sábado, 2 de novembro de 2019

Como o cancelamento de peças, filmes e mostras deve opor artistas e governo na Justiça. Censura?


Cena da peça Caranguejo Overdrive, que teve apresentações no CCBB do Rio de Janeiro canceladasDireito de imagemLIGIA JARDIM/DIVULGAÇÃO
Image captionO MPF abriu inquério para investigar o cancelamento da peça Caranguejo Overdrive, que seria exibida no CCBB do RJ
Cinco minutos antes da segunda apresentação da peça infanto-juvenil Abrazo, no espaço Caixa Cultural do Recife, em setembro, a produção do espetáculo recebeu a notícia de que a apresentação tinha sido cancelada — sem aviso formal ou explicação do porquê.
As seções seguintes previstas para a montagem, sobre pessoas que vivem sob uma ditadura, também seriam todas suspensas.
"Quando nos avisaram, cinco minutos antes da apresentação, foi difícil até conseguir um registro escrito. Eles queriam que fosse apenas verbal", diz o diretor artístico da companhia de teatro, Fernando Yamamoto.
Yamamoto e o produtor Rafael Telles se recusaram a sair do teatro até obter uma declaração por escrito. "Eu insisti e mandaram um email, dizendo que infringimos uma cláusula contratual [entre a companhia e a Caixa], mas não dizia como."
Os dois são exemplos dos vários profissionais da área cultural que passaram por situações semelhantes nos últimos meses, quando foram suspensos diversos espetáculos, filmes e mostras que seriam apoiados por instituições de caráter público ou exibidos em espaços públicos
Além da peça Abrazo, só a Caixa Econômica suspendeu mais duas peças, um ciclo de palestras e uma mostra de cinema sobre a cineasta Dorothy Arzner que aconteceriam em seus espaços culturais.
Os filmes Nosso Sagrado, Rebento e Mente Aberta tiveram a exibição cancelada no Centro Cultural da Justiça Federal no Rio. O espetáculo Caranguejo Overdrive foi retirado da programação do Centro Cultural do Banco do Brasil, também no Rio.
Um concurso inteiro da Ancine para financiamento de obras audiovisuais foi suspenso após algumas obras com temáticas LGBT que concorriam serem criticadas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, nas redes sociais, em agosto. A peça Res Publica 2023 foi vetada de ocupar um espaço da Funarte.
Cena da peça Caranguejo Overdrive, que teve apresentações no CCBB do Rio de Janeiro canceladasDireito de imagemELISA MENDES/DIVULGAÇÃO
Image caption'Caranguejo Overdrive' conta a história de um catador de caranguejos que volta ao Rio após ter lutado na Guerra do Paraguai

Protestos e ações na Justiça

Houve outros casos como esses. Entre os assuntos tratados pelas obras afetadas, há desigualdade social, ditadura, preservação do ambiente, mulheres de destaque, intolerância religiosa contra religiões de matriz africana e questões LGBT.
Diretores, atores e produtores culturais dizem que houve motivação ideológica para os cancelamentos — seriam, segundo eles, tentativas de inviabilizar obras com conteúdo que desagrada ao governo Bolsonaro. "É muito grave, estamos vendo uma criminalização das artes e da cultura", afirma Eduardo Barata, presidente da Associação dos Produtores de Teatro (APTR).
As instituições responsáveis pelos cancelamentos negam que haja controle de conteúdo e, questionadas posteriormente sobre os casos, deram explicações variadas para os cortes.
As justificativas vão de motivos jurídicos (no caso da Caixa) a questões administrativas (no caso do Ministério da Cidadania, que determinou o cancelamento do concurso da Ancine). Em declarações, membros do governo também disseram que escolher projetos "não é censura". O diretor de Artes Cênicas da Funarte, Roberto Alvim, por exemplo, disse ao jornal O Globo que se tratou de uma "curadoria".
Enquanto isso, o meio cultural se organiza para combater os cancelamentos não apenas com protestos, mas levando as ações para a Justiça.
"[Entrar na Justiça] é a maneira que a gente tem para defender a democracia. É um dos caminhos que a gente está seguindo. Se a gente não levar para a Justiça, a gente não reafirma nosso lugar de cidadão", diz a empresária Paula Lavigne, que criou o movimento 342 Artes, uma campanha de artistas e produtores culturais contra censura e intolerância no mundo das artes.
A APTR tem feito encontros semanais, com grupos pequenos, para estudar o problema. "Estamos vendo quais as possibilidades de ação contra a censura e subsidiando os produtores com informações", diz ele, que tem participado de reuniões com a Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados para falar do assunto. Para Barata, é uma briga tanto jurídica quanto política.
Mas afinal, como essa disputa está se dando na Justiça e quais os limites para atuação das instituições governamentais na escolha das obras?
Cena do do filme Nosso SagradoDireito de imagemDIVULGAÇÃO
Image captionFilme 'Nosso Sagrado' teve exibição cancelada no Centro Cultural da Justiça Federal, no Rio

