domingo, 28 de março de 2021

A vida de Giuseppe Garibaldi, ‘herói de dois mundos’ que unificou a Itália e lutou no Brasil


Giuseppe Garibaldi.

CRÉDITO,DE AGOSTINI PICTURE LIBRARY

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Giuseppe Garibaldi encarnou o mito do herói romântico do século 19

"Não há nenhum outro episódio em que o aparecimento no Reino Unido de uma figura pública, nativa ou estrangeira tenha produzido um entusiasmo mais profundo ou universal."

Foi assim que o correspondente em Londres do jornal americano The New York Times descreveu a chegada, em 16 de abril de 1864, de um italiano na casa dos cinquenta anos, de aspecto carismático, com uma barba que adornava um rosto oval e roupas coloridas.

Em outro texto sobre o evento, um repórter do jornal britânico The Guardian descreveu como milhares de pessoas se reuniram no centro de Londres para ver o italiano, gritando seu nome: "Garibaldi! Garibaldi para sempre!"

A carruagem que transportava o general Giuseppe Garibaldi da estação ferroviária de Nine Elms para a Residência Lancaster, onde ele era o convidado de honra do duque e da duquesa de Sutherland, levou mais de cinco horas para percorrer uma distância de menos de quatro quilômetros.

"A aristocracia disputava (sua atenção) com as pessoas comuns", comentou o The New York Times, "e os homens da mais alta posição oficial estavam orgulhosos de receber o revolucionário de camisa vermelha."

Não foi a primeira vez que Garibaldi despertou paixões no Reino Unido. Ele já havia visitado o país alguns anos antes e teve um biscoito com o seu nome comercializado no país. Na época, o recém-fundado time de futebol de Nottingham Forest decidiu adotar o vermelho para suas camisas, em homenagem às tropas do general italiano.

"Foi como se os músicos do U2 fossem às ruas hoje", diz à BBC Mundo o historiador Carmine Pinto, diretor do Istituto per la Storia del Risorgimento (instituto da história da unificação italiana, em português), em Roma.

Hoje, 160 anos depois dessas visitas, tanto o biscoito quanto os uniformes ainda existem, e o mito de Garibaldi, o "herói do velho e do novo mundo", como o batizou o escritor francês Alexandre Dumas, permanece praticamente intacto.

"Garibaldi encarna perfeitamente o herói romântico do século 19, com sua luta idealista pelas causas nacionais, seu carisma e sua liderança", afirma Arianna Arisi Rota, professora de História Contemporânea da Universidade de Pavia."E todo o século 19 se encaixa em sua vida."

Garibaldi en Londres

CRÉDITO,ILLUSTRATED LONDON NEWS

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Garibaldi foi recebido em Londres por uma multidão entusiamada

Cidadão do mundo

Giuseppe Garibaldi nasceu em 1807 em Nizza (Nice, hoje pertencente à França), em uma família de marinheiros de Gênova, então principal porto do Reino da Sardenha.

Muito jovem, começou a trabalhar aprendiz e depois como marinheiro em navios comerciais que navegavam no Mediterrâneo e no Mar Negro. No navio, entrou em contato com as ideias políticas reformistas que inflamaram a Europa do século 19.

Em 1833, Garibaldi tinha 26 anos e estava prestes a partir do porto de Marselha para a Rússia com o navio mercante "Clorinda".

Naquela época, Constantinopla (atual Istambul) era capital da Turquia e funcionava como um refúgio para exilados políticos europeus. O navio Clorinda fez uma parada na cidade para desembarcar treze passageiros, seguidores das teorias socialistas do filósofo Henri de Saint-Simon. Nessa viagem pelo Mediterrâneo, o líder desse grupo, Emile Barrault, ilustrou a Garibaldi algumas das ideias que defendiam: pacifismo, igualitarismo, equidade entre homens e mulheres e amor livre.

