Pelo segundo ano consecutivo não será possível arrastar o pé no salão ao som de Luiz Gonzaga nem assar o milho na fogueira feita em homenagem a São João. Devido ao avanço da pandemia e o baixo índice de vacinados contra a Covid-19 no Brasil, os amantes das festas juninas terão que se contentar em vestir suas camisas quadriculadas e vestidos de chita para ficarem na segurança de seus lares.
Quem teve o privilégio de aproveitar os arraiais de anos anteriores poderá se apegar às lembranças e tentar revivê-las de alguma forma com os parentes e amigos mais próximos. Já os mais jovens, sobretudo as crianças, que ainda não contam com essa memória afetiva, irão conhecer uma maneira diferente de festejar.
Para manter viva a tradição, a dermatologista Aleksana Viana, 38, e o advogado Ivo Machado, 36, fizeram questão que os filhos, Ricardo e Letícia, tivessem contato com os símbolos juninos ao longo deste mês. Há pouco mais de uma semana, eles comemoraram os 11 meses de nascimento do caçula com a temática junina. Todos se vestiram a caráter para o arraiá do garoto.
"Lembro que na minha infância todo ano minha mãe me enfeitava com vestido, trancinha. Na casa do meu avô era tradição ter fogueiras, fogos. São João é muito marcante na vida dos nordestinos. A gente constrói toda uma memória afetiva ao longo da vida", disse a mãe dos pequenos.
Aleksana lembra que nos anos anteriores à pandemia a filha, que hoje tem 6 anos, teve bastante contato com o São João não somente em casa com a família, mas também na escola, o que não aconteceu em 2020 e 2021, devido a suspensão das aulas presenciais.
"Ela nem lembra direito como é uma festa junina. Por isso, este ano fiz questão de levá-la na loja para escolher o vestido dela comigo porque antes eu escolhia sozinha. Também levei ela na padaria para mostrar as comidas de milho, os bolos típicos dessa época. Como de costume, ao longo desse mês estamos ouvindo mais forró e ela já está acostumada com o ritmo. Foram algumas formas que encontramos para mostrar a ela o que é o São João", comenta.
De acordo com a professora do Departamento de História da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) Lídia Rafaela Santos, a infância é o momento de maior definição do entendimento do que é a sociabilidade da festa. É quando a pessoa vai criando laços do que pode vir a ser.
"As crianças estão passando por uma série de restrições, principalmente de sociabilidade festivas, que com certeza vão afetá-las. A gente não sabe exatamente como, mas vão interferir no retorno das festividades. Vai criar um impacto forte porque a memória da criança vai ser o São João virtual, mas não significa que as mudanças serão difíceis, justamente porque as crianças estão vivenciando uma maneira diferente de celebrar e já vão crescer com isto na mente", disse Santos.
A professora conta ainda que após grandes impactos a sociedade aprende a se organizar, sem esquecer o que passou, mas apegada a novidades e tradições e isso vai alterando a forma de festejar. No entanto, é difícil prever o grau da mudança porque algumas coisas que aparecem como muitos revolucionárias não mudam significativamente a tradição e outras que aparentemente não teriam grande impacto se tornam símbolos.
"O São João já incorporou várias novidades de acordo com as necessidades presentes que a gente já naturalizou, como a quadrilha que surgiu no século 20. Outras que foram extremamente combatidas desde pelo menos o século 18, como os fogos de artifício, continuam aí", acrescenta.
Para a historiadora e pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco Cibele Barbosa é difícil prever se as festas juninas passarão por mudanças consideráveis após a pandemia e se as crianças vão enxergar a festa de uma maneira diferente como os adultos vivenciam atualmente.
"As crianças se relacionam muito com as memórias dos pais, da família, da comunidade. As tradições são passadas de pais para filhos, de geração para geração. Então, é muito difícil imaginar que haja uma perda significativa", comenta. Ela destaca que a tradição tem várias maneiras de se expressar. "Pode ser por meio de um alimento, uma música. Isso também vai permanecendo", fala.
Ainda de acordo com a pesquisadora, após períodos semelhantes ao da pandemia de Covid-19 as pessoas passaram a intensificar a agenda social. "Não dá para dizer que as pessoas vão se comportar da mesma forma, mas eu imagino que a partir do momento que o perigo de fato passar, a população ser majoritariamente vacinada, essas tradições e essas festas vão retornar. Pensando historicamente, em uma linha do tempo, não vejo nenhum tipo de comportamento contrário", comenta.
A historiadora destaca também que dois anos é pouco tempo para as pessoas deixarem de pensar ou intuir esses festejos que já duram centenas de anos. "Principalmente nos dias de hoje que tem muitos registros online", fala.
Folha de Pernambuco
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