Casos na Justiça

Alguns dos casos já estão em discussão no Judiciário. Neste mês, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) negou um recurso da União e manteve uma liminar obrigando a Ancine (Agência Nacional de Cinema) a retomar um edital de seleção de projetos audiovisuais para serem financiados com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual.
A mesma instituição, no entanto, no âmbito administrativo, foi responsável por um dos cancelamentos — três documentários, incluindo o filme Nosso Sagrado, sobre perseguição religiosa a religiões de matriz africana, foram vetados da programação de uma mostra no Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF), administrado pelo TRF-2.
Procurado pela BBC News Brasil, o TRF-2 afirma que "o CCJF tem como critério não veicular produções que atendam a interesses comerciais, ou que tenham cunho religioso ou político-partidário", por que tem competência para julgar "ações cujas partes ou interesses podem vir a relacionar-se a entes públicos e empresas que, eventualmente, sejam personagens ou objeto das referidas produções".
Já na decisão sobre a Ancine, o TRT-2, através do juiz Alfredo Jara Moura, decidiu que a União não apresentou razões válidas para a suspensão do edital.
O concurso fora cancelado por uma portaria do Ministério da Cidadania após quatro projetos audiovisuais que concorriam — todos com temática LGBT — terem sido publicamente criticados pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. Em um vídeo nas redes sociais, Bolsonaro dizia que as obras Sexo ReversoTransversaisAfronte e Religare Queer "iriam para o lixo".
O entendimento do MPF, que pediu a liminar contra o Ministério, foi de que, como não havia forma legal de retirar somente os quatro filmes da disputa, o ministério acabou cancelando o concurso todo.
"A discriminação contra pessoas LGBT promovida ou referendada por agentes públicos constitui grave ofensa aos princípios administrativos da honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições", diz o MPF-RJ na ação, que afirma que o ministro da Cidadania cometeu improbidade administrativa ao cancelar o concurso.
Além disso, diz o MPF, o cancelamento geraria prejuízo aos cofres públicos, já que a Ancine já havia gasto uma boa soma com o concurso, que estava em fase final.
José Henrique Pires, ex-secretário especial de cultura sob o ministro da Cidadania, Osmar Terra, disse ao Ministério Público que recebeu o pedido de analisar a minuta da portaria que cancelaria o concurso no dia seguinte ao vídeo de Bolsonaro.
Segundo seu depoimento, não havia uma justificativa para a portaria, que seria "mais uma tentativa de chancelar o que o presidente havia dito, isto é, não veicular conteúdos que não lhe agradem".
O Ministério da Cidadania entrou com um recurso, e argumentou que o cancelamento foi feito por motivos orçamentários. Mas isso não constava na portaria de cancelamento, e o TRF-2 negou o recurso do governo, dando a decisão liminar que obriga a Ancine a retomar o concurso. Procurado pela BBC News Brasil, o Ministério da Cidadania não se manifestou.
Após a suspensão do edital, Pires deixou o cargo e disse que não admitiria a imposição de "filtros" na cultura.
Cena da peça Abrazo, da cia Clowns de ShakespeareDireito de imagemRAFAEL TELLES/DIVULGAÇÃO
Image captionMinistério Público Federal de Pernambuco entrou com ação contra a Caixa pelo cancelamento da pela infantojuvenil 'Abrazo'
Em entrevista ao jornal O Globo em setembro, o ministro Osmar Terra disse que "não é censura, só queremos escolher o tema em que vamos gastar dinheiro público".
"Não é proibido fazer filme nenhum. Não existe censura, mas se vai usar dinheiro público é preciso ser de interesse público. Eu tenho direito de dar opinião. Eu represento quem foi eleito pelo público para fazer gestão", afirmou ao jornal.
Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro disse em uma videoconferência transmitida no 3º Simpósio Nacional Conservador, no interior de São Paulo, que "com o dinheiro público não veremos mais certo tipo de obra por aí". O presidente disse também que o veto "não é censura", mas é feito para "preservar os valores cristãos".

O que o governo pode ou não pode fazer?

Segundo o professor de Direito Constitucional Daniel Sarmento, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a Constituição deixa claro que o governo e suas instituições não podem usar dinheiro público e aparato estatal para discriminar obras ou ideias que o desagradem por motivos ideológicos.
"É preciso diferençar o que é governo do que é Estado", afirma o professor de Direito Constitucional. "O Estado tem o dever de garantir a liberdade de expressão, de não discriminar e o dever de impessoalidade."
Ele explica que o Estado tem que agir de forma impessoal independentemente da ideologia de quem rege o governo, garantindo a pluralidade — não pode beneficiar nem causar danos a pessoas ou grupos específicos. Ou seja, diz ele, de acordo com a Constituição Federal, o fato de certo grupo político ter sido eleito não o autoriza a usar o aparato do Estado para discriminar outros grupos ou favorecer sua própria ideologia.
"O Estado não pode censurar a manifestação de particulares, mas seu dever de garantir a liberdade de expressão também abarca quando ele age no campo do fomento", afirma Daniel Sarmento. "Órgãos públicos não podem dizer que não vão permitir que uma peça não seja exibida em um espaço público em razão de um critério discriminatório, é o mesmo princípio."
Elenco da peça Res Pública 2023Direito de imagemPRISCILA PRADE/DIVULGAÇÃO
Image captionA peça Res Pública 2023 fala sobre a vida de jovens em um futuro próximo
O MPF investiga se houve discriminação nos casos recentes de cancelamentos de atividades artísticas. Se concluir que houve discriminação ideológica e cerceamento à liberdade de expressão, pode apresentar denúncia à Justiça contra as entidades responsáveis. O MPF pode acusá-las de ferir a Constituição, de cometer improbidade administrativa ou desvio de finalidade, dependendo do caso.
Um dos inquéritos aberto pelo MPF é o cancelamento sem explicação da peça Caranguejo Overdrive, que estava programada para ser apresentada na mostra "CCBB — 30 Anos de Cias", no Centro Cultural do Banco do Brasil do Rio de Janeiro nos dias 9 e 10 de outubro.
A obra conta a história de um catador de caranguejos que volta ao Rio de Janeiro após ser convocado para a Guerra do Paraguai. A peça trata de temas como desigualdade social, urbanização das cidades e cita acontecimentos recentes do Brasil.
Duas semanas antes das apresentações, a produção do espetáculo recebeu a notícia de que elas não seriam mais parte da programação da mostra — sem explicação.
"A única resposta que a instituição deu veio em uma nota divulgada depois que organizamos uma ato na porta do CCBB na sexta-feira passada", diz à BBC News Brasil o diretor do espetáculo, Marco André Nunes.
Questionado sobre o assunto, o CCBB diz que "nega a existência de censura em sua programação", e que a peça fora retirada da programação após ser informado, em um "relato", sobre uma "possível alteração na peça". "Teriam sido acrescentados em seu roteiro posicionamentos político-partidários", o que "contrariaria critérios definidos no edital público para seleção de projetos e cláusulas contratuais do patrocínio".
"O CCBB falta com a verdade nesse posicionamento", diz Nunes. Segundo ele, a peça, que estava em cartaz no Espaço Sérgio Porto, não sofreu nenhum tipo de alteração e que não há nenhum tipo de propaganda partidária. "A apresentação sempre teve isso de ser relacionada com o momento. É uma crítica ao Brasil. Fizemos isso no governo Dilma, no governo Temer e também no governo Bolsonaro" — o espetáculo foi encenado pela primeira vez em 2015.
O diretor também afirma que não participou de um edital — a peça havia sido convidada para fazer parte da mostra.
Questionado pela BBC News Brasil sobre o que foi esse "relato" que teria sido recebido pelo CCBB — denúncia anônima? Análise encomendada pela instituição? — e se houve tentativa de confirmar a veracidade das informações, o centro cultural disse apenas que "reafirma o posicionamento" da nota já enviada.
O MPF também pediu questionamentos à Funarte sobre um veto da instituição à exibição da peça Res Pública 2023, que iria ocupar uma sala do Complexo Cultural Funarte SP. O espetáculo, sobre jovens que sofrem dificuldades financeiras e perseguição em um futuro próximo, chegou a ter a estreia agendada.
Ao jornal O Globo, o diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte, Roberto Alvim, disse que o critério para o veto foi "puramente artístico". "A peça não foi aprovada porque me pareceu que não havia nela alusão estética, apenas um discurso político", disse ele ao jornal, em outubro. "Isso não se chama censura e sim curadoria. Nunca proibi que a peça fosse exibida em outros lugares e até acho ótimo que ela seja."
À BBC News Brasil, a Funarte disse que a peça não foi cancelada, porque "não chegou a existir na Funarte um termo de cessão ou documento compatível para o procedimento". Quanto ao veto de Alvim e outros questionamentos feitos pela reportagem, no entanto, a Funarte disse que "não vai comentar".

