Manifestantes na Praça Tahir, no Cairo, após condenação do ex-presidente egípcio Hosni Mubarak (Foto: Mohammed Salem/Reuters)
Um silêncio sepulcral tomou conta neste sábado (2) da sala de audiências e das famílias das vítimas em frente ao tribunal quando foi anunciada a sentença de prisão perpétua para o ex-presidente Hosni Mubarak. Mas a absolvição de seus filhos e de autoridades de segurança pós fim ao alívio e desencadeou a ira.
Tal mudança de ambiente ocorreu porque o tribunal, após ter declarado culpados Mubarak e seu ex-ministro do Interior Habib el Adli pela morte de quase 850 manifestantes durante a revolta de fevereiro de 2011, absolveu seis autoridades de segurança, julgadas pelas mesmas acusações.
Os manifestantes gritavam principalmente "Fora poder militar", concentrando a sua ira nos militares que assumiram o poder no país após a queda de Mubarak, sob a pressão de uma revolta que teve como epicentro a mesma Praça Tahrir.
No lado de fora, a polícia antidistúrbios abria passagem e agredia com cassetetes manifestantes furiosos que lançavam latas de refrigerante vazias. Os policiais tiveram trabalho para conseguir separar manifestantes contra e a favor de Mubarak.
Manifestantes entraram em confronto com a polícia. (Foto: Amr Abdallah Dalsh/Reuters)
O presidente do tribunal, Ahmed Rifaat, começou com um discurso muito duro contra o governo de Mubarak, deitado em uma maca atrás de grades no banco dos réus, onde também estavam seus filhos, Alaa e Gamal, Habib el Adli e os seis funcionários de alto escalão do Ministério do Interior.
O reinado de Mubarak consistiu em "30 anos de uma negra, negra, negra escuridão, a escuridão de um inverno amargo", disse. A revolta deu "uma nova aurora ao Egito", acrescentou. Depois de anunciado o veredicto, foram ouvidas manifestações de descontentamento na sala onde estavam os acusados. Na parte de fora, as famílias das vítimas expressaram a sua alegria e soltavam fogos de artifício aos gritos de "Deus é grande".
Manifestantes protestam na praça Tahrir, no Cairo. (Foto: Khaled Desouki/AFP)
Mas o júbilo deu lugar à raiva quando o juiz livrou seis autoridades do Ministério do Interior e os dois filhos de Mubarak. Estes eram processados por casos de corrupção que, segundo o juiz, tinham prescrito.
"O povo quer uma luta por justiça", gritavam os advogados das vítimas, antes que fossem registrados breves confrontos no anfiteatro da academia de polícia que abriga a sala de audiência. "O veredicto levará a uma absolvição em apelação", considerou um deles, Ahmed Hasan.
A defesa de Mubarak não tardou a comunicar que apelará da sentença. Os detratores do julgamento sempre criticaram as testemunhas que compareciam no tribunal. Em seu veredicto, o juiz reconheceu que não eram confiáveis.
A multidão na Praça Tahir, por sua vez, gritava contra a definição do julgamento: "Se não conseguirmos justiça para nossos mártires, nós vamos morrer como eles". "A prisão perpétua para o povo, e a absolvição para Mubarak", ironizava um manifestante num cartaz, em referência ao veredicto do qual a defesa de Mubarak se prepara para recorrer. "Se você pensa que o antigo regime caiu, você está errado. A versão original está sendo baixada", fala um outro manifestante, também num cartaz.
Ex-presidente foi considerado culpado por massacre de manifestantes. (Foto: AFP)
Em frente ao edifício, Mohamed Abdel Fatah, pai de um menino de 11 anos que morreu atingido por um tiro durante a revolta, exibia a camisa e o casaco ensanguentados do jovem. "Nulo e sem valor, nulo e sem valor!", gritava, referindo-se ao veredicto.
"Deveria ser executado da mesma forma como executou nossos filhos", reagiu Mustafa Mursi, que perdeu um filho de 18 anos atingido por tiros em frente a um posto policial. "Este veredicto prepara o terreno para um perdão quando Shafiq chegar ao poder", acrescentou.
A multidão se reuniu em torno de um dos candidatos eliminados no primeiro turno da eleição presidencial de 23 e 24 de maio, Hamdeen Sabbahi, candidato da esquerda que ficou em terceiro lugar. Ahmad Shafiq, o último primeiro-ministro de Mubarak, enfrentará no segundo turno das eleições presidenciais de 16 e 17 de junho Mohamed Mursi, candidato da Irmandade Muçulmana.
O Exército prometeu entregar o poder antes do fim de junho depois que o nome do novo chefe de Estado for anunciado.
Os protestos, contudo, não ficaram restritos à Praça Tahir. Na cidade de Alexandria, ao norte do país, entre 4 e 5 mil pessoas se manifestavam, enquanto em Ismailiya, no Canal de Suez, cerca de 1.500 pessoas estavam reunidas, segundo correspondentes da AFP no local.
Em Suez, a leste do Cairo, algumas centenas de pessoas protestavam e por volta de duas mil pessoas se manifestavam em Port-Said, no nordeste do Egito, exigindo "uma limpeza no sistema judiciário", de acordo com testemunhas.