sábado, 18 de julho de 2020

120 anos de Anísio Teixeira: as ideias do criador da escola pública no Brasil


Anísio TeixeiraDireito de imagemACERVO INSTITUTO ANÍSIO TEIXEIRA
Image captionPersonagem central na história da educação no país na primeira metade do século 20, pensamentos de Anísio Teixeira sobreviveram às transformações sociais e à passagem do tempo

O debate a respeito da universalização de uma escola pública, laica, gratuita e obrigatória teve um de seus grandes momentos há mais de 80 anos no Brasil.

Na década de 1930, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova vislumbrava um audacioso projeto de renovação educacional no país.

Consolidando a visão de 26 educadores, de distintas posições ideológicas, o documento "A reconstrução educacional no Brasil: ao povo e ao governo" tratava de assuntos ainda atuais e amplamente discutidos na cena da educação brasileira: da autonomia moral do estudante à equiparação de mestres e professores em remuneração e trabalho.

Um de seus mais notórios signatários, Anísio Teixeira, faria 120 anos neste mes de julho.

Como personagem central na história da educação no país na primeira metade do século 20, os pensamentos do jurista e escritor sobreviveram às transformações sociais e à passagem do tempo.

No entanto, embora empreste seu nome ao Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão ligado ao Ministério da Educação que aplica exames como o Enem e realiza levantamentos estatísticos sobre o ensino, o intelectual ainda é pouco conhecido e comentado fora do âmbito educacional, a despeito da perenidade de suas ideias.

Em uma época em que a educação era formulada e concebida para poucos, uma de suas maiores contribuições está no entendimento da necessidade de se democratizar o acesso ao ensino.

Para Andrea Harada, professora e mestre em Educação pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), o educador via nesse processo um instrumento de "superação das contradições sociais que marcavam o Brasil no período".

Anísio TeixeiraDireito de imagemACERVO INSTITUTO ANÍSIO TEIXEIRA
Image captionAnísio Teixeira ainda é pouco conhecido e comentado fora do âmbito educacional, a despeito da perenidade de suas ideias

"A democratização poderia, pela ampliação da formação escolar, indicar um futuro marcado pelo desenvolvimento do Brasil e a consolidação do país como nação. Porém, um limite não fora considerado: as determinações políticas e econômicas", explica ela.

Revolta com a desigualdade

Anísio Teixeira criou a Universidade do Distrito Federal (1935), quando o Rio de Janeiro ainda era capital do país; fundou o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, ou "Escola Parque", em 1950, em Salvador, durante sua passagem pela Secretaria de Educação da Bahia, e foi um dos mentores da UnB (Universidade de Brasília), da qual era reitor no ano de 1964, quando ocorreu o golpe militar no Brasil.

"A construção da ideia, no Brasil, de uma escola pública, gratuita, laica e de qualidade passa, necessariamente, pelas contribuições dele. Outro aspecto importante a considerar é a formação docente e o reconhecimento do trabalho de professores, a necessidade de conhecimento científico para o desenvolvimento da educação, com ênfase para as séries iniciais, restringindo os espaços para amadorismo e enfatizando as particularidades de nossa cultura e história como meio de superação da mentalidade colonial que se reproduzia também nas escolas", diz Harada.

Em um documento distribuído à imprensa em abril de 1958, o professor disse: "Sou contra a educação como processo exclusivo de formação de uma elite, mantendo a grande maioria da população em estado de analfabetismo e ignorância. Revolta-me saber que metade da população brasileira não sabe ler e que, neste momento, mais de 7 milhões de crianças entre 7 e 14 anos não têm escola".

Na visão de Ivan Russeff, doutor em educação e professor de Biblioteconomia da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), essas duas colocações de Anísio, em resposta a grupos que viam suas ideias "como inconvenientes e suspeitas", atestam a atualidade do pensamento do educador em um contexto que talvez tenha avançado pouco.

