quarta-feira, 7 de abril de 2021

Quem era Salomé, a menina que Santo Agostinho transformou em 'mulher sem-vergonha'



A dança de Salomé, de Benozzo Gozzoli

CRÉDITO,WIKIMEDIA COMMONS

Legenda da foto,

A dança de Salomé, de Benozzo Gozzoli

Entre os arquétipos femininos da Antiguidade aclamados pela cultura pop nos últimos anos estão Cleópatra, as Amazonas e Afrodite.

Mas Salomé, uma heroína adorada até o início do século 20, caiu em relativo esquecimento. Uma injustiça que deve ser reparada!

Os Evangelhos nos contam sobre o assassinato de João Batista no final de um famoso banquete por volta do ano 29 em que se diz que Salomé dançou. O objetivo da festa era comemorar o aniversário de Herodes Antipas, o tio-avô da jovem e tetrarca, ou seja, governador de alguns territórios no sul do Oriente Médio em nome dos romanos.

A dança de Salomé ocorreu numa das fortalezas de Antipas, em Maqueronte, que o escritor francês Gustave Flaubert (1821-1880), em 'Herodíade', um dos "Três contos" publicados em 1877, muito acertadamente situa a leste do Mar Morto.

Antipas havia prendido e encarcerado João Batista, um pregador popular cujas violentas tiradas contra a ordem estabelecida poderiam ter incitado uma revolta.

João Batista também foi considerado culpado de insultos contra Herodíade, esposa de Antipas.

Herodíade não se cansava de exigir que o insolente profeta fosse morto.

Catedral de Rouen

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Tímpano da Catedral de Rouen, em que Salomé pode ser vista dançando durante o banquete de Antipas e, à direita, entregando a cabeça de São João Batista a Herodíade

Mas Antipas não estava certo disso, porque sabia que João Batista era um homem justo e santo, como podemos ler no Evangelho segundo São Marcos.

O aniversário de Antipas ofereceu a Herodíade o momento propício para atingir o que queria. A esposa do tetrarca compareceu à festa acompanhada da filha Salomé, fruto de um casamento anterior.

Durante o banquete, a filha de Herodíade começou a dançar e agradou a Herodes e seus convidados. O tetrarca, como um gesto de gratidão, lhe fez uma promessa: "Tudo o que você me pedir, eu darei a você, mesmo metade do meu reino."

Então, Salomé, sob a influência de sua mãe, reivindicou "em um prato, a cabeça de João Batista".

O tetrarca não se atreveu a recusar, para não ficar mal diante de seus convidados. Ele imediatamente enviou um guarda para decapitar João Batista em sua cela. E Salomé recebeu a cabeça, que deu à sua mãe.

A princesa Salomé nasceu no ano 18 e, portanto, tinha apenas 11 ou 12 anos naquela época.

O termo grego pelo qual ela é definida no Evangelho é "korasion", um diminutivo neutro de "korè" (menina). A palavra "korasion" não apenas evoca uma garota, mas também a priva de toda feminilidade.

A dança de Salomé não era, portanto, uma dança erótica, a menos que suponhamos que os evangelistas recorressem à ironia.

Ou seja, a hipótese de que uma mulher sedutora estrelasse aquela dança parece improvável, de acordo com as escrituras.

Na origem do mito da dança de Salomé, talvez não houvesse nada mais do que a performance de uma menina por ocasião do aniversário de seu tio-avô.

Banquete de Herodes, de Lucas Cranach o Velho (1531), Hartford, Connecticut

CRÉDITO,WIKIMEDIA COMMONS

Legenda da foto,

Banquete de Herodes, de Lucas Cranach o Velho (1531), Hartford, Connecticut

Salomé, uma menina transformada em uma mulher 'sem-vergonha'

Salomé sofre uma metamorfose como figura erótica três séculos após a escrita dos Evangelhos, no Sermão 16 (Pela decapitação de São João Batista) de Santo Agostinho.

Aqui, Salomé mostra os seios no decurso de uma dança frenética: "Às vezes inclina-se de lado e mostra seu flanco perante os espectadores; às vezes, na presença destes homens, mostra os seios".

Dessa forma, Salomé se tornou uma adolescente sem-vergonha e fatal. Como outras figuras semelhantes nas sociedades patriarcais, ela personifica o perigo feminino contra o qual os homens devem se proteger.

A famosa dança pode muito bem ter ocorrido. No entanto, como aponta o historiador americano Harold W. Hoehner, os Evangelhos não atribuem nenhuma conotação erótica à performance de Salomé.

