sábado, 15 de janeiro de 2022

Como realmente é o clitóris - e suas semelhanças com o pênis



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Em áudio: Como realmente é o clitóris - e suas semelhanças com o pênis

Enquanto as informações sobre a genitália masculina são abundantes, o clitóris entrou e saiu da literatura médica ao longo da história.

A anatomia completa do clitóris (o nome deriva da palavra grega kleitoris, que significa "pequeno monte") só foi descrita pela primeira vez em 2005 pela urologista australiana Helen O'Connell, que também analisou sua relação com estruturas adjacentes como a uretra, a vagina e glândulas vestibulares (responsáveis pela lubrificação).

Na ausência de material de estudo adequado sobre o clitóris, O'Donnell começou a investigá-lo minuciosamente: dissecando cadáveres, usando ressonância magnética em mulheres vivas e estudando tecidos.

Seu estudo mostra que o que é visível é apenas uma parte minúscula do clitóris: cerca de 90% da estrutura deste órgão feminino está dentro do corpo.

Orquídea

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Os órgãos sexuais femininos muitas vezes são representados por metáforas, e não por ilustrações anatômicas

Estrutura

"A pequena ponta que vemos, que é o que sempre se acreditou ser o clitóris, é na verdade a ponta de um iceberg", explica à BBC Mundo a psicóloga e sexóloga basca Laura Morán.


"A parte que fica para fora é a glande do clitóris (localizada entre os pequenos lábios, 'escondida' sob um capuz) e o resto é um órgão interno", acrescenta.

Fora do campo visual, o clitóris se estende sob a pele. Seu tronco tem forma cilíndrica composta por duas colunas de tecido erétil - chamadas de corpos cavernosos - que se estendem, unidas, em direção à cavidade púbica.

Em sua extremidade estão as raízes, também conhecidas como crus clitóris - feixes de tecido erétil que correm ao longo dos ossos pubianos e envolvem a uretra e a vagina.

Ao lado de cada uma das raízes está outra região de tecido erétil conhecida como bulbos do clitóris, que ficam atrás das paredes vaginais.

"A parede vaginal é, na verdade, o clitóris", disse O'Connell à BBC em 2006.

Gráfico

Semelhanças e diferenças



Devido às semelhanças entre eles, a comparação do clitóris com o pênis é muito útil para entender sua forma.

Os dois são chamados órgãos homólogos: têm a mesma origem embrionária e são semelhantes na sua estrutura interna, embora possam ter funções diferentes.

De uma ponta à outra, o órgão feminino tem um tamanho médio de cerca de 10 centímetros e, como o pênis, o tecido que o compõe é esponjoso e erétil. Ou seja, quando a mulher se excita, ele incha e cresce com o fluxo de sangue.

"Alguns se referem ao clitóris como um pênis interno, mas outros dirão que o pênis é apenas um clitóris externo. É assim que gosto de explicar para mim mesma", diz Laurie Mintz, psicóloga e terapeuta sexual.

Outra coisa que os diferencia é que o pênis tem uma dupla função: faz parte do processo de reprodução sexual e do aparelho urinário.

O clitóris, por outro lado, tem apenas um: é um órgão cuja função é proporcionar prazer.

O clitóris tem cerca de 8 mil terminações nervosas. Já o órgão masculino tem entre 4 mil e 6 mil.

Ambos são a área do corpo mais densamente povoada por terminações nervosas, explica Mintz.

"Imagine todos os nervos da ponta do pênis, mas em uma superfície do tamanho de uma borracha de lápis", diz ela sobre o órgão feminino.

Ilustração de um feto

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Ambos os órgãos têm a mesma origem embrionária

Mesma origem

A razão de o clitóris e o pênis terem tantas semelhanças é que eles são formados a partir dos mesmos tecidos embrionários durante o desenvolvimento do feto no útero da mãe.

Eles só começam a ficar diferentes a partir da sexta ou sétima semana, quando os embriões começam a expressar seus cromossomos sexuais.

