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terça-feira, 9 de novembro de 2021

Mão na consciência: PDT muda posição e orienta voto contrário à PEC dos Precatórios

No primeiro turno, liderança da bancada recomendou manifestação favorável à proposta. Carlos Lupi anuncia reversão de 11 votos





Após intensas discussões internas, o PDT formalizou nesta terça-feira que mudou de posição e irá orientar o voto contrário à PEC dos Precatórios na sessão desta terça-feira. Com a decisão, o presidente da sigla, Carlos Lupi, declarou que pelo menos 11 dos 15 parlamentares que se manifestaram favoráveis à medida no primeiro turno irão mudar de voto.

- Não basta dizer que é da oposição, tem que parecer que é da oposição - disse Carlos Lupi em coletiva na sede do partido, em Brasilia. Segundo ele, foi preciso "seis dias" de "muitas palavras, amizade, respeito, convencimento, e unidade partidária" para levar à reversão do voto dos parlamentares. Os quatro que não irão seguir a orientação da bancada estão de saída do PDT, como o deputado Alex Santana que gosta de exibir fotos e vídeos ao lado do presidente Jair Bolsonaro.

Na primeira etapa da votação, realizada na quinta-feira passada, o partido recomendou a posição favorável à proposta, o que abriu uma crise interna entre as lideranças pedetistas na Câmara dos Deputados e o ex-ministro Ciro Gomes. Os 15 votos a favor do PDT foram fundamentais para a aprovação da medida que ocorreu com uma margem apertada de apenas 4 votos a mais do que o necessário para uma emenda à Constituição.

Como forma de protesto e pressão, Ciro anunciou a suspensão da sua pré-candidatura à Presidência enquanto o partido não reavaliasse a sua opinião.

- Isso está superado. A candidatura do Ciro não pertence a ele, mas ao partido. E nós não aceitamos a desistência dele - disse Lupi. O ex-ministro não participou da reunião partidária hoje porque estaria se sentindo mal com os efeitos adversos da dose de reforço da vacina contra a Covid-19 que ele tomou ontem.

Lupi fez o anúncio ao lado do líder da bancada, Wolney Queiroz (PDT-PE), que se declarou favorável à PEC na semana passada. Além da pressão de Ciro, Wolney recebeu uma declaração de repúdio até do pai, o deputado estadual Zé Queiroz, que afirmou ter ficado "contrariado" com a posição do filho e fez um apelo para para que ele "revisasse" o seu voto


Professor Edgar Bom Jardim - PE

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Sábado e Domingo tem Feira Cultural em Bom Jardim



O Museu de Bom Jardim, por meio do Coletivo do Artesanato, realiza neste sábado e domingo 30 e 31 de outubro 2021, o projeto  Feira Cultural,  uma importante ação cultural que valoriza o artesanato da cidade e região, divulga as artes e ajuda a economia criativa e solidária. Tudo começa às 9 horas da manhã do sábado com uma feira dentro do museu. No final da tarde e início da noite a feira acontece na frente do museu com barracas, apresentações culturais, show, bingo beneficente e ciranda. Miro dos Bonecos Noé da Ciranda fazem a festa. 

No domingo, dia 31 de outubro, a festa começa às 15:00 horas, na Rua Manoel Augusto em frente ao Museu de Bom Jardim. Haverá música, dança, brincadeiras, exposições e venda de artesanato, comida típica, apresentação culturais, orquestra de música e outros atrativos. É um final de semana cultural para família  se divertir, comprar o artesanato local e regional.  
Professor Edgar Bom Jardim - PE

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

O Governo me deve, não nega e paga quando puder: o “calote” à vista nos precatórios

Sem previsão no Orçamento, dívidas com credores que vencem no ano que vem viram dor de cabeça para Paulo Guedes e para Bolsonaro em pleno ano eleitoral.






José Luis Guerreta, de 75 anos, é uma das muitas pessoas —não se sabe quantas exatamente— a quem o Governo federal deve dinheiro. O motivo é um erro de cálculo em sua aposentadoria à qual tem direito desde 1989. Seu caso foi parar na Justiça em 2016 e, após vaivéns e recursos impetrados pelo Governo, passou a receber no ano passado os mais de 6.400 reais mensais, valor correspondente ao teto ao qual tem direito. Até o ano passado ele recebia menos da metade desse valor. A Justiça também reconheceu seu direito de receber em 2022 o valor corrigido do que o Governo deixou de lhe pagar nos últimos cinco anos. Mais de 200.000 reais. O erro da Previdência vem de longa data, mas a legislação permite que o Estado só reconheça as dívidas dos últimos cinco anos.


Mesmo vitorioso, Guerreta teme não receber esse dinheiro. Ele tem em mãos precatórios, o papel de dívida que o Governo concede aos seus credores, que deve ser trocado por dinheiro. As declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre a possibilidade de não pagar à vista todos os precatórios, causou transtorno para Guerreta. “Devo, não nego, pagarei assim que puder”, afirmou o ministro no início de agosto, ao reconhecer os 89,1 bilhões de reais em precatórios —nome dado a dívidas judiciais acima de 60 salários mínimos com empresas, Estados e municípios, e pessoas de carne e osso— que o Governo deverá pagar em 2022. Muitas delas, referentes a aposentados que tiveram o erro no cálculo da aposentadoria reconhecido na Justiça, como Guerreta.


