Quem sabe o final do tempo que rege a história? Já anunciaram profecias, alguns brincam com cartas mágicas, ficam datas na memória. A sociedade se muda, sai do sedentário, busca movimento, estimula contrariedades. De repente, as cidades se alargam, as mercadorias se renovam, as epidemias assustam e as guerras inventam novas armas. Vi alguém passar com uma máscara azul. Ouvi um grito de quem pedia ajuda. O sino tocou, mas o invisível é o mais perigoso. Dá para tatuar tantas crises e fingir que as abstrações são feitas para manter a verdade?
Dentro de casa a conversa roda. Uma televisão ligada, um telefone com ruído estranho, gente dormindo no chão, um gato solto na varanda. Há cansaço e, muitas vezes, uma escassez de movimento. Procuro as fotos para me reencontrar com as pessoas. Contar o número da saudade é um drama. O jornal avisa que existem dez lives. Como assistir? Prefiro fechar os olhos e imaginar um grande labirinto. Quem foi o arquiteto do universo? Já imaginou um paraíso de goiabas? Não haveria pecado original.
Joga-se dominó, as crianças falam e não esquecem da escola. Tanta complexidade e um governo tonto que cospe nas pessoas. Com é. duro querer compreender a história e suas distâncias do passado. Cem anos de solidão é pouco para as metamorfoses diárias. Qual a estrada de pedra que segura as incertezas? Escondo-me atrás do sofá e tento namorar com o futuro. Parece que é desejo de todo mundo. É o deserto ou o abismo? Lá está a estrela que não deixa de piscar para no azul do afeto.
Melhor é não se desesperar. Esperar para recriar o calendário e riscar as datas oficiais. Há minoria privilegiadas e milhões de pessoas com a garganta seca. Quem celebrava o êxito das tecnologias, sente que vale mais as vendas e as trocas. Sei que as ruas se tornam obscuras e uma insegurança especial toca no corpo de quem aposta numa história sem fim. Por isso, se afirma que história se aproxima de múltiplas transfigurações. Apenas, escuto os boatos e as especulações para me distrair da apatia, desertar das tensões e pensar na dança do deus embriagado.
Por Paulo Rezende.
Professor Edgar Bom Jardim - PE
Está nas mãos do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), a decisão de divulgar ou não trechos da reunião ministerial em que, segundo o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, o presidente Jair Bolsonaro teria indicado a intenção de interferir na Polícia Federal.
A Advogacia-Geral da União (AGU), que defende o governo Bolsonaro no caso, já divulgou a transcrição de alguns trechos do encontro. Nesses trechos, Bolsonaro se queixou de forças de segurança federais e disse que não esperaria "foder(em) minha família toda de sacanagem".
O presidente pediu ao STF que não divulgue o vídeo na íntegra para preservar "questões de Estado, economia e coisas pessoais" citadas pelos participantes.
Segundo relatos, entre outros acontecimentos, houve duras críticas à China e ofensas a ministros do STF na reunião.
O encontro ocorreu em 22 de abril no Palácio do Planalto. Dois dias depois, o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, deixou o cargo. Moro pediu demissão no mesmo dia.
A entrega do vídeo ao STF ocorreu no âmbito de um inquérito que apura a conduta de Bolsonaro em relação a denúncias feitas por Moro.
Após deixar o Ministério da Justiça e Segurança Pública, o ex-juiz afirmou que o presidente lhe cobrou mudanças na Polícia Federal sem apresentar justificativas plausíveis.
A BBC News Brasil lista a seguir os principais episódios que levantam suspeitas sobre a relação do presidente com a PF.
1- Demissão de Sergio Moro
Em depoimento à Polícia Federal após deixar o cargo de ministro, Moro disse que Bolsonaro queria trocar o superintendente da PF no Rio de Janeiro.
Segundo Moro, o presidente lhe enviou a seguinte mensagem no WhatsApp:
"Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro."
Moro não disse qual interesse Bolsonaro teria em interferir na divisão do Rio e afirmou que os motivos deveriam "ser indagados ao presidente".
O ex-ministro afirmou ainda que Bolsonaro vinha lhe pressionando para tirar Valeixo da direção da corporação sem apresentar justificativas convincentes.
Disse também que o presidente "relatou verbalmente no Palácio do Planalto que precisava de pessoas de sua confiança (na Polícia Federal), para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência".
