segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Danos do óleo no litoral do Nordeste vão durar décadas, dizem oceanógrafos



Voluntários e funcionários públicos limpam manchas de óleo em pedrasDireito de imagemVICTOR UCHÔA/BBC BRASIL NEWS
Image captionOceanógrafos, químicos e autoridades estaduais avaliaram o impacto da movimentação da mancha pela costa do Nordeste
"A contaminação química dura muito mais tempo do que aquilo que a poluição visual pode sugerir."
Essa não é uma afirmação boa de ouvir, quando se trata da mancha de óleo que atinge boa parte do litoral brasileiro desde 30 de agosto, mas é a realidade expressada pela oceanógrafa Mariana Thevenin, uma das articuladoras do grupo de voluntários Guardiões do Litoral, que se formou em Salvador para limpar praias, estuários e manguezais desde que a contaminação chegou à costa da Bahia.
Em um cenário ideal, aponta Thevenin, o derivado de petróleo deveria ter sido barrado antes de chegar à areia e entrar pelos rios. Entretanto, se o óleo já chegou à costa, a limpeza deve ser feita na maior velocidade possível, na tentativa de evitar que ele volte para o mar com o movimento das marés ou que as substâncias tóxicas ali contidas se entranhem nos variados sedimentos costeiros.
Ainda assim, não se pode criar ilusões. Mesmo quando, para os olhos, parece limpo, o risco pode seguir oculto por muitos anos.
"Essas substâncias contaminam todos os organismos do ambiente e isso facilmente cai na cadeia alimentar. Um pequeno peixe, por exemplo, pode comer algo que esteja contaminado. Isso entra na cadeia até chegar no peixe que consumimos", alerta Thevenin, criadora do perfil Oceano para Leigos, no Instagram
Nos noves Estados do Nordeste, já são 200 localidades atingidas pelo óleo, de acordo com a atualização feita no sábado (19/10) pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Oceanógrafos, químicos e autoridades estaduais ouvidos pela BBC News Brasil avaliaram o impacto da movimentação da mancha pela costa do Nordeste, após a chegada à Baía de Todos os Santos, em Salvador.
Até chegar ali, o óleo já havia deixado um rastro tóxico por milhares de quilômetros e atingido os mangues e corais dessa região em uma etapa mais avançada de degradação — um tipo de contaminação que é mais difícil de ser limpa e que permanecerá durante anos no meio ambiente, segundo os especialistas.

Degradação lenta

O petróleo cru, ainda que seja altamente tóxico, é uma substância orgânica. Dessa forma, ele pode ser degradado através de fatores naturais, como a rebentação das ondas (que dispersam o material), a irradiação solar (que evapora determinados componentes) e até mesmo bactérias que se alimentam do carbono contido no material. O problema, nesse caso, é o tempo.
"A degradação natural é extremamente lenta. A depender do ambiente, leva décadas. Em áreas onde já ocorreram derrames, temos análises feitas anos depois do episódio e ainda assim é detectada a toxicidade. Por isso seria importante evitar que esse óleo chegasse na costa", diz Carine Santana Silva, que é oceanógrafa, pesquisadora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e especialista em petróleo e meio ambiente.
Com Farol de Itapuã ao fundo, voluntários trabalham na limpeza do óleo em SalvadorDireito de imagemVICTOR UCHÔA/BBC NEWS BRASIL
Image captionCom Farol de Itapuã ao fundo, voluntários trabalham na limpeza do óleo em Salvador
Além do risco na cadeia alimentar, as pessoas também estão sujeitas a entrar em contato direto com os contaminantes que permanecerem no ambiente.
Isso pode acontecer em uma simples caminhada pela areia da praia ou no banho de mar, tocando involuntariamente em resíduos de óleo ou inalando os gases liberados por eles.
"O monitoramento das regiões atingidas precisa ser feito por anos, com análises constantes, para garantir que as pessoas não estão frequentando zonas intoxicadas", adverte Carine Silva.
A Bahia Pesca, órgão governamental responsável pelo fomento da atividade no Estado, produziu um relatório preliminar após monitoramento em áreas pesqueiras já atingidas pelo óleo.
"Neste ambiente vivem animais que estarão em contato direto com o poluente e têm grande importância econômica, como caranguejos, aratus, sururu, lambretas. A mariscagem será afetada diretamente nesses locais, visto que, com a presença de óleo, a recomendação é a paralisação da pesca. O comércio de organismos aquáticos dessas áreas ficará comprometido. A pesca como um todo deverá ser impactada, tendo em vista que os consumidores foram alertados para não adquirirem produtos pesqueiros", indica o documento.
De acordo com a estatal, o monitoramento seguirá sendo feito durante e após a crise, inclusive com análise química de potenciais contaminantes em peixes e mariscos a serem coletados.