Anos depois, Garibaldi explicaria ao escritor francês Alexandre Dumas, que escreveria as memórias do general italiano, como um conceito de Barrault foi particularmente decisivo para sua formação política.

"O homem que defende seu país ou que ataca outro não passa de um soldado", disse Garibaldi ao autor do romance O Conde de Monte Cristo.

"Por outro lado, o homem que, ao se tornar cosmopolita, adota a humanidade como sua pátria e vai oferecer sua espada e seu sangue a todos os que lutam contra a tirania, é mais que um soldado: é um herói", afirmou.

A bordo daquele navio, "sob um céu estrelado e sobre um mar cuja brisa parece carregada de generosas aspirações", como diria nas suas memórias, Garibaldi compreendeu que queria ser esse herói e que dedicaria o resto da vida a isso.

De volta à Itália, ele se juntou ao grupo de La Giovine Italia (Jovem Itália), uma sociedade secreta formada por Giuseppe Mazzini para promover a unificação do país.

Garibaldi participou de uma tentativa de insurreição em Gênova, mas a revolta fracassou e ele foi forçado a se refugiar em Marselha, onde recebeu a notícia de que havia sido condenado à morte.

Giuseppe e Anita Garibaldi.

CRÉDITO,DEA PICTURE LIBRARY

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Anita Garibaldi tinha 18 anos quando se apaixonou pelo guerreiro italiano

Revolução Farroupilha

Garibaldi continuou viajando pelo Mediterrâneo com nome falso, até que em 1836 pegou um navio para o Rio de Janeiro.

No Brasil, Garibaldi passou a comercializar macarrão, consolidou sua formação política, entrou para a maçonaria e conheceu o militar e líder separatista Bento Gonçalves da Silva.

Quando Bento Gonçalves foi nomeado presidente da República do Rio Grande, que desejava se separar do Brasil imperial, ele acabou sendo preso por se rebelar.

Sua prisão deu início à Revolução Farroupilha, também conhecida como Guerra dos Farrapos (1835-1845) no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.

Garibaldi en la Revolución Farroupilha

CRÉDITO,DEA PICTURE LIBRARY

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Garibaldi foi importante na Revolução Farroupilha

Em 1837, Garibaldi, "cansado de arrastar uma existência inútil", como explicou em carta a um amigo, obteve uma procuração de Bento Gonçalves e começou a comandar sua frota de guerra contra a marinha brasileira.

"A contribuição de Garibaldi foi fundamental sob dois pontos de vista", explica a historiadora Maria Medianeira Padoin, professora da Universidade Federal de Santa Maria (RS).

"Por um lado, ele contribuiu com seu conhecimento militar, empregando táticas eficazes de combate na água, tanto no mar como no rio, e contribuindo para a formação de estaleiros militares na região."

"Por outro lado, graças à sua personalidade carismática, difundiu os seus ideais de igualdade e de luta pela liberdade", afirma Padoin.

Annita Garibaldi Jellet

CRÉDITO,ANNITA GARIBALDI

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Annita Garibaldi Jellet, jurista, historiadora e bisneta de Giuseppe e Anita Garibaldi.

Durante os quatro anos em que lutou na Revolução Farroupilha, Garibaldi foi capturado e torturado, sofreu um naufrágio e conheceu aquela que seria o amor de sua vida, Anna Maria Ribeiro da Silva, a Anita Garibaldi.

Anita tinha 18 anos e era casada quando se apaixonou pelo guerrilheiro italiano.

Ela deixou o marido, passou a usar roupas masculinas para poder andar a cavalo e lutou ao lado de Garibaldi em todas as campanhas militares no Brasil.

Casaram-se em 1842 e tiveram três filhos: Menotti, Teresita e Ricciotti.

"A história dos meus bisavós foi uma história muito romântica", diz Annita Garibaldi Jallet, neta de Ricciotti, historiadora e presidente da Associazione Nazionale Veterani e Reduci Garibaldini (associação nacional de veteranos e sobreviventes garibaldianos) na Itália.