"O foco é o ensino básico e o seu caráter excludente que continua atual e se constituindo em verdadeira barreira, com altos índices de repetência e abandono, principalmente no ensino médio. Para Anísio, essa elitização do ensino básico mantinha as classes populares em estado de ignorância, impedindo-as de ingressarem no ensino superior, grande instrumento, para ele, de civilizar e humanizar o povo brasileiro", explica o professor.

Ainda que os índices levantados pelo educador não sejam mais tão catastróficos, o analfabetismo, principalmente o funcional, ainda é uma realidade da população brasileira.

Para Russeff, o problema é fruto da desqualificação progressiva do ensino básico e do desprestígio em que se encontra, na nossa sociedade, a cultura letrada. "Esse cenário trágico da educação nacional é reiterado (...) na crítica ao poder público e a ausência de uma política de inclusão das massas."

Anísio TeixeiraDireito de imagemACERVO INSTITUTO ANÍSIO TEIXEIRA
Image caption"Sou contra a educação como processo exclusivo de formação de uma elite, mantendo a grande maioria da população em estado de analfabetismo e ignorância", disse Teixeira

Diz Anísio: "Contrista-me verificar a falta de consciência pública para situação tão fundamente grave na formação nacional e o desembaraço com que os poderes públicos menosprezam a instituição básica de educação do povo, que é a escola primária".

Como lembra Russeff, no tempo desse texto, Anísio já estava de volta de seu autoexílio no interior da Bahia, onde ficou de 1935 a 1945 após sua demissão da chefia do Departamento de Educação do Distrito Federal. Já havia sido também consultor geral da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), em 1946, diretor da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), em 1951, e do Inep, no ano seguinte.

À época, vinha travando grandes debates públicos a favor de uma Lei de Diretrizes e Bases - a de 1961 - que consagrasse o princípio de uma escola pública gratuita, para todos e comum aos dois gêneros.

"Meninos e meninas em classes mistas, o que já lhe havia provocado ásperas discussões com os setores conservadores, com destaque para a Igreja Católica. Uma lei que facultasse um ensino de qualidade, com professores das séries iniciais que tivessem formação superior em Educação", pontua Russeff.

Anísio TeixeiraDireito de imagemACERVO INSTITUTO ANÍSIO TEIXEIRA
Image captionAnísio Teixeira teve trajetória notada por relevantes realizações na esfera da educação nacional

Novos ventos

Liberal e opositor a todos os tipos de violência, nas palavras do historiador e político Luiz Vianna Filho, Anísio foi taxado de comunista por seu projeto progressista de ação no ensino, quando de sua demissão da diretoria do Distrito Federal no fim de 1935.

"Sua iniciativa, de defender na implementação da sua reforma do ensino as classes mistas (masculina e feminina), rendeu-lhe a pecha de comunista e de atentar contra a moralidade pública. A Igreja Católica (...) taxou-o de antinacionalista, contra os princípios consagrados da família brasileira, contra a índole da educação nacional", afirma o professor.

Anísio TeixeiraDireito de imagemACERVO INSTITUTO ANÍSIO TEIXEIRA
Image captionAlém do pioneirismo, Anísio compartilha com filósofo e educador Paulo Freire, patrono da educação brasileira, o fato de ter sido grande vítima de setores representativos de certo conservadorismo provinciano

Na visão de Emerson Mathias, mestre em Educação e professor da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) do CEU Paraisópolis, o intelectual também pode ser visto, extraoficialmente, como um segundo patrono de nosso ensino, ao lado de Paulo Freire.

"Ele foi um defensor de uma educação construtivista, que pensava os alunos como agentes transformadores da sociedade. Ou seja, uma educação libertária. Naquele contexto da década de 1930, praticamente todos esses articuladores se inseriram na cena política e instituíram, pode-se dizer, embriões do que temos hoje. Isso transformou uma educação que até então era religiosa, tradicional e sem nenhum olhar para as minorias, os excluídos e os invisíveis", diz Mathias.