Santo Agostinho tornou-se assim um promotor do destino excepcional de Salomé, cuja condenação logo se tornou uma fantasia. A dança da menina foi um grande sucesso desde a Idade Média.

No tímpano do pórtico de São João, na catedral de Rouen, que Flaubert conhecia bem, a acrobática Salomé se contorce com a cabeça baixa e as pernas levantadas.

No século 15, o pintor italiano Benozzo Gozzoli retrata uma adolescente orgulhosa que não hesita em atrair Antipas com os olhos.

Salomé por Franz von Stuck, 1906

CRÉDITO,WIKIMEDIA COMMONS

Legenda da foto,

Salomé por Franz von Stuck, 1906

Atordoado, o tetrarca tem a mão direita imobilizada sobre o coração, enquanto, com a outra, agarra uma faca de cozinha erguida sobre a mesa do banquete, um símbolo fálico discreto que sugere sua excitação.

Salomé também é retratada, repleta de confiança, por Lucas Cranach, o Velho (1531): ela não parece impressionada com a cabeça ensanguentada que carrega no prato, como o troféu de sua vitória, enquanto Antipas faz um gesto de desgosto.

Cranach destaca a oposição entre a beleza orgulhosa de Salomé e o tetrarca, retratado como uma grande figura com um olhar pesado. O artista também brinca com o contraste entre a elegância da jovem virgem e o rosto do profeta decapitado, mesclando erotismo e crueldade em uma obra que pode ser qualificada como sádica.

Ameaça feminina em dobro

Em 1877, quando publicou "Herodíade", Flaubert lembrou o contorcionista no tímpano da Catedral de Rouen. Ele também se inspirou em suas próprias experiências, especialmente na companhia dos dançarinos Kuchuk Hanem e Azizeh, que conheceu no Egito.

A personagem de Salomé expressa tanto a atração quanto o terror causado pelo poder de sedução. A queda do santo simboliza a castração do homem alienado pelo desejo.

Um desejo que enfeitiça e impede qualquer julgamento, despertado pela simples visão de partes do corpo feminino: "Aproximou-se um braço nu, um braço jovem e encantador."

O físico da jovem está fragmentado. Seus vários enredos ou características ajudam a despertar o desejo do espectador: "Os arcos de seus olhos, a calcedônia de suas orelhas, a brancura de sua pele".

A dança dos sete véus, de Gaston Bussière (1925)

CRÉDITO,WIKIMEDIA COMMOS

Legenda da foto,

A dança dos sete véus, de Gaston Bussière (1925)

As roupas também são detalhadas, destacando a carne que a torna ainda mais atraente: "Um véu azulado que cobre o peito e a cabeça", "sapatinhos de beija-flor".

Flaubert expressa uma espécie de fetichismo pelos sedutores adornos femininos orientais. Esta imagem foi posteriormente utilizada no cinema, na dança de Brigid Bazlen encarnando Salomé no filme "O Rei dos Reis" (1961), de Nicholas Ray.

Embora o título da história se refira apenas a Herodes, a obra é construída sobre uma duplicação da ameaça feminina por meio das figuras intimamente relacionadas da mãe, verdadeira mestre de cerimônias, e sua filha, não menos formidável, como executora da vontade materna.

É assim que Antipas cai nas redes dessas duas mulheres fatais: a manipuladora e a feiticeira.

Idolatria em baixa

Depois de Flaubert, Salomé ainda povoou o imaginário ocidental por algumas décadas. Em 1891, o escritor irlandês Oscar Wilde inventou o tema da dança dos sete véus para sua obra Salomé, posteriormente trazida para a música pelo compositor e maestro alemão Richard Strauss (1905). A figura de Salomé atingiu então o seu apogeu artístico.

Mais tarde, foi encarnada no cinema por algumas atrizes sulfurosas como Rita Hayworth ("Salomé", de William Dieterle, 1953) ou Brigid Bazlen ("O Rei dos Reis", de Nicholas Ray, 1961). E em 1988, Imogen Millais-Scott desempenhou perfeitamente o papel de uma lolita atrevida em "Salomé" de Ken Russell.

Mas na segunda metade do século 20, o fascínio do público pela dançarina bíblica desaparece em favor de novos ícones femininos ou feministas mais contemporâneas e positivas.

Salomé não é mais um ídolo de nosso tempo.

*Christian-Georges Schwentzel é professor de História Antiga na Universidade de Lorraine (França)

Este artigo foi publicado originalmente no site The Conversation. Clique aqui para ler o artigo original em espanhol.

