segunda-feira, 19 de outubro de 2020

As ‘grandes realizações’ do governo Bolsonaro




Ao colocá-los em sua linha de frente, o presidente mostrou os nossos generais em sua total falta de condição cognitiva

A despeito das inúmeras críticas que se pode fazer ao governo Bolsonaro, há realizações incontestes, diria mesmo, fantásticas. Realizações que nem mesmo grandes estadistas do passado conseguiram, tal o teor de sua grandiosidade. Bolsonaro é tão criticado que suas realizações passam ao largo do reconhecimento. Isso precisa ser resgatado, afinal, devemos a ele coisas que muitos jamais poderiam conceber. Vamos citar apenas duas, mas significativas da grandiosidade de sua obra.

 

 

 

A primeira grande realização de seu governo foi trazer para a linha de frente de seus ministérios a mais alta patente militar do nosso Exército: generais estrelados e que se mostram desnudados em sua essência. Generais sempre foram figura míticas no imaginário de muitas pessoas, e assim, eram considerados reserva moral, e até mesmo possuidores de condição intelectual admirável. Ao colocá-los em sua linha de frente, Bolsonaro mostrou os nossos generais em sua total falta de condição cognitiva.

Ainda nos foi mostrada a falta de cultura geral, pois vários simplesmente falam da Floresta Amazônica e da Mata Atlântica como se fossem a mesma coisa. É sofrível vê-los no massacre da ortografia quando não conseguem combinar o tempo do verbo com o sujeito. E o negacionismo da Ciência é facilmente compreensível diante de sua cultura precária, em que apenas a subordinação à patente superior é algo valorizado e apreendido desde o início de suas carreiras.

A precariedade intelectual e cultural desses generais, frise-se que alguns deles ainda na ativa, traz um questionamento ainda mais sério: o verdadeiro papel das Forças Armadas em um país com tantas precariedades em seus serviços mais básicos e essenciais. Certamente a defesa não é, pois se houver ataque de uma grande potência, como a Argentina sofreu diante da Inglaterra nos anos 80 do século passado, igualmente será guerra de apenas alguns dias. Aliás, não temos força para enfrentamento sequer dos países da América Latina com suas exceções de praxe.

 

A precariedade intelectual e cultural desses generais, frise-se que alguns deles ainda na ativa, traz um questionamento ainda mais sério: o verdadeiro papel das Forças Armadas em um país com tantas precariedades em seus serviços mais básicos e essenciais

 

Talvez fosse o momento de discutir se em vez de construirmos um contingente tão fortemente armado do nada, para nada e por nada, não seria melhor a estruturação de policias de fronteira mais bem preparadas, além de policias mais eficazes para as regiões urbanas. O generalato jamais irá considerar a possibilidade dessa discussão, mas ao menos com a exposição promovida pelo presidente Bolsonaro sua verdadeira condição intelectual e cultural está exposta de modo irreversível. E se ainda houver incautos a manter no imaginário a mitificação desses militares, aí estaremos diante de uma psicopatia mais severa.

Outra grande obra admirável do presidente Bolsonaro foi a desmitificação do judiciário. Como em relação aos militares, havia muitas pessoas que tinham em seus imaginários que os juízes, tanto das primeiras instâncias como das superiores, eram pessoas probas e acima das intempéries políticas e sociais. Sua conduta, sempre no imaginário desses incautos, era pautada apenas e tão somente na fria letra das leis – e tudo que fosse pontuado por esses magistrados era algo ilibado sem qualquer margem de contestação.

Bolsonaro igualmente desnudou as mazelas do judiciário, primeiro trazendo para o seu ministério Sérgio Moro, um dos juízes que se consagrou como justiceiro e que pautou sua conduta muitas vezes à revelia da lei e agindo de acordo com o calendário político eleitoral. E para que não se cometa injustiça com o ex-juiz, ressalte-se que ele deu uma grande contribuição à essa desmoralização do judiciário ao aceitar ser ministro do governo que ajudou a eleger com suas manobras e atos crivados de ilegalidade, como o vazamento de uma conversa da ex-presidente Dilma Rousseff.

 

A total falta de decoro para o cargo por parte do presidente Bolsonaro é algo que para muitos é apenas algo bizarro e até mesmo risível. No entanto, as consequências de seus atos ainda são imprevisíveis

 

Mas Bolsonaro foi além disso, e a todo momento acena que as nomeações na área judicial que são prerrogativas suas, desde ministros da mais alta corte do País, e mesmo presidentes de tribunais e outras entidades, serão feitas de acordo com suas conveniências, principalmente para proteger sua própria família das muitas acusações de desmandos cometidos e alvos das mais diferentes investidas judiciais. Aliás, já havia se utilizado desses critérios para a escolha do procurador-geral da República. A total falta de decoro para o cargo por parte do presidente Bolsonaro é algo que para muitos é apenas algo bizarro e até mesmo risível. No entanto, as consequências de seus atos ainda são imprevisíveis. O judiciário está sendo mostrado como uma teia de interesses políticos em que as sentenças e pareceres obedecem a critérios nem sempre pautados nos fundamentos da legalidade.

E, igualmente, se ainda houver incautos a manter em seu imaginário a mitificação dos membros do judiciário, ah, estamos novamente diante de caso de psicopatia.

Ah, mas Bolsonaro tem obra relevante também na seara ambiental, e caminha célere para superar a destruição ambiental promovida pela presidente Dilma Rousseff com a construção da Usina de Belo Monte na bacia do Rio Xingu. Mas ele terá tempo para essa superação, é só aguardar…

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Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 18 de outubro de 2020

Por que os evangélicos fundamentalistas usam Jesus para justificar a brutalidade militar




VEZ POR OUTRA, meu velho chamava o moleque aqui para ir ao trabalho dele. Era representante de autopeças, negócio chato, mas que permitia andar de carro pela Grande São Paulo inteira. Em um dia como qualquer outro, na oficina de um cliente seu, fomos apresentados a uma figura excêntrica e exuberante. Era um homem baixinho, robusto, careca – na época, idos de 1988, me fazia pensar no Mestre dos Magos, da Caverna do Dragão. Mestre e mago, de certa forma, ele era.

Usando dos equipamentos da oficina, ele recarregava munição, preenchia cartuchos com pólvora, fixando as balas em cima. Erguendo uma de suas criações, me disse: “Isto é uma bala dum-dum. Ela é oca. Quando acerta, se divide em pedacinhos”, fazendo um gesto de guarda-chuva com mão. “Ninguém sobrevive. Já uma bala de fuzil bate e faz uma curva”, mostrou, inclinando o dedo para cima. “Se acertar na perna, tem que amputar”.


O homem fabricava munição, dessa forma precária, para seu negócio: um estande de tiro, que ficava atrás de sua casa. Mas o estande não era seu único negócio, nem o principal. Ele era um pastor pentecostal. Dizia ter sido capelão do Exército, vindo da Assembleia de Deus, mas agora estava lançando sua carreira solo, criando sua própria denominação, que ficava literalmente na garagem de casa.