Anísio TeixeiraDireito de imagemACERVO INSTITUTO ANÍSIO TEIXEIRA
Image caption"Revolta-me saber que metade da população brasileira não sabe ler e que, neste momento, mais de 7 milhões de crianças entre 7 e 14 anos não têm escola", disse Teixeira

Arte-educador desde 2015, com o projeto autoral "Nzinga Contos Ritmados D'África" sendo trabalhado em escolas públicas e particulares do estado de São Paulo, Mathias convive com a realidade da rede pública há seis anos. Antes de ser concursado, o educador fazia parte da categoria O, docentes que, apesar de realizarem as mesmas funções que outros colegas, não gozam dos mesmos direitos e nem possuem um vínculo empregatício duradouro.

"Tenho quase sete anos no ensino público. E a verdade é que estamos engatinhando ainda hoje no que diz respeito às ideias de Anísio Teixeira, dessa forma ampla de olhar para o currículo como algo universal e inclusivo."

Anísio TeixeiraDireito de imagemACERVO INSTITUTO ANÍSIO TEIXEIRA
Image captionEm um momento em que a educação era formulada e concebida para poucos, uma das maiores contribuições de Teixeira está no entendimento da necessidade de se democratizar o acesso ao ensino

Com problemas "acumulativos", como define Mathias, a escola em que trabalha vive uma tentativa de reinvenção, com a busca por novas formas didáticas e ferramentas estruturais durante a pandemia. Em março, por exemplo, já faltavam professores de matemática e de português, além de profissionais auxiliares essenciais para o dia a dia na instituição. "Esse caos se amplia quando temos de encarar a educação a distância. Com essas faltas, a comunidade e os alunos não se sentem acolhidos pela escola, não estabelecem uma identidade", afirma.

Segundo estimativa do final de maio da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, metade dos alunos da rede estadual não conseguia acessar as aulas online no contexto da pandemia, evidenciando, por exemplo, as dificuldades de acesso a equipamentos e internet.

EscolaDireito de imagemACERVO INSTITUTO ANÍSIO TEIXEIRA
Image caption"A escola tem de ganhar uma inevitável ênfase, pois se transforma na instituição primária e fundamental da sociedade em transformação", disse Teixeira

Em uma escola "engessada, antiga e arcaica", a despeito de qualquer reforma, o professor Mathias diz encontrar esperança em cada retorno de aluno. "Os problemas são grandes, mas todos os dias estamos aqui, trabalhando com o que nós temos. Com garra, vontade e disposição, tentando criar novas metodologias e novas formas de trazer mais alunos. É desgastante e frustrante. Mas temos alguns momentos de esperança, com alunos retratando suas descobertas e tirando dúvidas. A escola é mais do que conteúdo: é vida e traz um sentido para as coisas."

Ou como dito por Anísio em discurso feito na inauguração da Escola Parque há exatos 70 anos: "a escola tem de ganhar uma inevitável ênfase, pois se transforma na instituição primária e fundamental da sociedade em transformação".


Professor Edgar Bom Jardim - PE

O que é o Fundeb, fundo essencial para a educação que terá votação crucial no Congresso



Escola estadual paulistaDireito de imagemCIETE SILVÉRIO / GOVERNO DO ESTADO DE SP
Image captionAusência do Fundeb provocaria caos na educação básica, dizem especialistas, porque não haveria garantia de dinheiro para pagar salários ou manutenção da rede escolar

A continuidade de um fundo que movimenta anualmente R$ 150 bilhões em dinheiro público deve entrar em votação na Câmara dos Deputados na segunda-feira (20/07), influenciando diretamente o funcionamento de milhares de escolas do Brasil - desde a educação infantil até o ensino médio - e em meio a intensos debates sobre a origem e a destinação dos recursos.

O Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) entrou em vigor em 2007 e, só no ano passado, respondeu por cerca de R$ 6,5 de cada R$ 10 investidos nas escolas públicas brasileiras.