Sem medição

No petróleo, estão contidos compostos orgânicos voláteis (COVs) e hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs), ambos altamente tóxicos e cancerígenos.
Os COVs evaporam com relativa rapidez, mas os hidrocarbonetos se mantêm íntegros por muito tempo. Para o mais famoso deles, o benzeno, a resolução 357 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) determina um limite que vai de 0,051 mg a 0,7 mg por litro de água salgada. Passando disso, já impacta a biota marinha e a saúde humana — ainda não existe resultado de medição na Bahia após a chegada do óleo.
"Os governos não querem fazer alarde porque um caso como esse afeta o turismo, mas existe a questão da saúde, tanto de quem frequenta praias como de quem trabalha nessas zonas, mariscando, pescando, vendendo", observa a química Sarah Rocha, que atua no laboratório da pós-graduação em Petróleo, Energia e Meio Ambiente da UFBA.
Voluntário com luva e máscara trabalha sobre manchas de óleo em pedrasDireito de imagemVICTOR UCHÔA/BBC BRASIL NEWS
Image captionNas áreas contaminadas vivem animais em contato direto com o poluente e têm grande importância econômica, como caranguejos, aratus, sururu, lambretas
"Essas pessoas vão ficar em contato com esses resíduos por muito tempo, porque há também uma sustentação financeira em jogo. É muito difícil, por exemplo, que esses mariscos deixem de ser recolhidos para venda e é certo que muita gente vai ingerir alimentos contaminados", acrescenta ela.
Sarah Rocha integra a equipe que vem fazendo análises de amostras do óleo que tem chegado à Bahia, verificando sua origem e seu estado físico-químico. Segundo ela, o material que toca as praias já chega bem degradado, tendo passado por seguidas intempéries, e resta somente a fase da degradação bacteriana — justamente a mais demorada.
"Notamos que essas amostras têm pouca solubilidade em água. Então, o que não for retirado, ainda vai parar no fundo do mar, sem ninguém ver, contaminando mais esse ambiente."

Manguezais e corais ameaçados

As Cartas de Sensibilidade Ambiental ao Óleo (Cartas SAO), publicação do Ministério do Meio Ambiente, indicam os níveis de sensibilidade de cada ecossistema costeiro e marinho no Brasil, servindo como um guia para ações que visem a mitigar os impactos de desastres como o do momento.
No documento está indicado, por exemplo, que os manguezais e recifes de coral têm sensibilidade nível 10, o mais alto na escala das Cartas SAO. Desse modo, deveriam ser as zonas prioritárias nas ações de contenção do óleo.
A Bahia foi o último Estado do Nordeste a ser atingido pelo derramamento, mais de um mês após o primeiro registro oficial, na Paraíba. Ainda assim, nenhuma barreira de contenção foi montada como medida preventiva.
Pelo menos duas áreas de extensos manguezais baianos já foram atingidas, nas barras dos rios Itapicuru e Pojuca, ambas no litoral norte. Além disso, o óleo já penetrou na Baía de Todos os Santos — maior do país e segunda maior do mundo —, margeada por dezenas de manguezais, bancos de coral e estuários.
"Em áreas lamosas como os mangues, que têm pouca movimentação de água e sedimentos mais finos, é mais difícil fazer a limpeza. Esse óleo entra nos buracos e se mistura com o sedimento. São décadas para o ambiente degradar (o óleo)", afirma Mariana Thevenin.
Raízes manchadas de óleo em mangue na BahiaDireito de imagemMATEUS MORBECK
Image captionPelo menos duas áreas de manguezais baianos foram atingidas, nas barras dos rios Itapicuru e Pojuca, no litoral norte; na foto, mangue de Itacimirim, nessa região
Carine Silva compartilha a preocupação. "Onde bate a onda, a abrasão dispersa o material. A areia também não tem tendência geoquímica de reter os resíduos. Mas no mangue a permanência é bem maior, porque é uma área porosa, que prende o contaminante."
"Nos próximos anos, vai ser bem complicado o consumo nestas regiões, porque esses ecossistemas são zonas de reprodução de muitas espécies e abrigam outras tantas que vivem enterradas no sedimento, como ostras, sururu e chumbinho. Justamente onde a contaminação vai impregnar", emenda a oceanógrafa.