Professor Edgar Bom Jardim - PE

terça-feira, 6 de abril de 2021

O Brasil do macho desgovernado: ele urra e usa um celular no lugar do tacape





Expondo nas redes seu descontentamento com os costumes ou a política nacional, o macho desgovernado exige que seus atos preconceituosos sejam entendidos como direitos.


1 – Sabendo que está sendo filmado e depois de dar um “tchauzinho” para a câmera, o desembargador Eduardo Siqueira chama um policial municipal de “analfabeto” e rasga a multa que acabara de receber por caminhar sem máscara no litoral de Santos, São Paulo. 

2 – Todo trabalhado no verde e amarelo, o empresário José Sabatini grava um vídeo empunhando um revólver. Fala grosso e ameaça o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Filho da puta! Vagabundo!” 

3 – O vereador José Alberto Bastos Vieira Junior, o Inspetor Alberto, do partido Pros do Ceará, publica um vídeo disparando dez tiros contra uma foto do petista. Diz que, assim, “sai toda a raiva”. 

4 – Um homem não identificado chuta as cruzes que o Comitê de Resistência e Solidariedade de Toledo, Paraná, colocou no Parque Ecológico Diva Paim Barth. Homenageavam as mais de 200 pessoas que morreram de covid-19 na cidade e as mais de 300 mil que morreram no Brasil. Ele sabe que um integrante do Comitê o filma, mas segue derrubando as cruzes e finaliza o ato dramaticamente, rasgando uma faixa que pedia por mais vacinas.

OS QUATRO CASOS são meramente ilustrativos, mas bastante eloquentes. Eles dizem respeito a um fenômeno que tem ganhado ainda mais força no Brasil, mas não só aqui: a síndrome do macho desgovernado, aquele que faz questão de amplificar em som, fúria e redes sociais, um descontentamento que, acredita, é muito precioso e se sobrepõe ao de todos os outros. Para isso, aciona recursos como o grito, a palavra de ordem, a carteirada, a ameaça, a bala. Mais: recorre geralmente à publicização de seus atos, uma mostra de que o macho desgovernado, MD, não quer meramente destruir ou ameaçar – ele também quer viralizar e conquistar a possível chance de “mitar”.

A extrema instabilidade comportamental do MD não tem idade, ela perpassa gerações e atinge também homens mais jovens daqueles vistos nos exemplos acima. É o caso do exemplo 5: o deputado federal Daniel Silveira, 38 anos, chega para fazer exame de corpo de delito após ser preso pela Polícia Federal. Uma policial pede para que, dentro do recinto, ele use a máscara. Daniel, falando muito grosso, vai aumentando o tom da voz enquanto se dirige até o guichê no qual a policial está. Mistura máscara com petismo, respeito, vagabundagem e, claro, dá uma carteirada: “Sou deputado federal, e daí?”. Passados dois minutos do vídeo, ele se dirige ao colega que o filma. Avisa que a gravação pode ser encerrada.

O amor que o macho desgovernado possui pelo flash é um traço contemporâneo de algo há muito existente: a necessidade de sublinhar marcadores de uma masculinidade prezada socialmente e entendida como superior. “Ela é sempre uma construção sociocultural, não é natural e justamente por isso só se estabelece quando é performada. Essa performance é constantemente atualizada e, hoje, está ainda mais atrelada à exposição midiática”, diz o professor Ricardo Sabóia, pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco, UPFE, que nos últimos anos vem desenvolvendo estudos sobre masculinidades, inclusive no ambiente das redes sociais. Sintetizando: em vez de urrar e segurar um tacape, o macho desgovernado urra e segura um celular.

Sabóia aponta que esse fenômeno está atrelado a outro, fundamental: a reação a uma série de arranjos e decisões que perpassam a política, a justiça e o campo midiático e são pertinentes a avanços nos direitos das mulheres, população LGBTQIA+, etc. A sensação, para os rapazes que repousam no conforto da masculinidade mais valorizada socialmente, é a da perda de espaço – ou seja, da perda de poder. “É como se uma ameaça estivesse por todos os lados: mulheres, gays, homens ‘que não são homens’. É assim que vão ser valorizados e reforçados valores tradicionais ligados a esse homem hegemônico, é quando se reforça quem está no poder e quem deve continuar a exercê-lo”, continua o pesquisador.