Só que a legislação que estabeleceu o Fundeb determinou também que ele vigore até 31 de dezembro de 2020, ou seja, se não for renovado nos próximos meses, ficará extinto.

Essa extinção, dizem analistas de educação, provocaria um caos no financiamento das escolas públicas, porque não haveria garantia de dinheiro para pagar desde professores e funcionários até o transporte escolar.

Por isso que sua discussão no Congresso Nacional, que ocorre desde 2019, é considerada o tema mais urgente da educação neste ano.

E a votação acontece em meio a três agravantes: a pandemia do coronavírus, que mobilizou atenções e diminuiu a atividade econômica e a arrecadação de impostos; o fato de o ano legislativo ficar comprometido, neste segundo semestre, pelas eleições municipais; e como se trata de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 15/2015), o Fundeb precisa ter o aval de uma grande quantidade de parlamentares. Na prática, tem de ser aprovado por três quintos de deputados e senadores, em dois turnos de votação na Câmara e no Senado.

Mas o principal embate na aprovação do Fundeb diz respeito a quem deve pagar pelos R$ 150 bilhões anuais do fundo.

Criança estudandoDireito de imagemRAUL SANTANA/FIOCRUZ
Image captionProjeto em votação pode criar parâmetros de qualidade para escolas e evitar precarização, diz especialista

A origem do dinheiro

Hoje, 90% dos recursos do Fundeb vêm de impostos coletados nos âmbitos estadual e municipal, e os outros 10% vêm do governo federal - uma partilha considerada injusta por Estados e municípios, já que, de modo geral, a maior parte dos impostos é arrecadada pela União.

"É um modelo de cabeça para baixo: os Estados e municípios são os que atendem diretamente 45 milhões de alunos, mas a concentração tributária fica com a União", critica à BBC News Brasil a deputada federal Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), relatora da PEC na Câmara.

Inicialmente, a proposta em discussão previa que a contribuição da União subisse gradualmente dos atuais 10% para 40% do total do Fundeb, desafogando Estados e municípios, mas isso encontrou enorme resistência na ala econômica do governo, no Congresso e entre defensores da política fiscal mais rígida.

Dorinha RezendeDireito de imagemMARCELO CAMARGO/AG BRASIL
Image captionDorinha Rezende, deputada relatora do projeto, diz que mais recursos da União são necessários porque é essa instância que concentra a arrecadação tributária

Na época, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, retirou o apoio do governo à proposta, afirmando que ela "feria o equilíbrio fiscal" e não era "solvente a longo prazo".

Seu ministério chegou a afirmar que apresentaria uma proposta própria ao Fundeb, o que nunca aconteceu.

Após negociações, o projeto da PEC baixou o percentual exigido da União para no máximo 20% até 2026, mas partindo de um patamar de 15% (em vez dos 10% originais) já a partir de 2021.

Por conta da pandemia, houve novas negociações. O patamar para 2021 foi baixado para 12,5%, continuando, gradativamente, a chegar em 20% até 2026.

"É uma complementação muito chorada da União, e que precisaria ser muito maior, para que o dinheiro chegasse a mais cidades. Porque algumas cidades pobres vão ficar de fora (do bolo de recursos), e os Estados e municípios vão continuar colocando mais dinheiro", diz Dorinha Rezende.

O texto, porém, continua encontrando resistência no governo. O Ministério da Economia, comandado por Paulo Guedes, argumenta que não há dinheiro suficiente para elevar a participação da União.

Em março, em videoconferência com prefeitos, Guedes defendeu a prorrogação do Fundeb no formato atual, em vez da aprovação da nova PEC.

LousaDireito de imagemMARCOS SANTOS/USP IMAGENS
Image captionEstados e municípios arcam com a maior parte do fundo; projeto prevê aumento da participação da União nos gastos

"Podíamos excepcionalmente renovar o Fundeb exatamente como ele é hoje por dois ou três anos para que todo o dinheiro excedente possa ser mandado para a saúde", afirmou Guedes, segundo reportagem do jornal O Globo.