Ele convidou meu pai a dar uns tiros e dar uma passada num culto. Fez os dois.

Sua igreja se chamava Exército Celestial. Usava uma batina, diferente de qualquer pastor que vi antes ou depois, mas adiantando a tendência da Igreja Universal em copiar símbolos católicos. Certamente ajudou a cravar a figura dele em minha memória como o Mestre dos Magos. E seria nessa igreja que me tornaria menino-pastor.

Costumava achar essa história apenas engraçada. O pastor Mestre dos Magos era um personagem de comédia policial, um maluco “durão” com fantasias violentas que não chegava a realizá-las – ou não na tela –, como o Tuckleberry de Loucademia de Polícia ou, hoje, Rosa e Pimento, de Brooklyn 99. Cheguei a ver ele atirando, quando um culto foi interrompido por assaltantes (vi, não; ouvi, porque me esconderam atrás dos bancos). Não acertou uma, os assaltantes correram, ninguém saiu ferido.

Pessoas distantes do pensamento fundamentalista costumam estranhar essa forma tão aparentemente violenta de cristianismo. Como pode o mesmo Jesus, que inaugurou a era do Deus do amor e do perdão, superando o Deus implacável do Velho Testamento, servir para justificar militarismo, armamentismo, brutalidade militar e policial, milícia?

Mas o “general Jesus” não é nem de longe uma excrescência ou invenção recente. É uma interpretação da Bíblia com raízes históricas profundas, que não está limitada a fundamentalistas evangélicos. Seu nome é milenarismo.

Comecemos pelo começo. Ou, melhor, o fim. O último livro da Bíblia. O Apocalipse. Uma igreja é milenarista quando acredita que a profecia do reino de mil anos do messias no Apocalipse é literal. Isto é, que vai haver, fisicamente, a batalha do Armagedom, na qual Jesus e seus exércitos vencerão as forças militares do Anticristo. Não em uma batalha etérea e incorpórea, mas física, entre pessoas, com tanques, drones, caças. Após o Armagedom, Jesus reinará por mil anos como líder planetário. Após esse período, o Milênio, chega o Juízo Final. Essa não é a visão do catolicismo nem das denominações protestantes históricas europeias, que ensinam que o milênio é alegórico – são amilenaristas.

“A dimensão de um apocalipse está em movimentos messiânicos e milenaristas [como os fundamentalistas evangélicos]”, afirma Jacqueline Moraes Teixeira, doutora em antropologia social e professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, a USP, ela própria ex-evangélica. “O Messias que aparece nessas histórias não é o Messias conciliador dos Evangelhos, mas é o Messias que volta para constituir seu Exército para vencer a batalha que marca o fim dos tempos e a instauração de um novo mundo”, explica.

Veja então que o milenarista tem dois “Jesuses”: o do passado, o “hippie” da Judeia que todo mundo reconhece, e o do futuro, que está mais para Rambo. A belicosidade é resultado do foco que dão ao Jesus do futuro.

Para quem acredita que Jesus voltará para matar pessoas, passagens bíblicas brutais, que outros cristãos consideram ultrapassadas, ganham nova relevância e se tornam parte central da mensagem. Um hino bastante tradicional diz o seguinte:

Vem com Josué lutar em Jericó
Jericó, Jericó
Vem com Josué lutar em Jericó
E as muralhas ruirão

Suba os montes devagar
Que o senhor vai guerrear
Cerquem os muros para mim
Pois, Jericó chegou ao fim

O tema no caso é a (não comprovada historicamente) conquista de Canaã pelos hebreus. No Velho Testamento, Josué é o sucessor de Moisés como líder do povo escolhido. Mas diferentemente de Moisés, é um líder militar. Um general. O Livro de Josué narra a conquista de Canaã, território atual de Israel e Cisjordânia, mais partes da Jordânia, Síria e Líbano.

O Livro de Josué é basicamente a narrativa de um genocídio. Um por um, os povos cananeus são escravizados ou exterminados até a última criança. Às vezes, o próprio Deus dá uma mão, fazendo cair os muros da citada Jericó, fazendo chover pedras do Céu, fazendo o Sol e a Lua pararem no céu. Mas a maior parte do trabalho é mesmo pelas espadas e tochas dos hebreus.

“Velho Testamento”, dirão cristãos moderados. A era de um Deus furioso, antes de mandar a si próprio para ser sacrificado para perdoar nossos pecados. Os fundamentalistas acreditam na mesma coisa, que a vinda de Jesus tornou obsoleto o Velho Testamento. A diferença é que, para eles, o futuro será como o passado.

O antropólogo (e ex-pastor, hoje ateu) Vinícius Esperança, professor da Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, lembra que o militarismo não está só na letra, mas no estilo. “É importante nessas igrejas a ideia de marchar com Cristo.”

É uma das muitas heranças de um movimento nascido nos Estados Unidos. Sua tradição musical é importada. Seu ritmo é o de marcha militar, um estilo pensado para unir a tropa. Marcha, não marchinha: assim como os fundamentalistas rejeitam Carnaval como um festim diabólico, e música brasileira tradicional por ser africanizada, ligada às religiões afro-brasileiras, vistas como coisa do Diabo.

O evangelismo fundamentalista é um movimento que nasce militarizado por conta do contexto em que nasceu: os EUA pós-Guerra Civil (1861-1865) e da expansão para o Oeste (1832-1912). Como afirma Jacqueline Teixeira: “Essa retórica teológica [fundamentalista] está relacionada à Guerra de Secessão. O imaginário que essa guerra vai produzir é recuperado pelo movimento missionário pentecostal”.

‘Isso estabelece o imaginário de um cristianismo que se pensa por violência e disputa territorial e política’.

Há uma imensidão de fatores em como uma guerra civil massiva mexe com o imaginário de uma nação. Entre tantas coisas, a guerra enaltece a figura do militar, criando seus heróis e uma multidão de veteranos. E gera memórias violentas. É um caldo cultural onde o pensamento apocalíptico milenarista floresce.

E a outra parte desse caldo é o Velho Oeste. Uma situação na qual colonos civis cristãos enfrentavam, com violência, os indígenas pagãos e contavam com apoio dos militares. Os cristãos americanos tomando território indígena – numa missão sagrada de cumprir o Destino Manifesto do país – facilmente se reconheciam na figura de Josué conquistando Canaã, eliminando inimigos por ordem divina. “Isso estabelece o imaginário de um cristianismo que se pensa por violência e disputa territorial e política”, afirma a antropóloga.