Demora no combate

Para Carine, através das Cartas SAO, poderiam ser identificadas até mesmo "áreas de sacrifício", para onde o óleo seria direcionado se houvesse o entendimento que era impossível detê-lo. Mas, sem acionamento de um plano de contingência, o que se vê é um espalhamento da matéria por variadas zonas, sejam elas mais ou menos sensíveis.
Na sexta-feira (18/10), o Ministério Público Federal (MPF), com aval dos procuradores dos noves Estados nordestinos, entrou com uma ação contra a União alegando omissão no caso das manchas de óleo.
O pedido era de que, em 24 horas, fosse colocado em prática o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Água (PNC), criado em 2013. A multa diária prevista é de R$ 1 milhão em caso de descumprimento.
"Afinal, tudo que se apurou é que a União não está adotando as medidas adequadas em relação a esse desastre ambiental que já chegou a 2.100 quilômetros dos nove Estados da região", diz a ação.
Ainda na sexta, o Ministério do Meio Ambiente divulgou nota afirmando que "as ações do Plano Nacional de Contingência (PNC) e do Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA) estão em pleno funcionamento".
Caranguejo em mangue repleto de lamaDireito de imagemMATEUS MORBECK
Image captionEm áreas de lama como os mangues, com pouca movimentação de água e sedimentos mais finos, é mais difícil fazer a limpeza
"Não há nenhuma demora de nenhum órgão. Todos estão trabalhando de maneira ininterrupta, desde o aparecimento da mancha no dia 2 de setembro. Não se poupou nenhum esforço", afirmou o ministro Ricardo Salles no comunicado da pasta.
À BBC News Brasil, o superintendente do Ibama na Bahia, Rodrigo Alves, disse que o monitoramento das praias é feito diariamente, o que indica onde devem ser concentrados os esforços de limpeza.
Argumentando que o óleo cru tem se movido sob a superfície do mar, o que só permite sua visualização quando toca a costa, Alves diz que "é difícil prever onde montar as bóias de contenção".
Em seguida, enfatizou que toda a operação de monitoramento e limpeza deveria estar sendo custeado pelo agente poluidor, ainda não identificado.

Limpeza

Diante de toneladas de um material tão tóxico, pode parecer contraditório, mas, se o óleo não foi barrado no mar e já chegou nas praias, rios e mangues, a indicação é que a limpeza seja feita mesmo manualmente — com todos os equipamentos de proteção necessários (botas e luvas de PVC, calça, camisa de manga comprida e máscara para poeira ou gás, a depender do volume de óleo).
Como estes são ecossistemas delicados, o uso de maquinário pesado pode fazer com que os contaminantes fiquem compactados e ainda mais incrustados nos sedimentos.
Na artigo "How to clean a beach", publicado pela revista Nature, o biólogo John Whitfield consegue até manter algum bom humor: "pessoas com pás e peneiras são as únicas ferramentas sensíveis o suficiente para remover o óleo enquanto protegem o solo e os organismos ao redor".
Ou seja, para tentar mitigar uma contaminação invisível no futuro, é preciso meter a mão nos contaminantes no presente.
Mais ainda: toda a população terá que se manter alerta por um longo período e cobrar dos órgãos governamentais monitoramento periódico das praias, peixes e mariscos. Pois, como resume Carine Silva, "o senso comum é achar que porque não estamos vendo, não existe. Mas, neste caso, o perigo está justamente no que não vemos"
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Brasil:com Congresso prestes a aprovar previdência mais dura para civis, reforma branda para militares patina



