é o maior e o mais democrático programa de distribuição de renda do país.
A frase não é minha, mas traduz o que penso. Foi dita por Gonçalo Vecina, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, um dos sanitaristas mais respeitados entre nós, numa mesa-redonda sobre os rumos do SUS, na Fundação Fernando Henrique Cardoso.
Estou totalmente de acordo com ela, pela simples razão de que pratiquei medicina por 20 anos, antes da existência do SUS.
Talvez você não saiba que, naquela época, apenas os brasileiros com carteira assinada tinham direito à assistência médica pelo antigo INPS. Os demais pagavam pelo atendimento, ou faziam fila na porta de meia dúzia de hospitais públicos espalhados pelo país, ou dependiam da caridade alheia concentrada nas Santas Casas de Misericórdia e em algumas instituições religiosas.
Eram enquadrados na indigência social os trabalhadores informais, os do campo, os desempregados e as mulheres sem maridos com direito ao INPS. As crianças não tinham acesso a pediatras e recebiam uma ou outra vacina em campanhas bissextas organizadas nos centros urbanos, de preferência em períodos eleitorais.
Então, 30 anos atrás, um grupo de visionários ligados à esquerda do espectro político defendeu a ideia de que seria possível criar um sistema que oferecesse saúde gratuita a todos os brasileiros. Parecia divagação de sonhadores.
Ao saber que se movimentavam nos corredores do Parlamento, para convencer deputados e senadores da viabilidade do projeto, achei que levaríamos décadas até dispor de recursos financeiros para a implantação de políticas públicas com tal alcance.
Menosprezei a determinação, o compromisso com a justiça social e a capacidade de convencimento desses precursores. Em 1988, escrevemos na Constituição: “Saúde é direito do cidadão e dever do Estado…”.
Por incrível que pareça, poucos brasileiros sabem que o Brasil é o único país com mais de 100 milhões de habitantes, que ousou levar assistência médica gratuita a toda a população.
Ao SUS faltam recursos e gestão competente para investi-los de forma que não sejam desperdiçados, desviados pela corrupção ou para atender a interesses paroquiais e, sobretudo, continuidade administrativa.
Falamos com admiração dos sistemas de saúde da Suécia, Noruega, Alemanha, Inglaterra, sem lembrar que são países pequenos, organizados, ricos, com tradição de serviços de saúde pública instalados desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
Sem menosprezá-los, garantir assistência médica a todos em lugares com essas características, é brincadeira de criança perto do desafio de fazê-lo num país continental, com 210 milhões de habitantes, baixo nível educacional, pobreza, miséria e desigualdades regionais e sociais das dimensões das nossas.
Para a maioria dos brasileiros, infelizmente, a imagem do SUS é a do pronto-socorro com macas no corredor, gente sentada no chão e fila de doentes na porta. Tamanha carga de impostos para isso, reclamam todos.
Esquecem que o SUS oferece gratuitamente o maior programa de vacinações e de transplantes de órgãos do mundo. Nosso programa de distribuição de medicamentos contra a aidsrevolucionou o tratamento da doença nos cinco continentes. Não percebem que o resgate chamado para socorrer o acidentado é do SUS, nem que a qualidade das transfusões de sangue nos hospitais de luxo é assegurada por ele.
Nossa Estratégia Saúde da Família, com agentes comunitários em equipes multiprofissionais que já atendem de casa em casa 2/3 dos habitantes, é citado pelos técnicos da Organização Mundial da Saúde como um dos importantes do mundo.
Pouquíssimos têm consciência de que o SUS é disparado o maior e o mais democrático programa de distribuição de renda do país. Perto dele, o Bolsa Família não passa de pequena ajuda. Enquanto investimos no SUS cerca de R$ 270 bilhões anuais, o orçamento do Bolsa Família mal chega a 10% desse valor.
Os desafios são imensos. Ainda nem nos livramos das epidemias de doenças infecciosas e parasitárias, já enfrentamos os agravos que ameaçam a sobrevivência dos serviços de saúde pública dos países mais ricos: envelhecimento populacional, obesidade, hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares, câncer, degenerações neurológicas.
Ao SUS faltam recursos e gestão competente para investi-los de forma que não sejam desperdiçados, desviados pela corrupção ou para atender a interesses paroquiais e, sobretudo, continuidade administrativa. Nos últimos dez anos, tivemos 13 ministros da Saúde.
Apesar das dificuldades, estamos numa situação incomparável à de 30 anos atrás. Devemos defender o SUS e nos orgulhar da existência dele.
Hoje em Barueri (SP), quatro pessoas em situação de rua morreram envenenados. Segundo informações, oito pessoas consumiram uma bebida que teria sido entregue por um homem desconhecido no centro da cidade. As outras quatro vítimas foram socorridas e estão no Sameb em estado grave. A Polícia segue investigando o caso para tentar identificar o autor dos crimes.