Censura velada?

E o que os artistas podem fazer na Justiça? Uma saída seria entrar com ações provando que as justificativas dadas posteriormente pelas instituições são formas de mascarar uma intenção de cercear a liberdade de expressão. Mas nem sempre provar essa segunda intenção é uma tarefa fácil.
"Muitas vezes a gente encontra censura velada, você não tem um papel ali. Mas eles estão cada vez mais nos dando provas que estão realmente cometendo a censura", afirma Paula Lavigne, do movimento 342 Artes.
O procurador da República Julio José Araujo Junior diz que, como instituições públicas são impedidas por lei de simplesmente censurar obras, "quem deseja fazer esse controle ilegal de conteúdo normal o faz através da burocracia".
"É comum você encontrar uma tentativa de utilizar algum tipo de subterfúgio para dizer que a obra não pode ser apresentada, usar da burocracia, fazer exigência meramente formal. Havendo evidências suficientes, é algo que pode ser desmascarado", explica.
O diretor de cinema Fernando Sousa, do filme Nosso Sagrado, diz que foi isso que aconteceu quando seu documentário foi vetado de ser exibido no Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF), no Rio de Janeiro, em agosto.
O documentário é um dos três filmes que seriam exibidos na 3ª Mostra do Filme Marginal que aconteceria no espaço e que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRT-2), que administra o espaço, disse que teriam que ser retirados da programação.
Nosso Sagrado fala da perseguição sofrida por religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda. "É mais um caso de racismo institucional, exatamente como os retratados no documentário", afirma Sousa.
Procurado pela BBC News Brasil, o TRF-2 afirma que o critério de "não veicular produções que atendam a interesses comerciais, ou que tenham cunho religioso ou político-partidário" vale para "qualquer denominação religiosa e para qualquer linha político-ideológica".
O diretor do documentário, no entanto, diz que seu trabalho não se encaixa nessas categorias. "Não é um filme religioso, é um documentário que fala sobre religião. E o fato do documentário citar a [vereadora] Marielle [Franco, assassinada em 2017] e ter fala de uma pessoa com mandato não caracteriza propaganda partidária", diz Sousa.
No fim, em protesto contra a retirada dos três filmes da programação, a 3ª Mostra do Filme Marginal acabou migrando para outro espaço, onde todos os filmes puderam ser exibidos.