Essa percepção é compartilhada pela antropóloga Isabela Kalil, coordenadora do Núcleo de Etnografia Urbana e Audiovisual, Neu, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, que faz um importante apontamento sobre a questão: no Brasil, não é possível discutir patriarcado sem discutir escravidão. Assim, o escancaramento do que ela chama de masculinismo tem relação com a criminalização da homofobia e o fortalecimento de maiorias minorizadas no debate público, mas não só. Ele também está associado à consolidação de ações democratizantes como, por exemplo, a política de cotas para negros e negras, indígenas, pobres. No contexto em que tais ações são institucionalizadas, “passou a ser condenável expressar abertamente, em público, o machismo, o racismo, a homofobia. Mas quando você tem um líder que abertamente faz isso, dá licença para que outras pessoas façam o mesmo”, diz.

Nesse sentido, o presidente Jair Bolsonaro engatou marcha-a-ré na tentativa de conter um urgente novo pacto civilizatório brasileiro, assentado no reconhecimento de uma cidadania mais plena e mais ampla. Um pacto que foi não somente interrompido antes ainda de se consolidar, mas que recebeu e recebe porrada por todos os lados. Sentindo-se acuados e com a “liberdade” limitada, muitos homens passaram a chutar, bater no peito e a falar grosso: queriam (aliás, querem) que seus atos homofóbicos, racistas, misóginos, preconceituosos, sejam entendidos antes de tudo como direitos. A eles, precisa ser garantida a continuidade de dizer ou performar o que vier na telha. Não gostou? Vá se foder pra lá. E se me chamar de preconceituoso, homofóbico ou racista, enfio a mão, te ameaço em rede social ou te meto um processo.

Isso nos leva ao sexto exemplo do macho desgovernado, este se distanciando imageticamente do MD mais velho que vocifera vestido de verde e amarelo e carrega arma. É o boy de terno bem cortado, que investe na barba e curte expressões em latim como Deus vult, que significa “Deus quer”, lema das Cruzadas (a Idade Média, aquele tempo onde o macho branco cristão era respeitado e não tinha esse papo de homem transgênero, por exemplo).

6 – O assessor governamental Filipe Martins faz um sinal com a mão; um sinal que pode ser lido tanto como o supremacista “white power” quanto como “dar o cu”. Aproveitava a visibilidade das câmeras apontadas para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, do Democratas, que discursava naquele momento logo à frente dele. Posteriormente, o macho desgovernado ameaçou processar várias pessoas e afirmou que estava apenas “ajeitando a lapela”.

Vale observar mais um ponto relacionado a Filipe Martins e a macheza das redes: quando estas foram coalhadas de críticas por conta do vídeo mostrando seu gesto, diversos homens, vários deles pobres, vários deles negros, saíram em defesa do assessor governamental. Nesse sentido, o “corporativismo de gênero” (no Recife, chamamos de “brodagem”) parece falar mais alto que as questões de classe e raça. “Há uma grande solidariedade entre os homens e uma partilha de perspectivas construídas em torno dessa solidariedade”, diz Ricardo Sabóia. Outro ponto, este levantado por Isabela Kalil, diz respeito a uma crítica comum: a ideia do supremacista branco que não pode ser preto ou pardo. “Isso é problemático porque se a gente opera nessa lógica, reiteramos o mesmo argumento racista da pureza de raça. Ao branco estaria então permitido ser supremacista?”.

Vale lembrar que o ideal a masculinidade agressiva não é compartilhado apenas entre eles, mas também entre mulheres conservadoras que valorizam o macho que se coloca à frente de todas as coisas. Tem mais: esse modelo viril clichê se impõe sobre outras masculinidades. É aquela coisa da performance: não basta ter nascido macho, tem que deixar isso bem claro através de certa agressividade. Qualquer valor ou comportamento entendidos como “femininos” (o cuidado, a atenção, a delicadeza e mesmo a educação), se percebidos nos homens, vai levá-los automaticamente a perder o ISO 9.000 concedido pelo macho desgovernado. Aí, dá-lhe homofobia em diversos níveis, desde a violência física até “piadas” como “calça apertada” (como jocosamente Bolsonaro, sugerindo afeminamento, se refere ao governador de SP, João Doria).

7 – Novembro de 2020, o Brasil contava com 163 mil mortos para a covid-19 e quase seis milhões de casos confirmados. Em uma cerimônia no Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro declara: “Não adianta fugir disso, fugir da realidade. Tem que deixar de ser um país de maricas (…) Temos que buscar mudanças, não teremos outra oportunidade. Vem a turminha falar ‘queremos um centro’, nem ódio pra lá nem ódio pra cá. Ódio é coisa de marica, pô. Meu tempo de bullying na escola era porrada.”

(Não se preocupe em entender. O presidente Jair Bolsonaro ultrapassa qualquer entendimento).