E ela nota uma ponte importante: o catolicismo brasileiro tem uma história parecida. É também um cristianismo colonizador. Antes mesmo da colonização, os portugueses haviam se firmado tomando territórios islâmicos, na Reconquista Ibérica (711-1492). As Forças Armadas brasileiras se fundam nesse catolicismo colonial, reimaginando os símbolos de um Império oficialmente católico numa República supostamente secular, criada num golpe militar em 1889. “Dom Pedro I, em quadros republicanos, aparece não paramentado como um rei, mas como um militar”, lembra a Jacqueline Teixeira.

Assim já há um campo preparado para a aceitação de um protestantismo militarizado num país com um pensamento militar católico. E pouca coisa pode ser mais impactante em explicar essa aliança entre crentes fundamentalistas e militares – em sua maioria católicos, principalmente no comando – do que as histórias coletadas pelo antropólogo Vinícius Esperança em seu trabalho no Rio de Janeiro, que ele considera o tubo de ensaio do fundamentalismo evangélico que passou ao resto do país.

Esperança estudou as comunidades evangélicas nas favelas e em outras partes da cidade. “O Rio foi um experimento para o Brasil”, afirma. “Por dez anos, foi capital internacional em megaeventos [como megacultos]. O aumento das operações de GLO [Garantia da Lei e da Ordem], infelizmente nos governos de Lula e Dilma, as UPPs [Unidade de Polícia Pacificadora], a Ocupação da Favela da Maré, isso tudo aconteceu com um apoio muito próximo das redes evangélicas, especialmente pentecostais locais.”

Segundo o pesquisador, essas operações simplesmente excluíram todas as ONGs e todas as lideranças de igrejas afro-brasileiras: “Diziam: isso não pode, tem que ser cristão. Precisava de uma identificação ideológica, e eles detestavam as ONGs, que eram todas esquerdistas. Porque pastores e generais têm um projeto de cidadania em comum”.

No meio policial e militar, as metáforas bélicas dos fundamentalistas assumem uma forma bem literal. “Não passa pela cabeça do policial crente essa questão de laicidade; isso é coisa de intelectual”, diz Esperança. “Eles entendem ‘a gente está aqui porque Deus abriu essa porta para a gente’. Teve uma reunião entre pastores e militares que terminou com brados de ‘O Complexo [da Maré] para Jesus!’”. Um exemplo transparente do domínio territorial do cristianismo colonialista aludido por Jacqueline Teixeira.

‘Deus colocou essa missão de limpeza da sociedade. Quando ele mata o bandido, está matando satanás’.

E não, não são policiais que chegam perguntando se você já ouviu falar de Nosso Senhor Jesus Cristo, como testemunhas de Jeová no domingo de manhã. “Tem um grupo aqui no Rio chamado Tropa de Louvor”, lembra. “São policiais do Bope que fazem shows em igrejas, em espaços públicos. Eles vão de preto, todos de preto, e cantam músicas de batalha. Eles se veem como agentes divinos mesmo. Então, quando chega na favela atirando, matando, isso é plenamente justificado. É uma guerra santa mesmo. Deus colocou essa missão de limpeza da sociedade para ele. Quando ele mata o bandido, está matando satanás.”

“O cara mata e dorme com a consciência tranquila, vai pra igreja, não tem nenhuma análise”, afirma o antropólogo. E, para não dizer que não falamos em flores, nota: “Tem igreja no Rio, na Barra da Tijuca, um bairro novo, rico, que é igreja dos milicianos, notória por ter milicianos. Inclusive frequentada por sobrenomes Bolsonaro”.

Não é preciso muito esforço para ver como a simpatia pelo militarismo se estende à ditadura militar e justifica suas atrocidades. “O ideário militar defende que é preciso passar por um processo de crise para se obter a vitória”, afirma a antropóloga Jacqueline Teixeira. Guerra leva à paz. Guerra leva à liberdade. Guerra é um mal necessário para combater um mal maior. Foi assim na ditadura militar, o período “de crise” para “salvar a democracia”, como se prega nos quartéis. “É um imaginário que se estabelece sem fazer oposição entre militarismo e regime democrático. Então, as pessoas não sentem que estão com seus direitos civis em risco quando veem, por exemplo, uma gestão com 12 ministros militares entre 22.”

Como os militares, os fundamentalistas enxergam no projeto bolsonarista a mais pura democracia, bem melhor que a democracia corrupta da “esquerda” católica ou ateia. E essa é uma missão sagrada. A brutalidade policial ou militar se torna uma cruzada. E que Deus separe os mortos maus dos bons.

Essa quase literal bomba deixo no seu colo, cristão progressista: não será o ateu iconoclasta aqui a convencer fundamentalistas que não existe essa guerra. É preciso outro cristão para isso.

Você está pronto para essa batalha?

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Professor Edgar Bom Jardim - PE

Conheça os alimentos considerados patrimônio histórico





A forma de preparar determinada receita pode até ser diferente de um lugar para o outro. Mas os saberes e rituais praticados em volta dela, desde os primórdios, nunca mudam. Nesse ponto está o chamado ‘trabalho de salvaguarda’, organizado pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), na garantia da preservação de processos culinários. Estes são únicos e enraizados no seu local de origem. Não cedem a pressões da modernidade ou a leis de comércio, mas fazem o mercado lembrar que o sabor especial de uma comida tem um sentido.

Razão para o chamado Livro de Registro dos Saberes relacionar bens imateriais que repassam conhecimentos e modos de fazer inseridos no cotidiano das comunidades. Essas informações são conhecimentos tradicionais associados a atividades desenvolvidas por entendedores das técnicas ou o uso de matérias-primas que identifiquem um grupo social ou uma localidade. Não à toa, por mais que o bolo de rolo seja uma receita possível de ser executada em outras regiões do País, é em Pernambuco que ele tem sua identidade preservada. 

Em Minas, o queijo
A maior prova de que processo é algo importante está numa típica iguaria mineira. O pão de queijo em si não é Patrimônio Imaterial pelo Iphan. E sim os seus padrões de preparo artesanal. Leia-se o uso do queijo minas curado ralado, com a possibilidade de vir da região da Serra da Canastra, que é registrado como Patrimônio Cultural e Imaterial Brasileiro. “Mas quando se fala de pão de queijo, sua grande importância é ele ser referência imediata de um lugar e trazer nele uma memória afetiva, assim como a tapioca remete ao litoral do Nordeste e o tacacá à região amazônica”, comenta o antropólogo e pesquisador Raul Lody, ao reforçar a ideia da denominação de origem, que agrega valor a uma determinada região.

Ainda em Minas Gerais, o modo de fazer queijo artesanal da região do Serro foi o primeiro bem registrado naquele Estado, ainda em agosto de 2002. O jeito de preparar, que inclui o cuidado com a vaca e a forma de extração do leite, chegou à região pelas trilhas do ouro, na bagagem dos colonizadores portugueses, e se constituiu desde então, sem perder o caráter simbólico para as terras de lá. 


