sábado, 14 de dezembro de 2013

Jovens criam tijolo com cinza do bagaço da cana

Tijolo de solo cimento sustentável custa apenas R$ 0,05.
Estudantes de Palmeira dos Índios foram premiadas até nos EUA.


Jovens estudantes criaram um tijolo com as cinzas do bagaço da cana-de-açúcar. (Foto: Jonathan Lins/G1)Jovens estudantes criaram um tijolo com as cinzas do bagaço da cana-de-açúcar. (Foto: Jonathan Lins/G1)
Foram mais de 60 tentativas até que finalmente veio o resultado: o tijolo sustentável, feito com as cinzas provenientes da queima do bagaço da cana-de-açúcar. Resíduos que são descartados pelas usinas. A invenção é de duas jovens de Palmeira dos Índios, município de pouco mais de 75 mil habitantes no Agreste alagoano. Elas estudam no Instituto Federal de Alagoas (Ifal) e, durante toda a pesquisa, foram orientadas pela professora de engenharia civil Sheyla Marques.
Palmeira dos Índios
Samantha Mendonça, 19, e Taísa Tenório, 20, passaram dois anos estudando e pesquisando até que encontraram a fórmula ideal para criar um tijolo com um custo bem menor e que pode mudar a realidade de muitas comunidades da própria cidade onde elas nasceram. Palmeira dos Índios, assim como muitos municípios alagoanos, é repleto de casas de taipa.

Durante os estudos, as pesquisadoras descobriram que as cinzas do bagaço da cana-de-açúcar possui sílica, um composto utilizado no cimento para dar liga e resistência. “Podemos dizer que a sílica é a prima do cimento”, explica a professora Sheyla Marques.
“Já tínhamos lido sobre as cinzas do bagaço da cana e, quando fizemos os testes, deu muito certo. O problema maior foi encontrar um solo ideal. Não queríamos comprar o solo, o objetivo é retirar da própria comunidade, tudo isso para baratear todos os custos”, ressalta a professora.
As pesquisadoras levaram meses até que, após uma escavação para a construção do estacionamento do instituto, elas descobriram que o solo ideal estava bem “debaixo de seus pés”. “Nem íamos testar esse solo, mas resolvemos fazer uma tentativa e, para nossa surpresa, funcionou. Nunca poderíamos imaginar que o solo estaria aqui dentro do instituto”, diz Samantha Tenório, estudante do curso de edificações.
Da ideia à produção
As pesquisadoras não guardam segredo sobre o processo de fabricação e quantidade de elementos utilizados na fabricação do tijolo de solo cimento. São 86% de solo, 6% de cimento e 8% de cinzas do bagaço da cana-de-açúcar. Após reunidas essas medidas, a água é acrescentada aos poucos até que se forme uma mistura homogênea.
 “A quantidade de material é proporcional ao número de tijolos que se pretende fabricar. O que é melhor nessa invenção, é que, como utilizamos as cinzas, não precisamos fazer nenhuma queima, os tijolos secam na sombra, sem emitir gases poluentes para o meio ambiente”, diz a estudante Taísa Tenório, pesquisadora do projeto.

Depois de pronta, as estudantes colocam a massa em uma prensa, uma máquina utilizada para dar forma ao tijolo, e, ao mesmo tempo que fazem força para moldar o material na máquina, elas também precisam ter paciência e delicadeza para retirar o tijolo sem quebrar.

“Nossa dificuldade é essa prensa que só fabrica um tijolo por vez. Mas o diretor do instituto já solicitou uma maior, que faz quatro tijolos de uma só vez, mas dependemos de licitação e sabemos que isso pode demorar um pouco”, afirma Sheyla Marques.