A partir daí, a liberação de testosterona em embriões com cromossomos sexuais XY levará à formação de órgãos sexuais masculinos, enquanto a falta desse hormônio sexual em embriões XX levará à formação de órgãos sexuais femininos.

Em um caso, eles crescerão para fora e, no outro, para dentro.

Em casos onde a composição dos cromossomos sexuais difere desse binômio (não é nem XY e nem XX), o desenvolvimento dos órgãos sexuais pode ser atípico.

Desconhecimento

A ignorância sobre a anatomia e a função do clitóris - que tanto Laura Morán quanto Laurie Mintz atribuem em parte ao machismo, patriarcado e à desvalorização do prazer sexual feminino - tem um impacto direto na prática médica, mas também afeta profundamente a vida sexual das mulheres.

"Priva as mulheres do prazer", afirma Morán. "É como se te dessem um carro e você não tivesse aprendido a dirigir."

"Essa ignorância causa frustração, claro, porque nos dão o carro e dizem que temos de usá-lo. Mas as únicas referências que nos dão são filmes pornô ou filmes românticos, e ali não se vê estimulação do clitóris", diz a psicóloga e sexóloga.

"Sempre há penetração, e a penetração por si só não é a técnica que melhor estimula o clitóris. Não é um facilitador do orgasmo."

Além disso, comenta Morán, "muitas mulheres que descobriram por meio da autoexploração que a estimulação do clitóris lhes proporciona prazer e orgasmos, acham que esses têm qualidade inferior".

"Algumas mulheres dizem que sim, que têm orgasmos, 'mas só' se estimularem o clitóris com a mão, como se isso fosse um defeito de fábrica."

"Não apenas não sabem que o clitóris está ali, como também não sabem que esse é o órgão mais fácil para chegar a um orgasmo", assegura Morán.

Golfinhos

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Todos os mamíferos têm fêmeas com clitóris

O poder das palavras

Mintz concorda que essa lacuna no prazer está ligada à falta de conhecimento das mulheres sobre sua própria anatomia e dos homens sobre a anatomia feminina.

"Infelizmente, muitas mulheres ainda hoje nem sabem o potencial da parte do clitóris que podem ver e tocar", explica.

Mas a sexóloga também considera que "a linguagem que usamos em nossa cultura reflete e perpetua" essa situação.

"Chamamos tudo o que acontece antes da penetração na relação sexual de "preliminares", como se fossem algo secundário de um evento principal", afirma Mintz. "Sendo que é essa estimulação que em geral têm maior probabilidade de levar a maioria das mulheres ao orgasmo."

Mudar esse cenário exige educação sexual, diz a autora.

É necessário "ensinar as pessoas sobre prazer sexual e consentimento", afirma, citando a Holanda. "Graças à educação sexual, o país tem menos agressões sexuais e uma menor diferença da quantidade e qualidade dos orgasmos femininos e masculinos".

  • Laura Plitt
  • BBC News Mundo

Professor Edgar Bom Jardim - PE

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Recife anuncia investimento de R$ 10 milhões para agremiações e atrações artísticas do Carnaval






Após a confirmação da suspensão do Carnaval, a Prefeitura do Recife anunciou, na manhã desta sexta-feira (14), o plano Recife Ama Carnaval, que visa contemplar agremiações e atrações artísticas com 100% do auxílio recebido nas festividades de 2019 e 2020. Os beneficiários deverão confirmar seus dados cadastrais no Sistema da Secretaria da Cultura, em um prazo que ainda será anunciado. 

O lançamento ocorreu no Forte das Cinco Pontas, no bairro de São José. Estavam presentes o Prefeito João Campos, o Secretário de Cultura Ricardo Mello e o Presidente da Câmara dos Vereadores Marco Aurélio Filho. O plano segue os passos do AME (Auxílio Municipal Emergencial) Carnaval do Recife 2021.  Na ocasião,  foi investido R$ 4 milhões para auxiliar as agremiações no cancelamento das atividades. Desta vez, o valor total investido será de R$ 10 milhões, oriundo dos cofres municipais. 