O assunto virou uma dor de cabeça para o presidente Jair Bolsonaro, que precisa definir ainda neste ano o Orçamento para 2022. O Governo tem planos de aumentar os gastos com programas sociais, como o Bolsa Família, para chegar bem posicionado nas eleições do ano que vem. Ao mesmo tempo, precisa abrir espaço no Orçamento para pagar essas dívidas judiciais que não estavam contempladas nas previsões de despesas do ano que vem. O Governo projetava pagar cerca de 57 bilhões em precatórios em 2022, mas decisões da Justiça elevaram esse montante para 89,1 bilhões —isto é, 32,1 bilhões a mais que a projeção inicial do Ministério da Economia. “É um meteoro que caiu no nosso Governo”, repete o ministro Paulo Guedes, que chegou a fazer um “pedido desesperado de socorro” ao Congresso e ao presidente Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, para aliviar essa dívida.


Diante de uma economia cambaleante —e arrecadação, idem— e de um teto de gastos, que limita o crescimento das despesas, o Governo se vê numa sinuca de bico. Guedes passou a vincular os recursos que deverá dirigir aos precatórios aos investimentos que deixariam de ser feitos, como o aumento do Bolsa Família. O programa vem sendo usado pelo Governo para cobrar do Congresso a aprovação não só do parcelamento dos precatórios como de quaisquer medidas econômicas, como a reforma do Imposto de Renda. Não entrou em seu radar fazer em pleno ano eleitoral corte em outras despesas ou benefícios dados a determinadas categorias. “Como teremos eleições, Bolsonaro quer aumentar o Bolsa Família para se reeleger. Ora, em detrimento das pessoas a quem o Governo deve?”, questiona Guerreta. “É um absurdo. Vai prejudicar não só a mim como a muitas outras pessoas”.


Os economistas Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda, e Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp, apontam que o nome certo para o parcelamento que o Governo pretende fazer é “calote”, uma vez que estaria deixando de pagar suas obrigações com credores. “É impressionante que um ministro use uma linguagem de caloteiro”, afirma Nóbrega.


O ex-ministro critica o Governo pelo fato de não ter planejado com antecedência a despesa com precatórios. Como oriundos de processos que correm nos tribunais superiores, explica ele, a Advocacia-Geral da União (AGU) deveria ter feito um acompanhamento dessas sentenças para manter o Ministério da Economia informado. No caso das dívidas com Estados e municípios, a maior parte do montante se refere a erros no repasse do Fundeb, verbas destinadas para a educação básica. “O Supremo começou a julgar isso em 2017. Portanto, o Governo teve tempo para tentar negociar com os credores ou se preparar para acomodar os valores no Orçamento”, explica ele.


Ainda não está claro como a questão será resolvida, mas a proposta inicial do Governo que tramita na Câmara dos Deputados (Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 23/21) prevê que as dívidas judiciais acima de 66 milhões de reais, ou que ultrapassem 2,6% da receita corrente líquida, sejam pagas através com um depósito de 15% de entrada mais nove parcelas anuais. Essas parcelas, diz o texto da PEC, não estariam sujeitas ao teto de gastos.


Mais furos no teto de gastos

Os economistas da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, vem criticando as propostas que estão sobre a mesa porque elas não envolvem algum tipo de ajuste nas demais despesas para acomodar o pagamento dos precatórios, mas sim em alguma mudança no arcabouço legal. Além do parcelamento fora do teto de gastos proposto pela PEC 23/21, outra proposta que corre no Congresso é a de simplesmente retirar todos os gastos com sentenças judiciais do teto.


Na semana passada, o ministro esteve com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), debatendo a possibilidade de se criar um limite de cerca de 40 bilhões de reais para o pagamento de precatórios. O restante poderia ser parcelado nos anos seguintes fora do teto de gastos. Ainda não está claro como essa questão será encaminhada dentro do Congresso, mas especialistas concordam que o Governo tenta mudar as regras do jogo durante o jogo, o que impacta a credibilidade da política fiscal. “O teto está ficando cheio de furos”, argumenta Nóbrega.


“Não existe nenhum caso de dívida pública em moeda própria que tenha sido submetida a um calote”, explica, por sua vez, o professor Belluzzo. Para ele, dar um calote nos precatórios pode gerar uma desconfiança no mercado de que o Governo já não pode sequer honrar a dívida pública. “Estamos fazendo uma manobra que vai acentuar ainda mais a falta de credibilidade do Governo. É muito, muito grave”, explica.


Em tese, a proposta que tramita hoje em comissão especial na Câmara não afetaria Guerreta. Mas a discussão por si só traz incertezas sobre se irá receber o que tem direito, ainda mais diante de um Estado que já negligenciou o pagamento da sua aposentadoria anos a fio. “Nada disso ainda está concretizado, mas me sinto prejudicado. A frase [de Paulo Guedes de ‘pagar quando puder’] é um absurdo, eles querem dar um calote na população no ano que vem”, sugere.