Foto desfocada mostra prédio do Congresso em Brasília no anoitecerDireito de imagemPEDRO FRANÇA/AGÊNCIA SENADO
Image captionReforma da Previdência para civis deve ser aprovada nesta semana no Congresso
A Reforma da Previdência para servidores federais civis e trabalhadores da iniciativa privada deve ser aprovada nesta semana no Congresso Nacional, o que fará grande parte dos brasileiros se aposentar, em média, mais tarde e com benefícios menores do que atualmente. A expectativa é que a proposta, que já foi aprovada pela Câmara dos Deputados, receba o aval final do Senado na terça-feira.
Já a reforma para os integrantes das Forças Armadas - enviada ao Parlamento em março pelo governo de Jair Bolsonaro atrelada a uma reestruturação da carreira que aumenta a remuneração - segue em discussão em uma comissão especial na Câmara, composta, em boa parte, por deputados egressos de carreiras militares.
Críticos da proposta dizem que ela não reduz privilégios dos militares e reclamam do aumento de salários em um momento de corte de gastos. A justificativa das Forças Armadas é que a categoria não recebe reajuste há anos, tendo ficado muito atrás dos ganhos de outras carreiras federais, como juízes, procuradores e auditores fiscais.
Se a proposta for aprovada, a remuneração bruta de um general do Exército, topo da carreira, poderá subir 37%, de R$ 24.786,96 para R$ 33.947,24, a depender dos adicionais que conseguir incorporar, por exemplo, como recompensa por cursos de qualificação.
Já o soldado em início de carreira teria aumento de 18% no mesmo período, com o soldo passando de R$ 1.950,00 para R$ 2.294,50
O deputado Subtenente Gonzaga (PDT-MG), que integra a comissão especial, reconhece que a mudança na aposentadoria dos militares, comparada com a de servidores federais civis e trabalhadores da iniciativa privada, é tímida. A reforma prevê aumento de alíquota (dos atuais 7,5% para 10,5% em 2021) e do tempo mínimo de contribuição de 30 para 35 anos. No entanto, não fixa idade mínima como no caso dos civis, que só poderão se aposentar aos 62 anos, se mulher, e aos 65, se homem.
Dezenas de militares fardados e enfileiradosDireito de imagemTOMAZ SILVA/AGÊNCIA BRASIL
Image captionDiferente do projeto para civis, proposta de aposentadoria para militares mantém benefícios de integralidade e paridade
Além disso, mantém os benefícios de integralidade (se aposentar com a última remuneração) e paridade (continuar a receber na inatividade os reajustes dados aos ativos), já retirados das demais carreiras federais e dos trabalhadores do setor privado. Prevê também regras de transição mais suaves para os que estão na ativa, em relação às dos civis.
"Na verdade, para os militares federais não está havendo reforma da previdência. O que está havendo realmente é aumento salarial, com reestruturação da carreira, porque há muito os militares se ressentem de um tratamento salarial diferente das demais carreiras federais", disse à BBC News Brasil o deputado, que por mais de trinta anos atuou na Polícia Militar de Minas Gerais.
"A (Reforma da) Previdência do conjunto dos servidores (civis) e dos trabalhadores da iniciativa privada, em relação aos militares, está em situação pior. Isso é fato", afirmou ainda Gonzaga.
Gonzaga, porém, diz que essa diferenciação "não é uma questão de certo ou errado", mas uma "avaliação política" por causa das características especiais da carreira, já que os militares assumem, com "risco de vida", a responsabilidade "na garantia do território nacional, da soberania e da democracia".
O projeto de lei enviado por Bolsonaro, ele mesmo militar reformado, prevê aumento de gastos de R$ 86,65 bilhões em dez anos devido à reestruturação da carreira das Forças Armadas e redução de despesas em R$ 97,3 bilhões com inativos e pensionistas no mesmo período. Dessa forma, a economia líquida seria de R$ 10,45 bilhões. No caso da reforma dos civis, a meta era economizar R$ 1 trilhão, mas o valor já caiu para R$ 800 bilhões.

Pontos de discórdia

Um dos pontos que têm gerado discórdia na comissão especial da Câmara é a reestruturação prever aumentos de remuneração maiores para militares no topo da carreira do que para os de patentes mais baixas. A crítica a essa diferença tem unido parte dos deputados do PSL aos partidos de esquerda, como PT, PSOL e PCdoB. O governo argumenta que os reajustes estão atrelados à "meritocracia" na medida em que recompensam os que fizerem cursos de qualificação das Forças Armadas equivalentes a mestrado e doutorado.
O líder da bancada do PSL, deputado Delegado Waldir (GO), que protagonizou embates fortes com Jair Bolsonaro na semana passada, chegou a remover da comissão o líder do governo na Câmara, Vitor Hugo (PSL-GO), por ele estar se mantendo fiel à proposta do governo.
"Não tem aumento para militares de patentes mais altas, o que tem são ajustes nas atividades de escolaridade. É plausível que tenham benefícios maiores em cima dos cursos que fizeram", defende o deputado Coronel Chrisóstomo (PSL-RO).
Ele rebate ainda as outras críticas à reforma dos militares dizendo que a categoria sofreu achatamento de salários no governo de Fernando Henrique Cardoso. Na ocasião, as Forças Armadas perderam benefícios - que críticos consideravam privilégios - como pensão vitalícia às filhas, passagem para a reserva com provento acima do último salário na ativa, licença especial e auxílio-moradia.
"Essa reforma (proposta por Bolsonaro) é em cima da de 2001. Não existe reforma branda, estamos fazendo um esforço hercúleo. Mas aceitamos porque o momento é de cada um dar seu esforço para o país crescer e melhorar", acrescentou.