Recentemente, também segundo o jornal, a equipe econômica passou a defender que a eventual ampliação de recursos do Fundeb, se aprovada no Congresso, sirva para ajudar no financiamento do Renda Brasil, programa de renda mínima que ampliaria o Bolsa Família. Isso também dependeria do aval dos legisladores.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que o texto posto em votação "está com bastante unidade, e acho que a gente vai avançar", segundo a Agência Brasil. A votação estava prevista para começar no dia 14, mas ficou para o dia 20. ''O governo pediu que nós construíssemos as condições para que o novo ministro (da Educação, ainda não empossado) pudesse participar do debate'', disse Maia.

Para Dorinha Rezende, porém, o aumento de repasses à educação é necessário porque o Brasil ainda gasta pouco per capita com seus alunos.

Segundo o relatório Education At Glance 2019, da Organização Para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), embora o país destine uma porcentagem alta de seu PIB à educação, "o gasto por estudante na educação básica fica bem abaixo da média da OCDE".

Além disso, diz a deputada, "agora vamos precisar gastar mais no pós-pandemia: dividir salas de aula, contratar mais professores, receber os alunos vindos das escolas privadas (que não conseguiram mais pagar mensalidades). E muito disso está nas mãos dos municípios, o elo mais frágil (do Poder Executivo)".

Segundo o mais recente Censo Escolar, metade das escolas brasileiras não tem rede de esgoto.

Dorinha Rezende argumenta que os recursos adicionais da União venham, por exemplo, de royalties da exploração do petróleo, que já têm a educação como destino original.

Distribuição de recursos

Um dos objetivos do Fundeb é reduzir a desigualdade de recursos na educação, complementando o orçamento de municípios mais pobres que não consigam investir o suficiente em suas redes de ensino.

O projeto em votação na Câmara institui, além de mudanças na origem dos recursos, alterações na forma como eles são distribuídos. Por exemplo, mudando a vinculação do dinheiro e fazendo com que os repasses passem a depender da situação individual de cada município, e não só do Estado onde ele está inserido. Isso ajudaria, por exemplo, municípios pobres que estejam em Estados mais ricos.

Lousa com equação matemáticaDireito de imagemMARCOS SANTOS/USP IMAGENS
Image captionFundeb movimenta R$ 150 bilhões por ano, para financiamento das escolas brasileiras

Atualmente, de cada R$ 1 do fundo, 60 centavos são usados para o pagamento de professores, de modo a garantir a valorização docente. O restante é usado para manutenção e equipamentos da escola e pagamentos de outros profissionais da educação.

Uma discussão gira em torno de aumentar essa fatia de 60 para 70 centavos de cada real, mas pulverizando esse dinheiro para todos os profissionais da educação, e não apenas para professores - o que, na prática, pode resultar em menos recursos para a valorização docente.

Se mantido como está, o projeto pode trazer um adicional de ao menos R$ 14 bilhões ao ano para a educação pública e criar, de forma permanente, critérios mínimos para escolas públicas de qualidade, evitando sua precarização, argumenta Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP e membro da organização Campanha Nacional Pelo Direito à Educação.

A organização é defensora do projeto em votação na Câmara e pede que ele seja votado rapidamente, para reduzir as chances de ser descaracterizado por pressões econômicas.

Dentro de todo esse debate, especialistas de educação se queixam do que veem como participação tímida ou ausência do alto escalão do Ministério da Educação nas discussões. A pasta está prestes a ter seu quarto ministro no governo Bolsonaro - o presidente anunciou Milton Ribeiro em 10 de julho para o comando do MEC.

A deputada Dorinha Rezende diz que na gestão de Abraham Weintraub "nunca foi dada prioridade" ao Fundeb, mas que a participação do ministério será importante sobretudo na fase de regulamentação do fundo, caso a PEC seja aprovada.