Garreta começou a trabalhar muito cedo, em 1960, com apenas 14 anos, na indústria automobilística. Tornou-se ferramenteiro, área que cuida das ferramentas, e na área que produz as peças dos veículos. Mas a natureza insalubre de seu trabalho lhe rendeu uma aposentadoria especial aos 44 anos, em 1989. Deveria ter se afastado da vida laboral recebendo o teto da aposentadoria, hoje fixado em mais de 6.400 reais, mas um erro no cálculo fez com que recebesse até o ano passado cerca de 3.000 reais.


Casado há 52 anos, com três filhos e três netos, Guerreta afirma que quer guardar o dinheiro que tem a receber em precatórios na poupança. Talvez faça alguma viagem. “Mas quero receber primeiro para pensar no que vou fazer”, explica ele, que depois de se aposentar seguiu trabalhando, se formou em Direito e, hoje, é advogado do Sindicato Nacional dos Aposentados.

El País.

Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 5 de setembro de 2021

Seis crises que Bolsonaro tenta estancar com ato de 7 de setembro



Cartazes de protesto contra a inflação no governo Bolsonaro

CRÉDITO,ROBERTO PARIZOTTI

Legenda da foto,

Inflação em alta é uma das nuvens que Bolsonaro tenta dissipar com protesto

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) aposta nos protestos de 7 de setembro como um momento importante para mostrar força e apoio nas ruas, o governo liderado por ele tem uma série de crises - tanto estruturais como políticas - batendo à porta.

Se por um lado Bolsonaro diz que "nunca outra oportunidade para o povo brasileiro foi tão importante ou será importante quanto esse nosso próximo 7 de setembro", 9 milhões de brasileiros entraram para a lista de pessoas em situação de fome no ano passado, uma alta de 84,4% em relação a 2018.

Embora Bolsonaro e seus seguidores digam que não acreditam em pesquisas de opinião, a aprovação de seu governo atingiu o pior nível desde o início da gestão em 2018. Em julho, 51% dos entrevistados classificaram o governo como ruim ou péssimo, segundo levantamento Datafolha.

Além disso, as notícias das últimas semanas não são muito favoráveis a Bolsonaro:

O Brasil já tem mais de 580 mil mortes na pandemia e, agora, pode enfrentar uma crise energética; em meio à alta da inflação, o Produto Interno Bruto (PIB) registrou uma queda de 0,1% no segundo trimestre deste ano; a proposta de voto impresso defendida por bolsonaristas foi derrotada na Câmara dos Deputados; o presidente hoje responde a cinco inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE); a CPI da covid-19, em curso no Senado, investiga uma série de denúncias de corrupção na compra de vacinas pelo Ministério da Saúde.


Os protestos de 7 de setembro são vistos com preocupação por parte do Judiciário e dos governadores. O receio é que ocorram episódios de violência em meio à radicalização de Bolsonaro, que vem reiteradamente ameaçando a democracia e as eleições do próximo ano. Também há expectativa de que policiais militares participem do ato, o que é proibido por lei.

A rede bolsonarista rechaça a possibilidade de violência, e argumenta que as manifestações reivindicam "liberdade de expressão" para conservadores, que se veem perseguidos pela Justiça e por plataformas de redes sociais. Por outro lado, em grupos no Whatapp há pedidos por um "saneamento" do Congresso e do STF, além da defesa do voto impresso e do tratamento precoce contra a covid (tratamento esse com uso de medicamentos sem eficácia comprovada).

Abaixo, a BBC News Brasil explica algumas dessas nuvens que Bolsonaro tenta dissipar com o ato de 7 de setembro e como elas podem afetar seu governo e as eleições presidenciais do próximo ano.

Manifestantes em protesto de apoio ao presidente Jair Bolsonaro e pelo voto impresso. São Paulo, agosto de 2021

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Questionamentos do processo eleitoral por Bolsonaro e seus apoiadores são prenúncio de eleições tumultuadas em 2022, o que aumenta a incerteza da economia

1. Alta da fome

Em 2020, cerca de 19 milhões de pessoas viviam em situação de fome no país, segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da covid-19 no Brasil. Em 2018, eram 10,3 milhões. Ou seja, em dois anos houve uma alta de 84,4% (ou quase 9 milhões de pessoas a mais).

Já um estudo do grupo de pesquisas Food for Justice, da Universidade Livre de Berlim, apontou que, em abril de 2021, 59,4% dos domicílios do Brasil se encontravam em situação de insegurança alimentar — quando uma família diz ter preocupação com a falta de alimentos em casa ou já enfrenta dificuldades para conseguir fazer todas as refeições.

No começo de agosto, Bolsonaro entregou ao Congresso uma Medida Provisória para criar o Auxílio Brasil, programa social que substituirá o Bolsa Família.

O plano inicial era aumentar o valor repassado às famílias, com a expectativa de melhorar esses índices, mas também turbinar a avaliação do presidente na camada mais pobre da população.

Porém, nesta semana, o governo enviou ao Congresso uma proposta de orçamento que prevê, para 2022, o mesmo valor repassado ao Bolsa Família neste ano - R$ 34,7 bilhões.

Para o cientista político Sérgio Praça, professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas, o reajuste era a última esperança de Bolsonaro conseguir melhorar sua popularidade.