“Existem dois tipos de contemplados. Primeiro temos os coletivos, que são agremiações e atrações que fizeram parte das edições anteriores, que já estão no cadastro da prefeitura e irão apenas confirmar a participação. E os indivíduais, que terão que apresentar sua declaração de participação e comprovações, lembrando que eles também estão contemplados pelo prêmio coletivo, por fazerem parte de toda a cadeia”, explicou o secretário Ricardo Mello.

Segundo a prefeitura, em torno de 20 mil trabalhadores serão contemplados. No caso dos individuais, o valor recebido será de R$ 1.200, e será lançado um edital com as regras de autodeclaraçãao e comprovação. O Projeto de Lei (PL) foi enviado para a Câmara Municipal do Recife para aprovação. Após esta etapa, o cadastro começará a ser realizado e, posteriormente, o pagamento. É estimado que esse processo levará em média três meses. 

“O que gostaríamos é que a situação pandêmica estivesse resolvida, mas ainda estamos no meio de uma pandemia, então isso é muito mais que um auxílio, com isso poderemos garantir a suspensão com segurança e, quando for possível, poderemos realizar eventos celebrativos que valorizam a nossa cultura”, declarou João Campos.

O gestor municipal também anunciou que nos próximos dias estará apresentando uma alternativa de renda para os trabalhadores informais e ambulantes, que dependem das festividades carnavalescas para sobreviver. A suspensão dos eventos não se expande para as atividades particulares. Segundo a prefeitura, estas atividades deverão respeitar os protocolos de prevenção vigentes no território de Pernambuco. 

Folha de Pernambuco



Professor Edgar Bom Jardim - PE

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Boris Johnson: ministros se reúnem em torno do premiê em meio a pedidos de renúncia




Boris Johnson de máscara, em frente a fundo preto

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O premiê britânico Boris Johnson é pressionado a se demitir do cargo

Ministros do gabinete de Boris Johnson demonstraram apoio ao premiê britânico, que tem sua renúncia cobrada no Reino Unido após admitir a realização de uma festa durante o período de lockdown em Londres.

Na última quarta (12/01), o primeiro-ministro pediu "sinceras desculpas" por participar de uma festa na residência oficial, em Downing Street, em maio de 2020.

"Entrei no jardim logo depois das 18h do dia 20 de maio de 2020 para agradecer aos funcionários, antes de voltar ao meu escritório, 25 minutos depois, para continuar trabalhando. Pensando bem, deveria ter mandado todos de volta", disse Johnson.

As críticas aumentaram depois que foi revelado um convite por e-mail pedindo aos participantes que trouxessem "sua própria bebida" para a festa.

Em meio a essa turbulência política, Johnson cancelou uma viagem à região inglesa de Lancashire após um parente ter testado positivo para covid.


O líder conservador escocês Douglas Ross e outros integrantes do partido liderado por Johnson se pronunciaram pela saída do cargo de premiê.

Mas os ministros dizem que os membros do Parlamento britânico precisam esperar o resultado de uma investigação que defina se o primeiro-ministro britânico quebrou as regras da quarentena.

O líder da Câmara dos Comuns, Jacob Rees-Mogg, minimizou a declaração de Ross e chamou-o de "peso leve".

O conservador escocês registrou em uma carta oficial a um comitê do partido expressando falta de confiança em Johnson.

Se outros 53 parlamentares conservadores se juntarem a Ross nesse pedido, uma moção de desconfiança pode ser votada para tirar Boris Johnson da liderança do partido.

O presidente desse comitê só se pronuncia depois que o número mínimo de 54 assinaturas for atingido.

Mais apoios para Boris

O ministro para Irlanda do Norte, Brandon Lewis, disse ao programa BBC Breakfast que ele apoiava Johnson totalmente. "É preciso deixar a investigação chegar a todos os detalhes e fatos", disse.

A ministra das Relações Exteriores, Liz Truss, disse apoiar o atual premiê "100%". O chefe da pasta das finanças, Rishi Sunak, declarou que Johnson fez bem ao se desculpar e que apoia os pedidos por "paciência" enquanto a investigação sobre a brecha na quarentena é finalizada.