Dois caminhos

Quando há indícios de que alguém foi vítima de cerceamento por parte de instituições governamentais, explica Sarmento, da UERJ, é possível procurar a Justiça para duas coisas: garantir a liberdade de expressão (ou seja, a exibição da obra), por um lado, e para responsabilização de quem desrespeitou a lei, por outro.
O MPF em Pernambuco entrou com uma ação civil pública contra a Caixa Econômica pedindo ambos: a retomada do espetáculo Abrazo, que havia sido cancelado, e uma indenização por danos morais coletivos. Na ação, o MPF pede que o valor seja aplicado "em campanhas de conscientização do direito à liberdade de expressão e à liberdade artística."
Contratada para oito sessões, a peça Abrazo, da companhia Clowns de Shakespeare, havia sido cancelada após uma única apresentação, em 7 de setembro, sem nenhuma explicação.
"Não houve diálogo, não houve possibilidade de nos defendermos", afirma o diretor artístico da companhia de teatro, Fernando Yamamoto. O espetáculo fala sobre personagens que vivem sob uma ditadura, em que não é permitido se abraçar.
Ao MPF, a Caixa disse que o patrocínio foi cancelado por causa de uma conversa entre o elenco e a plateia, após a estreia, em que os artistas teriam infringido a cláusula contratual de "zelar pela boa imagem dos patrocinadores".
Na conversa, com menos de 20 pessoas, um dos atores respondeu a uma pergunta do público, sobre se ele sentiu resistência ao enviar o projeto para o edital. Ele respondeu que sim, em relação a essa e a outra peça que também falava de ditadura, e que tinha havido mudança na forma de lidar com os projetos.
Cena do do filme Nosso SagradoDireito de imagemDIVULGAÇÃO
Image captionFilme 'Nosso Sagrado' foi impedido de ser exibido em mostra no CCJF
"O espetáculo fala sobre repressão, então é natural que haja essas perguntas. Temos que responder com a verdade", diz Rafael Telles, produtor da peça. "Mas em nenhum momento falamos mal do patrocinador ou citamos a Caixa ou o governo."
Na ação contra a Caixa, o MPF argumenta que os atores têm direito ao livre exercício da manifestação de pensamento e crítica e que, ao cancelar o contrato com base nisso, a Caixa cerceou "o livre debate de ideias em torno dos contratos de patrocínio". Além disso, diz o MPF, o cancelamento das apresentações provocou uma repercussão negativa muito maior do que o comentário feito pelo ator a um grupo pequeno de pessoas.
O espetáculo Abrazo foi um de uma série de obras que haviam sido canceladas pela Caixa no segundo semestre desse ano, entre eles a peça Gritos, da Cia Dos à Deux, e uma mostra sobre a cineasta Dorothy Arzner, única mulher diretora de cinema a conseguir se consagrar em Hollywood nos EUA nos anos 1930.
O MPF divulgou a ação contra a Caixa no mesmo dia em que a Folha de S. Paulo publicou uma reportagem apontando que a instituição criou um sistema de censura prévia, implementando novas regras para aprovação de projetos, exigindo que fossem incluídas, entre as informações submetidas, detalhes como a opinião política dos artistas e atitudes deles nas redes sociais.
À BBC News Brasil, a Caixa afirma que "o contrato com o grupo Clowns de Shakespeare foi rescindido por descumprimento contratual, conforme já comunicado ao grupo" e que o evento sobre Dorothy Arzner "ainda não foi contratado e está em análise pelo banco".
Também diz que "não houve alteração no processo de seleção do Programa de Ocupação dos Espaços da Caixa Cultural". "A seleção dos projetos envolve etapas de avaliação por consultores externos com reconhecimento no meio cultural e por empregados da Caixa Cultural", diz a instituição em nota.
Enquanto juntam provas para os processos e esperam decisões da Justiça, os artistas estão se mobilizado também no campo político — e artístico. "Vamos continuar produzindo peças e obras, fazendo esse protesto no campo artístico. Porque a arte pode ser uma pressão também", afirma Eduardo Barata, da APTR.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Piso salarial para professor: ele existe, mas nem todo mundo paga


Notas de real e moedas empilhadas
Foto: Getty Images

Segundo estimativas apenas 45% dos 5.570 municípios brasileiros pagam salário de pelo menos o valor do piso nacional dos professores.

O professor é o principal protagonista de uma Educação de qualidade. Porém, são poucos os que desejam seguir a carreira docente no país. Em 2015, apenas 2,4% dos jovens de 15 anos queriam ser professores na Educação Básica, de acordo com o levantamento feito pelo Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (IEDE).
Boas condições de trabalho (incluindo a remuneração) e um plano de carreira estruturado são essenciais para atrair os alunos mais talentosos do Ensino Médio para a profissão de professor. No entanto, de acordo com estimativas, menos da metade dos municípios brasileiros paga um salário de pelo menos o valor do piso nacional.
E, por muito tempo não havia sequer a garantia de um piso remuneratório padronizado em todo o país. O piso tornou-se obrigatório com a
Lei n° 11.738, de 16 de julho de 2008, que instituiu o Piso Salarial Profissional Nacional. A lei garante um vencimento inicial mínimo para todos aqueles que desempenham as atividades de docência ou de suporte pedagógico à docência (direção ou administração, planejamento, inspeção, supervisão, orientação e coordenação educacionais), exercidas nas unidades escolares de Educação Básica, em suas diversas etapas e modalidades, com a formação mínima pela Lei Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Prevê um valor (R$ 2.557,74, em 2019) abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Munícipios não poderão fixar o vencimento inicial de nenhum professor com formação em nível médio, na modalidade Normal, para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais, obedecendo-se a proporcionalidade em casos de jornada diferenciada.
A atualização do piso é atrelada ao percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do Ensino Fundamental urbano, definido nacionalmente pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). De lá para cá, o piso salarial teve a seguinte evolução:
 Gráfico mostra evolução do piso salarial dos professores
O estudo “Planos de Carreira de Professores dos Estados e do Distrito Federal, em perspectiva comparada”, lançado neste ano pelo Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), demonstrou, ao analisar o vencimento inicial praticado pelos Estados brasileiros em 2017, que a maioria deles cumpre o piso salarial:
Gráfico mostra a amplitude entre o salário inicial e o salário final de professores, estado a estado 
Todavia, o mesmo não acontece na maioria dos munícipios brasileiros. Segundo aponta o Globo, com base em levantamento feito pelo MEC, estima-se que apenas 2.533 dos Municípios de todos os Estados, incluindo o Distrito Federal, paguem um salário aos professores de pelo menos o valor do piso nacional. Isso representa 45% do total de 5.570 municípios brasileiros.
Apesar de o descumprimento do piso salarial ser ilegal, não há a previsão de uma punição na lei do piso salarial nacional. Os entes da Federação e os gestores públicos que deixarem de pagá-lo estão sujeitos, contudo, à adoção de medidas por parte do Ministério Público. Uma inovação criada por meio de um Termo de Cooperação Técnica firmado entre o Ministério Público Federal (MPF) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), em 1º de dezembro 2015, facilitará a fiscalização do MPF sobre o pagamento do piso nacional a partir de agora. Por meio desse Termo de Cooperação, operacionalizado recentemente, o Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos de Educação (SIOPE), que passou por uma reformulação, contará com novos campos de preenchimento obrigatórios por todos os entes federativos, dentre eles o vencimento básico, carga horária e local de exercício dos profissionais de Educação Básica vinculados aos Estados, Distrito Federal e Municípios pagos com recursos do FUNDEB. 