"Acho que o governo não tem mais como sair do buraco em que se enfiou durante a crise da pandemia. Há um acúmulo de crises, tanto econômicas como políticas. O aumento do benefício seria um grande trunfo, talvez o único, que poderia fazer o Bolsonaro recuperar sua popularidade perdida", diz.

2. Reprovação a Bolsonaro cresce

Uma pesquisa Datafolha divulgada no início de julho apontou que a reprovação a Bolsonaro subiu e atingiu 51% da população, pior número do presidente desde que ele iniciou seu mandato, em janeiro de 2019.

Já a avaliação positiva ficou no mesmo patamar da pesquisa anterior, de março, com 24% das pessoas considerando o governo bom ou ótimo - esse também é o pior resultado de Bolsonaro desde o início da gestão.

A situação do presidente fica pior entre a parcela que ganha até dois salários mínimos - esses são 57% da população. Nesse grupo, 54% das pessoas reprova Bolsonaro - em março, eram 45%.

Para Mauro Paulino, diretor do Datafolha, a erosão da popularidade do presidente se explica por uma série de fatores, como a condução desastrosa do governo na pandemia, as altas do desemprego, da inflação e da fome - fatores que fazem a diferença no cotidiano dos mais pobres.

Pesquisas de intenção de voto mostram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como favorito para o pleito de 2022. No Datafolha, o petista aparece com 46% das intenções de voto no primeiro turno, enquanto Bolsonaro marca 25%. Em um cenário de segundo turno entre os dois, Lula venceria com ampla margem: 58% a 31%. Bolsonaro perderia em todas simulações de segundo turno: tanto para João Doria (PSDB), como para Ciro Gomes (PDT).

"Sem dúvida, o caminho de Bolsonaro é mais difícil do que de Lula. O presidente enfrenta um noticiário negativo diariamente, com uma série de crises. Já Lula não tem aparecido na mídia de maneira negativa. Quanto mais o governo Bolsonaro piora, melhor Lula se sai nas pesquisas. A eleição terá uma forte disputa entre quem será o candidato que vai disputar o segundo turno com Lula", diz.

Mas Paulino pondera: "Ainda estamos na linha de largada. Bolsonaro tem a máquina do governo nas mãos, além de apoio no Congresso. Esses fatores podem fazer diferença até as eleições. Nada está definido", diz.

3. Denúncias de corrupção

Jair Bolsonaro faz continência diante da bandeira do Brasil

CRÉDITO,REUTERS

Legenda da foto,

Bolsonaro convocou manifestações de apoiadores para 7 de setembro

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), no Senado, é outro dos problemas de Bolsonaro nos últimos meses.

Inicialmente, os senadores investigavam as ações e omissões do governo federal na condução da pandemia que já matou mais de 580 mil brasileiros desde março do ano passado.

Porém, nos últimos meses, uma série de denúncias de corrupção dentro do Ministério da Saúde ganharam o foco da comissão, como suspeitas de que servidores pediram propina para liberar a compra de vacinas contra a covid-19.

Uma das investigações aponta para uma suposta participação do líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (Progressistas), em um esquema de propinas na compra do imunizante indiano Covaxin. Ele nega. O governo cancelou a licitação.

Nesta semana, outra denúncia ganhou as manchetes: a CPI apontou que o motoboy Ivanildo Gonçalves, funcionário da empresa VTCLog, teria pago ao menos quatro boletos de Roberto Dias, então diretor de logística do Ministério de Saúde, indicado ao cargo pelo deputado Ricardo Barros.

A VTCLog é uma empresa de logística contratada pela pasta para cuidar da armazenagem e distribuição de medicamentos e vacinas no Brasil - ela é investigada por suspeitas de irregularidades em contratos com o ministério.

Nos últimos meses, o motoboy, que ganha menos de R$ 2 mil por mês, sacou mais de R$ 4 milhões em espécie a mando da companhia. Em depoimento à CPI, ele confirmou que pagava boletos a pedido de seu empregador, embora não soubesse se eles eram de Roberto Dias. O ex-servidor nega irregularidades.

"A CPI pegou um ponto sensível de Bolsonaro: ele sempre dizia que em seu governo não havia corrupção. O noticiário constante sobre a CPI desgastou bastante a imagem de Bolsonaro, inclusive entre seus apoiadores mais fiéis", diz Paulino, em entrevista à BBC News Brasil, por telefone.

"Bolsonaro tem 11% de eleitores fiéis, que dizem votar nele de qualquer jeito. No ano passado, esse número já foi de 17%, o que praticamente o garantia no segundo turno das eleições. Mas muita gente que acreditava no discurso de combate à corrupção se decepcionou", diz.

4. Situação energética se agrava

Ministro Bento Albuquerque fala em pronunciamento veiculado pela TV

CRÉDITO,REPRODUÇÃO

Legenda da foto,

Ministro Bento Albuquerque sugeriu redução no consumo da energia com menor uso de 'chuveiros elétricos, condicionadores de ar e ferros de passar'

Na última terça-feira, Jair Bolsonaro festejou com seguidores e andou de cavalo, segurando uma bandeira do Brasil, em visita à cidade de Uberlândia, em Minas Gerais. Poucas horas depois, coube ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, fazer um pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão para dizer que "nossa condição energética se agravou".

