domingo, 13 de outubro de 2019

Os territórios batizados por Colombo e que mantiveram seus nomes até hoje

Pintura de Peter Johann Nepomuk Geiger (1805-1880)Direito de imagemGETTY IMAGES
Image captionCristovão Colombo batizou muitas ilhas e territórios
Em 3 de agosto de 1492, com o aval dos reis católicos da Espanha, o explorador italiano Cristóvão Colombo partiu do porto de Palos de Moguer, no sul da Península Ibérica, rumo às Índias.
Ele e sua tripulação navegaram pelo Oceano Atlântico nas embarcações Santa Maria, Pinta e Niña por cerca de 70 dias até que, na noite de 11 e 12 de outubro, se depararam com uma ilha que acreditavam ser seu destino final.
"Eles chegaram a uma ilhota (...) chamada na língua dos índios de Guanahani", diz o livro "As quatro viagens e o testamento", de Cristovão Colombo, que compila as anotações dos diários do explorador.
Em seguida, essa ilha, habitada por indígenas taínos, foi chamada por Colombo de San Salvador.
Sabe-se que a localidade fazia parte do arquipélago das Antilhas. Atualmente, há um debate entre historiadores sobre se essa ilha seria San Salvador (Watling), nas Bahamas

Mapa que inclui palavra AméricaDireito de imagemBIBLIOTECA DO CONGRESSO DOS EUA
Image captionMapa de 1507 é considerado certificado de nascimento da América, pois foi a primeira vez que essa palavra foi usada para denominar o continente
Mas San Salvador foi apenas o primeiro de uma série de nomes com os quais Colombo batizou terras, rios, cabos, penínsulas e portos no novo território.
E muitos deles estão documentados em seus diários de viagem.
Mas quais são eles?

Trabalho difícil

Pegar um mapa e traçar a rota que Colombo fez não é uma tarefa fácil.
Ainda mais complexo é tentar combinar as centenas de territórios e acidentes geográficos que Colombo batizou e que ainda mantêm seu nome de batismo.
Ilustração do momento em que Colombo chega ao "Novo Mundo"Direito de imagemGETTY IMAGES
Image captionA primeira ilha que Colombo pisou no "Novo Mundo" seria nas Bahamas
Historiadores consultados pela BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC, dizem se tratar de um trabalho que ninguém fez.
"Encontrar os nomes que ele deu não é muito complicado, mas saber se eles ainda estão em uso é mais difícil", explica à BBC News Mundo o historiador luso-americano Manuel Rosa.
Confira abaixo, em ordem alfabética, a lista dos países no continente americano que foram batizados por Colombo há mais de 500 anos.

1. Antigua e Barbuda

Esta pequena nação é composta por Antigua e Barbuda, que são as duas maiores e mais importantes ilhas do arquipélago, além de ilhotas, incluindo a desabitada Redonda.
Antigua foi visitada por Cristóvão Colombo em 1493 , durante sua segunda viagem ao "Novo Mundo".
Ele a batizou em homenagem à igreja de Santa María de la Antigua, em Sevilha, na Espanha, de acordo com o "Dicionário Conciso de Nomes de Lugares do Mundo", da editora britânica Oxford.
Então, em 1632, Antígua foi colonizada pelos ingleses e o mesmo aconteceu com Barbuda, em 1678. Esta última tornou-se dependente de Antígua no século 18.
Nos dois séculos seguintes, as ilhas permaneceram sobre domínio britânico até que, em 1981, Antígua e Barbuda declararam sua independência.

2. Costa Rica

San José, capital da Costa RicaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionCosta Rica é chamada assim porque Colombo pensou que estava cheia de ouro
Cristóvão Colombo deu nome a esse país em 1502, durante sua quarta viagem.
"Possivelmente por causa da crença (errada) de que encontraria ouro lá, já que nativos usavam ornamentos desse metal precioso. O que ele não sabia era que o ouro era importado", diz o livro da editora Oxford.
No entanto, a costa era rica em madeira, frutas e água.
O nome Costa Rica foi oficializado em 1539 e, no ano seguinte, embora ali não houvesse assentamentos espanhóis até 1561, começou a fazer parte do vice-reinado da Nova Espanha.
Em 1568, a região foi absorvida pelo novo reinado da Guatemala, até declarar independência em 1821 e ingressar no Império Mexicano.
Dois anos depois, foi um dos membros fundadores das Províncias Unidas da América Central.
A Costa Rica é uma república independente desde 1848. E, curiosamente, sua moeda é chamada de colón (colombo, em espanhol).