Garibaldi em uma roupa vermelha

CRÉDITO,LEEMAGE

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Os guerreiros que lutavam com Garibaldi (na pintura) ficaram conhecidos por suas roupas vermelhas

A consagração militar no Uruguai

Por volta de 1841, Garibaldi parou de lutar na Revolução Farroupilha e se estabeleceu em Montevidéu, no Uruguai, onde havia uma grande comunidade de exilados e imigrantes italianos.

Pouco depois, ele se envolveu na guerra civil do Uruguai, um longo e complexo conflito entre os partidos "blanco" e "colorado", cada lado apoiado por um partido diferente da Argentina.

O conflito teve a intervenção diplomática e militar do Brasil, da França e do Império Britânico, além da participação de forças estrangeiras.

Garibaldi aliou-se ao presidente recém-eleito do Uruguai, Fructuoso Rivera do partido colorado. Então criou a Legião Italiana, que sob sua liderança conquistou vitórias em diversas cidades.

O pesquisador argentino Mario Etchechury afirma que "por muito tempo Garibaldi foi considerado um herói mais do Partido Colorado do que do país".

O fato de o primeiro monumento da guerra civil em Montevidéu ser de Garibaldi, explica,

"justifica-se por um lado pela sua importância, mas também porque naquele ano o governo era do partido colorado, que ainda preserva um retrato do italiano em sua sede ".

A Legião Italiana se caracterizava por um elemento que logo invadiria o imaginário popular como símbolo de coragem e dedicação às causas patrióticas: suas camisas vermelhas.

Segundo vários historiadores, é provável que esse símbolo das tropas de Garibaldi se devesse a uma remessa de pano vermelho destinada aos operários das fazendas de produção de charque de Montevidéu que o general italiano comprou a baixo custo.

"Da experiência na América do Sul, Garibaldi certamente tirou a consciência de ser um comandante carismático e as táticas de guerrilha que usaria com eficácia nas batalhas em solo italiano nos anos seguintes", afirma Padoin.

Mas o treinamento de Garibaldi no "novo mundo" não foi apenas político e militar. Em suas memórias conta como as imensas pradarias dos Pampas e o modo de vida livre e independente de seus habitantes, os gaúchos, o cativaram.

Nelas ele possivelmente viu a encarnação de suas ideias de liberdade popular e resistência, e tirou inspiração para suas campanhas militares na Itália.

Foi nessa época que nasceu o mito do "herói de dois mundos" e a fama de Garibaldi começou a circular também na Europa.

Garibaldiy Mazzini

CRÉDITO,KEYSTONE-FRANCE

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Garibaldi foi influenciado pelo italiano Giuseppe Mazzini; na ilustração os dois se encontram na cidade de Marselha

"Ou criamos a Itália ou morremos"

O que conhecemos hoje como Itália, na época de Garibaldi era uma região dividida entre os Estados Pontifícios (uma aglomerado de territórios sob o poder da Igreja Católica na região de Roma) e diversos reinos independentes entre si — alguns ocupados por outros impérios.

Com a chegada do Papa Pio 9 ao poder nos Estados Pontifícios, em 1846, foi proclamada uma anistia para que os exilados italianos retornassem para casa.

Garibaldi então voltou para a Europa com sua família e alguns dos homens que lutaram ao seu lado na América.

Ele participou de várias batalhas na primeira guerra de independência do Reino de Sardenha contra o Império Austro-Húngaro (1848-1849) e mais tarde na defesa da República de Roma contra os franceses (1849).

"Foram esses episódios que o tornaram em um símbolo do romantismo da época", explica o historiador Carmine Pinto. "Embora as batalhas que ele lutou tenham sido perdidas pelos italianos, suas ideias venceram a guerra de ideias."

