segunda-feira, 8 de junho de 2015

Mestres do apito criam melodias e versos no maracatu rural


Para cada apresentação, o mestre cria rimas diferentes.
Maracatu rural se tornou um dos símbolos da cultura do Brasil.

Vico IasiDo Globo Rural 
No mundo do maracatu rural, um dos eventos mais tradicionais é o ensaio de barraca, que ocorre normalmente à noite nas cidades da Zona da Mata. É uma brincadeira livre, aberta, que reúne integrantes de grupos diferentes.
Nesse tipo de encontro, os participantes não usam fantasia. Os caboclos de lança ensaiam os movimentos com cabo de enxada, pedaço de pau. O grupo musical é chamado de terno. Ele conta com dois instrumentos de sopro, um trombone, um trompete e cinco de percussão - o tarol, o bombo, uma cuíca pequena que leva o nome de porca, um chocalho grande chamado de mineiro e o gonguê, um instrumento bonito, composto por dois sinos.
O encontro também reúne cantores – ou mestres de apito. Eles só cantam quando a banda para de tocar. Cada um no seu estilo. Quanto aos versos, pra cada apresentação o mestre cria rimas diferentes. E muitas delas são boladas na hora, na base do improviso. Uma habilidade que lembra a arte dos repentistas. O mestre do apito conta que a inspiração vem do dia a dia. “É do que a gente passa, das coisas que a gente vê, vai criando. A gente olha para o amigo do lado, para uma mulher que está em pé, fala o nome dela, do amigo.”
Nessa levada, até o nosso programa vira tema de poesia. “O Globo Rural ta vendo maracatu o que é. O Brasil inteiro vai ver nossa cultura de fé. E o ponto de tudo isso começa em Nazaré.”
Com apenas 19 anos, Anderson Miguel, do Cambinda Brasileira, é o mestre mais novo da região. Filho e neto de agricultores, ele vive ligado em redes sociais, trocando mensagens com amigos. “Eu acho que a cultura do maracatu é muito importante. Vai incentivar muitos jovens também para vir para o maracatu”. Mestre de apito geralmente tem um apelido. Anderson é conhecido como o Neymar do maracatu.
Se o Anderson é o mestre de apito mais jovem, nós também fomos conhecer um dos mestres mais experientes e respeitados da região. Aos 76 anos, Zé Duda canta no maracatu Estrela de Ouro de Aliança e divide o seu tempo entre duas paixões: música e agricultura.
Ele se lembra de um verso que bolou na roça, pouco de antes de sair de viagem pra Brasília, onde faria uma apresentação. “Deus quando formou o mundo, olhou com seu ar de riso. Preparou o paraíso, colocou Adão e Eva. Fez a água e fez a terra, fez a chuva, fez o vento. Fez o belo continente, lindo igual uma fita. Fez Brasília, tão bonita, pra eu cantar samba quente.”
Com o canto de mestres, como Zé Duda, com personagens e fantasias, ao longo das décadas o maracatu rural se tornou fonte de inspiração pra artistas famosos de todo o país. É o caso de Lenine, Chico Science e Nação Zumbi, Jorge Mautner, Gilberto Gil.
Outro artista que bebeu na fonte do maracatu rural foi o cantor, compositor e dançarino Antonio Nóbrega. Com formação em música erudita, ele tem a cultura popular como um dos pilares do seu trabalho. “O maracatu rural é um esplendor. É uma majestade de manifestação popular. Tem dança, tem poesia, tem cortejo. A música é de uma riqueza extraordinária. É rico de material lúdico, material referencial para os artistas”. Para Nóbrega, a dança do maracatu rural também é uma fonte de estudos importante.
Além da influência sobre a música nacional, nos últimos anos, o maracatu rural também começou a ficar conhecido fora do Brasil. Como em Londres, em 2012, na festa de encerramento das Olimpíadas. Como os próximos jogos vão ser no Rio de Janeiro, no final do evento começou uma apresentação brasileira. E entre os destaques, caboclos de lança entraram no palco com perucas douradas.
Naquele momento, agricultores e cortadores de cana, ganhavam o mundo - como explica o produtor cultural Afonso Oliveira. “O caboclo de lança é uma coisa que enfeitiça quem vê né. Ele mostra que o Brasil não é só litoral. Ele mostra que o Brasil não é só a música que está no rádio. Porque ta ali no maracatu a síntese da formação do Brasil.”
A divulgação dos últimos tempos foi positiva pro maracatu rural se tornar conhecido e respeitado por um grupo maior de pessoas – dentro e fora do Brasil.
De volta à Pernambuco, longe dos holofotes e dos artistas famosos, nós reencontramos o mestre Zé Duda, no seu sítio, em Aliança. O agricultor vive com a esposa, Gil, que também tem ligação profunda com o maracatu. Ela é cantora, mestre de apito do Coração Nazareno, um maracatu só formado por mulher.
Os dois contam que, apesar de serem de maracatus diferentes, muitas vezes acabam se apresentando juntos. Zé Duda vai criando os versos e Gil faz a segunda voz, a resposta. E, seguindo a tradição do improviso, o casal aceita pedidos. O repórter do Globo Rural sugeriu a mistura de agricultura e maracatu: “comecei muito pequeno, venho quebrando tabu. Sou fã da agricultura e fera no maracatu.”
Com a voz, o jeito, com o gosto pelo verso, Zé Duda já brincou 66 carnavais como mestre de apito. Quase não frequentou a escola, mal sabe ler ou escrever. No maracatu começou ainda menino. “O maracatu pra mim foi um sonho. Pequeno eu via o pessoal cantar maracatu. Achava bonito, ficava olhando, mas não sabia fazer nada.”
E nessas, de tanto observar, um dia o garoto tomou coragem, subiu em cima de um banquinho e começou a cantar. E tudo contra a vontade dos pais, que não gostavam da ideia de ter um filho artista.
“Ainda lembro a primeira marcha que eu cantei. Porque quando eu saí para o ensaio, meu pai e minha mãe choraram. Aí eu disse: quando eu saí de casa deixei os meus pais chorando. Por favor pare esse choro, terça à noite eu estou chegando. Meu nome estabeleceu, foi tanta gente em cima de mim, aquela festa. Então, aquele sonho eu tive que realizar e até hoje eu to realizando.”
E assim, com o talento e a dedicação das pessoas do campo, o maracatu rural vem construindo a sua história na Zona da Mata de Pernambuco. Uma explosão de arte e de alegria, que transforma funcionários em mulheres atrevidas; cortadores de cana em caboclos de lança; produtores de mandioca em mestres do maracatu.
No final de 2014, o maracatu rural foi incluído na lista do Patrimônio Imaterial do Brasil. Um reconhecimento oficial da importância dessa manifestação da roça pra cultura do país. G1.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

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