Consultada pela reportagem, a assessoria do MEC afirmou que "a Secretaria Executiva do MEC e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação têm participado ativamente das discussões técnicas relacionada ao Novo Fundeb. No ano passado, foram apresentadas sugestões à Relatora da PEC 15/2015, com considerações acerca de medidas necessárias ao aprimoramento da política pública educacional. Atualmente, para além das questões relacionadas ao modelo do novo Fundo, a ser inserido na Constituição Federal, o MEC tem se dedicado ao levantamento das informações e dos indicadores necessários à regulamentação do Novo Fundeb, a fim de viabilizar a operacionalização tempestiva do novo modelo de financiamento a partir do ano de 2021, caso a proposta seja efetivamente aprovada".

Até a publicação desta reportagem, a assessoria do órgão não havia manifestado opinião sobre o aumento de participação da União proposto pela PEC 15/2015.

Professor Edgar Bom Jardim - PE

O poder faz parte da aventura humana


Há sempre dúvidas. Muitos desejam o absoluto, mas mergulham em decepções quando fracassam. Não percebem as fragilidades, multiplicam delírios, esquecendo dos limites. Somos seres que não dispensam sonhos. Temos que superar os impasses do cotidiano. Não fugimos das idealizações. No entanto, o infinito é uma criação transcendente, apenas uma forma de levantar os ânimos diante das contradições que nos cercam. Nem sabemos de onde surgiu o projeto da vida, se ele pertence aos deuses e é um acaso perturbador. Será que o tribunal do juízo final é supremo?

Construímos fantasias, para nos livrar das banalidades. A vida sem brilho é monótona. O mundo está repleto de tecnologias, divertimentos, planejamentos espetaculares. Nem por isso, aos escorregões deixam de acontecer. Diante de esperanças, muitas vezes, surgem fracassos inesperados. A sociabilidade não dispensa poderes, exige que os outros participem das aventuras e consolidem tradições. A solidão existe, porém há sempre o ruido, o enigma, a ambição. Nunca é definitiva, traz incertezas, lembranças de sentimentos compartilhados. Ser e não ser é uma questão profunda, talvez sem resposta.

A complexidade crescente mostrar que não há sossego previsível. O poder mora nas relações sociais. Há seduções, convencimentos. As violências físicas assustam e confirmam que a cordialidade se ausenta quando as tensões se radicalizam. Mesmo assim, teimamos em imaginar utopias, sociedades pacíficas e repletas de bons encontros. É difícil aceitar o limite, observar que as depressões ganham espaço, que as religiões se infiltram nos jogos do mercado e a grana faz pactos velozes com a política. O trágico não é incomum. Corta corpos e diminui futuros.

As relações de poder estão na história.  Ampliam seus mecanismos de persuasão com a prevalência de redes socais e escutas sofisticadas. Elas se escondem, porém não deixam de agir. Analisem como os governantes lançam promessas, recuam, se sentem vítimas, acusam. As relações de poder não preservam simplicidades. Buscam armadilhas, seguram comportamentos que desfazem as forças coletivas e conservam privilégios. Sem elas, não haveria história. Os entrelaçamentos dos tempos ajudam a compreender as idas e as vindas do poder. Lembrem-se de Zeus, de Pinochet, de Salazar, de Édipo, de Nietzsche. Nada apaga certas continuidades, ações e teorias.

 Por Paulo Rezende


Professor Edgar Bom Jardim - PE

sexta-feira, 17 de julho de 2020

FUNDEF :Deputado do PSB de Alagoas aprovou na Câmara Federal o PL dos 60% dos Precatórios para pagamento de professores




O Deputado Federal JHC anunciou ontem, em suas redes sociais, a aprovação do PL 
1.581/2020 que regulamenta a destinação de 60% dos precatórios do FUNDEF para pagamento de professores. “Foi uma vitória da educação e da justiça nesse país. Isso nunca foi um favor, sempre foi um direito, e agora não há mais volta. Nosso trabalho de articulação foi grande dentro da Câmara e a minha emenda foi aprovada e reconhecida pelos colegas da Casa”, afirma JHC. 