Sajid Javid, ministro da Saúde, afirmou que a "maioria das pessoas aceitou" que é preciso esperar o resultado da sindicância enquanto a ministra da Cultura, Nadine Dorries, disse que "confia totalmente no premiê".

"Os colegas que pedem sua renúncia têm um histórico consistente de não apoiar o primeiro-ministro e fazer pedidos parecidos de tempos em tempos", disse ela.

"Nós somos o partido do governo. Todo mundo precisa esfriar a cabeça."

Na Câmara dos Comuns, Rees-Mogg disse que uma investigação futura vai analisar se as restrições sobre a covid-19 foram "proporcionais" ou "duras demais para as pessoas".

"Eu acho que todo entende, em todos os cantos da Casa, que as pessoas vêm obedecendo as regras e essas regras são muito difíceis para as pessoas obedecerem.

A visita de Boris Johnson prevista para esta quinta (13/01) a uma clínica de vacinação de Lancashire foi cancelada e ele seguirá protocolos oficiais como testes diários e limitar o contato com outras pessoas, disse um porta-voz do gabinete do premiê.

BBC

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quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Quem vai pagar pelos danos causados pelas mudanças climáticas?


Imagem de satélite do furacão Irma

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Quando o furacão Irma estava prestes a atingir Barbuda, o governo local ordenou a evacuação de todos os habitantes da ilha

Em setembro de 2017, John Mussington foi forçado a sair de casa e deixar seus animais para trás quando a pequena ilha caribenha de Barbuda foi atingida pelo furacão Irma, com ventos de 300 km/h.

"Foi devastador", afirma Mussington, que é biólogo marinho e diretor de uma escola na ilha. "As pessoas ficaram traumatizadas, havia muitas construções sem teto, e não tínhamos eletricidade. Nossa primeira preocupação foi: como sobreviver ao dia seguinte?"

O Irma danificou todas as construções de Barbuda, e 23% delas foram totalmente destruídas. Um estudo de 2018 concluiu que as mudanças climáticas aumentaram a intensidade da destruição causada pelos furacões, incluindo o Irma, aumentando as chuvas em 5% a 10%.

O choque inicial foi agravado quando todos os 1,8 mil moradores de Barbuda foram evacuados por um mês para a ilha vizinha, Antígua. Mussington afirma que a evacuação virou a vida dele completamente do avesso.

"Foi o mais traumático de tudo, ficar ali sentado em Antígua preocupado com as fazendas, animais e negócios, em vez de começar a recuperação", relembra ele. "Sou criador de abelhas, e todas as minhas colônias foram destruídas. Perdi meu negócio, junto com muitos fazendeiros e pescadores."


"Quando os países perdem suas ilhas devido ao aumento do nível do mar e eventos extremos, eles perdem sua cultura e suas tradições. Não existe adaptação para isso", segundo Le-Anne Roper, coordenadora de perdas e danos da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Aosis, na sigla em inglês).

Para os nativos de Barbuda, a destruição da biodiversidade e do ambiente local é uma violação direta do seu modo de vida.

"Toda a nossa cultura, identidade e modo de vida são relacionados ao meio ambiente e aos recursos naturais", segundo Mussington. Ele acrescenta que muitos moradores de Barbuda passam seu tempo livre fora de casa, pescando, caçando e acampando junto à natureza. "É parte da nossa identidade em Barbuda."

As construções danificadas e a perda de trabalho não são as únicas consequências de eventos extremos causados pelas mudanças climáticas. Desde Barbuda até Fiji, culturas inteiras estão em risco. Mas, com maior consciência, novas tecnologias e fortes apelos por apoio internacional, essas pequenas nações insulares estão preparando seu contra-ataque.

Mulher em meio a escombros em Barbuda

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Todas as construções de Barbuda foram danificadas pelo furacão Irma e muitas delas ficaram totalmente inabitáveis

A Aosis, que defende os interesses de 39 pequenas nações insulares nas negociações globais sobre o clima, levantou pela primeira vez a questão de perdas e danos em 1991, pouco depois da sua fundação, quando pediu apoio aos ilhéus que enfrentam aumento do nível dos mares.