Em PE, o bolo de rolo
Na sua coluna Folha Gastronômica, a pesquisadora Lecticia Cavalcanti garantiu que “o bolo de rolo é uma das mais generosas tradições de Pernambuco. E merece reverência. Por isso é preciso cuidado com afirmações apressadas sugerindo que sua receita deriva do rocambole”. Dessa noção vem a garantia de que a receita deve seguir critérios, como os que estão registrados desde 2007, através da Lei Ordinária nº. 379. O preparo é um só. Tem massa fininha feita com farinha de trigo, ovos, manteiga e açúcar. Ela é enrolada com uma camada de goiabada derretida. Ainda no País Pernambuco, outro bolo tem seu lugar ao sol no livro de Registro dos Saberes, desde 2007. O Souza Leão leva massa de mandioca, leite de coco e, pelo menos, dez gemas.


Na Bahia, o acarajé
Aqui, o reconhecimento está ligado ao ritual culinário das baianas do acarajé. Este foi, ao lado do ofício das “paneleiras” de Goiabeiras e do samba-de-roda do Recôncavo Baiano, um dos primeiros bens culturais de natureza imaterial tombados no país pelo Iphan. As origens do prato, as tradições que seu fazer guardam, a oralidade ancestral na transmissão da receita, o ritual para servir e até de degustar, fazem parte da forma de apreciar o acarajé. 


No Piauí, a cajuína
A origem no preparo da cajuína está nas comunidades indígenas. O caju, como fruta brasileira, pode ser encontrado em vários territórios no País. Mas o saber considerado patrimônio está circunscrito ao estado do Piauí, ligado à identidade das famílias piauienses, desde 2014. Isso leva em conta a produção do caju, a sua forma de colheita e, finalmente, a produção da bebida feita com o suco da fruta separado do seu tanino , coado várias vezes e então cozido em banho-maria em garrafas de vidro.


No Sul,  D.O. e I.P. 
Um produto com Denominação de Origem (D.O.) não é o mesmo que aquele tombado pelo Iphan. No primeiro caso, é como ter a certeza de que um presunto italiano veio mesmo de Parma ou o Champanhe da mesma região que o denomina na França. “Os produtores se organizam em associações que fazem esse pedido e passam a ser também o órgão gestor da Indicação Geográfica. A partir de então, eles seguem um regulamento de uso que estabelece os requisitos para esse produtor ganhar o selo e atestar a qualidade dos seus produtos”, explica o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, Jorge Tonietto, ao falar da classificação para Indicação de Procedência (I.P.) e Denominação de Origem (D.O.). Independentes, a primeira reúne exigências mais flexíveis. Já ao segundo, a área geográfica precisa ser mais bem delimitada e envolver tradições e estruturações ainda mais técnicas.

O Brasil tem, por enquanto,  seis regiões vinícolas com Indicação Geográfica. Cinco delas com I.P. Sendo uma em Santa Catarina: Vales da Uva Goethe; e as outras quatro no Rio Grande do Sul: Altos Montes, Monte Belo, Pinto Bandeira e Farroupilha. Ainda na Serra Gaúcha, o Vale dos Vinhedos trabalha a D.O. 

Folha de Pernambuco
Professor Edgar Bom Jardim - PE

MP Eleitoral pede manutenção de condenação de ex-prefeito de Bom Jardim.

Quais as consequências de uma possível compra de votos para um prefeito? Quais as consequências de uma possível compra de votos para um povo? Quais as consequências de uma possível compra de votos  para uma cidade?  Quem pegou o dinheiro e denunciou o prefeito? O prefeito usou de boa ou má fé? Quais motivos para  receber o dinheiro e depois fazer a denúncia?  Fato verdade ou montagem política da oposição? O denunciante fez certo pedir ajuda  ao prefeito e em seguida fazer a denúncia? A justiça foi feita? Você acredita que outros políticos de Bom Jardim compram votos ou este foi único caso da história política de Bom Jardim? O denunciante está feliz?  Será que houve Caixa 2 nas eleições de 2016? Será que houve prestações de contas fraudulentas nas eleições de 2016?  Será que nestas eleições de 2020 haverá compra de votos? Será que haverá campanha limpa? Quanto será gasto por cada candidato? Será que haverá prestações de contas fraudulentas nas eleições 2020?  De onde vem o dinheiro que abastece as campanhas? 

Jônathas é candidato à vice-prefeito de Bom Jardim. Foto: Facebook/Reprodução (Foto: Facebook/Reprodução)
Jônathas é candidato à vice-prefeito de Bom Jardim. Foto: Facebook/Reprodução (Foto: Facebook/Reprodução)
O Ministério Público Eleitoral em Pernambuco enviou parecer ao Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE/PE) posicionando-se contra a concessão de habeas corpus, com pedido de medida liminar, ao ex-prefeito de Bom Jardim, no Agreste de Pernambuco, Jônathas Miguel Arruda Barbosa (PP). O político foi condenado pela 33ª Zona Eleitoral por compra de votos e sentenciado inicialmente a um ano e nove meses de prisão e a pagamento de multa. Posteriormente, o tempo de reclusão foi substituído por prestação de serviços à comunidade e pagamento de cinco salários mínimos.

A condenação é fruto de ação penal proposta pelo MP Eleitoral. Segundo o processo, Jônathas Miguel, prefeito de Belo Jardim de 2012 a 2016, entregou dois cheques, cada um no valor de R$ 570, a dois eleitores, com a finalidade de obter votos em favor de candidatos de seu grupo político, nas eleições de 2014.
 
O ex-prefeito apresentou recurso criminal no Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco em 22 de janeiro deste ano, mas o órgão decidiu por indeferir o pedido. Em seguida, a defesa fez um pedido de habeas corpus para Jônathas no próprio TRE/PE. Jônathas é candidato à vice-prefeito de Bom Jardim na chapa encabeçada por Janjão (PL).
 
A Procuradoria Regional Eleitoral em Pernambuco sustentou que, de acordo com a legislação, o TRE/PE não tem competência para julgar habeas corpus contra acórdão do próprio tribunal que confirma sentença. “Esta impetração deveria ser dirigida, se fosse o caso, ao Tribunal Superior Eleitoral, pois esta é a corte competente para julgar habeas corpus contra ato de TRE, segundo o Código Eleitoral”, assinala o procurador Wellington Saraiva, responsável pelo parecer.

No documento, o MP Eleitoral ressalta que trancamento de ação penal, como quer a defesa do ex-gestor, por meio de habeas corpus, só poderia acontecer em ocasiões excepcionais. “Isso só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, atipicidade da conduta, incidência de causa de extinção de punibilidade, ausência de prova indiciária de autoria e de prova de materialidade. Nenhuma dessas circunstâncias foi evidenciada neste caso”, destaca Wellington Saraiva.
Diário de Pernambuco
Professor Edgar Bom Jardim - PE

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Cuidado com seu voto. O voto mal dado joga nossas crianças no lixo


Estudos revelam que a fome voltou a atingir milhões de brasileiros. As crianças são as maiores vítimas desta forma de violência. Crianças convivendo diariamente com a falta de saneamento básico,  alimentação e proteção social.  É hora de votar bem, fazer o certo.