Depois de pronto, o tijolo de solo cimento sustentável passa pelo processo de secagem, chamado de período de cura, que dura de 7 a 14 dias. Mas nesse processo é preciso ter paciência para manter o tijolo sempre úmido. “Depois de pronto, esperamos seis horas e, a cada duas horas, borrifamos um pouco de água para garantir que o tijolo não perderá suas propriedades”, diz Samantha.
Cana-de-açúcar tem muitas finalidades e agora também serve para fazer o tijolo sustentável. (Foto: Jonathan Lins/G1)Cana-de-açúcar tem muitas finalidades e agora também serve para fazer o tijolo sustentável. (Foto: Jonathan Lins/G1)
Custos x benefícios
Pesquisas mostram que 40% das emissões de gases globais de CO2 estão ligadas à indústria da construção civil, principalmente, devido à produção exaustiva do material e aos processos de eliminação de gases para a natureza. Para garantir que o meio ambiente não seria prejudicado com esse processo de fabricação do tijolo, as meninas inventaram um produto que não passa pelo processo de queima e que utiliza recursos da própria natureza sem prejudicá-la.

Como o solo utilizado na invenção é encontrado na própria comunidade, as pesquisadoras falam que o gasto é apenas com o percentual de cimento. “Desde o início queríamos que a comunidade fabricasse seu próprio tijolo para construir suas casas. Cada tijolo desses sai por R$ 0,05 e um comum varia entre R$ 0,39 a R$ 0,45”, ressalta a estudante Taísa Tenório.
Samantha e Taísa preparam a mistura que em poucos minutos se transforma em tijolo (Foto: Jonathan Lins/G1)Samantha e Taísa preparam a mistura que em poucos minutos se transforma em tijolo. (Foto: Jonathan Lins/G1)
Segundo Taísa, o modo de produção que tem pouca tecnologia, muitas vezes, depende da queima de materiais perigosos e isso acaba produzindo formas mais extremas de poluição. “Até os métodos mais modernos continuam na dependência dos combustíveis fósseis e resultam na manutenção da emissão de gás carbônico. O que criamos não agride o meio ambiente e a comunidade carente é a mais beneficiada”, afirma.

Mas mesmo que o solo encontrado na comunidade não seja o ideal, a orientadora do projeto diz que é possível corrigir essa falha. “O solo que utilizamos é aquele com coloração alaranjada. Mas, caso o solo não seja tão bom assim, podemos corrigir com argila. Fica um pouco mais caro, mas a comunidade não precisa comprar solo em outro lugar”, diz Sheyla Marques.
Pesquisadoram não acreditavam que poderiam mudar a realidade da comunidade carente de Palmeira dos Índios (Foto: Jonathan Lins/G1)Alunas e orientadora (à dir.) não acreditavam
que poderiam mudar a realidade da comunidade
de Palmeira dos Índios. (Foto: Jonathan Lins/G1)
Reconhecimento
O projeto alternativo de construção civil saído das salas de aulas do Campus Palmeira dos Índios do Instituto Federal de Alagoas (Ifal) foi premiado este ano com a medalha de bronze na categoria Science, na Genius, evento realizado nos Estados Unidos, vinculado à área ambiental, que selecionou mais de 200 projetos pelo mundo. Quando as alunas foram selecionadas elas acreditaram que a maior dificuldade seria o idioma. Foram dois meses de estudos intensos da língua inglesa até que chegou o grande dia.

“Toda vez que falamos dessa viagem nos emocionamos bastante. Quando chegou o dia do embarque, descobri que a passagem era do dia anterior, ou seja, as meninas tiveram que embarcar sozinhas. Elas partiram aos prantos e eu fiquei chorando também”, afirma Sheyla Marques.

Mas essa não foi a principal dificuldade. Quando as estudantes chegaram aos Estados Unidos descobriram que a companhia aérea não havia embarcado o banner de apresentação do projeto. “Foi um desespero só. Mas tivemos a ideia de ir até uma universidade e conseguimos imprimir um novo. Foi sofrido porque nós só 'arranhávamos' na língua”, diz Taísa.