Com a pior escassez de chuvas nos últimos 91 anos e reservatórios na casa dos 20%, Albuquerque pediu que os brasileiros economizem energia elétrica, principalmente em horários de pico, reduzindo o uso de ar-condicionado, ferro de passar e chuveiro elétrico.

Porém, em seu discurso, o ministro não citou mais um aumento na conta de energia elétrica aprovado horas antes pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica): uma nova bandeira tarifária, chamada "bandeira escassez hídrica", no valor de R$ 14,20 por 100 kWh.

O ministro afirmou que o risco de "racionamento de energia é zero", mas o vice-presidente, Hamilton Mourão, admitiu que um racionamento "não está descartado".

5. PIB pífio, inflação em alta

Paulo Guedes e Jair Bolsonaro

CRÉDITO,MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

Legenda da foto,

Guedes diz que agravamento da pandemia afetou o PIB

frustrante resultado do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro também está à porta de Bolsonaro. No segundo trimestre, ele registrou queda de 0,1% em relação ao primeiro, divulgou o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta quarta-feira.

O resultado representa um freio em relação ao crescimento de 1,2% do PIB no primeiro trimestre, na comparação com o quarto trimestre de 2020, quando o bom desempenho da atividade foi puxado pela agropecuária, indústria e serviços.

Para o ministro da Economia, Paulo Guedes, o resultado ruim se explica por um "trimestre trágico da pandemia", ressaltando que a economia voltará a crescer em breve.

"Justamente abril, maio e junho deste ano, quando entrou de novo o auxílio emergencial, nós mantivemos a responsabilidade e o compromisso com a saúde do brasileiro", disse.

Outros indicadores econômicos também não são nada animadores para Bolsonaro: 14 milhões de pessoas estão desempregadas no país, o dólar é operado na casa de R$ 5,20 e a inflação chegou a 8,99% nos últimos 12 meses, acima da meta do governo, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE.

"Os mais afetados pelo conjunto de crises são os mais pobres, e essa é a camada que decide as eleições. O rescaldo da pandemia e como a economia vai reagir serão decisivos na eleição", diz Paulino.

6. Rejeição do voto impresso, inquéritos no STF

Alexandre de Moraes ajeita a gravata em sala do Senado

CRÉDITO,AGÊNCIA SENADO

Legenda da foto,

Ministro Alexandre de Moraes conduz inquéritos que têm Bolsonaro e aliados como alvo; presidente pediu impeachment do magistrado, mas presidente do Senado rejeitou

Uma das principais bandeiras políticas de Bolsonaro nos últimos meses caiu por terra em agosto: a proposta de voto impresso. Sem apontar provas, o presidente afirmava que há risco de fraudes nas próximas eleições e que seria necessário adotar a impressão do voto como alternativa para a checagem dos resultados.

A proposta, amplamente criticada por adversários, aliados e Justiça Eleitoral, foi enterrada na Câmara dos Deputados, mesmo com governo tendo maioria na Casa.

Durante a celeuma, Bolsonaro novamente divulgou mentiras sobre o processo eleitoral e fez ameaças golpistas contra a realização das eleições, o que levou o TSE a apresentar uma notícia-crime contra ele.

Alexandre de Moraes, ministro do STF, aceitou o pedido, abrindo uma investigação contra o presidente dentro do inquérito que apura a produção de notícias falsas. Esse é um dos cinco inquéritos que o mandatário enfrenta no Supremo e no TSE.

Bolsonaro e seus seguidores reclamam da atuação do Supremo, alegando que o Judiciário interfere em outros Poderes e que essas investigações deveriam passar antes pela Procuradoria-Geral da União (PGR), a quem cabe abrir um inquérito contra o presidente.

Logo depois, Bolsonaro apresentou ao Senado um pedido de impeachment de Alexandre de Moraes. Outra derrota: o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM), rejeitou a solicitação, alegando não haver "justa causa" para o afastamento do ministro.

Nesta semana, a Justiça provocou mais um revés: o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou a quebra dos sigilos fiscal e bancário de Carlos Bolsonaro, vereador do Rio pelo Republicanos, em uma investigação que apura a contratação de funcionários "fantasmas" no gabinete do filho do presidente na Câmara Municipal.

Na quinta, o portal Metrópoles publicou uma entrevista com Marcelo Luiz Nogueira Nogueira dos Santos, ex-funcionário da família Bolsonaro. Segundo ele, a ex-mulher do presidente,. Ana Cristina Valle, comandava um esquema de rachadinhas no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro.

Santos afirmou que foi nomeado no gabinete de Flávio, mas precisava devolver à família 80% de seus rendimentos na Assembleia Legislativa do Rio. A família Bolsonaro ainda não se pronunciou sobre o assunto até a publicação desta reportagem.

Críticas às atuações do Supremo e do TSE, além da defesa do voto impresso, estão entre os principais motivos do protesto de 7 de setembro.