Não permita que nossas crianças fiquem abandonadas, sem direitos, sem  cultura, educação, lazer e boa diversão. Não permita que nossas crianças passem fome, sejam expostas ao lixo, às drogas, a violência e a prostituição. Não permita que falte atendimento de saúde, respeito, paz e esperança para todas crianças de Bom Jardim. Cuidado com seu voto. O voto mal dado joga nossas crianças no lixo.

Não permita que nossas crianças estejam expostas as diversas formas de violência, exploração  e a criminalidade. Seu voto tem consequências. Não venda seu voto. Vote com responsabilidade. Não permita que a tristeza, a fome, a violência, a ditadura e a miséria afete nossa querida Bom Jardim. Não permita que nossas crianças tenham seus sonhos destruídos.  

Professor Edgar Bom Jardim - PE

Dia das Crianças: geração conectada ainda gosta de brincar






Nativos digitais, as crianças que comemoram o dia dedicado a elas na data de hoje - 12 de outubro - não conhecem o mundo sem os tablets, internet e toda a gama de conexão e tecnologia que existe atualmente. Chamada de geração alfa, as crianças nascidas a partir de 2010 ainda sonham em ser médico ou dentista quando crescerem, mas, como o Rubens Benith Belo, de 6 anos, também querem fazer robô.

“Quero ser dentista como minha irmã, quero ser médico e ser mecânico para consertar carros. Mas, também quero fazer robô”, disse o garoto, que é irmão gêmeo da Lorena, que quer ser dentista. “Porque gosto de mexer no dente!”, disse a menina.

Enquanto não crescem, os irmãos gostam de brincar de boneco, boneca, lego, jogos de tabuleiro, mas, como a maioria das crianças dessa geração, adoram uma tela e gostam dos jogos digitais. “Gosto de encontrar o meu irmão no jogo do Roblox [jogo online]. Gosto de assistir desenho, mas também de brincar de mico [jogo de baralho]. Acho o mundo maravilhoso, mas tenho medo de gente malvada. Não gosto da pandemia, nem das queimadas, não acho legal”, opinou Lorena, que contou ainda que pediu uma boneca de presente de Dia das Crianças, já que “dá para inventar mundos, como se estivesse montando um filminho.”

O irmão contou que também pediu um boneco “porque ele tem máscara”. E continuou: “Gosto de brincar de Lego, aí eu monto coisas, eu sou criativo. Também gosto de jogar Roblox e de ver filmes na TV. Acho o mundo legal, mas é meio malvado, porque tem ladrão e ladrão que mata policial”, disse Rubens.

A mãe dos gêmeos, a professora Angélica dos Santos Benith Belo, disse que eles acham engraçado quando conta que na infância dela não existia celular. “A tecnologia para eles é uma realidade, mas não entendem quando a gente fala, por exemplo, que na nossa época não tinha celular, que não tinha isso ou aquilo, eles acham engraçado porque eles já nasceram na era digital”.

Apesar de eles gostarem de jogos digitais, ela disse que coloca limite no tempo de tela. “Com relação à tecnologia, se a gente não colocar um limite, eles querem o tempo todo ficar com o tablet, mas a gente está sempre de olho e explica que tem que ser com moderação”.

também mãe de uma bebê de um ano, Angélica espera que no futuro suas crianças sejam pessoas de bem. “Imagino um futuro no qual eles possam fazer o que quiserem, no sentido de ter a profissão que quiserem, e eu imagino que serão pessoas de bem, engajadas, porque a gente tenta, de toda a maneira, criar com apego e com carinho para que eles não sintam necessidade de buscar fora de casa alguma coisa para eles. A gente tenta criá-los com empatia, ensinando a se colocar no lugar do outro.”

Futuro da geração alfa
Assim como a Angélica, a relações públicas Lays Ribeiro, mãe do Vincenzo, espera um futuro mais empático para o seu filho viver. “Um futuro em que a escolha do gênero não interfira em que somos, em 2020 ainda vivemos com estereótipos. E que a educação dada agora o ajude a ser emocionalmente saudável e que busque para si sempre o melhor. E que o sucesso tão procurado por todos, seja em se sentir bem, estar com alguém que goste e amar o que ele faça.”

O pequeno Vincenzo, de 4 anos, também falou que gosta de jogos digitais, mas ainda de outras brincadeiras. “Gosto de montar o parque do Jurassic World, com muitos dinossauros”. Quando perguntado sobre o que acha do mundo em que vive, ele ainda não tem noção das malícias, e responde: “Gosto muito de tomar sol lá fora”. Sorte do Vincenzo, que quer ser paleontólogo e pescador.

A mãe dele conta que ele vê o mundo como uma grande brincadeira. “No dia a dia lidamos as tarefas como missões, para que possa ter noção de responsabilidades. Não ligamos noticiários, então ele não sabe o que está acontecendo lá fora exatamente. Sabe os porquês da restrição de não sair de casa, e de nós cuidarmos para não passar o vírus aos avós”.

Lays conta ainda que as telas são usadas com cautela, mesmo em tempos de isolamento. “Tem dias que passam um pouco do combinado, mas vemos claramente que a restrição de telas ajuda a ter criatividade, proatividade e desperta o livre brincar. Como consequência, tenho uma criança mais ativa e que interage com todos ao redor, é muito curiosa, menos ansiosa e irritada”, detalhou.

“A geração denominada Alfa já nasceu com a tecnologia inserida em seu contexto diário, mas se bem estimadas, também adoram o brincar desconstruído”, afirma a pedagoga com especialização em educação transdisciplinar, autora de literatura infantil e infanto-juvenil, Elisabete da Cruz. “O que observo é este brincar precisa ser mais instigante. Elas não gostam do jogo pronto, mas da possibilidade de criar suas próprias regras. São mais autônomos e frequentemente desafiadores.  Precisam de outros estímulos que estimulem seu lado criativo e imediatista.

É o que também pensa a neuropsicopedagoga Viviani Zumpano. “A criança precisa se pautar pelo toque, pela leitura do corpo, das expressões e das atitudes do outro. A lição mais importante que os pais podem ensinar aos filhos pertencentes a geração alfa é a de saber equilibrar as relações tecnológicas e presenciais, entender que não podemos banir a tecnologia de nossas vidas , mas fazer dela ferramenta que nos ajuda a ler o mundo”, aconselha.