Valeixo também depôs à PF após deixar a corporação.
Ele afirmou que Bolsonaro lhe disse que gostaria de nomear como diretor-geral "alguém (com) que tivesse maior afinidade", mas que jamais lhe pediu relatórios de inteligência nem tratou com ele sobre troca de superintendentes.
2 - Nomeação de Alexandre Ramagem
Após a saída de Valeixo, Bolsonaro nomeou o delegado Alexandre Ramagem como diretor-geral da PF.
Até então diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), anteriormente Ramagem foi o responsável por chefiar da segurança da campanha de Bolsonaro após a facada sofrida pelo então candidato. Nesse período, aproximou-se da família do capitão reformado.
No Réveillon de 2019, Ramagem foi fotografado ao lado do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente.
A proximidade do delegado com a família presidencial fez com que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, anulasse a nomeação, atendendo a um pedido do partido PDT.
"Analisando os fatos narrados, verifico a probabilidade do direito alegado, pois, em tese, apresenta-se viável a ocorrência de desvio de finalidade do ato presidencial de nomeação do diretor da Polícia Federal, em inobservância aos princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público", afirmou Moraes na decisão.
Bolsonaro não recorreu e nomeou então o delegado Alexandre Rolando de Souza, considerado o braço direito de Ramagem na Abin, para a direção da PF.
3 - Entrevista de Paulo Marinho
Em 16 de maio, o empresário Paulo Marinho - um dos principais apoiadores da candidatura de Bolsonaro à Presidência - disse em entrevista à Folha de S.Paulo que Flávio Bolsonaro, primogênito do presidente, soube com antecedência de uma operação policial que atingiu membros de seu gabinete.
Segundo Marinho, um delegado da Polícia Federal no Rio que simpatizava com a candidatura de Bolsonaro procurou Flávio entre o primeiro e o segundo turnos da eleição para avisá-lo da Operação Furna da Onça.
A operação trouxe à luz transações suspeitas de Fabrício Queiroz enquanto ele trabalhava como assessor de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Investigadores afirmaram que Queiroz gerenciava um esquema de "rachadinha" entre funcionários do gabinete, coletando uma parte dos salários que lhes eram pagos para entregá-la a Flávio ou destiná-la a outros fins.
Segundo Marinho, os policiais decidiram segurar a operação para que ela não prejudicasse a candidatura de Bolsonaro, postergando-a para depois do segundo turno.
O aviso do delegado sobre a operação, segundo Marinho, foi o motivo para a demissão de Queiroz e de sua filha, Nathalia, que trabalhava no gabinete de Jair Bolsonaro. Ambos foram exonerados em 15 de outubro.
No livro "Tormenta - O governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos", a jornalista Thaís Oyama também afirma que a família Bolsonaro foi avisada com antecedência da operação da PF.
Segundo ela, um "delegado amigo" fez chegar ao clã a informação de que o gabinete de Flávio Bolsonaro - assim como o de outros 20 deputados estaduais - estava sendo investigado pela prática de "rachadinha".
Oito pacientes receberam doses pequenas e médias da vacina e desenvolveram anticorpos
A empresa americana de biotecnologia Moderna anunciou nesta segunda-feira 18 resultados “positivos provisórios” na fase inicial de ensaios clínicos de sua vacina contra o novo coronavírus, em um pequeno número de voluntários.
A vacina aparentemente produziu uma resposta imune em oito pacientes que a receberam, da mesma magnitude que aqueles que foram infectados com o vírus, informou a empresa.
“A fase provisória 1, embora em estágio inicial, demonstra que a vacinação com o mRNA-1273 produz uma resposta imune da mesma magnitude que a provocada por infecção natural”, disse Tal Zaks, diretor médico da Moderna, em comunicado.
Isso sugere, embora não seja a prova final, que a vacina desencadeia uma resposta imune.
A companhia afirmou que a vacina “tem potencial para prevenir o COVID-19”. O estudo clínico é realizado pelos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, onde o governo investiu 500 milhões de dólares para essa potencial vacina.
Durante os testes, um grupo de 15 pacientes recebeu três doses diferentes da vacina. A fase 3, testando mais pessoas, começará em julho, acrescentou a farmacêutica.
A vacinação contra o coronavírus é uma prioridade global para acabar com a pandemia que deixou mais de 315.270 mortes em todo o mundo e pelo menos 4,7 milhões de casos confirmados.