Em 1849, quando a família fugia de Roma após a derrota contra os franceses, Anita morreu de malária. Nos meses seguintes, Garibaldi decidiu voltar para a América.

Ele foi primeiro para Nova York, nos Estados Unidos, onde trabalhou em uma fábrica de velas, depois para o Caribe, e depois para o Peru, onde trabalhou com o comércio de guano (excremento de ave usado como fertilizante) para a China.

Em meados da década de 1850 ele retornou à Europa. E em 1859 ganhou várias batalhas decisivas na Segunda Guerra da Independência Italiana (1859) com seu exército de voluntários chamado "caçadores dos Alpes"

Mas foi no ano seguinte que sua fama como estrategista militar atingiu o auge, com a chamada Expedição dos Mil.

Também conhecida como expedição camisa vermelha, consistia em um contingente de 1089 voluntários que saíram de uma praia perto de Gênova e desembarcaram na Sicília.

Em poucos meses, seu batalhão conquistou todo o Reino das Duas Sicílias, que levou à sua dissolução e anexação pelo Reino da Sardenha, um passo importante na criação do Reino da Itália.

Com o encontro entre Giuseppe Garibaldi e o rei Victor Emmanuel II em Teano, perto de Nápoles, em 26 de outubro de 1860, a Expedição dos Mil foi concluída.

Seis meses depois, em 17 de março de 1861, o rei proclamou o nascimento do Reino da Itália e Garibaldi foi consagrado definitivamente como um "herói da pátria".

Pintura a óleo romântica retratando soldados na batalha de Calatafimi

CRÉDITO,DEA / A. RIZZI

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Seu batalhão de mil homens ficou famoso no mundo todo

Um mito em vida

Nos anos seguintes Garibaldi participou de outras lutas: pela libertação de Roma (1862), que ainda fazia parte do Estado pontifício; na Terceira Guerra da Independência (1866), e a favor da República Francesa contra as tropas prussianas (1871).

Dois anos antes de sua visita a Londres, o presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln, desesperado com as derrotas contra o exército confederado durante a Guerra Civil Americana, ofereceu o comando das forças do norte ao general italiano.

Garibaldi respondeu que estava disposto a aceitar sua oferta, mas com uma condição: que o objetivo declarado da guerra fosse a abolição da escravidão.

Mas, nessa fase, Lincoln ainda não queria fazer essa declaração, temendo o agravamento de uma crise agrícola, e o acordo com Garibaldi nunca se concretizou.

Nos últimos anos de sua vida, o guerrilheiro alternou a atividade política com a aposentadoria na pequena ilha de Caprera, onde morreu em 2 de junho de 1882.

Durante seus 75 anos de vida, foi preso nove vezes pela polícia de diferentes países e condenado à morte pelo Reino da Sardenha. Foi atacado por piratas e gravemente ferido várias vezes em batalha. Foi membro de vários parlamentos e general de vários exércitos.

Foi casado três vezes e teve pelo menos oito filhos. Escreveu romances, poemas e várias memórias.

Mas, acima de tudo, tornou-se um pilar inabalável da retórica patriótica italiana: ainda hoje Garibaldi é o segundo na lista dos nomes de ruas e praças mais comuns na Itália, atrás apenas de Roma.

"O caso de Garibaldi é um caso único no mundo da construção de um mito em vida", comenta Arisi Rota, autora de um livro sobre a unificação italiana.

"No imaginário popular, ele se tornou um ícone quase cristão. Havia até estatuetas que o representavam crucificado."

Controvérsias

Nos últimos anos, porém, tem emergido uma leitura não canônica da unificação italiana por nomes que negam a retórica patriótica que acompanha o processo e seus protagonistas.

O jornalista Pino Aprile publicou em 2010 um ensaio provocativamente chamado Terroni (a forma depreciativa com que os italianos do sul são apelidados), que se tornou um best-seller na Itália.