Tecnologia, infância e pandemia
Como a tecnologia faz parte dessa geração, cabe aos pais o papel de não cercear, e sim, auxiliar os seus filhos a utilizar a tecnologia com equilíbrio, defende Viviani.  “Os pais podem ensiná-los a estabelecer uma relação de “usuário e consumidor consciente” dos meios tecnológicos desde cedo, pois eles impactam diretamente nas relações sociais e acadêmicas que os filhos estabelecerão por toda a vida.”

A neuropsicopedagoga explica que, devido a intensa influência tecnológica, as crianças alfa são muito inteligentes, curiosas, multitarefas e tem intensa necessidade de interagir, inventar e se conectar. “Boa parte das brincadeiras são realizadas por meio da tecnologia, ou seja, os amigos podem ser virtuais ou não, mas o meio de relação entre eles é o mesmo: a tecnologia,”

A pandemia intensificou o uso das tecnologias e a sala de aula virou a tela do computador/tablet/celular. Esse “novo normal” para as crianças pode mudar a relação delas com o mundo. “O período de quarentena vivenciado por todos nós aumentou consideravelmente o “tempo de tela” de adultos e crianças, gerando alguns problemas que são notados de perto por todos: a exposição intensa gera dificuldades de concentração, atenção, memória e irritabilidade, problemas ocasionados pelo isolamento social e também pela instabilidade do sono”, disse.

“A tecnologia, nesse caso, nos possibilitou algumas situações que eram feitas presencialmente. A viabilização dessas situações por meio da tecnologia foi o que nos permitiu continuar, mesmo que em adaptação, algumas atividades essenciais do nosso cotidiano”, destacou a pedagoga especialista em Gestão e Docência no Ensino de EaD [Educação à Distância], Regina Madureira.

Para Regina, esse período de pandemia vai refletir no futuro das crianças. “Temos que considerar as mudanças na rotina, a incerteza – não só da criança, mas dos adultos que convivem com ela – enfim, teremos impactos no futuro, que podem ser positivos ou de melhoria para os seres humanos.”

Na opinião da Elisabete da Cruz, o uso das tecnologias pelas crianças não é responsável por despertar inseguranças. “Nesse isolamento, as dificuldades, a ausência do convívio dos amigos e familiares pode gerar inseguranças, medos e até aflorar outras emoções no futuro, o uso da tecnologia não, ela faz parte do contexto desta geração alfa e para eles é apenas uma ferramenta”, afirmou.

“O que não podemos perder de vista é que somos seres humanos geneticamente sociais e apesar dos relacionamentos interpessoais se darem também por meio da tecnologia, necessitamos do afeto físico. Nossas crianças precisam ser educadas também para se relacionar de forma física. O afeto ultrapassa as telas de computadores e dispositivos móveis”, ressaltou a neuropsicopedagoga Viviani Zumpano.

Conteúdos infantis e tempo de tela
Nem herói, nem vilã, as telas devem ser vistas como uma realidade, apontaram as especialistas. Mas o que muito se discute entre os pais é se limitar o tempo de tela é necessário. A pedagoga Elisabete destaca a importância da família para estabelecer regras.

“A criança não tem discernimento do que é bom para ela, a família é seu norteador, os limites são necessários para seu crescimento como ser humano. Não existe uma quantidade de horas pré determinadas, porque cada família possui sua própria rotina. Acredito no equilíbrio. Brincar, comer, se exercitar, usar o tablet ou celular, assistir um filme, ler um livro. A vida tem nos mostrado que o equilíbrio é o caminho. Opte pelo equilíbrio e não deixe de acompanhar as atividades que a criança tem tido acesso”, aconselha.

A pedagoga Regina Madureira completa que é preciso orientar e otimizar. “O tempo precisa ser de qualidade, principalmente com os recursos tecnológicos. Não podemos só focar na tecnologia e deixar as outras atividades como brincadeiras que estimulem coordenação motora e lateralidade, por exemplo. O desenvolvimento infantil precisa ser holístico e diversos fatores precisam ser considerados para termos um processo sólido e de efetividade para facilitar esse processo das crianças”.

Para as especialistas, é necessário pensar também no conteúdo a ser acessado pelas crianças. “Estar atento, acompanhar, buscar informações sobre a programação, limitar acessos e principalmente fazer parte disto. Ser presente, se familiarizar com o que está sendo o centro de interesses da criança, participar quando possível desta experiência e oferecer também possibilidades de conteúdo”, disse Elisabete, que ainda orienta aos pais a utilizarem ferramentas de moderação.

“Hoje existem centenas de plataformas, sites, blogs, empresas de projetos educativos e outras infinidades de recursos facilmente encontrados na internet para dar este suporte, até a contratação de um profissional especializado para estas orientações.”

Construir uma relação saudável das crianças com a internet/telas, é possível, concorda  Regina. “Estar junto à criança nas atividades, entender o propósito delas, se conectar com as crianças. Todos os momentos são únicos porque são momentos de orientação para o uso efetivo e consciente da tecnologia, tendo em mente o propósito dela que é ser uma ferramenta para facilitar e servir o ser humano."

Outro conselho da pedagoga Elisabete é usar a tecnologia a seu favor promovendo atividades fora da tela, mas usando suas referências. “Frequente mais a cozinha, faça receitas encontradas nos aplicativos e coloque a criança para cozinhar com você, faça atividades manuais, brincadeiras, jogos. A felicidade está nas coisas simples, então, descomplique. Exercite o equilíbrio porque não existe receita pronta. Cada criança é um ser único, e independente de sua geração, precisa de afeto e proteção.”

Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 11 de outubro de 2020

QANON: QUATRO CANDIDATOS A VEREADOR MOSTRAM COMO CONSPIRAÇÃO INVADIU ESTAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS

Uns são descarados. Outros, mais discretos. E alguns compartilham os delírios sem nem saber do que se trata.




“AGUARDEM OS ACONTECIMENTOS da próxima semana. Especialmente os do dia 11 de setembro. Storm!”, postou no Twitter o candidato a vereador no Rio de Janeiro pelo PSD Alan Lopes Santana em 6 de setembro. Nos dias seguintes, ele tuitou sobre operações da Polícia Federal relacionadas a crimes sexuais contra crianças e tráfico de drogas – sempre invocando uma tal Operação Storm. Seus seguidores foram ao delírio. “A Operação Storm está agindo faz tempo e ninguém percebe! Tentem pesquisar mundo a fora. vocês vão ver que não tem nada parado. luta é grande FÉ!”, disse uma delas.

Storm, tempestade em inglês, é o termo que os seguidores da teoria da conspiração QAnon usam para definir uma fictícia operação militar transnacional. Oculta e não-oficial, ela lutaria contra supostas redes internacionais de pedofilia que seriam coordenadas pelo que podemos resumir como um misterioso grupo secreto de canibais pedófilos satanistas. 