Na sexta-feira passada, o presidente dos EUA, Donald Trump, disse esperar ter uma vacina contra o coronavírus até o final do ano.
Encorajadas a ficar em casa para não se expor ao novo coronavírus, muitas famílias têm preferido comprar alimentos industrializados, que duram mais tempo na despensa.
O problema é que a opção por esses itens - que tendem a ser mais calóricos e menos nutritivos que comidas frescas - pode no médio prazo acabar deixando seus consumidores mais vulneráveis a adoecer gravemente pela covid-19.
O alerta é do agrônomo brasileiro José Graziano da Silva, que chefiou a agência da ONU para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês) entre 2012 e 2019.
Em entrevista à BBC News Brasil, Graziano lembra que a obesidade, doença muitas vezes provocada pela má alimentação, é considerada um dos principais agravantes da covid-19.
O grande número de mortos pela doença nos EUA, onde 42% da população é obesa, reforça a tese. Muitos hospitais americanos têm relatado que grande parte dos adultos internados por covid-19 tem problemas de sobrepeso.
Graziano diz ainda que a maior procura por alimentos industrializados em supermercados tem prejudicado pequenos agricultores, muitos deles dependentes de feiras livres. Com o menor movimento nesses espaços, vários pequenos produtores temem não conseguir manter as atividades e começaram a descartar frutas, verduras e legumes.
"Precisamos valorizar circuitos locais de produção e consumo", defende.
Hoje consultor do Instituto Comida do Amanhã, Graziano tem passado a quarentena em sua fazenda no interior de São Paulo.
Entre 2003 e 2004, ele foi ministro de Segurança Alimentar e Combate à Fome no governo Lula, quando ajudou a implantar o Programa Fome Zero.
Formado em Agronomia pela USP, é doutor em Economia pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), onde foi professor, e pós-doutor pela Universidade de Londres e pela Universidade da Califórnia-Santa Cruz.
Na entrevista à BBC News Brasil, Graziano criticou ainda mudanças feitas pelo governo Jair Bolsonaro nas políticas de segurança alimentar e disse que "há uma desorganização completa na resposta" dos órgãos federais aos desafios atuais no setor.
Em resposta às críticas, o Ministério da Cidadania enumerou iniciativas para apoiar a agricultura familiar e cidadãos mais pobres durante a pandemia (veja a nota do órgão ao fim do texto).
Confira os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil - O diretor-executivo do Programa de Alimentação da ONU disse em abril que, por causa do novo coronavírus, o número de pessoas sob risco de morrer de fome pode passar de 130 milhões para 265 milhões. Como combater o problema?
José Graziano - Implementando políticas de segurança alimentar. Não apenas para quem está passando fome, mas também para quem está ameaçado de passar e quem sofre de malnutrição de forma geral.
Temos um número ainda maior de pessoas obesas, 804 milhões, e a obesidade é um dos elementos que podem agravar a covid-19. Pessoas com menos de 60 anos obesas têm probabilidade de morte bem maior que as não obesas.
BBC News Brasil - O sr. poderia citar exemplos de políticas de segurança alimentar que poderiam ser aplicadas em escala global? Os países mais pobres têm condições de implementá-las sozinhos?
Graziano - Os melhores exemplos são a merenda escolar comprada localmente de agricultores familiares, e o Programa de Aquisição de Alimentos em sua versão de compra com doação simultânea dos alimentos a pessoas em situação de risco alimentar.
É difícil que esses programas possam ser implementados pelos países mais pobres, porque não há apenas a questão dos recursos financeiros que eles demandam, mas principalmente da infraestrutura que precisa ter na área das políticas de segurança alimentar.
Implementar uma compra local para merenda escolar, por exemplo, faz supor que haja uma rede de escolas que tenham pelo menos uma cozinha ou um local que possa preparar seus produtos. E essa situação é muito distante da realidade da maioria dos países africanos, por exemplo.
BBC News Brasil - O sr. elogia as políticas de segurança alimentar adotadas no Brasil nas últimas décadas. Porém, uma pesquisa do Ministério da Saúde apontou que o número de obesos no país aumentou 67,8% entre 2006 e 2018. Houve falhas nessas políticas? O que precisa melhorar?