Carreira atrativa

Mesmo com a garantia do piso salarial e o aprimoramento dos mecanismos de controle e fiscalização, fica a pergunta: ele é suficiente para melhorar a atratividade da carreira de professor?
Ainda que a lei do piso salarial tenha contribuído para a melhoria da remuneração dos professores no Brasil, ela ainda está muito distante daquilo que é praticado em outros países e aquém de um patamar comparável a outras carreiras.
A Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem – TALIS feita pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômica), divulgada em junho deste ano, mostra que o Brasil está dentre as últimas posições de um ranking de 48 países. Não é à toa que quase 30% dos professores realizam alguma atividade extra para complementar a renda familiar. 
Além disso, o rendimento médio dos professores é pouco competitivo frente a outras profissões que demandam nível superior. Segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica 2019, do Todos pela Educação, em 2018, o rendimento médio dos professores da Educação Básica correspondia a 69,8% do salário médio de outros profissionais com curso superior e, ao longo da carreira, essa defasagem salarial aumenta cada vez mais.
A progressão da remuneração ao longo da carreira é um fator importante para reverter o quadro de baixa atratividade. Tanto é que a meta 18 da Lei do Plano Nacional de Educação (PNE) prevê que deveria ser assegurado “no prazo de 2 anos, existência de planos de carreira para os profissionais da Educação Básica e superior pública de todos os sistemas de ensino e, para o plano de carreira dos profissionais da Educação Básica pública, tomar como referência o piso salarial nacional profissional, definido em lei federal”.
O estudo já mencionado sobre os “Planos de Carreira de Professores dos Estados e do Distrito Federal, em perspectiva comparada”, demonstra a pequena amplitude salarial do início ao final da carreira de professor.
Gráfico de dispersão salarial
Segundo o INEP e o MEC, a análise dos 8 estados com amplitude do vencimento básico superior a 150% indica que em 6 deles a causa reside na atribuição de um peso significativamente alto a um critério específico. O Amazonas e o Espírito Santo atribuem, respectivamente, peso de 160% e 79% ao critério “título de doutorado”. A Bahia atribui peso de 109% ao critério “aperfeiçoamento”. São Paulo, por sua vez, atribui peso de 101% ao critério de conhecimento docente”. O Amapá, estado com maior amplitude temporal da carreira (37,5 anos), atribui peso de 103% para a combinação “tempo de serviço” e “avaliação de desempenho”. A amplitude no Paraná é explicada pelo peso de 114% ao critério “certificação”.
Já o Rio Grande do Norte e o Ceará, apesar de terem uma amplitude alta, apresentam pesos balanceados entre seus critérios de progressão. Os achados da pesquisa indicam que os planos de carreira mantêm a prevalência de uma estrutura pouco rígida em termos de organização e jornada de trabalho, assim como um peso excessivo em critérios de progressão tradicionais (titulação e tempo de serviço). É importante que os planos de carreira incentivem o desenvolvimento profissional docente em prol da aprendizagem dos alunos.
Se o professor é um fator essencial para uma Educação de qualidade no país, é fundamental que haja vontade política para estruturar uma carreira mais atraente para essa profissão, com maior remuneração e progressão ao longo dos anos atrelada ao desenvolvimento profissional e à aprendizagem dos alunos. É preciso valorizar o profissional responsável por auxiliar o país a dar um salto em seu desenvolvimento social e econômico.
Alessandra Gotti é fundadora e presidente-executiva do Instituto Articule. Advogada e Doutora em Direito Constitucional pela PUC/SP. Consultora da Unesco e Conselho Nacional de Educação.
POR:
Alessandra Gotti Nova Escola.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

O descuido sem limites



Não se trata de apenas escolher práticas e defender ideias. Os governos deveriam ficar atentos aos direitos fundamentais, não se descuidar do meio ambientes, lutar contra violências e responder sem cinismo às demandas da sociedade. As ações de Jair parecem cômicas e fora de qualquer previsão. Não passam confiança e criam uma atmosfera trágica com contradições e gestos perversos. Os acontecimentos mostram que não há cuidado. Quem estaria interessado em tantas turbulências? Por que se atacam maiorias e se derrubam as invenções culturais? As hipocrisias são propositais?
Os mares estão poluídos de forma brutal. Há protestos, mobilizações, desempregos, sofrimentos e o governo sacode fora as providências para reverter os danos. Os ministros culpam a Venezuela, não se ligam nos pareceres técnicos. O desastre é imenso. Dói e afeta uma região inteira com prejuízos amplos e permanentes. O governo procura disfarces. Busca negar os impactos. Despreza sentimentos, destrói futuros, mostra a sobrevivência de ressentimentos eleitorais. Desenham mistérios, intriga-se com defensores da ecologias e usa as máscaras de sempre.
Temos uma tragédia de dimensões assustadoras. Jair come miojo e afirma que a China é uma pais capitalista. Sorri como uma hiena para uma plateia selecionada. Seguem as denúncias de negligências, de total antipatias pelo Nordeste. Os abismos são profundos. Não há prazos para contornar os desmantelos. Os grupos políticos tergiversam, pouco observam a questão social. A vida está exposta numa morte anunciada. As portas estão abertas para o imprevisível diante de tantas imagens de desespero e incógnitas multiplicadas.
As resistências não se foram. O governo abandona seus deveres, mas a sociedade se inquieta e luta para desfazer a repercussão do desastre no equilíbrio do meio ambiente. Muitos afirmam que o fascismo se reinventa, com opressões dantescas e armadilhas variadas. O mundo se preocupa com a expansão do consumo e o aumento das especulações financeiras. Há perplexidades que circulam e empurram os afetos par o territória da depressão. Não só no Brasil os desfazeres se ampliam. A história traça travessias desafiantes. Há que visualize o caos e convoquem os deuses para compor a sinfonia do juízo final. Não se pode negar as tensões. Ela trazem medos e pesadelos. Paulo Rezende. A astúcia de Ulisses
Professor Edgar Bom Jardim - PE

