O novo Ensino Médio nem chegou e já virou uma dor de cabeça para professores e gestores. Afinal, diferente da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) para Infantil e Fundamental, as orientações para essa etapa são menos detalhadas. Há uma grande indagação sobre estrutura física das escolas, currículos e didática.
Para piorar, o debate sobre o novo Ensino Médio está cheio de medos e desconfianças. O apoio do MEC (como e o que fará) é tão vital quanto incerto. Pouca gente arrisca uma hipótese sobre os planos do ministério para essa etapa. Também há uma grande desconfiança de educadores e especialistas sobre a viabilidade da reforma. Muitos deles apontam dificuldades em oferecer percursos formativos em cidades pequenas ou pobres. E, com razão, muitos receiam que as mudanças agravem as já enormes desigualdades educacionais no país.
Na prática, é um debate inexistente.
Por isso, chega em boa hora o livro “Modelos Curriculares para o Ensino Médio. Desafios e Respostas em 11 Sistemas Educacionais”. Ele é uma ótima introdução ao debate e ajuda a pensar o Brasil. Se quiser lê-lo, ele está disponível para download. É só clicar aqui.
Primeiro, ele conta uma breve história do Ensino Médio pelo mundo. No passado, em alguns países, ele não era obrigatório. A etapa fora pensada para poucas pessoas, com o objetivo de formar trabalhadores qualificados em cidades desenvolvidas. Num mundo rural, a prioridade era oferecer educação fundamental para todos. Média, só para alguns.
Porém, especialmente na segunda metade do século 20, as cidades cresceram e a economia ficou mais complexa. A maior parte da população precisava de conhecimento além do Fundamental para navegar por esse planeta. Foi aí que se impuseram questões sobre como organizar o Ensino Médio – um movimento que dura até hoje.
As autoras do livro, Alejandra Cardini e Belén Sanchez, são pesquisadoras do Cippec (Centro de Implantação de Políticas Públicas para Equidade e Crescimento), da Argentina. Elas deixam bem claro que não há respostas óbvias. Afinal, estamos falando de adolescentes às portas da universidade ou do mercado de trabalho em países, Estados e cidades em rápida transformação econômica e social.
Por isso, o livro ainda fala sobre tradições educacionais e curriculares de cada lugar, indo das complexidades de cada modelo a pontos bem concretos, como promoções, avaliações e certificações. Não é um manual que ignora história e contexto de cada país.
Após traçar um grande panorama de 11 países, o livro faz um estudo de caso sobre Ontário, no Canadá. Ele oferece pistas bem interessantes para pensar o Brasil, já que essa província (equivalente a um Estado brasileiro) passou por uma flexibilização curricular. Não é só o Brasil que passa por dilemas nessa etapa.
Ao terminar a leitura, é fácil chegar a algumas conclusões. Na falta de um projeto para o Ensino Médio, o Brasil congelou a etapa e empilhou disciplinas. Criamos uma escola que obriga o estudante a se adaptar a ela. O que as melhores experiências do mundo mostram, porém, é o contrário. As salas de aula precisam mudar de acordo com os interesses de crianças e adolescentes.
Tem mais. Em vez de combater a desigualdade a sério, o Brasil combateu a desigualdade educacional no discurso e de forma genérica. Quando você analisa currículo por currículo pelo mundo, vê a quantidade de trabalho que os técnicos e especialistas tiveram para montar padrões. Isso é combater desigualdade de verdade, analisando a vida real e montando trilhas pelos quais as pessoas possam criar seus próprios destinos.
Em defesa do Brasil, porém, há a contingência. O Ensino Médio é novo por aqui. Poucas décadas atrás, a lei previa apenas quatro anos de escolaridade obrigatória. Isso, certamente, adiou uma discussão mais profunda sobre a etapa.
Por isso, a obra vem em boa hora. Ela não é um manual de implementação nem vai dar muitos detalhes sobre didática específica (toda obra tem limites). Porém, certamente será muito útil para quem quiser enfrentar uma verdade desagradável. Do jeito que está, é muito fácil abandonar o Ensino Médio. E, infelizmente, milhares de adolescentes, todos os anos, deixam de estudar porque nós não fomos capazes de tornar o ensino atraente, interessante e útil para eles e elas - especialmente os mais pobres.
O Brasil pode e deve aprender com quem já enfrentou esse desafio. Há muito conhecimento aqui, é claro. Mas o que vem de fora, obviamente, também tem um enorme valor. Nova escola. POR:
Leandro Beguoci Professor Edgar Bom Jardim - PE
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