sábado, 23 de setembro de 2017

O general em seu mundinho

Hamilton Mourão ,geral (Foto:  Diego Vara/RBS)
Havia mais de uma hora e meia que o general de Exército Hamilton Mourão desfrutava posição de convidado de honra da Loja Maçônica Grande Oriente do Brasil, em Brasília. Com uniforme de gala, todas aquelas medalhas ornamentando o lado esquerdo do peito, discorrera perante fãs sobre o tema Análise da Conjuntura Mundial, da América do Sul e do Brasil, no qual tocara em assuntos diversos, como O Mundo Atual, Os Principais Conflitos, O Mundo no Início do Terceiro Milênio, Política: Esquerda x Direita, O Foro de São Paulo, O Brasil: Baixa Representatividade Política, Crise Psicossocial, Ruptura, Lula 2 e Dilma, Padrões de Governança, Sarneyzação... Até que a exposição acabou e vieram as perguntas. Como sempre acontece nesses ambientes saudosistas do regime militar, apareceu a inevitável: diante do descalabro da corrupção, por que não ocorre uma intervenção militar? Mourão estava em seu mundo.
“Excelente pergunta”, disse Mourão. E aproveitou para discorrer. “Quando nós olhamos com temor e com tristeza os fatos que estão nos cercando, a gente diz ‘por que não vamos derrubar esse troço todo?’. Na minha visão, que coincide com a dos meus companheiros do Alto-Comando do Exército, estamos numa situação de aproximações sucessivas, até chegar no momento em que ou as instituições solucionam os problemas políticos, com o Judiciário retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícios, ou então nós teremos que impor isso”, disse. Mourão foi aplaudido, satisfez aqueles que o marechal Castelo Branco, o primeiro presidente da ditadura militar (1964-1985), chamou de “vivandeiras alvoroçadas” que clamavam por “extravagâncias” dos militares. Cada um pode dizer o que quiser diante de plateias amigas, mas Mourão cometeu um ato de insubordinação, desrespeitou a hierarquia que obriga militares a obedecer às ordens do governo civil e os proí­be de manifestar-se sobre política. Militares, obviamente, não têm o direito de fazer ameaças aos Três Poderes, nem dizer que, caso as coisas são saiam como querem, chegarão para colocar ordem na casa.
Não há nenhuma surpresa no comportamento de Mourão. Ele é veterano em arroubos verbais de viés golpista. Em outubro de 2015, quando o impeachment já era assunto em Brasília, Mourão disse em uma palestra a oficiais da reserva que a substituição da então presidente Dilma Rousseff não traria “mudança significativa no statu quo” e que “a vantagem da mudança seria o descarte da incompetência, má gestão e corrupção”. Aproveitou a chance para pedir o “despertar da luta patriótica”. Fechou o pacote com uma homenagem póstuma ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um medalhão da tortura durante o período da ditadura militar (1964-1985) como comandante do DOI-Codi de São Paulo em seu período mais prolífico em violência e abusos. A trinca de atos tresloucados custou a Mourão o cargo mais reluzente de sua carreira, a chefia do Comando Militar do Sul – que reúne tropas de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Mourão foi transferido para o comando da Secretaria de Economia e Finanças do Exército, em Brasília. Deixou de comandar uma tropa enorme para comandar uma mesa.
O marechal Castelo Branco (de terno`) primeiro presidente do regime militar em São Paulo,em 1964 (Foto:  DOMICIO PINHEIRO/ESTADÃO CONTEÚDO)
Desta vez, no entanto, sua insubordinação saiu praticamente de graça. O comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, que o punira em 2015, desautorizou Mourão como porta-voz do comando do Exército, mas optou por acomodar as coisas, sem punição. O ministro da Defesa, Raul Jungmann, convocou Villas Boas para dar explicações. Mas terminou aderindo ao deixa-disso. Como Mourão, um militar que ocupou posições de destaque, está no ostracismo funcional há dois anos num cargo burocrático e deverá encerrar a carreira em 31 de março do ano que vem, Villas Boas e Jungmann disseram preferir não lhe dar uma razão para sair da história como herói de uma minoria. Acomodações assim dão certo na política, mas aconteceram no passado entre militares e o resultado foi diverso. Militares são regidos por um respeito rígido à hierarquia; quando ela é desrespeitada e nada acontece, abre-se um precedente ruim. O vírus da insubordinação nas Forças Armadas guarda perigo dos grandes. Levou ao golpe militar de 1964 e resultou num regime ditatorial encerrado só em 1985. Agravante disso, a anarquia entre os militares espalhou-se após o golpe e colaborou para corroer o próprio regime. Quando um militar, ainda que seja um general no mais alto degrau da hierarquia, desrespeita os limites constitucionais, desperta uma avaria no sistema.
Além da leniência, o episódio de Mourão foi agravado pela entrevista dada por seu comandante, o general Villas Boas. Ao tentar amaciar as coisas, Villas Boas citou o Artigo 142 da Constituição, pelo qual as Forças Armadas podem ser convocadas por qualquer um dos Três Poderes na garantia da lei e da ordem. Sua fala foi confundida com o termo usado por fãs de Mourão, entre eles os que o adulavam em Brasília, que acreditam que isso permite às Forças Armadas governar. Alguns usam até o termo “intervenção militar constitucional”, um malabarismo verbal, uma contradição em si. A Constituição não prevê uma intervenção militar nos moldes que apregoam as vivandeiras. As Forças Armadas podem ser chamadas pelo governo a atuar em casos específicos, como no reforço da segurança no Rio de Janeiro. Não existe a possibilidade de os militares serem convocados a intervir no exercício do governo, parar tudo e limpar o país de corruptos. Soluções simplistas assim só existem em sonhos de quem não conhece a Constituição, se incomoda com a democracia, flerta com o autoritarismo ou não aceita a complexidade do mundo. As palavras de Mourão, de tão absurdas, só ganham alguma repercussão devido ao contexto delicado pelo qual passa o Brasil, de acirramento de ânimos após o impeachment da presidente Dilma Rousseff, as descobertas da Operação Lava Jato e o fato de o presidente Michel Temer ser acusado de crime comum no Supremo Tribunal Federal.
A ideia de que as Forças Armadas podem extirpar a corrupção embasou o golpe de 1964. Não funcionou
A desilusão com a política, diante da descoberta do alcance da corrupção, pode gerar desassossego, mas soluções mágicas como a de Mourão só param de pé em discursos. A promessa de que a força militar seria capaz de limpar o país dos corruptos foi umas das justificativas para o golpe de 1964. O governo do marechal Humberto Castelo Branco cassou dezenas de mandatos com a justificativa de punir políticos acusados de corrupção. Prometia entregar um país limpo em pouco tempo, a partir do qual a política seria feita por novos elementos a ser eleitos. Não houve eleição alguma por 25 anos. O marechal Costa e Silva, sucessor de Castelo, foi “eleito” pelo Congresso, assim como seus três sucessores militares. Como se vê pelo tanto que já foi exposto pela Operação Lava Jato e por outras investigações, nem cinco presidentes em 21 anos foram suficientes para acabar com a corrupção. Acreditar na mesma ideia que deu errado, 50 anos depois, soa no mínimo ingênuo. Prestes a deixar o serviço ativo, Mourão já é adulado como pré-candidato a presidente do Clube Militar, instituição na qual debates caem bem. Provavelmente esse é o melhor caminho.
Com informação de Época.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

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