UFPE comandará programa na Antártica


Navio Polar Almirante Maximiano embarca rumo à Antártica
Navio Polar Almirante Maximiano embarca rumo à AntárticaFoto: Carlos Lentini/Divulgação
Pela primeira vez uma universidade do Norte/Nordeste do Brasil comandará um projeto do Programa Antártico Brasileiro (Proantar). O vice-reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Moacyr Araújo, que também é professor do Departamento de Oceanografia da instituição, embarca nesta sexta-feira (1º) para a Antártica, onde irá coordenar as atividades da equipe interdisciplinar do Projeto Mephysto. O vice-coordenador do projeto é o professor Jailson Bittencourt, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). O objetivo principal é analisar a dinâmica de vórtices e meandros na confluência entre duas correntes, a Corrente do Brasil e a Corrente das Malvinas.

Serão observados aspectos físicos, químicos e biológicos, como medições de poluentes, temperatura, salinidade, correntes e a de água para análise de plâncton e de microplásticos, entre outros indicadores, dentro e fora dos vórtices. A equipe de dez pesquisadores partirá de Punta Arenas, no sul do Chile, e permanecerá embarcada por aproximadamente três semanas.

De acordo com o vice-reitor da UFPE, Moacyr Araújo, os vórtices terminam se transformando em verdadeiro oásis de biodiversidade dentro do oceano. "Não podemos nunca esquecer que o oceano, do ponto de vista de vida, é mais desértico do que o deserto do Saara. São em pouquíssimas regiões do oceano que se produz a grande quantidade de peixes", comentou. Segundo Araújo, dentro desses vórtices existe uma modificação também da troca de calor entre o oceano e a atmosfera.

Ainda segundo o professor, outro aspecto importante a ser observado durante a viagem é que nessas regiões onde se formam esses vórtices existe uma alteração na troca de gases entre o oceano e a atmosfera. "Estou falando não apenas de oxigênio, mas estou falando também de CO2, que é um gás de efeito estufa. Então, estamos querendo compreender mais e quantificar a influência dessas estruturas, que a gente chama estrutura de mesoescala presente nos oceanos", disse.

O projeto intitulado “Biocomplexidade e Interações Físico-Químico-Biológicas em Múltiplas Escalas no Atlântico Sudoeste” visa assim relacionar padrões de turbulência a determinados espécies de plâncton para elucidar as razões pelas quais a região da Confluência Brasil-Malvinas (CBM) é considerada um “hotspot” de diversidade fitoplanctônica. A iniciativa envolve um esforço conjunto entre 11 instituições, sendo sete nacionais (quatro do Nordeste, uma do Sul e duas do Sudeste) e quatro internacionais (duas americanas, uma japonesa e uma italiana).

Moacyr Araújo explicou que todos os anos pesquisadores do Norte/Nordeste participam, mas sempre associados a outros projetos coordenados por universidades do Sul e Sudeste. Contudo, ele ressalta a importância da UFPE e UFBA estarem desta vez na coordenação. "Acho fundamental porque mostra que existe uma capacidade instalada também científica no Norte e Nordeste do Brasil para trabalhar em regiões que também são diferenciadas", comentou.

Por: Wellington Silva /Folha de Pernambuco.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Ditadura de Plantão:4 ataques (e recuos) da família Bolsonaro a instituições democráticas


Jair BolsonaroDireito de imagemAGÊNCIA BRASIL
Image captionO presidente Jair Bolsonaro disse que seu filho Eduardo estava "sonhando" ao falar em um 'novo AI-5'
Ataques à imprensa, reedição do ato da ditadura militar (AI-5) que levou à cassação de opositores no Congresso, pressões pela prisão em segunda instância e fechamento do Supremo Tribunal Federal.
Declarações controversas do presidente Jair Bolsonaro e de seus filhos Eduardo e Carlos contra instituições democráticas têm gerado uma série de reações inflamadas de políticos, magistrados e entidades de classe.
A dimensão da repercussão tem levado a alguns recuos da família, mas estes parecem apenas anteceder a polêmica seguinte.
Na quarta-feira (30), Bolsonaro ameaçou não renovar a concessão pública da TV Globo depois que a emissora veiculou reportagem sobre uma citação ao presidente na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco. Horas depois, ele disse não ter feito ameaças e negou liderar uma ditadura.
No dia seguinte, o presidente anunciou o cancelamento de todas as assinaturas do jornal Folha de S.Paulo no âmbito do governo federal e fez ameaças aos anunciantes do veículo. "Não vamos mais gastar dinheiro com esse tipo de jornal. E quem anuncia na Folha de S.Paulo presta atenção, está certo?", disse Bolsonaro em uma live nas redes sociais
Na mesma quinta-feira, o deputado federal Eduardo Bolsonaro afirmou que, caso o Brasil enfrentasse protestos de rua como o Chile, a resposta poderia ser um AI-5, medida de 1968 que endureceu a ditadura militar brasileira.
"Os ventos, pouco a pouco, estão levando embora os ares democráticos", afirmou o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, à Folha.
A principal tese defendida pelos autores do livro best-seller Como as Democracias Morrem é que os sistemas democráticos passaram a declinar com ataques sutis e coordenados contra instituições, e não mais com os tradicionais tanques nas rua e fechamento do Congresso.
"Muito frequentemente, quando um populista chega ao poder, você vê rapidamente uma crise institucional entre um presidente e o Congresso, o Judiciário, a imprensa. E isso leva ao colapso da democracia", afirmou Steven Levitsky, professor da Universidade Harvard e um dos autores da obra, em entrevista à BBC News Brasil em 2018. "E é claramente o caso de Bolsonaro."