3. Cuba

Mulheres cubanasDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionCuba não foi o primeiro nome dado por Colombo, mas prevaleceu sobre os demais
O nome de Cuba é um caso muito especial entre todos os nomes atribuídos por Cristóvão Colombo.
E é talvez um dos que ele mais menciona em seus diários de viagem. Aparece cerca de 19 vezes durante a primeira viagem, de acordo com o livro "As quatro viagens e o testamento".
"O que aconteceu com o nome Cuba é algo engraçado, porque ele a chama de Juana e os nativos a chamam de 'Colba' e, na próxima vez em que ele menciona o nome da ilha, ele passa a chamá-la de Cuba", explica Rosa, autor de vários livros sobre a vida de Cristóvão Colombo.
Em 23 de outubro de 1942, Colombo escreveu: "Gostaria de partir hoje para a ilha de Cuba, que acredito ser Cipango, de acordo com os sinais dados por essas pessoas sobre sua grandeza e riqueza".
Cipango é o nome pelo qual europeus e chineses chamavam o Japão. Portanto, é provável que Colombo tenha pensado que Cuba era o Japão, como ele mesmo expressa em seu diário.
Apenas em 5 de dezembro daquele ano, Colombo chama Cuba de Juana. A partir de então, faz essa correlação várias vezes no diário, como se as duas palavras fossem sinônimas.
Outro fato marcante é que "o único lugar que se chamava Cuba naquela época se localizava em Portugal", acrescenta Rosa, destacando a suposta conexão entre o explorador e o reino de Portugal.

4. Dominica

DominicaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionDominica se chama assim porque Colombo chegou ali num domingo
O país caribenho foi visitado por Cristóvão Colombo em 3 de novembro de 1493, um domingo.
Por isso, o explorador o batizou em homenagem ao dia de Deus, no Latin Dies Dominica ou domingo.
Os nativos o chamavam de Waitukubuli, que significava "alto como seu corpo", em referência à cordilheira que percorre a ilha de norte a sul, diz o livro da editora Oxford.
Dominica passou às mãos dos britânicos em 1783 e fez parte de várias federações coloniais durante os dois séculos seguintes.
Tornou-se um Estado Associado do Reino Unido com um governo autogerenciado em 1967, antes de se tornar uma república independente em 3 de novembro de 1978, coincidindo com o 485º aniversário da chegada de Colombo à ilha.

5. Jamaica

Casas coloridas na JamaicaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionJamaica foi visitada por Colombo em 1494
A Jamaica foi visitada por Colombo em 1494.
Embora o explorador não lhe tenha dado esse nome, sempre se referia à localidade dessa maneira.
Colombo menciona "Jamaica" seis vezes em sua quarta viagem.
O nome original dado pelos aborígines aruaques à ilha é Xaymaca ou Yamaya, que significa "terra de madeira e água".
Mais tarde, em seu testamento, Colombo a chamou de Santiago : "Descobri muitas ilhas (...), entre as quais a Jamaica, que chamamos de Santiago". Mas claramente esse nome não perdurou.
A ilha ficou sob posse espanhola até 1655, quando foi conquistada pelos britânicos.
A Jamaica é um estado independente desde 1962.

6. Hispaniola

Praça em Santo Domingo, República DominicanaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionHispaniola é a ilha compartilhada pela República Dominicana e pelo Haiti
Hispaniola é a ilha compartilhada pela República Dominicana e pelo Haiti.
E foi o primeiro assentamento espanhol no "Novo Mundo".
Os nativos chamavam a ilha de Bohio, Baneque ou bareque antes de Colombo chegar em 1492 e batizá-la de Hispaniola.
Durante a presença espanhola, às vezes foi chamada de Santo Domingo (atual nome da capital da República Dominicana).

7. Santa Lúcia

Praia de Santa LúciaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionSanta Lúcia se chama assim porque Colombo a teria visitado pela 1ª vez no dia de Santa Lúcia
Acredita-se que a ilha tenha sido visitada por Colombo pela primeira vez em 1502, possivelmente em 13 de dezembro, dia de Santa Lúcia.
Trocou de mãos entre franceses e ingleses várias vezes durante o século 17, mas mas foi cedida ao Reino Unido em 1814 e tornou-se uma das Ilhas de Barlavento em 1871.
Santa Lúcia ganhou independência em 1979.
Seu nome original era Iouanalao, que significa "o lugar onde a iguana foi encontrada", de acordo com o livro da editora Oxford.