A tese de Aprile é que a unificação da Itália prejudicou o sul e transformou seus habitantes em italianos de segunda categoria.

"Eles fizeram com o sul da Itália o que os espanhóis fizeram para conquistar a América Latina", diz Aprile. "Garibaldi foi um homem complexo, de sua época, e com certeza ele teve muita paixão para alcançar a unidade da Itália."

"Mas ele também era um cara muito inteligente! Ele não só foi empregado no tráfico de escravos entre a China e o Peru, mas também lutou pelos interesses dos poderosos às custas do povo e, portanto, acumulou enormes fortunas pessoais."

As afirmações de Aprile, no entanto, foram acusadas de ter pouco ou nenhum fundamento por grande parte da comunidade acadêmica e historiadores italianos consultados pela BBC Mundo descreveram sua tese como "não confiável".

"Alguns acreditam que Garibaldi foi um herói, enquanto outros não concordam com suas ideias e posições", diz bisneta Annita Garibaldi Jellet, que não chegou a conhecer Garibaldi. "O que eu gostaria era de ter tido um bisavô de carne e osso para brincar comigo."

  • Angelo Attanasio
  • Da BBC News Mundo
Professor Edgar Bom Jardim - PE

sábado, 27 de março de 2021

Professor Edgar participa de live sobre a importância dos grupos culturais em Bom Jardim




O projeto "O OLHAR DA MÍDIA PARA A CULTURA DE BOM JARDIM", promove neste sábado, 27 de março 2021,  mais duas lives dentro da Programação do Seminário Cultural de Bom Jardim( On-line), com transmissão ao vivo direta do Museu de Bom Jardim pelo facebook.com/museudebomjardimpe  e na página facebook.com/Arteeculturapernambucana . 
Neste sábado, às 10 horas o  professor Edgar  S. dos Santos, Ailson Ramalho e Alexandre Aguinaldo participam dos debates sobre  a  importância dos grupos culturais em Bom Jardim. 
Às 14 horas,  no Instagram Unes Gomes, Mestre em Educação pela UPE, abordará o tema Minhas Raízes Culturais: Um chamado ancestral

A pesquisadora Daiane Lopes coordena as ações do projeto que teve o incentivo cultural da Lei Aldir Blanc em Pernambuco. Nesta sexta(26), o Seminário Cultural de Bom Jardim( On-line), contou com a palestra da  Professora Ana Cláudia, Mestra em Educação pela UPE/Nazaré, que dialogou sobre  a cultura  do maracatu rural  no contexto da alfabetização de jovens e adultos.

*Cartaz do projeto: "O OLHAR DA MÍDIA PARA A CULTURA DE BOM JARDIM" 

Professor Edgar Bom Jardim - PE

sexta-feira, 26 de março de 2021

Barragem de Palmeirinha , Pedra Fina (Bom Jardim) em colapso



A barragem da Compesa em Bom Jardim está completamente vazia. Registro fotográfico de 25 de março 2021. Foto por Severino Barbosa da Silva.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

quarta-feira, 24 de março de 2021

Por que punições contra Moro são improváveis, segundo juristas



Sergio Moro de perfil, com olhar sério

CRÉDITO,REUTERS

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Por três votos a dois, ministros do STF decidiram que o ex-juiz Sergio Moro foi parcial nas investigações e processos da Operação Lava Jato relacionados a Lula

O ex-juiz Sergio Moro não deve sofrer punições após a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) considerar que ele atuou com parcialidade contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, avaliam juristas ouvidos pela BBC News Brasil.

O julgamento contra Moro foi concluído na terça-feira (23/03). Por três votos a dois, os ministros do STF decidiram que o ex-juiz foi parcial nas investigações e processos da Operação Lava Jato relacionados ao petista.

No início de março, o ministro relator da Lava Jato, Edson Fachin já havia decidido individualmente pela anulação das condenações contra Lula na operação.