Graziano - Sem dúvida há muito a melhorar. A dimensão da obesidade foi negligenciada no primeiro momento do Fome Zero, em 2002. A preocupação era tanta em fornecer comida que não se perguntou sobre a qualidade dessa comida. Só depois é que passamos a dar prioridade às compras da agricultura familiar para merenda escolar, por exemplo. Essa lei é bastante posterior ao início do programa Fome Zero.
Mas o problema da obesidade tem muito a ver com as inovações da indústria alimentícia. A rapidez com que a indústria consegue produzir novos alimentos ultraprocessados vai muito além da capacidade do poder público de regulamentar essa matéria.
O que acho que falta é uma regulamentação mais ágil, principalmente da Anvisa e dos mecanismos de defesa do consumidor, tipo Procon, para rotulagem dos produtos e para evitar que a população continue a ser literalmente enganada pela propaganda que é feita de produtos alimentícios.
BBC News Brasil - Quais os riscos de faltar alimento no Brasil durante a pandemia? Estamos em situação melhor ou pior que países de outras regiões?
Graziano - O Brasil é um tradicional exportador de alimentos. Não vejo risco iminente de faltar alimentos, ainda mais porque estamos entrando em plena safra. A não ser uma falta localizada, por algum corte de rota, ou problema de logística de abastecimento de cidades aqui ou ali.
Estamos em situação muito melhor que outros países que dependem de importação de alimentos, como a maioria dos países africanos. Esses, sim, têm risco de crise alimentar grave.
BBC News Brasil - Em muitos países, a covid-19 reforçou posturas nacionalistas. Fronteiras foram fechadas, e a exportação de produtos médicos foi restringida. Há o risco de que essas ações restritivas se estendam para o comércio de alimentos? Como isso impactaria o Brasil?
Graziano - Se isso acontecer, aí sim corremos o risco de uma crise alimentar global. Foi o que houve no pico de preços em 2008 e 2010. Muitos países, como a Argentina e a Austrália, que foram afetadas por uma seca, restringiram a exportação de grãos.
Isso provocou uma alta desenfreada dos preços e uma corrida pra comprar. Desregulou completamente o mercado internacional.
Não vejo que a situação seja a mesma, porque na época os estoques mundiais estavam justos. Hoje estão folgados. Mas é sempre uma possibilidade se houver pânico, uma corrida para compra e estocagem.
BBC News Brasil - A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, estabeleceu o direito humano à alimentação adequada. Porém, nesta crise, temos visto que mesmo em países ricos, como os EUA, a covid-19 tem matado pessoas que tinham problemas de saúde associados a uma alimentação inadequada, como obesidade. Por que mesmo essas nações não conseguiram efetivar esse direito tantas décadas após a declaração?
Graziano - Muitos países conseguiram, mas infelizmente não saiu de uma declaração retórica. Não foram tomadas medidas efetivas direcionadas a uma alimentação adequada.
Poucos países, entre os quais o Brasil, tomaram ações para implementar política de segurança alimentar permanente, que garanta a todos uma alimentação saudável.
Infelizmente, os últimos governos, em particular o atual, iniciou um desmonte da política de segurança alimentar, começando pela extinção do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar), e culminando com tentativa de compra da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), o que inviabilizaria o programa de compra de alimentos de agricultores familiares, que é um dos pontos altos da política de segurança alimentar do Brasil.
BBC News Brasil - Quais os impactos práticos que essas mudanças trazem no cenário atual?
Graziano - O impacto mais evidente é a demora em responder à situação de crise alimentar que estamos entrando. Estamos vendo pequenos agricultores não terem mercado para seus produtos, começarem a jogar produto fora porque não têm como comercializá-los.
E estamos vendo aumentar o número de pessoas nas filas do pão, dos restaurantes populares, que estão fechando gradativamente. Enfim, há uma desorganização completa na resposta do governo na área da segurança alimentar. Isso é o reflexo do desmonte da política de segurança alimentar que começou com a extinção do Consea.
BBC News Brasil - Pequenos agricultores dizem que as políticas agrícolas do Brasil favorecem os grandes produtores de commodities. A crítica procede?
Graziano - Sim. E acho que ela tem muito a ver com o setor exportador. Os grandes produtores de commodities são os que fornecem os produtos exportados pelo Brasil e que são fundamentais para a entrada de dólares de que país tanto precisa.
Um jeito de equilibrar isso é a reativação do programa de aquisição da agricultura familiar, o PAA, que garante mercado para os pequenos produtores de não commodities também. Nós não comemos só commodities.