O farol sobre a farda

Guardando diferenças importantes em relação a todos os casos acima, mas com semelhanças que o fazem pertinente aqui, está o caso do policial Wesley Soares, morto no dia 28 de março após atirar com um fuzil nos colegas PMs. A diferença fundamental é que, apesar de não haver ainda uma investigação final sobre o que levou o PM ao ato extremo, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia afirma que ele passava por um surto psicótico. Wesley, assim, sintetizava ali um mal que perpassa estruturalmente a Polícia Militar brasileira e vem sendo tratado como problema menor: transtornos mentais relacionados a uma profissão exercida sob enorme pressão e risco de morte permanente (e também mal paga). O assunto foi abordado no Intercept em janeiro, quando Leonardo Martins expôs o caso de um policial que tentou cometer suicídio três vezes desde que passou a fazer parte da PM de São Paulo. No entanto, os psiquiatras da corporação diziam que seu desesperado pedido para não voltar a trabalhar era pura “imaturidade” (pois é, tem muito macho desgovernado usando jaleco e com diploma na parede).

Mas o fato de Wesley ter dirigido durante cerca de 5 horas de Itacaré até a capital Salvador e escolhido um dos pontos turísticos por excelência da cidade, o Farol da Barra, é algo extremamente significativo no seu ato. O PM quis levar a sua insatisfação ao centro político do estado e, uma vez nele, ao centro de atenção. O rosto pintado de verde e amarelo, performático, sugeria o compartilhamento de valores como o patriotismo, a honra, a força, a ordem. Valores absorvidos socialmente, mas de entendimentos bastante individuais – no caso de Wesley, alguns relatos vindos dos próprios colegas indicam diversas divergências sobre estes valores, o que o consternava profundamente. Sugere-se assim que existência e explicitação de opiniões diferentes, de perspectivas políticas diferentes, passaram a ser gatilhos para o PM.

Coordenador do Virtus, Programa Institucional em Defesa Social, Segurança Pública e Direitos Humanos criado na UFPE, o professor Sandro Sayão diz que não podemos enxergar ou conceber o policial com um ente em separado da sociedade. “E nossa sociedade, embora as narrativas românticas existentes que nos dizem pacíficos e amorosos, é uma sociedade perversa, preconceituosa e extremamente violenta.”

Para ele, o caso de Wesley é o ápice do PM que deixou de ser visto como trabalhador para passar a ocupar o lugar do herói (como deixaram ver as postagens oportunistas da deputada federal Bia Kicis, aliás acompanhadas por um MD raiz, o também deputado bolsonarista Eduardo Bolsonaro). “Isso é perverso para o policial. Herói não precisa de curso, herói não precisa de formação, herói não precisa de equipamentos, de capacitação. Os discursos que destacam a figura do policial como herói são populistas, chamam atenção dos mais românticos e superficiais e acalentam o ego, principalmente de um contexto profissional repleto de tensões, como o contexto do trabalho em segurança pública. Reforçar essa ideia é algo imensamente perverso. Isso porque convoca homens e mulheres, a serem o que no fundo não são. Ou seja, convoca seres humanos a negarem suas próprias fragilidades e necessidades”, comenta Sayão.

Atualmente, segundo o pesquisador, em um universo de 800 mil policiais no Brasil, 30% tem problemas de saúde/sofrimento mental. “Eles atuam no âmbito de um governo que celebra a barbárie, e esse aumento da barbárie também é insuportável para os próprios policiais.”

Ao mesmo tempo, lembra Sayão, esses homens lidam com algo singular, que é o poder. Essa mescla entre desinvestimento e incentivo de uma cultura da virilidade exarcebada – que é marca do governo Bolsonaro, mas não é uma novidade no país – provoca tragédias diárias. Ele lembra o caso do policial Flávio Oliveira, que matou, dentro de uma viatura, o colega Adriano Batista após uma discussão sobre cotas raciais. O assassinato aconteceu no Recife, em agosto de 2015.

Um outro ponto que não pode deixar de ser trazido para o cultivo da violência naquela que, no mundo, é a polícia que mais morre e é também a polícia que mais mata, é a naturalização do assassinato dos pobres e negros. Chegamos assim ao nosso último exemplo, cujo teor difere dos demais pela própria natureza do registro: o vídeo que mostra a morte de um adolescente, de apenas 15 anos, baleado de maneira particularmente banal em fevereiro de 2015.