Reedição do AI-5

A reação mais forte às declarações da família Bolsonaro ocorreu depois que o deputado federal mais votado do país, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), afirmou em entrevista que o governo poderá reagir com um "novo AI-5" caso haja "radicalização" por parte de militantes de esquerda. A declaração foi dada após uma pergunta sobre os protestos que estão ocorrendo no Chile.
"Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta, ela pode ser via um novo AI-5. Pode ser via uma legislação aprovada através de plebiscito, como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada", disse ele em entrevista ao canal da jornalista Leda Nagle no YouTube.
O Ato Institucional nº 5 (AI-5) foi um decreto assinado pelo então presidente Artur da Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968 que dava a ele próprio o direito de fechar o Congresso.
PM reprime confronto entre estudantes da USP e Mackenzie na região central de São Paulo, em 1968Direito de imagemARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SP
Image captionPM reprime confronto entre estudantes da USP e Mackenzie na região central de São Paulo, em 1968
A instauração da medida levou à cassação de deputados opositores da ditadura militar, suspensão de garantias constitucionais dos cidadãos e fim do habeas corpus para pessoas acusadas de cometerem crimes com motivação política.
A declaração de Eduardo Bolsonaro foi recebida com manifestações de repúdio de partidos de todo o espectro ideológico — desde o Democratas até o PSOL. Parlamentares do próprio PSL também se manifestaram contra Eduardo. Os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal reagiram com veemência.
O filho do presidente acabou desautorizado publicamente pelo próprio pai horas depois. "Não apoio. Quem quer que seja que fale em AI-5 está sonhando. Está sonhando, está sonhando. Não quero nem ver notícia nesse sentido aí." E completou: "Cobrem vocês dele, ele é independente". Segundo Bolsonaro, "qualquer palavra nossa vira um tsunami".
Em seguida, Eduardo decidiu conceder uma entrevista ao programa Brasil Urgente, da Band, para recuar da declaração e pedir desculpas ao tratar de um "cenário hipotético".
"Eu talvez tenha sido infeliz em falar do AI-5, porque não existe qualquer possibilidade de retorno. Mas nesse cenário, o governo tem que tomar as rédeas da situação, não pode simplesmente ficar refém de grupos organizados para promover o terror."
Foto ampla mostra plenário da Câmara dos DeputadosDireito de imagemPABLO VALADARES/CÂMARA DOS DEPUTADOS
Image captionConstituição prevê ao mesmo tempo a chamada 'imunidade parlamentar', mas também perda de mandato por 'quebra de decoro' ou por 'abuso das prerrogativas' dos congressisas
Ele afirmou também que por ter sido "democraticamente eleito, não convém a mim, não é interessante, a radicalização."
A declaração do parlamentar foi alvo de uma série de representações no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados e pode, em última instância, levar à cassação do mandato dele. Foram apresentadas ações contra ele também no Supremo Tribunal Federal sob acusação de "Incitar publicamente ato criminoso", crime previsto no Código Penal.

Ameaças à concessão da TV Globo

Bolsonaro fez uma série de ataques à TV Globo depois que a emissora publicou no último dia 29 uma reportagem sobre uma citação ao presidente por uma testemunha da investigação do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.
Segundo o Jornal Nacional, o porteiro do condomínio onde Bolsonaro morava no Rio de Janeiro afirmou à Polícia Civil que um dos acusados de participação direta nos homicídios visitou o local no dia do crime e pediu para ir à casa do presidente (e teria sido autorizado a entrar no condomínio por "Seu Jair", segundo a testemunha).
No dia seguinte, o Ministério Público do Rio de Janeiro classificou essa citação no depoimento como falsa, porque não constava no sistema de gravações de interfone do condomínio a ligação para a casa de Bolsonaro. Só que o órgão não deu indícios de ter sequer investigado a possibilidade de o áudio ter sido apagado, e uma das promotoras fez campanha para Bolsonaro em 2018.
Horas depois da veiculação da reportagem da Globo, Bolsonaro fez uma transmissão ao vivo em sua conta no Facebook na qual fez ameaças ao processo de renovação da concessão pública da emissora.
"Teremos uma conversa em 2022", disse o presidente, que estava em visita oficial à Arábia Saudita, se referindo ao prazo de renovação da concessão. "Eu tenho que estar morto até lá. Porque o processo de renovação da concessão não vai ter perseguição, Nem pra vocês nem pra TV nem rádio nenhuma. Mas o processo tem que estar enxuto, tem que estar legal. Não vai ter jeitinho pra vocês, nem para ninguém. É essa a preocupação de vocês? Continuem fazendo essa patifaria contra o presidente Bolsonaro e sua família. Continua, TV Globo!", disse o presidente, aos gritos.
Marielle FrancoDireito de imagemMÁRIO VASCONCELLOS/CMRJ
Image captionA vereadora carioca Marielle Franco, assassinada em março de 2018 juntamente com o motorista Anderson Gomes
Horas depois, questionado por jornalistas, ele negou que tenha feito ameaças à imprensa.
Perguntado pela BBC News Brasil se não teme comparações com Hugo Chavéz, mandatário venezuelano que em 2007 não renovou a concessão da RCTV, emissora de maior audiência no país, após discordar da cobertura do canal sobre seu governo e acusá-la de ser "golpista".
"Ô, ô, ô, aqui não tem ditadura, aqui não tem ditadura", rebateu o presidente brasileiro. "Qualquer concessão tem que cumprir a lei, nada mais além disso. Nunca, em nenhum momento, partiu de mim nenhuma ameaça a qualquer órgão de imprensa no Brasil."
A decisão por uma não renovação ou aprovação de uma concessão passa inicialmente pelo Poder Executivo, mas precisa ser autorizada por dois quintos do Congresso Nacional.