A tramitação foi viabilizada nesse período de pandemia a partir de um Projeto de Lei de autoria do Deputado Marcelo Ramos (PL-AM) que tratava apenas do pagamento de precatórios diante da Covid19. Os precatórios são o meio pelo qual a administração pública cumpre decisões judiciais que envolvem valores.


Com experiência legislativa, JHC vislumbrou uma oportunidade de incluir uma emenda que tratasse apenas dos chamados Precatórios do FUNDEF. Essa emenda foi absorvida pelo relator, o deputado Fábio Trad (PSD-MS), que inclui no seu relatório final na forma do artigo 8º. Por esse artigo, será possível que Estados e Municípios façam acordos com a União sobre os precatórios do FUNDEF, mas esses acordos valerão apenas se observarem o percentual mínimo de 60% para os professores. Esta será a primeira que uma lei irá disciplinar esses recursos, colocando fim em centenas de disputas judiciais por todo o país. 

Matéria segue para o Senado

O projeto aprovado agora segue para a parte alta do Congresso Nacional e o senador Rodrigo Cunha declarou apoio e esforços para breve aprovação da matéria. “Não há nada mais justo do que utilizar esse dinheiro para os professores. O dinheiro já está no caixa dos municípios, mas sem utilização. Os recursos não vão ser retirados de nenhuma outra área e, muito pelo contrário, irão injetar e movimentar a economia em um momento tão importante de recuperação”, afirma o senador.


Professor Edgar Bom Jardim - PE

Os deuses e os anjos: desejos, dúvidas, crenças



Não tenho intimidade com os deuses. Olho as crenças de longe. Respeito quem crê, mas suspeito bastante do caráter de quem finge crer. Sou partidário de uma história indefinida. Não sei quem é a criatura, nem quem é o criador. Os deuses existem para preencher nossos vazios, estimular obediências, exaltar o sagrado. Sou ético, solidário, afetivo. Não sinto necessidade de orações submissas. Observo que as religiões se encontram num sufoco imenso. O papa Francisco tem abalado os conservadores com suas declarações. Ele toca em assuntos antes proibidos. Causa arrepios. Desmonta grupos articulados com uma fé desbotada.

Cristo foi um revolucionário, porém não se fala nisso. Há muitos negócios nas religiões envolvendo políticos, meios de comunicação e práticas capitalistas. Dê uma circulada no facebook, acompanhe as notícias nos jornais.  analise as opiniões de certas figuras. Esquecem o passado. Não se lembram que Cristo defendeu a igualdade e foi contra a ordem dominante. Hoje, são raros os quem divulgam a palavra efetiva do novo testamento. Simulam que defendem a pátria e os valores da família. Há uma cinismo avassalador, muito bem guardado na alienação dos fiéis.

Portanto, desconfio dos que se meterem no catolicismo ou se aliaram aos discursos de exploração. Fragilizaram o cristianismo de raiz. A teologia da prosperidade não possui a minha simpatia. Vejo  os rituais coordenados por vozes que fazem proposta de venda de mercadoria e prometem salvação com barganhas. Não entendo como se justificam. Esvaziaram as lutas, querem gravatas e pessoas consumistas. É interessante como houve coincidências como os momentos históricos do Brasil, o orgulho de ter crédito e fazer parte de uma sociedade mais requintada. Tudo bem. Nada contra as mudanças sociais, desde que haja repartição e não concentração de riqueza.