8 – Alan de Sousa Lima e mais dois amigos conversavam enquanto acontecia uma operação da 9º BPM, de Rocha Miranda, na favela da Palmerinha, zona norte do Rio. Estavam montados em bicicletas, riam e faziam piadas, o que chamou atenção dos policiais. Eles atiraram no grupo e Alan, que estava com o celular na mão, terminou filmando a própria morte. Chauan Cesário, 19, levou um tiro no peito, mas sobreviveu. Os policiais envolvidos na ação afirmaram que os adolescentes estavam armados – o que foi desmentido após o vídeo cair nas redes sociais. Em 2017, o sargento Ricardo Vagner Gomes foi condenado a 27 anos e seis meses de prisão.

São muitos os machos desgovernados – e eles estão mais à vontade do que nunca. Tanto ao ponto de, mesmo sem querer, se tornarem protagonistas dos registros daqueles que eles matam.

Fabiana Moraes

Fonte: theintercept.com

Professor Edgar Bom Jardim - PE

sábado, 3 de abril de 2021

O que aconteceu com a cruz em que Jesus foi crucificado




Três cruzes no entardecer

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Jesus morreu crucificado, segundo Bíblia

Segundo a crença cristã, Jesus de Nazaré morreu crucificado por ordem do então prefeito romano na Judéia, Pôncio Pilatos, e sua jornada até seu calvário - uma série de episódios conhecidos como Paixão - é um dos elementos centrais celebrados na Semana Santa.

A crucificação foi tão importante na história do Cristianismo que a cruz acabou se tornando o símbolo das religiões que professam devoção à figura de Jesus Cristo.

Mas o que aconteceu com a cruz em que Jesus morreu?

Dezenas de mosteiros e igrejas em todo o mundo afirmam ter pelo menos uma peça da chamada "Vera Cruz (Verdadeira Cruz)" em seus altares, para louvor de seus fiéis.

E muitos deles baseiam a veracidade da origem de suas relíquias em textos dos séculos 3 e 4, que narram a descoberta em Jerusalém do exato pedaço de madeira no qual Jesus Cristo foi executado pelos romanos.

"Essa história, que inclui o imperador romano Constantino e sua mãe, Helena, foi a iniciadora desta história da cruz de Cristo, que sobreviveu até hoje", explica a professora Candida Moss, do Departamento de Teologia e Religião da Universidade de Birmingham (Inglaterra), à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC. Moss é estudiosa do Novo Testamento e historiadora do cristianismo.

Ela explica que a história da cruz de Cristo é baseada nos escritos de historiadores antigos, como Gelásio de Cesareia ou Tiago de Voragine. Mas, para muitos historiadores de hoje, eles não determinam a autenticidade das peças de madeira que vemos atualmente em vários templos ao redor do mundo - nem podem servir como confirmação de sua procedência.

"Provavelmente esse pedaço de madeira não é a cruz em que Jesus foi crucificado, porque muitas coisas poderiam ter acontecido com ela. Por exemplo, que os romanos a reutilizaram para outra crucificação, em outro lugar e com outras pessoas", diz Moss.

Jesus na cruz

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Cruz também simboliza sofrimento que Jesus suportou antes de sua morte, segundo as homilias

Mas então, por que surgiu a história da "Vera Cruz" e por que existem tantas peças que supostamente fazem parte da "árvore principal"?

"(Por causa) do desejo de ter uma proximidade física com algo em que acreditamos", diz à BBC News Mundo Mark Goodacre, historiador e especialista em questões do Novo Testamento na Universidade Duke (Estados Unidos).

"As relíquias cristãs são mais um desejo do que algo verdadeiro", acrescenta.

Helena

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Helena foi declarada Santa por Igreja Católica

'Lenda Dourada'

Na narrativa do Evangelho, após a morte de Jesus na cruz, seu corpo foi levado para um túmulo, no que hoje é a Cidade Velha de Jerusalém.

E por quase 300 anos não houve menção no relato cristão daquele pedaço de madeira.

Foi por volta do século 4 que se acredita que o bispo e historiador Gelásio de Cesaréia publicou um relato em seu livro "A história da Igreja" sobre a descoberta em Jerusalém da "Vera Cruz" por Helena, uma santa da Igreja Católica e também a mãe do imperador romano Constantino, que impôs o cristianismo como religião oficial do império.

A história, aludida por outros historiadores e escritores como Tiago de Voragine em seu livro "Lenda Dourada" do século 8, indica que Helena, enviada por seu filho para encontrar a cruz de Cristo, é levada para um lugar próximo ao Monte Gólgota, onde Jesus supostamente foi crucificado, e lá encontra três cruzes.

Algumas versões indicam que Helena, duvidando de qual seria a verdadeira, colocou uma mulher doente em cada uma das cruzes e aquela que finalmente a curou foi considerada autêntica.