As pessoas já não tem casa para morar, nem emprego, nem acesso à saúde, educação. O criminoso perde tempo e dinheiro para comprar veneno, mas não gasta para comprar um casaco e ir perguntar se a pessoa precisa de ajuda.
O EX-PRESIDENTE LULA, EM SÃO BERNARDO DO CAMPO. (FOTO: RICARDO STUCKERT)
Veículos, de forma desonesta, tentam comparar Lula e Bolsonaro, como se fossem faces da mesma moeda.
Estive no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo no sábado 9. Tinha passado lá dois dias em abril de 2018, durante a prisão de Lula. Queria estar também na sua liberdade. Tenho críticas ao PT, várias, e a Lula também, várias, mas nunca deixo de me surpreender com o tamanho político dele. Forte, física e psicologicamente, com paixão, com firmeza, Lula sai da cadeia maior do que entrou.
Esta é a questão com os grandes momentos de crises nacionais, que algumas figuras públicas se engrandecem, ganham maiores proporções, e outras figuras se apequenam, ficam minúsculas, como apagadas, desvanecidas. Neste caso, aquelas de Fernando Henrique Cardoso e, sem dúvida, para mim, Ciro Gomes, que não tiveram a mínima dignidade de postar nas suas redes sociais uma mensagem de alegria no dia da soltura do ex-presidente. Gestos mesquinhos que não passam despercebidos aos olhos da História.
Segundos depois da primeira aparição em liberdade de Lula em Curitiba, começou por parte da mídia um dos discursos mais miseráveis, tacanhos e desonestos dos últimos tempos: ressuscitaram a tal polarização, colocando Bolsonaro e Lula no mesmo patamar, numa comparação simétrica, numa situação de igualdade. Por favor…
Bolsonaro e seus filhos afirmam metralhar “petralhas”, exaltam a memória do monstro Carlos Brilhante Ustra, insinuam fechar o Supremo Tribunal Federal e defendem um novo AI-5. Lula mira o emprego, a pobreza, a educação, o povo. Gostemos ou não do ex-presidente, devemos reconhecer que o antipetismo promovido pela mídia é covarde e mentiroso.
Tampoucodeixo de me surpreender com o efeito que Lula provoca em muitos. E aqui vem outra grande crítica, desta vez à parte de grupos progressistas que não são lulistas ou petistas. Acho desagradável quando vejo supostos progressistas a tratar os apoiadores que estavam em São Bernardo ou aquele que estiveram com Lula em outras ocasiões como gado, imbecis que seguem cegamente o líder, como se professassem uma fé e não uma opção política.
O carisma de Lula encanta, seduz e às vezes cega. A personalidade dele é enorme e muitas vezes pode ser confundida com certo salvacionismo, mas basta de pensar que o povo é idiota. Quem estava em São Bernardo, que acompanha Lula, gosta dele por um motivo.
Podemos ter muitas críticas ao partido e a Lula, e temos, mas é um dado inegável que praticamente todos melhoraram de vida durante os governos petistas. Até os bolsonaristas mais radicais que entrevisto para as minhas pesquisas reconhecem isso, alguns envergonhados, inclusive, mas o reconhecem. Então basta de tratar aqueles como estúpidos, como se sempre fossem passíveis de ser enganados, iludidos. Basta de tratá-los como se não tivessem um conhecimento próprio que na maioria das vezes não vem da academia ou da teoria, mas da vida, da biografia.
Em uma de minhas viagens ao Ceará, lembro-me de uma senhora que me disse: “Como não vou amar Lula se ele me deu um sorriso pela primeira vez (referia-se ao programa Brasil Sorridente)”. Outra senhora, vizinha, me contava, toda orgulhosa, como o sertão cearense tinha mudado depois de Lula e como ela mesma tinha conseguido montar seu próprio negócio: “Agora eu tenho alguma coisa, ainda é pouco, mas, para quem não tinha nada, é muito”.
Quantas vezes escutei de pessoas da periferia que Lula foi o primeiro a tratá-las com dignidade. Em uma das minhas últimas entrevistas, aliás, um senhor da Zona Leste de São Paulo emocionou-se ao falar de Lula e me disse que ele tinha sido o único a tratar os pobres com dignidade num país em que todos os esculacham. Quantos alunos eu mesma formei e que, se não fossem as cotas, nem sequer poderiam sonhar em entrar na universidade.
Quantas empobrecidos votaram em Bolsonaro pela decepção com a corrupção petista e que agora estão decepcionadas com o governo confessaram-me que poderiam votar em Lula de novo, pois nele poderiam voltar a confiar. Esse mesmo povo agora perde tudo com Bolsonaro: desempregado, precarizado, sem perspectiva de presente ou de futuro.
Lula, é evidente, representa esperança para muitos deles. Falta empatia, pois há muitos que se declaram de esquerda. Falta humanidade para entender o País. Aos líderes ressentidos com Lula e com sua força, aconselho: tentem vocês representar a mesma esperança que Lula representa. Conseguem?