8. São Vicente e Granadinas

São Vicente e GranadinasDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionSão Vicente faz alusão a mártir religioso enquanto Granadinas, à cidade espanhola
Colombo chegou à ilha de São Vicente em 22 de janeiro de 1498, no dia em homenagem a San Vicente de Zaragoza, um mártir que morreu torturado em 304.
O nome das Granadinas refere-se à cidade espanhola de Granada.
As ilhas de São Vicente e Granadinas passaram ao domínio britânico em 1763, embora os aborígines nativos tenham mantido o controle da ilha até 1796.
O nome original de São Vicente era Youlou ou Hairoun, que significa "Lar dos Abençoados".
São Vicente e Granadinas conquistou sua independência em 1979.

9. Trinidad (e Tobago)

Port of Spain em Trinidad e TobagoDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionTrinidad e Tobago está a 11 quilômetros da Venezuela
O arquipélago é composto por duas ilhas principais, Trinidad, que é a maior e a mais populosa, e Tobago, além de várias ilhas menores.
A República de Trinidad e Tobago era originalmente chamada de Leré pelos nativos caribenhos, o que significa "Terra dos beija-flores".
Cristóvão Colombo chegou à ilha em 1498 e deu o nome de Trinidad por causa dos três picos que cercam o sul da baía onde desembarcou. Para ele, representavam a Santíssima Trindade, explica o livro da editora Oxford.
Nos diários de suas quatro viagens, Colombo descreve repetidamente a beleza que encontrava enquanto percorria a região.
"As águas são sempre muito claras e o fundo é visível ... São ilhas muito verdes e férteis com ar muito doce, e pode haver muitas coisas que eu não sei ...".
"Acredito que exista o Paraíso Terrestre, aonde ninguém pode ir, exceto por vontade divina. E acredito que esta terra que Vossas Altezas mandaram descobrir agora é muito grande e há muitos outros no Austro de que nunca houve notícias", escreveu o explorador.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Como a corrida mundial pelo processamento de dados pode 'colonizar' o Brasil e outros países?


Pessoas usando computadores e celularesDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionSete superplataformas sino-americanas detêm sozinhas dois terços do valor total do mercado digital no mundo
A crescente diferença entre os países na capacidade de processamento de dados faz com que muitos deles, entre os quais o Brasil, corram o risco de se tornarem vítimas de "colonialismo digital" perante a China e os Estados Unidos, aponta um relatório da Organização das Nações Unidas publicado em setembro. Essas potências lideram os avanços digitais, controlando sozinhas mais de 90% do valor de capitalização de mercado das 70 maiores empresas online do mundo.
O paralelo com a colonização se dá pelo risco de submissão e dependência econômica das nações frente às superplataformas chinesas e americanas, conforme o relatório publicado pela Conferência para Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), órgão da ONU para o desenvolvimento do comércio. Sem a capacidade de processar os próprios dados, países como o Brasil se tornam apenas fontes de conteúdo bruto e eternos clientes na compra de serviços digitais.
Pela dinâmica atual, os usuários da internet cedem de graça muitas informações a respeito de si mesmos, como idade, escolaridade, locais que frequentam, compras que realizam, perfis dos amigos. São dados que, isoladamente, não possuem valor, mas, quando observados em conjunto, revelam a personalidade e os gostos da pessoa.
De posse desse conhecimento, as plataformas mapeiam o perfil dos indivíduos e seu poder de consumo, transformando-os em "produto" ao revenderem com grande lucro as análises a terceiros. Os compradores são normalmente empresas que buscam atingir a um público alvo do qual o indivíduo faz parte — esse é o processamento de dados ao qual a ONU se refere em seu relatório.
O efeito é similar ao ciclo colonial, durante o qual se exportavam produtos de baixo valor agregado e se importavam bens de consumo acabados — uma dinâmica de desequilíbrio e dominação que remonta a essas relações econômicas assimétricas do passado, alerta o relatório da UNCTAD