Parece mentira – e é. Mas o movimento, que vem sendo usado por partidários de Donald Trump para inflamar as eleições dos EUA, realmente propaga que o mundo é dominado por canibais pedófilos, usando o pânico moral para vencer nas urnas. Provável arma eleitoral do bolsonarismo em 2022, a teoria da conspiração já é ensaiada no Brasil na disputa pelas câmaras municipais este ano. 

Alan Lopes é um dos candidatos que já está usando a retórica mentirosa. O político se apresenta como correspondente do site bolsonarista Terça Livre, notório propagador de notícias falsas capitaneado por Allan dos Santos. Ele ainda lidera o Movimento Direita Inteligente, apadrinhado pelo senador Arolde de Oliveira, também do PSD e dono de um império de comunicação evangélico considerado por pesquisadores um dos que mais espalharam desinformação.

O aspirante a vereador segue os passos dos tutores, mas se especializou na linguagem QAnon para mobilizar seus mais de 50 mil seguidores no Twitter. Tentei falar com ele por telefone, Whatsapp e pelo Facebook para entender sua relação com o movimento QAnon. Ele não respondeu aos pedidos de comentário e usou seu Twitter para expor meu telefone, pedindo que seus seguidores “brincassem” comigo. O post foi apagado, mas circulou entre influenciadores da cena QAnon.

Foi assim que o candidato respondeu ao pedido de entrevista.

Apenas no dia 28 de setembro, Lopes respondeu aos meus contatos para dar sua visão. Por telefone, o candidato corroborou sua crença na Operação Storm, explicando que seria uma operação transnacional que combate, segundo ele, tráfico de órgãos, crianças, pedras e drogas. O candidato, porém, não vê relação com a teoria conspiratória americana. “Isso não é uma defesa de QAnon nem nada do tipo. O que eu falo é apenas um raciocínio sobre tudo o que está acontecendo”.

Também procurei o PSD do município do Rio de Janeiro diversas vezes nas últimas semanas para questioná-los sobre a disseminação de teorias conspiratórias. Embora eu tenha mandado quatro e-mails para o secretário-geral do partido no Rio, Carlos Portinho, até o momento não houve resposta.

‘Não é uma defesa de QAnon. O que eu falo é apenas um raciocínio sobre tudo o que está acontecendo’.

Outro candidato a vereador que já publicou conteúdo similar é Diego Henrique de Sousa Guedes, mais conhecido como Dom Lancellotti, do Republicanos de Fortaleza. Uma das lideranças do grupo Gays com Bolsonaro, o jovem já vem falando sobre o movimento QAnon desde 2018.

“Minha galera do QAnon tá toda no Gab, Reddit, 4chan, 8chan… Não arrisco falar tanto disso por aqui porque a gente, mais do que nunca, precisa ter o Twitter ativo no Brasil”, escreveu em julho de 2019, se referindo a fóruns online com menos moderação e, portanto, mais usados para conteúdos controversos. 

Mais recentemente, ele considerou que a notícia de que a cantora Anitta teria se inspirado no trabalho da artista performática sérvia Marina Abramovic seria indício de um pacto feito pela brasileira. Guedes não explicita em seu tweet que pacto seria esse, mas as hashtags #pedogate #qanon e #pizzagate indicam que seria algo relacionado à satanismo e pedofilia. Marina Abramovic é há anos vista por movimentos conservadores – o que inclui QAnon – como uma satanista devido ao teor provocativo e às vezes chocantes de suas obras.

A reportagem entrou em contato com Guedes por meio de seu WhatsApp, Twitter e Instagram, mas ele não respondeu aos pedidos de comentário. Em vez disso, expôs a solicitação de entrevista em suas redes sociais. O diretório do Republicanos no Ceará, por sua vez, não respondeu até o momento os pedidos de comentários solicitados por e-mail.

Em todos os lugares

Nos EUA, Brasil, Itália, Alemanha e diversos outros países já há protestos organizados pelo movimento QAnon para chamar a atenção do público. As manifestações geralmente giram em torno de pautas morais de difícil contestação e cooptam os slogans e hashtags de organizações reais destinadas ao combate ao tráfico infantil, como a Salvem as Crianças, em atividade desde 1919. Estive presente em uma delas, ocorrida na praia de Copacabana em 23 de agosto, e presenciei ao vivo como eles instrumentalizam a luta contra o tráfico humano e o abuso sexual de crianças para disseminar o movimento para o público geral de forma mais amena. 

Em outro protesto, no dia 22 de junho em Brasília, o motorista de aplicativos Daniel Augusto Rocha Carneiro, hoje candidato a vereador em Belo Horizonte, apareceu ao lado de uma conhecida influencer da cena QAnon, que ostentava um cartaz com os dizeres Obamagate e uma letra Q, símbolo do movimento. 

Nas duas postagens que fez no local, Rocha usou várias hashtags conhecidas entre os apoiadores do movimento, como #qstorm, #qanons, #qanonstorm e outras variações.

Em uma das fotos, o candidato inclusive usa a frase “estamos em todos os lugares”, outro lema dos seguidores da teoria. Entrei em contato com ele em seu Instagram, WhatsApp e por telefone uma vez para perguntar sobre sua relação com o QAnon. Ele não respondeu por nenhum meio, mas apagou os dois posts. Já o Podemos disse apenas que o posicionamento do candidato não é o do partido.

No dia 2 de junho, o candidato a vereador Luis Alexandre Mandú, do Solidariedade em Pindamonhangaba, São Paulo, tentou surfar a mesma onda. No Twitter, ele postou a sigla WWG1WGA, que significa where we go one we go all, onde vai um, vamos todos, em tradução livre – e a frase Trust the plan – em português, “confie no plano”, dois bordões QAnon.

Perguntei a ele sobre sua relação com o movimento conspiratório. Por telefone, ele me disse que ficou assustado quando soube da natureza do movimento e tratou de apagar a postagem. “Não sou adepto, não sou favorável, não concordo, não apoio, não tenho nada a ver com isso”. 

Em nota, o diretório estadual do Solidariedade disse que “não tinha até agora nenhum conhecimento acerca de candidatos que manifestem apoio a teorias de conspiração”. Disse ainda que “tais práticas não se coadunam com as diretrizes da agremiação e serão apuradas”, além de manifestar repúdio a ataques à democracia. 

Candidato espalhou até a hashtag. Quando questionado, desconversou: ‘não concordo, não apoio, não tenho nada a ver com isso’.

A nova cartilha da extrema direita

O QAnon surgiu em 2017 no fórum online de discussões anônimas 4chan. Em uma postagem de outubro daquele ano, um usuário que se intitulou Q disse ter acesso a dados sigilosos do governo americano que expunham uma “guerra secreta” que estaria acontecendo entre o presidente Donald Trump e o grupo imaginário de satanistas pedófilos.

Com o passar do tempo, novas postagens deste usuário foram inserindo novas mensagens crípticas e desnecessariamente confusas para serem “desvendadas” pelos seus seguidores. Desde então, quase 5 mil posts, chamados de Q-Drops, foram publicados em diversos fóruns online.

