Sistema que funciona como um certificado de originalidade para obras de arte digitais vem garantindo transações milionárias
Nos últimos meses, nenhum outro assunto vem movimentando tantas discussões no mercado de arte quanto a comercialização por meio dos NFTs, nova tecnologia através da qual obras de arte digitais vêm sendo vendidas por milhões. As três letras juntas formam a sigla em inglês para “non fungible token", que pode ser traduzido como “tokens não fungíveis”. O que de fato isso significa, no entanto, ainda é um grande mistério para muita gente.
Quem já está familiarizado com o universo dos investimentos sabe que um token representa o registro digital, por meio de criptografia, de um ativo financeiro. Já o termo “não fungível” significa que uma coisa é única e, portanto, não pode ser substituída por outra da mesma espécie, quantidade ou valor. De forma resumida, o NFT corresponde a uma espécie de chave criptográfica que, associada a um item físico ou digital, certifica sua originalidade e autenticidade.
Mas o que todos esses conceitos atrelados à economia têm a ver com a indústria cultural? É que um dos responsáveis pelo “boom” midiático desse sistema de transações, que já existe há mais de cinco anos, tem sido justamente as vendas de obras de arte por preços exorbitantes. Os holofotes começaram a se voltar para o assunto em março, quando "Everydays: The First 5.000 Days" - uma colagem de imagens digitais produzidas pelo artista norte-americano Beeple - foi vendida por R$ 387 milhões pela tradicional casa de leilões britânica Christie's.
Também em março, um painel do famoso artista inglês Bansky - que havia sido comprado por uma empresa de tecnologia - foi queimado em uma transmissão ao vivo e sua versão digital vendida em NFT pelo equivalente a R$ 2,1 milhões. Já o original do meme “Desaster Girl” (em que uma garotinha aparece sorrindo em frente a uma casa em chamas) foi recentemente adquirido por um comprador por R$ 2,5 milhões.
Na internet, uma determinada obra pode ser baixada por qualquer pessoa e replicada infinitas vezes. Ao associar sua criação a um código tokenizado, no entanto, o artista garante que o seu possível comprador será o verdadeiro proprietário da versão original daquele item. Para isso, é utilizada a tecnologia blockchain, que funciona como um “cartório de registros” capaz de rastrear todas as transações envolvendo a peça. São ilustrações, pinturas, fotografias, músicas ou até mesmo gifs e memes, que formam um nicho chamado de criptoarte, cujas operações ocorrem não em dólares ou reais, mas em criptomoedas.
O mercado de NFTs vem crescendo a cada dia, despertando a curiosidade e o interesse de artistas e compradores. O perito e avaliador de obras de arte Gustavo Perino, argentino radicado no Rio de Janeiro, chama atenção para o caráter especulativo das compras envolvendo esse sistema. “Quando se fala que foram pagos milhões em uma obra, na verdade, só foi assegurado que ela potencialmente valeria aquele montante em moeda física. É uma operação de alto risco hoje em dia, já que as criptomoedas são muito voláteis”, comenta.
Os entusiastas dessa nova fatia de mercado apontam a descentralização de recursos como um ponto positivo, já que criadores podem vender seus próprios produtos sem a necessidade de intermediários. O designer paranaense Álvaro A. Alves começou a tokenizar suas criações há pouco mais de um mês. A iniciativa ainda não trouxe um retorno financeiro significativo, mas tem se mostrado promissora para o artista. “Não tenho me dedicado tanto à divulgação, mas conheço pessoas que já faturaram mais de R$ 60 mil em 40 dias. O que tem me interessado é a possibilidade de determinar por conta própria preços, edições e tudo relacionado à venda da minha obra”, afirma.
Como plataforma de comercialização, Alves escolheu o site Hic et Nunc, pelo fato das transações serem realizadas através da rede de blockchains Tezos, conhecida por ser menos poluente do que outras. O fator ambiental é uma das principais críticas aos tais NFTs, já que a mineração de criptomoedas consome uma enorme quantidade de energia elétrica oriunda, principalmente, de fontes poluentes.
O artista visual e curador pernambucano Aslan Cabral acompanha o burburinho dos NFTs com cautela. Ele já pensa em oferecer uma obra sua, batizada de “Wake up meme”, dentro da ferramenta, mas antes tem estudado todos os prós e contras. “Tenho driblado todo esse furor. Acho que a gente tem que tomar cuidado com tudo o que nos é apresentado com essa linguagem do novo e imediato. Minha impressão é de que essa discussão tem muito mais a ver com a manutenção de um capital financeiro do que realmente com arte”, avalia.
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