Dependência digital

Nesse caso, na prática, o "produto de baixo valor" que países como o Brasil exportam são os dados crus que seus usuários oferecem gratuitamente nas redes (da selfie que você bate com a roupa nova de ginástica e posta no Facebook ao tipo de tênis que busca no Google para comprar). Por sua vez, os "bens acabados" são a análise processada desses dados, que é revendida pelas plataformas estrangeiras a empresas locais (redes de artigos esportivos, para ficar nesse exemplo).
O documento da ONU aponta que sete superplataformas chinesas e americanas detêm sozinhas dois terços do valor total do mercado digital no mundo todo: Microsoft, Apple, Amazon, Alphabet/Google, Facebook, Tencent/WeChat e AliBaba. Em conjunto, elas controlam um mercado que, em 2017, foi estimado em US$ 7,1 trilhões — individualmente, o valor de cada uma supera os US$ 250 bilhões.
Para países como o Brasil, que apenas "exportam" o conteúdo bruto, a consequência é que, ao pagar às plataformas estrangeiras para ter acesso à inteligência gerada com base na sua própria população, suas empresas nacionais, menores, não conseguem se desenvolver. E o país acaba dependente desse comércio deficitário de modo praticamente irreversível, diz a ONU.
As empresas estrangeiras saem ganhando não apenas ao lucrarem com os dados, mas também ao se fortalecem politicamente — e se consolidam em uma posição monopolística comparável às companhias marítimas comerciais europeias na época colonial.

'Você é o produto'

Redes como o Facebook oferecem serviços aparentemente gratuitos, mas coletam em troca as informações, que são guardadas em "silos" (sistemas de armazenagem que fragmentam os dados e impedem que fontes externas acessem a totalidade da informação armazenada). Esses dados alimentam os algoritmos das redes, que os exploram comercialmente — com a venda de espaço publicitário, por exemplo.
Muitos usuários ainda hoje não estão cientes que a lógica por trás dessa barganha é a do "se você não está pagando pelo produto, você é o produto", afirmam especialistas na indústria da tecnologia.
"Por que você está no Facebook? Porque todos seus amigos estão no Facebook. Quando a rede atinge uma quantidade crítica de usuários, ela passa a explorá-los. A plataforma se torna monopolística na economia real", explica o diretor do núcleo de competitividade global da instituição de ensino IMD de Lausanne, Arturo Bris.
"O perigo que vemos para o Brasil e outros países é que essas grandes empresas de dados operam como as indústrias extrativistas, que retiram os minerais, o petróleo, refinam, vendem de volta e se beneficiam desproporcionalmente dessa troca", explicou à BBC News Brasil Pilar Fajarnes, uma das autoras do relatório e oficial da UNCTAD na divisão de Tecnologia e Logística.
Pessoas com celularesDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionRedes sociais como o Facebook coletam informações dos usuários em troca da gratuidade de seus serviços
"As plataformas também se tornam monopolísticas financeiramente. Quando elas vão em busca de investidores, eles só querem investir nelas. Eles não querem apostar em uma pequena empresa desconhecida do Brasil, porque lucrarão muito mais investindo no Google, por exemplo", completa Bris, explicando um efeito conhecido como "the winner takes all", ou "o vencedor leva tudo", no jargão popular das empresas de tecnologia.
Segundo o professor de Lausanne, embora entendam que estão sendo "usados", os usuários permanecem nas redes para não perder suas conexões — o que reforça o monopólio e representa mais uma dificuldade para que empresas nacionais prosperem nesse mercado.
Além do modelo da negócios publicitário de redes como o Facebook, as opções de uso comercial das informações dos usuários são diversas.
Outro exemplo concreto dessa dinâmica "colonialista", citado pelo relatório da ONU, se aplica ao agronegócio brasileiro: é um serviço da fabricante de pesticidas e sementes Monsanto, chamado "Fieldview", que acumula dados da lavoura e condições climáticas das plantações. Com eles, produz relatórios de inteligência e depois os revende aos próprios proprietários das fazendas, como consultoria sobre produtividade.

