Quero juntar minha voz às milhões de outras que entoam uma canção de despedida para Oscar Niemeyer. Com ele aprendemos a ser modernos sem deixarmos de ser antigos; agora, aprenderemos a ser eternos. Arquiteto de novos mundos possíveis e improváveis, um dos autores do fantástico século 20, Niemeyer acentuou as formas femininas do planeta Terra. Seu coração é o círculo, sua linguagem é a curva.
O homem atravessa o tempo e é por ele atravessado, vive seus conflitos e contradições. Entre as guerras, produz uma paz provisória e tensa. Assume posição, afirma seu comunismo simples, conservador, soviético. Transmite às gerações que o seguem uma mensagem mais que política, uma ética humanista de solidariedade entre pessoas e povos.
O arquiteto, porém, é artista sofisticado. Vai aos limites da matéria mais dura, cimento e aço, e desenha sinuosidades. Quer marcar a natureza, torná-la moldura de seus monumentos, dela isolar-se numa caixa racional, mas a arte e o tempo o conduzem ao seu destino de suavidade e harmonia. A arquitetura é grande, a vida é maior.
A vida de Niemeyer é exemplarmente grande. Vida de um homem idealista, amante de seu país, artista admirador da variada cultura dos povos, cidadão de todos os tempos. Vida compartilhada com todos, na intimidade de outras grandes vidas: Drummond, Prestes, Darcy, Juscelino, Tom...
Niemeyer nos faz pensar no Brasil e perguntar o que temos para o mundo. A renovação do sonho humano, um paraíso na Terra, a genialidade mestiça, a igualdade nas diferenças, um novo convívio com a natureza, novas conjugações do verbo amar? Já demos à luz uma arquitetura universal, que expressa esses ideais. O mundo é outro depois do Brasil e de Niemeyer.
Para o futuro, necessitamos de ideias simples e monumentais que nos façam superar a mesquinhez da corrupção, da política rasteira, da violência. Um ideal que não nos deixe esquecer nossa grandeza. O Brasil tem muita genialidade oculta, aguardando a chance de dar-se ao mundo. O que mostramos até hoje foi possível quando o país deixou-se levar por um espírito generoso, que produz as riquezas da civilização, mas sabe que a vida não se reduz ao acúmulo de coisas.
As coisas podem ser expressão desse espírito. Nossa arte canta o valor da natureza, da montanha, do mar, da floresta. Nossa cultura tem nas comunidades simples, de campos e cidades, sua fonte de inspiração e força. Se o século 20 pôs a obra humana na tela e a natureza como moldura, porque não dirigimos as curvas persistentes de Niemeyer para além da rigidez do aço e do cimento, na volta ao caminho natural do cuidado com a vida?
Que em nós, num novo mundo possível, Niemeyer seja ainda mais vivo. folha.uol.com
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