Para Alexander Reid Ross, professor da Universidade de Portland, nos Esados Unidos, e pesquisador do Centro para Análise da Direita Radical, o QAnon é um movimento de direita político e religioso que tem aspectos ocultistas e sincréticos. “Isso é, que contém uma leitura que tenta decifrar o desconhecido e o místico por meio de uma estrutura de crenças que integra e incuba outras teorias conspiratórias, sejam antigas ou novas”, explicou ao Intercept. 

De crianças resgatadas em túneis até a mentirosa correlação entre o 5g e a epidemia de coronavírus, de alienígenas até a volta de John F. Kennedy Jr., herdeiro político do clã Kennedy que morreu em um acidente de avião em 1999, o QAnon virou o grande guarda-chuva de teorias da conspiração.

Essa versatilidade acaba permitindo que o movimento seja instrumentalizado ou disseminado tanto por políticos de direita, personalidades públicas como o ex-apresentador Gilberto Barros, extremistas religiosos ou até mesmo comunidades da Nova Era.

Os bolsonaristas, que não têm o menor pudor em comprar a cartilha da extrema direita americana, logo abraçaram os termos, a linguagem e os métodos dos conspiradores dos EUA. Allan dos Santos, por exemplo, já fez postagens com tópicos específicos da teoria conspiratória, como Pizzagate – uma tese que envolveria o Partido Democrata dos EUA, redes de pedofilia e simbologia oculta. Por causa dessa teoria, um homem foi a um restaurante que faria parte do esquema e atacou a tiros o local em busca de supostas crianças perdidas.

Allan dos Santos, do site Terça Livre, ajudou a propagar a mentirosa ligação do casal Clinton com pedofilia e satanismo.

Outro influenciador conservador de extrema direita que publica conteúdos sobre QAnon em suas redes é o médico e youtuber Alessandro Loiola. Ele chegou a ser coordenador-geral de Empreendedorismo e Inovação da Secretaria Especial de Cultura de Roberto Alvim, mas foi exonerado pouco tempo depois do chefe, demitido em janeiro após postar um vídeo com referências nazistas. Atualmente, ele é colunista de um site de notícias pró-Bolsonaro, que lançou uma revista dedicada exclusivamente ao movimento QAnon.

Posts trazem referências veladas, insinuando que algo grande vai acontecer.

Bernardo Küster, palestrante e youtuber católico, por sua vez, repostou uma publicação de autoria de um conhecido perfil da comunidade QAnon. Nela, defende que o ex-ministro da Justiça Sergio Moro seria uma “marionete” do bilionário George Soros, tradicional alvo da direita mundial. Atualmente, a publicação está ocultada devido ao bloqueio do perfil de Küster por decisão judicial.

Print feito antes da postagem sair do ar.

Já o deputado federal Eduardo Bolsonaro, do PSL, é mais sutil. Ele não fala de forma explícita da “operação”, mas se utiliza da simbologia da palavra tempestade, ou storm, em inglês, para atiçar a base bolsonarista que acredita na teoria. Em postagem recente no Parler, uma rede social usada majoritariamente pela direita, ele passa a mensagem de que há “uma tempestade (STORM) chegando”

Eduardo Bolsonaro preferiu uma referência velada: a palavra “storm”.

Uma consultoria que analisa redes sociais também detectou uma mudança de foco em 200 grupos bolsonaristas nas redes sociais: entre julho e agosto, a pedofilia se tornou o assunto principal nas redes de extrema direita. 

“Já há alguns dias o tema ‘combate à pedofilia’ aparece com mais intensidade no universo bolsonarista. Vem criando-se um espantalho de que a esquerda e a mídia liberal progressista teriam a intenção de descriminalizar a pedofilia”, diz o relatório, revelado no blog do jornalista Rubens Valente. “Nessa toada, acusam e difamam personalidades por supostamente serem favoráveis ao projeto, como o Felipe Neto, Xuxa e o deputado Marcelo Freixo [PSOL-RJ]”. 

Ainda segundo o relatório, a figura mais associada ao tema, além de Jair Bolsonaro, é a ministra Damares Alves, vista como saída para o problema. No final de jullho e início de agosto, revelou Valente, Damares surfou a onda: em nove dias, postou 18 vezes sobre pedofilia em suas redes sociais, tema ecoado pela Secom, a Secretaria de Comunicação do governo. Segundo os que defendem a teoria conspiratória, a ministra seria uma das responsáveis por trazer a “operação” para o Brasil.

A ministra Damares Alves é apontada como uma das responsáveis por combater a tal rede – e ela aproveitou os holofotes.

Um levantamento da agência de checagem Aos Fatos mostrou que, no Twitter, há cerca de 212 autoridades brasileiras seguindo 1.400 contas que ajudam a propagar os delírios do QAnon. Desse total, 34 seguem ao menos 10 desses perfis conspiratórios. O PSL é a sigla de 16 (47%) dessas autoridades. Podemos e Democratas, com três autoridades listadas cada, aparecem em seguida.

Para Odilon Caldeira Neto, professor de história contemporânea da Universidade Federal de Juiz de Fora, essa adaptação do QAnon no país segue passos semelhantes à gênese nos EUA, com uma relação mais voltada à denúncias de tráfico humano e pedofilia. 

“Há, sim, sub-teorias no QAnon mais limítrofes e fora da realidade, mas aqui no país parece existir um núcleo forte que promove interação com setores mais amplos do bolsonarismo, como o conservadorismo evangélico”, diz ele. A escolha das pautas não é por acaso: elas têm alta visibilidade por serem essencialmente morais e de apelo para além do conservadorismo.

Para Yasodara Córdova, especialista em internet e sociedade e mestranda em políticas públicas da Harvard Kennedy School, é importante não legitimar tais movimentos. Para ela, o QAnon tem as mesmas características de “hoaxes”, ou mentiras baseadas em pseudociência, que não podem ser provadas falsas.

“Se esse mito se perpetuar, sempre vai ter um grupo de pessoas fiéis, assim como outras seitas limítrofes”, afirma Córdova, alertando que o perigo à democracia é o crescimento de tais movimentos para além dessa bolha, podendo causar danos financeiros ou até mesmo à outras pessoas.

Não à toa, o movimento QAnon é considerado pelo FBI, a Polícia Federal Americana, como um risco à segurança nacional. Além disso, pessoas que acreditam na teoria já se envolveram em ao menos seis incidentes violentos nos EUA.

Por isso, grandes empresas de redes sociais como o Facebook, Twitter e Instagram começaram a banir grupos e hashtags específicas do movimento. Ontem, o Facebook anunciou que banirá conteúdos relacionados ao grupo conspiratório de todas as suas plataformas.

https://theintercept.com/

Professor Edgar Bom Jardim - PE