O Brasil na lanterna

O Brasil está na lanterna da corrida digital. Em 2017, segundo dados da União Europeia citados no relatório da ONU, o impacto direto do valor da indústria da informação na economia brasileira foi de apenas 6,3 bilhões de euros, com plataformas como iFood e NuBank. No Japão, por exemplo, o impacto direto da economia da informação chega a quase 30 bilhões de euros, na Europa a 65 bilhões de euros e nos Estados Unidos a 113 bilhões de euros.
Além disso, há poucas empresas na economia digital no país. No total, há pouco mais de 36 mil empreendimentos dessa natureza registrados no Brasil — as start-ups que já cresceram e se destacam incluem Fintechs (empresas que usam tecnologia aplicada às finanças), como a PagSeguro e a Stone. Enquanto isso, na Europa, o número é de 276 mil companhias nesse segmento e, no Japão, 104 mil. Os Estados Unidos lideram com 302 mil empresas digitais.
Também faltam talentos nessa área no Brasil. O total de profissionais empregados na indústria da informação brasileira é de 1,1 milhão de pessoas. No Japão são 4 milhões de pessoas, e, na Europa, 7,2 milhões. Novamente os EUA lideram, empregando 14 milhões de profissionais de TI, segundo dados da União Europeia citados pela UNCTAD.
Enquanto o Brasil permanece estagnado, EUA e China abrem vantagem na dianteira da competitividade mundial.
Juntos, correspondem a 75% das patentes relacionadas às tecnologias blockchain (encriptação que comprime grandes quantidade de dados, usada em criptomoedas como Bitcoin e Ethereum). Essas nações também são responsáveis por 50% dos gastos globais em IoT (a chamada "internet das coisas", na qual se incluem produtos como tomadas comandadas pelo celular) e, segundo a UNCTAD, pelo menos 75% do mercado de computação em nuvem (que abastece serviços do nosso dia a dia, como o armazenamento no Google Drive).
O atraso do Brasil está quantificado no resultado da última edição do Ranking Global de Competitividade Digital, estudo compilado pela equipe do professor Bris, de Lausanne. O país ficou em 57º lugar entre todos os 63 pesquisados, parado na mesma posição que ocupava no ano passado.
O ranking é um termômetro mundial que mede a eficiência das nações em três fatores: a infraestrutura intangível, a questão técnica e a preparação futura. Na edição de 2019 foi mais uma vez liderado pelos Estados Unidos, Singapura e Suécia. A China chegou na 22ª colocação, avançando rapidamente oito posições.
No primeiro pilar, avalia-se o que está por trás do processo de transformação digital, como a capacidade do país de descobrir, compreender e adotar novas tecnologias.
Imagem ilustrativa de cadeadoDireito de imagemTHINKSTOCK
Image captionMuitos usuários ainda hoje não estão cientes da lógica das redes sociais: 'se você não está pagando pelo produto, você é o produto'
No fator tecnológico é considerado o contexto geral pelo qual o desenvolvimento da tecnologia digital ocorre — esse desenvolvimento é medido levando-se em consideração fatores como a regulamentação desse mercado, a disponibilidade de capital e o avanço tecnológico. Para se computar esses fatores, são consideradas qualidades práticas (como a velocidade da internet de banda larga no país) e perceptíveis (se as empresas desse setor são ágeis).
Por último, o fator de preparação futura estima o nível de prontidão de uma economia para assumir sua transformação digital.
"Haverá uma dominação, que você pode chamar de dominação colonial. Os Estados Unidos e a China serão os poderes coloniais deste século 21", avalia o professor Bris.

Como combater o colonialismo digital?