Cultivar Malafaia, de forma  direta ou indireta, fazer apologia do vazio de Dória, como estimulante da assepsia social e se afirmar com companheiro de Cristo me parece estranho. A modernidade alterou crenças, Weber refletiu sobre a ética protestante, muitos padres duvidaram da Igreja congelada. Neutralidade não existe. Muitos morreram, mostraram-se rebeldes. Hoje, se quer plateia e votos. Constroem tempos valiosos. Não dá para acreditar que os anjos abençoem quem se coloque ao lado dos desejos e privilégios das minorias. A ascensão social é confundida com a generosidade.

As lutas políticas estão entrelaçadas com as religiosas. Observe os Estados Unidos e suas conspirações internacionais. Não despreze as ações do terrorismo, nem a violência que se propaga pelo Oriente. A queda dos valores afeta os acordos de paz e estimula a venda de armas. Estamos cercados por golpes constantes contra a liberdade e a utopia. Eles se globalizaram. Nada como uma visita à memória para relembrar muitos desenganos.Mussolini fez pacto com os católicos, Franco não foi diferente. No Brasil, há exemplos visíveis e polêmicos. Bolsanaro é ídolo. Há os fanáticos pelas suas manifestações. O pior são os que se escondem e abraçam às fantasias mais enganosas. Os deuses e os anjos tremem diante dos seguidores oportunistas.

Por Paulo Rezende

Professor Edgar Bom Jardim - PE

O relativismo e as andanças da verdade


A modernidade  quebrou  tradições seculares. Aquelas hierarquias feudais se foram, para que a sociedade de classes se instalasse e as revoluções se tornassem animadores. Havia expectativas de transformações radicais. Não como há negar que a sociedade passou por mudanças importantes. Cada cultura incorporou valores com possibilidades de viver liberdades e duvidar de preconceitos. A história, porém, não é lugar de seguranças definitivas e de sonhos absolutos. As permanências incomodam, fazem frustrações, deixam de lado promessas, ameaçam congelar sentimentos.

O mundo atual vive contrapontos gigantescos. Há quem aposte na volta do fascismo. As teorias retomam princípios conservadores e os desenganos acontecem cotidianamente. A anunciada autonomia não se concretizou da forma esperada. Muitas culturas não fugiram de paradigmas passados e houve desconfianças com relação às provocações da modernidade. As verdades se multiplicaram, entrelaçando tempos, formalizando guerras. As religiões se abalaram, mas a morte de deus criou possibilidade para embates filosóficos que se arrastam pelas culturas. Nietzsche ainda é lembrado com irritações inimigas e elogios de seguidores fanáticos.

As homogeneidades não se fixaram. Não adiante buscar o fim do servilismo, se a verdade capitalista não se cansa de fazer vítimas. A queda das experiências socialistas inquietaram, pois parecia que um destino de exploração se sedimentava. Os debates continuam e as guerras não se ausentaram. Se a modernidade lançou agitações, rebeldias, discussões avassaladoras, o mais tradicionais não se intimidaram. Jogaram suas fichas na celebração da tecnologia, disfarçaram suas forças de dominação, derrubaram fantasias, festejam a quantidade de mercadorias luxuosas. a revolução se tornou um mito, o desamparo ganha espaço  e a instabilidade expulsa otimismos.

Quem está com a verdade?  Ela flutua perdida nos artigos e nas imagens fabricadas pelos meios de comunicação. É preciso não subestimar. As leituras da história são, muitas vezes, ingênuas. Valorizam conquistas, anulam ambiguidades que persistem e atiçam dúvidas. Construir a sociedade sem disputa é um desafio. Difícil acabar com as concepções que acendem o aumento dos privilégios para poucos. O silêncio é perigoso. Nada como renunciar ao desejo de relativizar, de reinventar cada ação e observar as traições das verdades ditas salvadores. Não fique estimulando juízos finais. Expulsar as discordâncias da convivência é uma armadilha que pode nos sacudir num apatia perversa. Suspeite, sem se desfazer da sua autonomia.

Por Paulo Rezende.

Professor Edgar Bom Jardim - PE