De empreendimentos de luxo a abrigos para sem-teto, as chamadas microcasas, popularizadas nos EUA a partir da crise econômica de 2008, continuam ganhando visibilidade em várias cidades americanas. Mas os adeptos desse estilo de moradia, geralmente definido como residências de até 46 m², costumam esbarrar em alguns problemas comuns.
Como várias prefeituras proíbem moradias muito pequenas, alguns optam por microcasas sobre rodas, que são consideradas veículos recreativos ou residências móveis (como trailers). Mas mesmo esse tipo de unidade é alvo de restrições legais em muitas cidades, o que torna difícil encontrar um lugar para instalar a casa. Além disso, as condições de financiamento para essa categoria são similares às oferecidas para veículos, com prazos e taxas menos vantajosos do que os disponíveis para residências tradicionais.
Foi com esse cenário em mente que os idealizadores de uma comunidade de microcasas na cidade texana de Austin decidiram oferecer contratos que garantem o direito de utilização do terreno onde a residência será instalada por um período de 99 anos. Em comparação, a maioria dos empreendimentos do tipo oferece contratos de curto prazo, em torno de um ano.
"A principal diferença é a natureza permanente do nosso empreendimento. É importante que as pessoas possam criar raízes, planejar o futuro", disse à BBC News Brasil o responsável pelo projeto, James Stinson, CEO da empresa Tiny Dwelling Co.
"Com o contrato de longo prazo, os proprietários conseguem melhores condições de financiamento para as casas. O prazo maior (para pagar) ajuda a reduzir custos mensais."
Os futuros moradores da comunidade, chamada Constellation ATX, poderão escolher entre 82 lotes com mensalidades de 725 dólares (cerca de R$ 2,7 mil) a 1.025 dólares (cerca de R$ 3,8 mil), dependendo da localização e do tamanho do terreno. Só serão aceitas casas de fabricantes pré-aprovados, entre eles Kasita e I. M. Home, com preço em torno de 140 mil dólares (cerca de R$ 520 mil).
Segundo Stinson, os valores ficam abaixo do que um proprietário gastaria para comprar um terreno e construir uma casa. "Em Austin, um lote básico custa em torno de 250 mil dólares. Isso sem contar gastos com infraestrutura e todo o planejamento necessário para a construção", afirma.
"Com o contrato de longo prazo, os custos ficam semelhantes aos de aluguel, mas em vez disso você tem o direito de uso do terreno por 99 anos, e é transferível. Pode vender a casa e ter lucro, o que não ocorre no caso de aluguel."
Modelos
Os nove modelos de casas disponíveis variam de 37 m² a 65 m², talvez maiores do que a imagem que o termo microcasa evoca, mas ainda assim bem menores do que o tamanho médio das residências americanas, que fica em torno de 245 m².
Todas vêm equipadas com eletricidade, água quente, wifi, lavadora e secadora de roupas. Algumas têm máquina de lavar louça e garagem.
Stinson ressalta que "truques" como pé direito alto, janelas grandes e uso de armários para criar diferentes cômodos e espaços de armazenamento escondidos fazem o espaço parecer maior.
"Apesar do preço mais baixo, a ideia não é de austeridade, e sim ter uma casa pequena com talvez até mais comodidade do que uma residência tradicional", diz Stinson.
A área inclui piscina, clube e cozinha comunitária e fica perto de cafés e restaurantes, ao contrário da maioria dos empreendimentos do tipo, que, devido a restrições legais, costumam ser localizados em áreas remotas e sem opções de entretenimento.
Stinson salienta que um dos focos do projeto é incentivar o senso de comunidade entre os moradores, que devem chegar em 2019 e são, em sua maioria, jovens profissionais. "Muitos viajam bastante por conta do emprego, não estão em Austin o tempo todo. Alguns dizem ser atraídos pela diferença de preço, dizem que com o dinheiro economizado podem viajar mais ou se aposentar mais cedo", diz.
Projetos
Microcasas costumam atrair desde pessoas que querem aderir a um estilo de vida menos consumista até aqueles que pretendem evitar as dívidas e altos custos de uma residência tradicional, em um momento em que muitas cidades americanas enfrentam escassez de moradia com preços acessíveis.
Segundo relatório da Universidade de Harvard publicado neste ano, em quase um terço dos lares americanos os moradores gastam mais de 30% de sua renda em moradia. Em 11 milhões de lares os moradores gastam mais de metade da renda em aluguel.
Diante da crise habitacional, microcasas despontam como alternativa em várias cidades. Em Nova York, há oferta de microapartamentos de luxo a partir de 24m2. No Arizona, está em desenvolvimento uma comunidade de microcasas exclusiva para professores que, de outra maneira, não teriam como pagar por moradia perto da escola. Em Portland, no Estado de Oregon, há um hotel composto por microcasas, para quem quer experimentar esse estilo de moradia.
Cidades como Chicago, Baltimore, Providence, Nashville, Madison e muitas outras abrigam projetos de microcasas destinadas a trabalhadores de baixa renda ou sem-teto. Ao contrário dos empreendimentos de luxo, essas unidades geralmente são menores e mais básicas, muitas vezes com uso compartilhado de chuveiros, cozinha, lavanderia e outras comodidades nas áreas comuns.
"Vários acampamentos de sem-teto evoluíram para comunidades de microcasas, não necessariamente porque os moradores preferem microcasas, mas porque em muitas cidades esse tipo de comunidade é mais aceita e tolerada (do que acampamentos)", disse à BBC Brasil o arquiteto Roland Graf, professor da Escola de Arte e Design da Universidade de Michigan.
Solução
Alguns críticos questionam se microcasas podem realmente ser uma solução duradoura para a crise habitacional e não apenas servir como moradia temporária.
Entre as limitações está o fato de que os moradores costumam ser jovens solteiros ou casais sem filhos, e há dúvidas se esse modelo é viável para famílias maiores.
Para Graf, há basicamente três tipos de usuários: "os sem-teto, as pessoas que querem economizar e os hipsters com muito dinheiro, que simplesmente querem demonstrar suas habilidades em design e arquitetura construindo microcasas em áreas remotas".
Graf ressalta que faz parte da cultura americana morar em casas enormes, e pode ser difícil convencer uma família de classe média a viver em 65 m2.
"Acho uma boa ideia reduzir o tamanho das residências, não apenas para torná-las mais acessíveis, mas também para reduzir o impacto ambiental", observa.
Professor Edgar Bom Jardim - PE