Apesar de a América Latina já ter registrado 19 unicórnios (start-ups com valor superior a US$ 1 bilhão) desde o início deste século até 2019, isso não anula o efeito "colonial" porque, na maioria das vezes, elas são compradas e engolidas pelas plataformas dominantes. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o aplicativo de transporte brasileiro 99, que foi comprado em 2018 pela chinesa Didi Chuxing.
O professor Bris, porém, é otimista. "As plataformas estão sob ataque, sim, não apenas econômica, mas socialmente. As pessoas estão começando a questionar, se dando conta de que estão explorando o bem mais valioso: a nossa informação."
Para Pilar Fajarnes da ONU, não há uma solução única. Ela afirma que é necessária uma abordagem com iniciativas múltiplas. "Os países devem fomentar empresas locais que façam o 'refino' dos dados, e adotar políticas que defendam a propriedade e controle dos indivíduos sobre suas informações".
Além de subsídios para criar incubadoras e preparar os talentos, segundo os especialistas, os países podem estimular as empresas locais exigindo que a indústria de softwares tenha sempre código aberto (sem direitos autorais), o que permite democratização da tecnologia. No Brasil, por exemplo, start-ups de software que recebem subsídios do governo têm o compromisso de utilizar código aberto e livre de licenças.
É importante também, segundo os expecialistas, que "os fluxos de transferência de dados transnacionais sejam regulamentados, bem como estabelecidos controles fiscais, para que as empresas paguem tributos aos países de onde extraem os dados brutos", como diz Fajarnes.
Exemplos de regulamentação estão sendo debatidos pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em uma recomendação inicial, lançada no início de outubro, a organização sugere que as multinacionais declarem seus lucros nos países onde obtiveram o ganho — e não só no local onde fica a matriz. A intenção é que os lucros de empresas (inclusive as digitais) sejam reinvestidos nos lugares onde essa riqueza foi produzida — os países poderão cobrar impostos das marcas que lucraram com dados de seus cidadãos, por exemplo. A OCDE espera concluir um acordo sobre o tema até o fim de 2020.
No caso do Brasil, como antídoto à estagnação digital, segundo os especialistas, é preciso "uma política consistente de educação, desde a primeira infância à universidade. Tecnologia e pesquisa são parte disso. Países que têm sucesso conseguem isso porque a população da base ao topo está convencida da importância da educação", nas palavras do professor Bris.
"Quebrar esse círculo vicioso exigirá um pensar 'fora da caixa', com o objetivo de encontrar uma configuração alternativa da economia digital", avalia Fajarnes.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

sábado, 12 de outubro de 2019

Mídia silencia povos do mar na cobertura de vazamento no Nordeste.



Nos jornais tradicionais, marisqueiras, pescadores(as), quilombolas e outras comunidades tradicionais afetadas pela tragédia não têm voz