Os países ricos apresentaram forte resistência a esses apelos, insistindo que o auxílio humanitário é suficiente para lidar com a questão.

Nos 30 anos que se seguiram, pequenos Estados insulares em terras baixas e outros países vulneráveis às ações climáticas continuaram a pedir aos países ricos que os ajudassem a lidar com eventos extremos, como ondas de calor, furacões e enchentes, bem como ameaças climáticas de avanço lento, como o aumento do nível dos mares.

Eles argumentam que os países ricos devem pagar por perdas e danos causados pelo clima, já que eles são responsáveis por quase 80% do histórico de emissões.


Nas discussões sobre o clima global das Nações Unidas em Glasgow, no Reino Unido, em novembro passado, os países em desenvolvimento travaram uma luta árdua para a criação de uma agência formal dedicada ao financiamento de perdas e danos, a ser subordinada à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês), para fornecer novo apoio financeiro às nações afetadas.

Mas o pacto final de Glasgow sobre o clima não fez referência ao financiamento climático para cobrir os valores crescentes de perdas e danos em países em desenvolvimento. Os países ricos disseram que estabeleceriam "um diálogo" para discutir "mecanismos para o financiamento de atividades para evitar, minimizar e combater perdas e danos".

Nas discussões sobre o clima, a primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, disse aos líderes mundiais que pedir aos países que estão na linha de frente da crise climática, como os pequenos Estados insulares, que paguem pelas mudanças climáticas é "como pedir aos passageiros de um acidente de carro que paguem pelos danos no lugar do motorista".

"A ausência desse financiamento crucial é medida em vidas e no sustento das nossas comunidades", afirmou Mottley, acrescentando que ela considera a situação "imoral" e "injusta".

Meninos em casa inundada em Fiji, com móveis e pertences danificados pela água

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Fiji vem precisando lidar repetidamente com tempestades intensas, que devem ficar mais sérias e frequentes com as mudanças climáticas

Os países vulneráveis afirmam que precisam urgentemente de apoio técnico e financeiro, agora que começam a enfrentar os impactos mortais das mudanças climáticas, que se intensificarão à medida que o planeta ficar mais quente.

Segundo o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês), "cada 0,5°C adicional de aquecimento global causa aumentos claramente observáveis da intensidade e da frequência" de eventos extremos, como ondas de calor, fortes chuvas e secas.

"Não podemos mais ignorar [esses impactos]", afirma Adelle Thomas, pesquisadora caribenha sênior da organização alemã Climate Analytics. "Está acontecendo agora [também] nos países desenvolvidos", segundo ela, referindo-se às enchentes na Alemanha no mês de julho, que mataram mais de 200 pessoas e causaram perdas econômicas de até 5 bilhões de euros (R$ 32,4 bilhões).

Um estudo da organização britânica Christian Aid destaca o impacto econômico devastador a ser imposto pelas mudanças climáticas aos 65 países mais vulneráveis do mundo.

Se as temperaturas globais aumentarem em 2,9°C, o PIB dessas nações cairá em 20% até 2050 e em 64% até 2100.

Abordagem preventiva

Todos os anos, Fiji enfrenta eventos extremos, que variam de poderosos ciclones a secas prolongadas, segundo o embaixador do país nas Nações Unidas, Satyendra Prasad. Ele afirma que "10% da nossa economia foram varridos por três eventos só no último ano, enquanto também combatíamos a covid-19. Esta é a diferença entre os países grandes e os pequenos."

Em 2021, Fiji lançou um esquema de seguro paramétrico, em parceria com agências das Nações Unidas, que oferece pagamentos imediatos para as mulheres pobres e outras comunidades vulneráveis após a ocorrência de desastres. Esse financiamento dirigido ajuda as pessoas a reconstruir suas vidas depois de uma catástrofe, segundo Prasad.

O governo de Fiji também está realocando para o interior 20 mil pessoas que vivem em 45 comunidades costeiras, a fim de protegê-las do aumento do nível do mar, com financiamento levantado pelo imposto de adaptação ao clima e ao meio ambiente do país.