Para Sérgio Praça, da FGV, essas pautas causam bastante barulho principalmente nas redes sociais bolsonaristas, mas não engajam a maior parte da população. "A grande maioria das pessoas é indiferente a esses temas, que circula muito nas mídias sociais. Acho que no momento o povo quer emprego e renda, não está interessado em tanque e fuzis", diz.

Já Mauro Paulino diz que as manifestações têm grande potencial de repercussão. "Se o protesto for grande, as imagens vão circular bastante. E isso pode ter um impacto importante e melhorar um pouco a imagem do presidente."

  • Leandro Machado
  • Da BBC News Brasil em São Paulo 05/09/21.

Professor Edgar Bom Jardim - PE

sexta-feira, 30 de abril de 2021

O chefão e o Brasil das maldades



Não aceitou o auxílio, disse que dólar alto era bom, reclamou que a expectativa de vida do pobre aumentou, e hoje criticou o FIES por colocar “até filho de porteiro” na Universidade.

Desde quando isso se tornou aceitável? Como aceitar um ministro que vê a própria população como inimiga da economia? Um ministro que odeia pessoas pobres. Arte de Daniel Lafa. 
Quebrando o Tabu
Professor Edgar Bom Jardim - PE

terça-feira, 6 de abril de 2021

O Brasil do macho desgovernado: ele urra e usa um celular no lugar do tacape





Expondo nas redes seu descontentamento com os costumes ou a política nacional, o macho desgovernado exige que seus atos preconceituosos sejam entendidos como direitos.


1 – Sabendo que está sendo filmado e depois de dar um “tchauzinho” para a câmera, o desembargador Eduardo Siqueira chama um policial municipal de “analfabeto” e rasga a multa que acabara de receber por caminhar sem máscara no litoral de Santos, São Paulo. 

2 – Todo trabalhado no verde e amarelo, o empresário José Sabatini grava um vídeo empunhando um revólver. Fala grosso e ameaça o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Filho da puta! Vagabundo!” 

3 – O vereador José Alberto Bastos Vieira Junior, o Inspetor Alberto, do partido Pros do Ceará, publica um vídeo disparando dez tiros contra uma foto do petista. Diz que, assim, “sai toda a raiva”. 

4 – Um homem não identificado chuta as cruzes que o Comitê de Resistência e Solidariedade de Toledo, Paraná, colocou no Parque Ecológico Diva Paim Barth. Homenageavam as mais de 200 pessoas que morreram de covid-19 na cidade e as mais de 300 mil que morreram no Brasil. Ele sabe que um integrante do Comitê o filma, mas segue derrubando as cruzes e finaliza o ato dramaticamente, rasgando uma faixa que pedia por mais vacinas.

OS QUATRO CASOS são meramente ilustrativos, mas bastante eloquentes. Eles dizem respeito a um fenômeno que tem ganhado ainda mais força no Brasil, mas não só aqui: a síndrome do macho desgovernado, aquele que faz questão de amplificar em som, fúria e redes sociais, um descontentamento que, acredita, é muito precioso e se sobrepõe ao de todos os outros. Para isso, aciona recursos como o grito, a palavra de ordem, a carteirada, a ameaça, a bala. Mais: recorre geralmente à publicização de seus atos, uma mostra de que o macho desgovernado, MD, não quer meramente destruir ou ameaçar – ele também quer viralizar e conquistar a possível chance de “mitar”.

A extrema instabilidade comportamental do MD não tem idade, ela perpassa gerações e atinge também homens mais jovens daqueles vistos nos exemplos acima. É o caso do exemplo 5: o deputado federal Daniel Silveira, 38 anos, chega para fazer exame de corpo de delito após ser preso pela Polícia Federal. Uma policial pede para que, dentro do recinto, ele use a máscara. Daniel, falando muito grosso, vai aumentando o tom da voz enquanto se dirige até o guichê no qual a policial está. Mistura máscara com petismo, respeito, vagabundagem e, claro, dá uma carteirada: “Sou deputado federal, e daí?”. Passados dois minutos do vídeo, ele se dirige ao colega que o filma. Avisa que a gravação pode ser encerrada.

O amor que o macho desgovernado possui pelo flash é um traço contemporâneo de algo há muito existente: a necessidade de sublinhar marcadores de uma masculinidade prezada socialmente e entendida como superior. “Ela é sempre uma construção sociocultural, não é natural e justamente por isso só se estabelece quando é performada. Essa performance é constantemente atualizada e, hoje, está ainda mais atrelada à exposição midiática”, diz o professor Ricardo Sabóia, pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco, UPFE, que nos últimos anos vem desenvolvendo estudos sobre masculinidades, inclusive no ambiente das redes sociais. Sintetizando: em vez de urrar e segurar um tacape, o macho desgovernado urra e segura um celular.

Sabóia aponta que esse fenômeno está atrelado a outro, fundamental: a reação a uma série de arranjos e decisões que perpassam a política, a justiça e o campo midiático e são pertinentes a avanços nos direitos das mulheres, população LGBTQIA+, etc. A sensação, para os rapazes que repousam no conforto da masculinidade mais valorizada socialmente, é a da perda de espaço – ou seja, da perda de poder. “É como se uma ameaça estivesse por todos os lados: mulheres, gays, homens ‘que não são homens’. É assim que vão ser valorizados e reforçados valores tradicionais ligados a esse homem hegemônico, é quando se reforça quem está no poder e quem deve continuar a exercê-lo”, continua o pesquisador.