*Por Iara Moura, jornalista e membro da Coordenação Executiva do Coletivo Intervozes
Quase um mês após o aparecimento das primeiras manchas de óleo no litoral nordestino é que o tema ganhou alguma menção na mídia nacional. Nos três jornais impressos de maior audiência do país, O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, a tragédia só foi anunciada no dia 26 de setembro, embora, segundo o Ibama, o primeiro registro de contaminação no litoral nordestino tenha ocorrido no dia 30 de agosto, no litoral da Paraíba.
Analisando as coberturas dos jornais impressos de 2 de setembro a 10 de outubro deste ano a partir das palavras-chave: óleo e nordeste, duas coisas chamam atenção, além da demora em noticiar o fato: a falta de diversidade nas fontes ouvidas, o que culmina na repetição à exaustão de determinados pontos de vista e hipóteses, e a ausência quase absoluta de aspas daqueles(as) mais diretamente afetados(as) pelo vazamento, os povos do mar, que certamente são as fontes mais autorizadas a falar sobre o assunto.
A pesquisa identificou a publicação de 30 textos neste período, sendo 29 notícias e 1 artigo de opinião, onde são ouvidos: ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, presidente Jair Bolsonaro, Marinha do Brasil, ICMBIO, Ibama, órgãos estaduais de Meio Ambiente, Petrobras, pesquisadores da UFBA, UFRJ, UFPE, UERJ, USP, Projeto Tamar, WWF Brasil, ministro de Minas e Energia, Associação Brasileira de Indústrias de Turismo, Capitania dos Portos, para citar apenas os mais recorrentes.
Esta semana, após a declaração de Bolsonaro de que o óleo poderia ter origem venezuelana, se somaram à lista de fontes o Ministério da Defesa e o governo venezuelano. Além destes, nota-se ainda a aparição pontual da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis, de agências de turismo como a CVC e de profissionais dermatologistas que apontam os riscos de contaminação humana pelo óleo, alertando os banhistas. No conjunto, apenas uma matéria, veiculada pela Folha de S. Paulo nesta quinta-feira 10 tem como fonte um pescador e uma pescadora.
No Jornal Nacional, campeão de audiência nos telejornais, nas oito edições analisadas de 28 de setembro a 8 de outubro, pescadores são mencionados em apenas uma matéria em nota coberta do repórter que refere-se à interrupção do trabalho ocasionada pelo óleo. Na mesma edição, as falas de Bolsonaro, Salles e de um pesquisador universitário são veiculadas. Na edição que foi ao ar, o tema ocupa oito minutos do total de 42 do jornal e novamente nenhuma comunidade é ouvida.
A concentração regional da produção de notícias no Sudeste e a falta de diversidade na cobertura jornalística são resultado direto da alta concentração de propriedade da mídia no Brasil conforme demonstrou a pesquisa “Quem Controla a Mídia”.
Tal concentração é responsável não só pela ausência de diversidade informativa entre os veículos, mas pela produção de silenciamentos históricos como este.
O silenciamento tem um resultado perverso sobre aquelas e aqueles cuja vida está intrinsecamente ligada aos manguezais, estuários, restingas, rios e mares, afinal, ao negar reconhecimento a estes atores enquanto fonte autorizada sobre esta questão, a mídia torna invisível mais uma vez os modos de vida de comunidades e povos tradicionais e retira destes a oportunidade de se colocar enquanto sujeitos de direito.
“A mídia no máximo fala sobre os animais. Só fala que a tartaruga vai morrer, que o peixe boi vai morrer, e nós? E os pescadores e nós marisqueiras que vivemos destas águas? Como é que sustenta nossas famílias com esse vazamento? Nós pescadoras e marisqueiras também temos vida, também temos importância. O mangue é a vida da marisqueira. A maré é a vida do pescador”, defende liderança do Movimento de Marisqueiras de Sergipe.
No estado de Sergipe, até o momento, foram atingidos os municípios de: Brejo Grande (foz do rio São Francisco); Estância (praia de Caueira, Abaís e Saco); Aracaju (praias do Mosqueiro, Atalaia, Coroa do Meio, Foz do rio Sergipe); Pirambu (praia de Pirambu); Barra dos Coqueiros (Pontal da Barra, praia do Jatobá, Porto, praia da Costa e Atalaia Nova); Pacatuba (praia de Ponta dos Mangues) e no Norte da Bahia, as praias de Conde (praia de Siribinha) e no município de Jandaíra, a praia de Mangue Seco, totalizando cerca de 40 km de impactos.
Embora o recorte das edições impressas dos jornais e a rápida análise do Jornal Nacional ofereça um conjunto pequeno no que concerne à quantidade de conteúdos veiculados pelos veículos de mídia sobre o tema, compreende-se que, exatamente por exigir um esforço de edição maior, o enquadramento do tema é indicador importante de como estas empresas de mídia pautam o debate público.
Nas mesmas edições em que o vazamento foi tema, por exemplo, mereceu amplo destaque os leilões do pré-sal em Abrolhos. Também neste tema a questão dos conflitos decorrentes da extração e benefício do petróleo foi tematizada sem a participação dos povos do mar.
Tal situação, conforme já tratamos neste blog, contraria o direito à informação e à comunicação essenciais aos cidadãos como destaca a Constituição Federal em dispositivos como o Artigo 5 (direitos individuais), Artigo 37 (princípios de administração pública) e os artigos 220 a 224 (que tratam da comunicação social) que contemplam o direito ao cidadão de informar, de se informar e de ser informado.
É importante lembrar ainda que o Brasil firmou compromissos internacionais nesse sentido, incluindo a assinatura do Acordo de Escazú em setembro de 2018 – tratado que estabelece os parâmetros para a participação social, acesso à informação e à Justiça em questões ambientais em países da América Latina e no Caribe.
A assinatura representa uma importante conquista para a sociedade civil na defesa dos objetivos que o acordo abrange: “garantir a implementação plena e efetiva, na América Latina e no Caribe, dos direitos de acesso à informação ambiental, participação pública nos processos de tomada de decisões ambientais e acesso à justiça em questões ambientais (…)”.
Hoje, quando o impacto do vazamento nas vidas de pescadores, mangabeiras, marisqueiras, quilombolas e populações camponesas atinge tamanha proporção, o enfoque da mídia nacional concentra-se na batalha entre declarações do governo brasileiro acusando a Venezuela e notas do governo venezuelano refutando a hipótese apresentada por Bolsonaro.
O presidente brasileiro parece seguir a cartilha dos chefes de estado do país quando confrontados com tragédias anunciadas como esta: passar a batata quente adiante e lavar as mãos. “Não é do Brasil, não é nossa responsabilidade”, declarou Bolsonaro.
Num jogo de interesses obtusos, a quem serve as escolhas editoriais da mídia brasileira ao silenciar determinadas narrativas e escolher ecoar outras?
Carta Capital
Professor Edgar Bom Jardim - PE