"Não se trata apenas de mudar as casas de lugar", segundo Prasad. "Temos que construir novas rodovias, escolas e fornecer eletricidade - tudo o que torna a vida possível."

A pressão constante pela reconstrução após eventos extremos torna quase impossível para Fiji investir na educação, assistência médica e infraestrutura.

"Estamos gastando mais dinheiro reparando e reconstruindo escolas que expandindo a educação", afirma Prasad, que acrescenta que o dinheiro da assistência médica é transferido para serviços sociais, a fim de ajudar na recuperação das comunidades vulneráveis.

Um barco com seis assentos num leito de rio seco, com o chão de terra rachado pela falta de água

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Uma forma de reduzir os danos causados pelas mudanças climáticas é melhorar os sistemas de alerta

Já no Paquistão, um projeto piloto lançado pela Start Network — uma coalizão de 50 agências de auxílio e organizações sem fins lucrativos — pretende levar a intervenção precoce um passo adiante. A rede está tentando prever condições climáticas extremas que podem gerar fome e pobreza, detectando sinais de risco com antecedência e agindo com rapidez.

Utilizando imagens de satélite e modelos estatísticos, a ferramenta prevê quando eventos extremos, como secas e enchentes, estão para acontecer e ativa um alerta para intervenção antecipada — fornecendo dinheiro e experiência técnica essencial. Isso permite que as comunidades vulneráveis desenvolvam planos de reação com antecedência e minimizem os impactos tanto quanto possível.

Esse modelo, que prevê reduções do rendimento das safras, permitiu que comunidades do Paquistão começassem a cultivar plantas resistentes à seca, preservar água e imunizar seus rebanhos até um mês antes de uma seca. "É uma reação muito rápida, dirigida e eficaz, antes que o risco chegue ao campo", afirma Amjad Ahmad, coordenador de financiamento de riscos de desastres da rede no Paquistão.

Os resultados iniciais são positivos, segundo Ahmad. Menos crianças saíram da escola, e as famílias não foram forçadas a mudar-se para favelas urbanas em busca de trabalho. As comunidades também tiveram acesso a financiamento antes de serem atingidas pelas secas e outros choques climáticos.

"Não precisamos esperar o sofrimento chegar para que o financiamento seja liberado", segundo Sarah Klassen, consultora de política e defesa de direitos da Start Network. "Estamos realmente considerando a ação proativa como uma das formas práticas em que as organizações humanitárias podem abordar e minimizar perdas e danos causados pelas mudanças climáticas;"

O problema da responsabilidade

Esse tipo de intervenção exige conhecimento tecnológico e, principalmente, dinheiro para seu financiamento. Mas a grande questão é: quem deve pagar a conta?

Os países ricos, que tradicionalmente detêm o maior histórico de emissões, estão preocupados porque poderão ser responsabilizados pelas décadas de poluição que eles causaram. Quando perdas e danos foram incluídos no Acordo de Paris em 2015, os Estados Unidos forçaram a inserção de uma cláusula que indicasse que o acordo "não envolve nem fornece base para responsabilidade ou compensação".

O debate sobre responsabilidade e compensação tornou perdas e danos "um tabu político" e paralisou as negociações, segundo Adelle Thomas.

Apesar de se inscreverem em uma "coalizão muito ambiciosa" com pequenos Estados insulares e nações vulneráveis nas discussões sobre o clima de novembro de 2021 em Glasgow, os Estados Unidos e a União Europeia bloquearam a proposta de criação de uma agência de financiamento de perdas e danos, apresentada pelos países vulneráveis.

Quando questionado sobre a razão da oposição dos Estados Unidos à criação dessa agência, o enviado especial climático de Washington John Kerry disse aos repórteres: "Permanecemos sempre preocupados com a questão da responsabilidade e a quem ela cabe".