Essa percepção é compartilhada pela antropóloga Isabela Kalil, coordenadora do Núcleo de Etnografia Urbana e Audiovisual, Neu, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, que faz um importante apontamento sobre a questão: no Brasil, não é possível discutir patriarcado sem discutir escravidão. Assim, o escancaramento do que ela chama de masculinismo tem relação com a criminalização da homofobia e o fortalecimento de maiorias minorizadas no debate público, mas não só. Ele também está associado à consolidação de ações democratizantes como, por exemplo, a política de cotas para negros e negras, indígenas, pobres. No contexto em que tais ações são institucionalizadas, “passou a ser condenável expressar abertamente, em público, o machismo, o racismo, a homofobia. Mas quando você tem um líder que abertamente faz isso, dá licença para que outras pessoas façam o mesmo”, diz.

Nesse sentido, o presidente Jair Bolsonaro engatou marcha-a-ré na tentativa de conter um urgente novo pacto civilizatório brasileiro, assentado no reconhecimento de uma cidadania mais plena e mais ampla. Um pacto que foi não somente interrompido antes ainda de se consolidar, mas que recebeu e recebe porrada por todos os lados. Sentindo-se acuados e com a “liberdade” limitada, muitos homens passaram a chutar, bater no peito e a falar grosso: queriam (aliás, querem) que seus atos homofóbicos, racistas, misóginos, preconceituosos, sejam entendidos antes de tudo como direitos. A eles, precisa ser garantida a continuidade de dizer ou performar o que vier na telha. Não gostou? Vá se foder pra lá. E se me chamar de preconceituoso, homofóbico ou racista, enfio a mão, te ameaço em rede social ou te meto um processo.

Isso nos leva ao sexto exemplo do macho desgovernado, este se distanciando imageticamente do MD mais velho que vocifera vestido de verde e amarelo e carrega arma. É o boy de terno bem cortado, que investe na barba e curte expressões em latim como Deus vult, que significa “Deus quer”, lema das Cruzadas (a Idade Média, aquele tempo onde o macho branco cristão era respeitado e não tinha esse papo de homem transgênero, por exemplo).

6 – O assessor governamental Filipe Martins faz um sinal com a mão; um sinal que pode ser lido tanto como o supremacista “white power” quanto como “dar o cu”. Aproveitava a visibilidade das câmeras apontadas para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, do Democratas, que discursava naquele momento logo à frente dele. Posteriormente, o macho desgovernado ameaçou processar várias pessoas e afirmou que estava apenas “ajeitando a lapela”.

Vale observar mais um ponto relacionado a Filipe Martins e a macheza das redes: quando estas foram coalhadas de críticas por conta do vídeo mostrando seu gesto, diversos homens, vários deles pobres, vários deles negros, saíram em defesa do assessor governamental. Nesse sentido, o “corporativismo de gênero” (no Recife, chamamos de “brodagem”) parece falar mais alto que as questões de classe e raça. “Há uma grande solidariedade entre os homens e uma partilha de perspectivas construídas em torno dessa solidariedade”, diz Ricardo Sabóia. Outro ponto, este levantado por Isabela Kalil, diz respeito a uma crítica comum: a ideia do supremacista branco que não pode ser preto ou pardo. “Isso é problemático porque se a gente opera nessa lógica, reiteramos o mesmo argumento racista da pureza de raça. Ao branco estaria então permitido ser supremacista?”.

Vale lembrar que o ideal a masculinidade agressiva não é compartilhado apenas entre eles, mas também entre mulheres conservadoras que valorizam o macho que se coloca à frente de todas as coisas. Tem mais: esse modelo viril clichê se impõe sobre outras masculinidades. É aquela coisa da performance: não basta ter nascido macho, tem que deixar isso bem claro através de certa agressividade. Qualquer valor ou comportamento entendidos como “femininos” (o cuidado, a atenção, a delicadeza e mesmo a educação), se percebidos nos homens, vai levá-los automaticamente a perder o ISO 9.000 concedido pelo macho desgovernado. Aí, dá-lhe homofobia em diversos níveis, desde a violência física até “piadas” como “calça apertada” (como jocosamente Bolsonaro, sugerindo afeminamento, se refere ao governador de SP, João Doria).

7 – Novembro de 2020, o Brasil contava com 163 mil mortos para a covid-19 e quase seis milhões de casos confirmados. Em uma cerimônia no Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro declara: “Não adianta fugir disso, fugir da realidade. Tem que deixar de ser um país de maricas (…) Temos que buscar mudanças, não teremos outra oportunidade. Vem a turminha falar ‘queremos um centro’, nem ódio pra lá nem ódio pra cá. Ódio é coisa de marica, pô. Meu tempo de bullying na escola era porrada.”

(Não se preocupe em entender. O presidente Jair Bolsonaro ultrapassa qualquer entendimento).