Nós comemos muita fruta, verdura, legumes, ovos, aves. Produtos animais que são criados localmente. Não são commodities de exportação.
BBC News Brasil - Qual categoria de produtores deve ser priorizada no atual cenário?
Graziano - Sem dúvida, os pequenos produtores, os agricultores familiares. Não apenas porque produzem a maior parte dos alimentos que consumimos, mas porque são os mais frágeis e precisam de apoio creditício e de políticas de compra de alimentos da agricultura familiar.
BBC News Brasil - Embora a ciência associada à agropecuária pareça avançar em velocidade, temos assistido à eclosão de grandes e repetidas epidemias entre animais de criação - a última delas, a peste suína africana -, que obrigam produtores a sacrificar milhões de animais e impactam a oferta global de alimentos. Esse modelo de criação animal deve ser repensado?
Graziano - Não acho que essa epidemia tenha a ver com modelo industrial de criação de animais. Acho que tem muito a ver com o íntimo contato que tem o homem com os animais (selvagens) e a falta de equipamentos de proteção e medidas de higiene.
Mas acho que esse modelo industrial pode ser melhorado se maiores cuidados de higiene forem tomados principalmente pelos seres humanos que fazem o processamento desses animais.
BBC News Brasil - O biólogo americano Rob Wallace, que pesquisa esse tema, diz que a frequência e o poder destrutivo de epidemias recentes - como a peste suína africana, a Sars e a gripe aviária - se devem à progressiva redução da diversidade genética de rebanhos e ao avanço da produção agropecuária de grande escala sobre áreas de floresta, o que amplia a interface entre pragas selvagens e atividades humanas. O que o sr. acha?
Graziano - Não sou especialista, mas partilho da preocupação sobre a redução da diversidade genética e sobre a destruição de áreas de floresta. Não é o primeiro vírus que provém de áreas de floresta ou animais selvagens. O caso do ebola e do zika são exemplos recentes disso.
BBC News Brasil - Muitos acadêmicos têm especulado sobre legados positivos que a covid-19 pode nos deixar. Há algo benéfico que poderia acontecer no campo da agricultura e alimentação?
Graziano - Ainda é cedo para dizer sobre efeitos positivos. Ressaltaria dois pontos de preocupação. Primeiro, a qualidade nutricional dos produtos que consumimos na pandemia.
A tendência é consumir produtos não perecíveis, já que temos de reduzir idas ao supermercado ou feiras. Isso pode acentuar os problemas de sobrepeso e obesidade da nossa população, principalmente das crianças e mulheres.
Mais de três semanas são suficientes para mudar o hábito alimentar. Se deixarmos de comer frutas, verduras e legumes nesse período, será certamente mais difícil recuperar esse hábito após a pandemia.
A segunda preocupação é o fato de nos fiarmos em um supermercado global que não existe. Pensamos que, o mundo estando abastecido, nossa despensa estará. Não é assim.
Há grande problema de logística e distribuição. Precisamos valorizar circuitos locais de produção e consumo. Pensar mais nos produtos de proximidade, de estação, produtos frescos que estão mais próximos da gente e têm mais valor nutritivo, do que aqueles altamente processados como salsichas, embutidos, que nem sabemos o que têm dentro e têm quantia enorme de preservativos que não fazem bem à saude.
Temos de valorizar alimentação mais saudável, a alimentação mais natural. Espero que essa seja a grande lição que a gente aprenda nessa pandemia.
Resposta do Ministério da Cidadania às críticas de José Graziano:
"É importante destacar que o Consea, bem como os demais conselhos vinculados à Presidência da República, foi extinto. No entanto, todas as competências que havia nesses órgãos foram distribuídas entre várias Pastas do Governo Federal. Com essa forma de organização administrativa, as ações governamentais tornam-se mais céleres e eficientes.
Como exemplo disso, é possível citar a edição da Medida Provisória nº 953, de 15 de abril de 2020, que liberou R$ 500 milhões serão utilizados para o fortalecimento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Os recursos beneficiarão cerca de 85 mil famílias de agricultores familiares, além de 12,5 mil entidades e 11 milhões de famílias em vulnerabilidade social que receberão os alimentos, muitas delas ribeirinhas. Estes recursos começam a ser empenhados a partir desta semana e seguirão pelos próximos meses."