Militares em roupa camuflada em tons de bege manuseando doações em sacolas plásticas

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O aprimoramento dos sistemas de alerta pode ajudar a elaborar intervenções de auxílio e prevenção antes da chegada de um período de fenômenos climáticos intensos

Satyendra Prasad, o embaixador de Fiji, afirma que as negociações políticas precisam avançar para além desse dilema. Para ele, "elas deveriam tratar da solução de problemas a longo prazo e não de compensação e quem é responsável por quanto".

Fornecer apoio por perdas e danos não é apenas altruísmo, afirma Olivia Serdeczny, analista de pesquisa da Climate Analytics, especializada em perdas e danos. "Em algum momento, os países desenvolvidos poderão agir em seu próprio interesse. Eles não querem que os sistemas políticos dos países em desenvolvimento se desestabilizem e tenham que enfrentar migrantes climáticos", afirma ela.

Quanto é necessário?

Os ativistas afirmam que os países vulneráveis precisam de pelo menos US$ 300 bilhões (R$ 1,7 trilhão) por ano para cobrir perdas e danos até 2030. Os países em desenvolvimento indicam que esse financiamento para recuperação deverá somar-se ao dinheiro reservado para atenuação e adaptação climática, que se enquadra em um compromisso de financiamento climático global.

"O volume e a escala dos recursos [necessários] está além do que países como o nosso podem pagar", afirma Prasad. "Nós precisamos de recursos dedicados para fins exclusivos de cobrir perdas e danos."

Nas negociações sobre o clima das Nações Unidas em novembro de 2021, a Escócia tornou-se o primeiro país do mundo a reservar financiamento específico para perdas e danos, cerca de 2 milhões de libras (R$ 15,3 milhões), para ajudar as comunidades na linha de frente da crise climática. O valor é pequeno, mas o compromisso foi considerado altamente simbólico. Ainda assim, outros países negaram-se a abrir um novo canal de financiamento climático.

Uma área na qual se fez progressos nas negociações foi a concordância dos países ricos em financiar a Rede de Santiago, um mecanismo formado em 2019 para fornecer assistência técnica a países que vêm sofrendo perdas e danos. A ideia é tornar essa rede operante antes da próxima reunião climática da ONU, que será realizada no Egito, em novembro de 2022.

Mar revolto batendo contra uma escada de madeira

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Países ricos e pobres enfrentarão os impactos das mudanças climáticas e precisarão adaptar-se — mas nem todos têm os recursos para fazê-lo tão facilmente

"Espera-se fornecer assistência técnica voltada à demanda e a soluções para os países", segundo Harjeet Singh, consultor da rede de organizações ambientais Climate Action Network International.

"Esse apoio ajudará a gerar conhecimento e informação para os países que precisam de assistência técnica para lidar com a intensidade e frequência crescentes de eventos climáticos extremos e novos desafios, como o aumento do nível dos mares, derretimento das geleiras e acidificação dos oceanos", afirma ele.

Mas os países vulneráveis afirmam que a rede sozinha faz pouco para reduzir os desafios enfrentados. "[Os desastres climáticos] são a realidade que estamos vivendo", afirma Prasad. "Todos os anos estamos postergando as ações e aumentando a escala dos problemas de perdas e danos."

"Estamos realmente em um momento crítico", segundo Thomas. "Estamos atingindo nosso limite de espera e luta."

Depois do furacão Irma, o financiamento de perdas e danos teria ajudado Barbuda a reconstruir-se mais de forma rápida e adaptável, para que a ilha pudesse suportar furacões futuros, segundo o biólogo marinho John Mussington.

Ele afirma que o dinheiro poderia ser usado para mudar a principal fonte energética de Barbuda para energia renovável, como a eólica, que não só é mais sustentável, mas pode também ser adaptada para melhor suportar as tempestades e manter as luzes acesas após tempestades severas.

O apoio internacional permitiria ainda maior investimento nos mangues, recifes de corais e praias de Barbuda — que são parte fundamental da vida cultural da ilha e agem como barreiras importantes contra as marés de tempestades, acrescenta Mussington. "Se não os preservarmos, não manteremos nossa cultura e nossa identidade."


  • Isabelle Gerretsen
  • BBC Future
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