Imagem de Constantino e de sua mãe, Helena

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Segundo vários relatos, Helena, mãe do imperador Constantino, foi quem encontrou a cruz em que Cristo morreu em Jerusalém

Outros historiadores afirmam que Helena a reconheceu por ser a única das três que apresentava indícios de ter sido utilizada para crucificação com pregos, já que, segundo o Evangelho de João, Jesus foi o único que foi crucificado com aquele método naquele dia.

"Toda essa história faz parte do desejo por relíquias que começou a ocorrer no cristianismo durante os séculos 3 e 4", diz Goodacre.

O acadêmico ressalta que os primeiros cristãos não estavam focados em buscar ou preservar esses tipos de objetos como fonte de sua devoção.

"Nenhum cristão no século 1 se lançou a colecionar relíquias de Jesus", diz.

"Com o passar do tempo e o cristianismo se espalhando pelo mundo naquela época, esses fiéis começaram a criar formas de ter alguma conexão física com quem eles consideram ser seu salvador", acrescenta Goodacre.

A origem da busca por essas relíquias tem muito a ver com os mártires.

Segundo historiadores, o culto aos santos começou a ser uma tendência dentro da Igreja e, por exemplo, foi estabelecido desde cedo que os ossos dos mártires eram evidências do "poder de Deus agindo no mundo", produzindo milagres e outros feitos que "provavam" a eficácia da fé.

E como Jesus ressuscitou, não foi possível encontrar os seus ossos: segundo a Bíblia, após três dias no túmulo, o seu regresso à vida e a subsequente "ascensão ao céu" foi corporal. Dessa forma, restaram apenas objetos como a cruz e a coroa de espinhos vinculados a ele.

"Este período, quase três séculos após a morte de Jesus, é o que torna improvável que os objetos encontrados em Jerusalém, como a cruz em que ele morreu ou a coroa de espinhos, sejam os verdadeiros", observa Goodacre.

"Se isso tivesse sido feito pelos primeiros cristãos, que tiveram um contato mais próximo com o que de fato aconteceu, poderíamos falar da possibilidade de que fossem reais, mas não foi o caso".

Relíquia

Reliquia

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Várias igrejas ao redor do mundo afirmam ter um pedaço da cruz em que Jesus morreu

Parte da cruz concedida à missão de Helena foi levada para Roma (a outra permaneceu em Jerusalém) e, segundo a tradição, grande parte dos restos mortais está preservada na Basílica de Santa Cruz da capital italiana.

Com a "descoberta", a expansão do Cristianismo na Europa durante a Idade Média e a cruz que se tornou o símbolo universal desta religião, començou também a multiplicação dos fragmentos que iam para outros templos.

Esses fragmentos são conhecidos como "lignum crucis" (madeira da cruz, em latim).

Além da Basílica da Santa Cruz, as catedrais de Cosenza, Nápoles e Gênova, na Itália; o mosteiro de Santo Toribio de Liébana (que tem a maior peça), Santa Maria dels Turers e a basílica de Vera Cruz, entre outros, na Espanha, afirmam ter um fragmento da cruz em que Jesus Cristo foi executado.

A Abadia de Heiligenkreuz, na Áustria, também guarda uma peça e outro segmento muito importante está na Igreja da Santa Cruz, em Jerusalém.

Junto com as evidências físicas, os concílios de Nicéia, no século 4, e de Trento, no século 16, deram validade espiritual à devoção dessas relíquias, tanto que foram registradas no catecismo:

"O sentido religioso do povo cristão encontrou, em todos os tempos, a sua expressão em várias formas de piedade em torno da vida sacramental da Igreja: como a veneração das relíquias", pode ler-se no artigo 1674 deste tratado que estabelece a doutrina da Igreja Católica.

Cristo na cruz

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Segundo historiadores, devido à perseguição, primeiros cristãos não guardaram muitos objetos relacionados à presença física de Jesus

Mas também indica que as próprias relíquias não são "objetos de salvação", mas significa alcançar a intercessão e "benefícios para Jesus Cristo seu Filho, nosso Senhor, que é apenas nosso redentor e salvador."

Da mesma forma, a multiplicidade de fragmentos foi questionada em sua época por vários pensadores.

O teólogo francês João Calvino (1509-1564) destacou no século 16, em meio a um boom do tráfico de relíquias em que se multiplicavam os pedaços da chamada "Vera Cruz" distribuída por igrejas e mosteiros, que "se coletássemos tudo que foi encontrado (da cruz), haveria o suficiente para transportar um grande navio. "

No entanto, essa afirmação foi posteriormente refutada por vários teólogos e cientistas ao longo da história.

