sábado, 28 de setembro de 2013

Fellini: a invenção das histórias e a quebra da linearidade

Fellini é, para muitos, o cineasta mais admirado do século XX.  Trouxe contribuições surpreendentes para o cinema, quebrando padrões, soltando as invenções, não se inibindo em deixar a fantasia estender seus traços e suas mentiras. Há críticas, Fellini não poderia ser uma unanimidade, pois os conservadores também andam pelo mundo da estética e gostam de cultivar um realismo rígido. Estou fora. Prefiro o lugar das invenções, multiplicar a imaginação, duvidando sempre do conceito de realidade. As teorias de Freud alteraram, também, certas verdades que achava inabaláveis. Isso me deu mais fôlego para pensar a construção da história, sem nunca desprezar a força da aventura.
Os filmes de Fellini, suas entrevistas, suas elaborações artísticas foram importantes para que seguisse viagem. Não tenho talento para arquitetar filmes, mas não perco o entusiasmo e embarco no tapete mágico. Coisas que aprendi na adolescência e que permanecem assanhadas. Literatura e cinema compõem uma parceria inesquecível. Minhas conversas com Guimarães, Bergman, Agualusa, Chaplin, Mia Couto, Auster, Calvino e tantos outros me ajudam a fluir. A sociedade tem marcas agudas de exploração e violência. A arte desmancha agonias, move desejo de mudanças, transforma apatias. Ela não é a salvação. Possui seus contrapontos, tem suas moradias nas estratégias do capitalismo, provoca polêmicas raivosas.
Há sempre uma incerteza parada no ar. Não vamos sacralizar invenções. A imagem do labirinto também mostra que as dificuldades são muitas. Se exaltarmos a necessidade das  sociabilidades, não há como apagar os conflitos e as dissonâncias. O mundo é múltiplo, não nega as diferenças. Fazemos escolhas, visualizamos fragmentos, convivemos com desesperos. Os sentimentos multiplicam expectativas. O importante é não se fixar num vazio, ser testemunho de linearidades e naturalizar os desacertos. A ação do inesperado movimenta a história e retira os anúncios do apocalipse da primeira página. O salto no trapézio anima o circo, desenha o instante do suspense e da emoção.
Estou sempre voltando aos filmes de Fellini. Não me afasto dos encantamentos. Recentemente, revi Entrevista. Não é dos mais conhecidos. Gosto porque descreve, com humor e ironia, aquilo que muitos chama de confusão feliniana. O filme se envolve com a produção, com as ações do diretor, com seus assessores, com a confusão de alguém que não sossega. A cidade do cinema italiano nos tira do lugar comum, com seus maestros e personagens inesperados.As simultaneidades toam conta de cada espaço. Fellini se diverte e foge do que parecia coerente.
Muitos ruídos, outras formas de harmonias, palavras e imagens de geometrias que se renovam. Difícil no filme é querer profetizar os seus desfechos. Quebram-se continuidades, os tempos dialogam com sustos e reconstruções. Fellini compõe a vida que muitos teimam em aprisionar com regras medíocres. A perplexidade é uma constante. Há quem considere tudo isso um loucura e falta de apego aos bons modos da arte. Fellini não é inimigo das histórias. O viver e o contar merecem atenção e sensibilidade. Celebram as visões utópicas e as fantasias míticas. Muito distante da mesmice, o cinema encantado distrai e incomoda os conformados com a calmaria. De: Astúcia de Ulisses.com

Professor Edgar Bom Jardim - PE

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