Prisão em segunda instância e leão cercado por hienas

Na terceira vez em pouco mais de dez anos, o Supremo Tribunal Federal pode mudar seu entendimento sobre o momento em que o réu deve começar a cumprir a pena a que foi condenado.
Até 2016, era preciso esperar o "trânsito em julgado", com o fim de todos os recursos disponíveis em tribunais superiores. Naquele ano, porém, o STF entendeu que o réu pode começar a cumprir pena logo depois da decisão da segunda instância do Judiciário.
Agora, novamente, a Corte pode rever mais uma vez este entendimento, decisão com potencial de tirar da cadeia milhares de pessoas hoje presas, entre elas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
LulaDireito de imagemREUTERS
Image captionO resultado da decisão do STF deve afetar os casos envolvendo o presidente Lula
Em meio ao debate inflamado na mídia e nas redes sociais, o perfil do presidente Jair Bolsonaro no Twitter publicou em 17 de outubro uma defesa do cumprimento da pena imediatamente após condenação em segunda instância.
"Aos que questionam, sempre deixamos clara nossa posição favorável em relação à prisão em segunda instância. Proposta de Emenda à Constituição que encontra-se no Congresso Nacional sob a relatoria da Deputada Federal @CarolDeToni."
A mensagem foi recebida por autoridades como uma tentativa de pressão sobre os poderes Judiciário e Legislativo, e foi apagada logo depois.
Responsável pelas redes sociais do pai, o vereador Carlos Bolsonaro pediu desculpas pela publicação. "Eu escrevi o tuíte sobre segunda instância sem autorização do Presidente. Me desculpem a todos! A intenção jamais foi atacar ninguém! Apenas expor o que acontece na Casa Legislativa!"
No dia 28 do mesmo mês, uma nova mensagem foi publicada e em seguida apagada das redes sociais de Jair Bolsonaro.
Plenário do STFDireito de imagemSTF
Image captionSe a prisão em segunda instância se concretizar, será a terceira mudança em pouco mais de dez anos
O vídeo veiculado trazia um leão identificado como Bolsonaro e cercado por hienas identificadas como PT, STF, OAB, ONU e veículos de imprensa, entre outros. Decano do Supremo, Celso de Mello afirmou que "o atrevimento presidencial parece não encontrar limites".
Horas depois, Bolsonaro, que havia autorização a publicação do vídeo, pediu desculpas públicas à Corte. "Me desculpo publicamente ao STF, a quem por ventura ficou ofendido. Foi uma injustiça, sim, corrigimos e vamos publicar uma matéria que leva para esse lado das desculpas. Erramos e haverá retratação."

Fechar Supremo com cabo e soldado

Em julho de 2018, Eduardo Bolsonaro afirmou em um cursinho no Paraná para candidatos de um concurso da Polícia Federal que bastariam um soldado e um cabo para fechar o Supremo Tribunal Federal. O vídeo veio à tona em outubro.
O parlamentar fez sua declaração após ser questionado sobre uma hipotética possibilidade do STF de impedir que Bolsonaro assumisse a Presidência da República em caso de vitória nas eleições.
"Aí já está caminhando para um estado de exceção. O STF vai ter que pagar para ver e aí vai ser ele contra nós. Se o STF quiser arguir qualquer coisa, sei lá, recebeu uma doação ilegal de R$ 100 do José da Silva, pô, impugna a candidatura dele. Não acho improvável, não, mas aí vai ter que pagar para ver. Será que vão ter essa força mesmo?", disse.
Rosa WeberDireito de imagemROSINEI COUTINHO/STF
Image captionMinistra do STF e do TSE, Rosa Weber disse que magistrados não se deixar abalar por declarações do tipo
"Cara, se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo, não." E completou: "O que é o STF? Tira o poder da caneta de um ministro do STF. Se prender um ministro do STF, você acha que vai ter uma manifestação popular a favor do ministro do STF, milhões na rua?"
A declaração gerou reação dura nas cortes superiores. "Juiz algum no país, juízes todos no Brasil (que) honram a toga, se deixam abalar por qualquer manifestação que eventualmente possa ser compreendida como conteúdo inadequado", afirmou Rosa Weber, ministra do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
"As declarações do deputado Eduardo Bolsonaro merecem repúdio dos democratas. Prega a ação direta, ameaça o STF", declarou o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso.
Questionado sobre o assunto, o então candidato à Presidência Jair Bolsonaro desautorizou o filho Eduardo: "Isso não existe. Se alguém falou em fechar o STF, precisa consultar um psiquiatra. Desconheço. Duvido. Alguém tirou de contexto".
Ante a repercussão, Eduardo Bolsonaro afirmou que a declaração "não era motivo para alarde" e que as reações eram "mais uma forçação de barra para atingir Jair Bolsonaro".
Com informações da BBC

Professor Edgar Bom Jardim - PE