Recentemente, Pierluigi Baima Bollone, professor emérito da Universidade de Turim (Itália), apontou em um estudo que se todos os fragmentos que afirmam fazer parte da cruz de Cristo fossem reunidos "atingiríamos apenas 50% do tronco principal".

Veracidade

"É muito provável que Helena tenha encontrado uma árvore, mas o que é muito provável também é que alguém a tenha colocado naquele lugar para dar uma ideia de que esta foi a cruz em que Jesus morreu", diz Moss.

A especialista indica que há outra dificuldade em provar se essas peças realmente pertenceram, pelo menos, a uma crucificação ocorrida na época de Cristo.

"Por exemplo, a datação por carbono-14, que seria uma das primeiras coisas a fazer, é cara e a igreja não tem recursos para esse tipo de trabalho", diz.

Oração com cruz iluminada

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Cruz se tornou o símbolo do Cristianismo

E embora tenha sido possível obter fundos para financiar tal estudo, a investigação poderia afetar a integridade da relíquia.

"Acrescente a isso que a datação por carbono é considerada invasiva e um pouco destrutiva. Mesmo que você precise apenas de cerca de 10 miligramas de madeira, ainda envolve o corte de um objeto sagrado", observa Moss.

Em 2010, o pesquisador americano Joe Kickell, membro do Comitê para a Investigação Cética, organização sediada em Nova York (Estados Unidos), fez um estudo para determinar a origem dos pedaços que eram considerados parte da "Vera Cruz".

"Não há uma única evidência que sustenta que a cruz encontrada por Helena em Jerusalém, ou por qualquer outra pessoa, seja a verdadeira cruz em que Jesus morreu. A história de proveniência é ridícula. E seu caráter milagroso, também", escreveu Kickell em um artigo.

Para Moss e Goodacre, a chance de encontrar a verdadeira cruz de Cristo é muito remota.

"Seria necessário fazer um trabalho arqueológico, não teológico. E mesmo assim seria muito improvável encontrar a árvore de mais de dois milênios atrás", ressalva Goodacre.

Nesse sentido, para Moss, as dificuldades vêm até do objeto que estaríamos procurando.

"A palavra cruz tanto em grego quanto em latim se referia a uma árvore ou pau vertical em que se praticava a tortura", esclarece a historiadora.

"Em outras palavras, possivelmente estamos falando de uma única árvore ou estaca, não do símbolo que conhecemos atualmente."

  • Alejandro Millán Valencia
  • BBC News Mundo
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Pernambuco abre 50 novos leitos de UTI para pacientes com Covid-19


As 394 mil doses de vacinas contra a Covid-19 recebidas na última quinta-feira (1º) foram entregues às 12 Gerências Regionais de Saúde do Estado

Governador de Pernambuco, Paulo Câmara

De acordo com o Governo do Pernambuco, 50 novos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) devem ser abertos até a próxima sexta-feira (9). Com as novas vagas, o Estado deve ultrapassar a quantidade de 1.600 leitos de UTI, exclusivos para pacientes com Covid-19, em 16 municípios do Litoral ao Sertão. O anúncio foi feito neste sábado (3), pelo governador Paulo Câmara, após reunião do Comitê Estadual de Enfrentamento à Covid-19.

Serão cinco unidades contempladas, recebendo 10 leitos cada: Hospital e Maternidade Santa Maria, em Araripina; Hospital João Murilo de Oliveira, em Vitória de Santo Antão; Hospital Miguel Arraes, em Paulista; Centro de Educação Saúde Comunitário - Cesac Prado; e Hospital Eduardo Campos da Pessoa Idosa, ambos no Recife.

Além disso, o governador ainda destacou que o comitê continua monitorando os dados da pandemia, a distribuição das vacinas e avaliando o cumprimento das medidas restritivas em todo o Estado. “Nossa fiscalização tem trabalhado na observação das medidas restritivas e a avaliação, até agora, é de que a população vem colaborando com as orientações de evitar aglomerações”, ressaltou.

Imunizantes
As 394 mil doses de vacinas contra a Covid-19 recebidas na última quinta-feira (1º) foram entregues às 12 Gerências Regionais de Saúde do Estado até às 16h da sexta-feira (2). Os imunizantes estão sendo utilizados pelos municípios para dar continuidade à vacinação de idosos com mais de 65 anos de idade em todo o Estado.
Folha de Pernambuco

Professor Edgar Bom Jardim - PE