Com as duas decisões, Lula retomou seus direitos políticos e poderá disputar a eleição de outubro de 2022, a não ser que seja novamente condenado em segunda instância até o pleito do ano que vem.

Os processos agora terão que ser refeitos na Justiça Federal do Distrito Federal, conforme determinado por Fachin no começo deste mês. As provas produzidas quando Moro era juiz dos casos dificilmente poderão ser reaproveitadas, já que sua conduta foi considerada suspeita.


A decisão desta terça teve como base um recurso apresentado pela defesa de Lula contra Moro no fim de 2018.

As acusações contra o ex-magistrado ganharam peso após o portal de notícias The Intercept Brasil revelar, em julho de 2019, diálogos privados entre Moro e o procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato, em que o juiz agia parcialmente em conjunto com o Ministério Público Federal (MPF).

Moro abandonou a magistratura em novembro de 2018 para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública no início do governo Bolsonaro, onde permaneceu até abril passado.

"Se ele fosse juiz, poderia sofrer uma série de sanções, (em último caso) até mesmo perder o cargo. Mas como ele não está mais na função, é mais difícil", diz Clara Borges, professora do Departamento de Direito Penal e Processual Penal da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

"Ao meu ver, não haverá nenhuma (implicação a Moro). As consequências são a nulidade de todos os atos processuais conduzidos por ele em face do Lula", afirma Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Especialistas apontam que as principais consequências da decisão do STF para Moro estão relacionadas à imagem dele. O fato pode dificultar um bom desempenho dele em uma possível disputa eleitoral no ano que vem.

"Essa suspeição é mais um dado reforçando a sua inviabilidade política, especialmente olhando para um aspecto nacional. É um caminho para aumentar a rejeição a ele", declara o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria.

Medidas contra ex-juiz

Para Borges, o fato de Moro não ser mais magistrado faz com que qualquer punição contra ele seja descartada. Ela aponta que uma possibilidade seria que o ex-juiz respondesse criminalmente por prevaricação — quando um agente público deixa de praticar ou pratica, contra disposição expressa de lei, um ato de ofício para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

"Mas é difícil dizer que ele agiu por interesses pessoais. Precisaria haver mais provas para isso. Podemos dizer que ele abusou, agiu de forma que não condiz com o cargo, mas não podemos dizer que tudo isso foi para se beneficiar de alguma forma", afirma a jurista à BBC News Brasil.

"É preciso que tenha muita prova para acusá-lo de prevaricação (que tem pena de três meses a um ano de detenção) e não vejo que existam essas provas. Não dá pra associar, por exemplo, as ações dele (na Lava Jato) com o cargo de ministro do Bolsonaro, porque tem um tempo muito distante entre os fatos", acrescenta Borges.

Presidente do STF Cármen Lúcia de toga caminhando em corredor

CRÉDITO,REUTERS/ADRIANO MACHADO

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Ministra Cármen Lúcia teve voto decisivo, mudando sua posição contrária ao recurso de Lula

Glezer declara que as ações de Moro em relação a Lula poderiam ser enquadradas na lei de abuso de autoridade — que define e pune crimes de abuso de autoridade. Medidas como a condução coercitiva de Lula e interceptações de advogados do ex-presidente poderiam ser punidas conforme essa medida.

A lei define que esse tipo de abuso acontece quando um servidor público (policiais, delegados, procuradores e juízes, por exemplo) faz mau uso de seu poder para prejudicar ou beneficiar alguém.

Porém, a medida é recente e foi estabelecida justamente durante a gestão de Moro como ministro.

"As mudanças na lei de abuso de autoridade foram feitas muito depois desses atos (contra o Lula)", ressalta Glezer à BBC News Brasil.

"Fora isso, a suspeição de um juiz ou impedimento não é um ato criminoso em si. É um ato de vício processual. Então, no meu entendimento não tem implicação para o Moro. Não vi nenhuma tese que pudesse imputar alguma responsabilidade, ainda mais que ele está fora (da magistratura)", declara Glezer à BBC News Brasil.