O farol sobre a farda

Guardando diferenças importantes em relação a todos os casos acima, mas com semelhanças que o fazem pertinente aqui, está o caso do policial Wesley Soares, morto no dia 28 de março após atirar com um fuzil nos colegas PMs. A diferença fundamental é que, apesar de não haver ainda uma investigação final sobre o que levou o PM ao ato extremo, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia afirma que ele passava por um surto psicótico. Wesley, assim, sintetizava ali um mal que perpassa estruturalmente a Polícia Militar brasileira e vem sendo tratado como problema menor: transtornos mentais relacionados a uma profissão exercida sob enorme pressão e risco de morte permanente (e também mal paga). O assunto foi abordado no Intercept em janeiro, quando Leonardo Martins expôs o caso de um policial que tentou cometer suicídio três vezes desde que passou a fazer parte da PM de São Paulo. No entanto, os psiquiatras da corporação diziam que seu desesperado pedido para não voltar a trabalhar era pura “imaturidade” (pois é, tem muito macho desgovernado usando jaleco e com diploma na parede).

Mas o fato de Wesley ter dirigido durante cerca de 5 horas de Itacaré até a capital Salvador e escolhido um dos pontos turísticos por excelência da cidade, o Farol da Barra, é algo extremamente significativo no seu ato. O PM quis levar a sua insatisfação ao centro político do estado e, uma vez nele, ao centro de atenção. O rosto pintado de verde e amarelo, performático, sugeria o compartilhamento de valores como o patriotismo, a honra, a força, a ordem. Valores absorvidos socialmente, mas de entendimentos bastante individuais – no caso de Wesley, alguns relatos vindos dos próprios colegas indicam diversas divergências sobre estes valores, o que o consternava profundamente. Sugere-se assim que existência e explicitação de opiniões diferentes, de perspectivas políticas diferentes, passaram a ser gatilhos para o PM.

Coordenador do Virtus, Programa Institucional em Defesa Social, Segurança Pública e Direitos Humanos criado na UFPE, o professor Sandro Sayão diz que não podemos enxergar ou conceber o policial com um ente em separado da sociedade. “E nossa sociedade, embora as narrativas românticas existentes que nos dizem pacíficos e amorosos, é uma sociedade perversa, preconceituosa e extremamente violenta.”

Para ele, o caso de Wesley é o ápice do PM que deixou de ser visto como trabalhador para passar a ocupar o lugar do herói (como deixaram ver as postagens oportunistas da deputada federal Bia Kicis, aliás acompanhadas por um MD raiz, o também deputado bolsonarista Eduardo Bolsonaro). “Isso é perverso para o policial. Herói não precisa de curso, herói não precisa de formação, herói não precisa de equipamentos, de capacitação. Os discursos que destacam a figura do policial como herói são populistas, chamam atenção dos mais românticos e superficiais e acalentam o ego, principalmente de um contexto profissional repleto de tensões, como o contexto do trabalho em segurança pública. Reforçar essa ideia é algo imensamente perverso. Isso porque convoca homens e mulheres, a serem o que no fundo não são. Ou seja, convoca seres humanos a negarem suas próprias fragilidades e necessidades”, comenta Sayão.

Atualmente, segundo o pesquisador, em um universo de 800 mil policiais no Brasil, 30% tem problemas de saúde/sofrimento mental. “Eles atuam no âmbito de um governo que celebra a barbárie, e esse aumento da barbárie também é insuportável para os próprios policiais.”

Ao mesmo tempo, lembra Sayão, esses homens lidam com algo singular, que é o poder. Essa mescla entre desinvestimento e incentivo de uma cultura da virilidade exarcebada – que é marca do governo Bolsonaro, mas não é uma novidade no país – provoca tragédias diárias. Ele lembra o caso do policial Flávio Oliveira, que matou, dentro de uma viatura, o colega Adriano Batista após uma discussão sobre cotas raciais. O assassinato aconteceu no Recife, em agosto de 2015.

Um outro ponto que não pode deixar de ser trazido para o cultivo da violência naquela que, no mundo, é a polícia que mais morre e é também a polícia que mais mata, é a naturalização do assassinato dos pobres e negros. Chegamos assim ao nosso último exemplo, cujo teor difere dos demais pela própria natureza do registro: o vídeo que mostra a morte de um adolescente, de apenas 15 anos, baleado de maneira particularmente banal em fevereiro de 2015.

8 – Alan de Sousa Lima e mais dois amigos conversavam enquanto acontecia uma operação da 9º BPM, de Rocha Miranda, na favela da Palmerinha, zona norte do Rio. Estavam montados em bicicletas, riam e faziam piadas, o que chamou atenção dos policiais. Eles atiraram no grupo e Alan, que estava com o celular na mão, terminou filmando a própria morte. Chauan Cesário, 19, levou um tiro no peito, mas sobreviveu. Os policiais envolvidos na ação afirmaram que os adolescentes estavam armados – o que foi desmentido após o vídeo cair nas redes sociais. Em 2017, o sargento Ricardo Vagner Gomes foi condenado a 27 anos e seis meses de prisão.

São muitos os machos desgovernados – e eles estão mais à vontade do que nunca. Tanto ao ponto de, mesmo sem querer, se tornarem protagonistas dos registros daqueles que eles matam.

Fabiana Moraes

Fonte: theintercept.com

Professor Edgar Bom Jardim - PE