Sheyla chegou horas antes da apresentação e diz que ficou bastante orgulhosa das alunas. “Não pensei que elas conseguiriam vencer a língua e conquistar uma medalha. Ficar em terceiro lugar foi como se tivéssemos ficado em primeiro. Não tem dinheiro que pague essa realização. Nem acreditamos que vimos os nomes no telão, só quando chegamos no hotel que conseguimos pensar um pouco”, diz a professora. 
Fabiana De Mutiis e Michelle FariasDo G1 ALO bagaço da cana-de-açúcar que não serve mais vai para o forno e de lá vira as cinzas utilizadas na fabricação do tijolo. (Foto: Jonathan Lins/G1)O bagaço da cana-de-açúcar que não serve mais vai para o forno e de lá vira as cinzas utilizadas na fabricação do tijolo. (Foto: Jonathan Lins/G1)
Matéria prima
A cana, como já é de conhecimento geral, gera diversos produtos como o açúcar, o álcool combustível, o melaço, a rapadura e a cachaça. O bagaço também tem muitas utilidades. Segundo o diretor da Usina Santa Clotilde, na cidade de Rio Largo, que forneceu as cinzas para as estudantes, o bagaço serve como ração animal e para a geração de energia. "Toda irrigação da usina é feita com motores elétricos e a energia vem do bagaço”, afirma.

Mas todo o resto que não serve mais vai para fornos enormes e vira cinzas que são descartadas na natureza. José Helson, supervisor de manutenção mecânica, foi quem forneceu as cinzas para a pesquisa das meninas. "Eu tenho um amigo que é professor e ele fez a ponte com a professora Sheyla. Ela me explicou para quê precisava da cinza e eu cedi uma quantidade, mas não imaginava que fosse dar tão certo e tomasse essa proporção", relata.
O cortador de cana Cícero José se surpreendeu e ficou feliz com a invenção da meninas. (Foto: Jonathan Lins/G1)O cortador de cana Cícero José se surpreendeu e ficou feliz com a invenção da meninas. (Foto: Jonathan Lins/G1)
Quem trabalha diretamente com a matéria prima usada na fabricação do tijolo sustentável se surpreendeu com as possibilidades criadas a partir das cinzas da cana-de-açúcar. Em um canavial no interior do estado, Cícero José de Oliveira, 38, não parava um minuto de cortar cana enquanto conversava com a reportagem do G1.

Ele mora em uma casa de alvenaria, mas conta que conhece diversas pessoas que vivem em casebres muito simples. "Se o que vocês estão dizendo sobre esse tal tijolo é verdade, isso será uma maravilha. Muita gente vai conseguir ter uma vida melhor", diz o cortador que tem quatro irmãos trabalhando no canavial.
Inventoras mostram o tijolo de solo cimento para a agricultora Patrícia Cipriano (Foto: Jonathan Lins/G1)Inventoras apresentam tijolo sustentável para a
agricultora (Foto: Jonathan Lins/G1)
Utilização do tijolo
O principal objetivo das inventoras sempre foi dar mais dignidade às pessoas que vivem em casas de taipa ou até mesmo de lona. O objetivo é ensinar aos quilombolas de Palmeira dos Índios, comunidades remanescentes da luta contra a escravidão no Quilombo dos Palmares, a fazer o tijolo para que eles possam construir as próprias casas.
G1 acompanhou o trabalho das pesquisadoras na casa da agricultora Patrícia Cipriano dos Santos, 33, que mora com o marido e quatro filhos em uma casa de taipa. Ela reclama que sempre aparecem insetos peçonhentos, entre eles, o “barbeiro”, nome popular do bicho que transmite a doença de Chagas. “É muito ruim morar em uma casa assim. Faz muito calor pelo dia e, como tenho quatro filhos, tenho medo dos insetos”, lamenta.
As estudantes mostraram o tijolo e disseram que, quando chegar uma prensa maior, a intenção é levar e ensinar à comunidade como se fabrica o tijolo. “Vou até fazer uma promessa para que isso aconteça. Seria muito bom, porque a gente só iria gastar com o cimento e com as telhas para cobrir a casa. Tenho certeza que daria certo", diz a agricultora cheia de esperança de um futuro melhor.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

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