O julgamento do STF nesta terça não causa nenhum impedimento para Moro exercer a advocacia.

A suspeição não impede também que ele continue atuando na consultoria de gestão de empresas internacional Alvarez & Marsal, da qual faz parte desde dezembro passado. A empresa administra o processo de recuperação judicial da Odebrecht, da qual Moro homologou acordo de delatores e condenou executivos e sócios enquanto atuava na Lava Jato — o atual vínculo do ex-magistrado com o processo da Odebrecht é alvo da Justiça.

Custas processuais e alvo de ação na Justiça

Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes pediu que Sergio Moro pagasse as custas processuais das condenações anuladas. Essa medida era considerada uma das possíveis punições ao ex-magistrado. Porém, o pedido não foi acolhido pela maioria dos ministros.

Outra medida contra Moro, que foi alvo de comentário nas redes sociais, foi a possibilidade de Lula processar o ex-juiz. Porém, os especialistas afirmam que é difícil que haja algo nesse sentido diretamente ao ex-magistrado.

"A suspeição não me parece fundamento para uma ação de responsabilização pessoal do Moro. No voto da Turma do STF foi explicitado que essa decisão não implica nenhum direito de indenização. E nenhum réu entra (na Justiça) contra um juiz. Se houve alguma decisão ou condenação equivocada, ele entra sempre contra o governo, que pode ser na Justiça Federal ou Estadual. E o Estado pode, se houver um erro grosseiro, entrar com uma ação contra o juiz", detalha Glezer, da FGV.

"Por isso, é difícil ter fundamento para uma ação do Lula contra o Moro. Quando o dano é realizado por um funcionário público, não se processa o funcionário, se processa o governo que ele integra", acrescenta Glezer.

Manifestantes favoráveis ao ex-presidente Lula, incluindo o ex-ministro de governo petista Gilberto Carvalho, protestam em frente ao STF

CRÉDITO,REUTERS/UESLEI MARCELINO

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Manifestantes favoráveis ao ex-presidente Lula, incluindo o ex-ministro de governo petista Gilberto Carvalho, protestam em frente ao STF

Impactos políticos

A principal consequência da decisão do STF nesta terça, segundo os especialistas, é em relação à opinião pública sobre Moro, que sempre se colocou como um exemplo do combate à corrupção e injustiças no país.

"Eu diria que a punição do Moro vai ser pública, a mácula à figura que ele tinha se tornado. E essas irregularidades e absurdos da Lava Jato podem servir de exemplos para as próximas operações do país, para evitar esses absurdos e abusos que ocorreram e foram provados nas mensagens (do ex-juiz com outros membros da operação)", declara Borges, da UFPR.

A imagem do ex-juiz é considerada uma preocupação para ele e seus aliados porque Moro é apontado como um dos possíveis candidatos à Presidência em 2022. Ele não comenta publicamente sobre o assunto, mas pessoas próximas confirmam a possibilidade.

O cientista político Rafael Cortez afirma que a decisão do STF nesta terça agora se junta a outros dois pontos que colaboram para a rejeição ao nome de Moro na disputa presidencial: a participação dele no governo Bolsonaro e o vazamento das mensagens de Moro a outros membros da Lava Jato durante a operação.

"As pesquisas de opinião pública atuais sinalizam uma alta rejeição ao Moro. E com a suspeição, o caminho é que essa rejeição aumente. Me parece que estão diminuindo as possibilidades de o Moro liderar um projeto político nacional", diz Cortez.

"É possível, eventualmente, que ele dispute um outro cargo eletivo, mas do ponto de vista presidencial me parece que o ex-juiz passou a ter um papel menos relevante do que se imaginava que ele poderia exercer", completa.


Professor Edgar Bom Jardim - PE