Policiais militares e bombeiros

Dois policiais armados fazem patrulha de rua com casasDireito de imagemREUTERS/RAHEL PATRASSO
Image captionEntrou também na pauta que tramita no Congresso as regras de aposentadoria dos militares dos Estados
Outro ponto que tem atrasado o andamento da matéria na Câmara foi a decisão de incluir na mudança das regras de aposentadoria das Forças armadas os militares dos Estados (policiais e bombeiros). Se isso for aprovado, uma grande vantagem para essas categorias será assegurar também os benefícios de integralidade e paridade, que hoje só vigora em parte das unidades federativas.
No entanto, o efeito do aumento da contribuição não será o mesmo em todos os Estados, pois alguns já cobram alíquotas maiores da que está sendo proposta. Com isso, em alguns casos, policiais militares e bombeiros serão beneficiados mas as contas públicas serão negativamente afetadas, enquanto em outros, acontecerá o oposto.
O deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), também integrante da comissão, alertou nesta semana que os Estados não têm estimativas ainda do impacto que a inclusão de policiais militares e bombeiros pode ter em suas contas.
A comissão está há duas semanas tentando votar o relatório do deputado Vinicius Carvalho (Republicanos), relator da reforma dos militares, mas o texto segue sendo modificado.
Como a proposta está sendo analisada em "caráter terminativo", se for aprovada na Comissão, pode ir direto para o Senado. No entanto, deputados podem apresentar recurso para levar a matéria ao Plenário da Câmara.
"Se for mantida a diferença de reajuste para praças e militares de patentes mais altas, vamos querer levar a proposta para o plenário", garante o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ)

E a reforma dos civis?

Calculadora e caneta ao lado de papel exibindo gráficoDireito de imagemMARCOS SANTOS/USP IMAGENS
Image captionRombo da União com aposentadorias e pensões de servidores civis, militares e setor privado (INSS) tem crescido rapidamente nos últimos anos
A Reforma da Previdência que atinge a maioria dos civis (por enquanto, ficaram de fora os servidores estaduais e municipais) foi aprovada no início de outubro em primeiro turno no Senado por 56 votos favoráveis e 19 contrários. A expectativa é que o placar positivo para o governo se repita nesta terça, mas a oposição tentará aprovar destaques que suavizem as mudanças.
No primeiro turno, os senadores alteraram o texto que veio da Câmara para garantir a continuidade do abono salarial (benefício de um salário mínimo) para trabalhadores com renda de até dois salários mínimos (quase R$ 2 mil). A proposta do governo era reduzir esse limite para R$ 1.300, o que geraria economia de cerca de R$ 70 bilhões em dez anos aos cofres federais.
A meta inicial do ministro da Economia, Paulo Guedes, era que a reforma gerasse economia de ao menos R$ 1 trilhão em uma década. Mas após as alterações realizadas na Câmara e no Senado até agora, esse valor está agora em cerca de R$ 800 bilhões.
O governo defende a reforma para equilibrar as contas públicas e liberar recursos que hoje vão para a aposentadoria para investimentos em outras áreas, como educação, saúde e segurança pública.
O rombo da União com aposentadorias e pensões de servidores civis, militares e setor privado (INSS) tem crescido rapidamente nos últimos anos por causa do envelhecimento da população e e somou R$ 266 bilhões no ano passado.
Nesse sentido, uma mudança importante que atingirá a maior parte da população é a criação de idades mínimas para aposentadoria. A proposta prevê que a maioria dos trabalhadores do Brasil, tanto na iniciativa privada como no serviço público federal, precisará trabalhar até 62 anos, caso mulher, e até 65 anos, caso homem. Há regras diferenciadas para algumas categorias, como policiais e professores.
A fixação de idade mínima atinge principalmente pessoas de maior renda, que hoje conseguem se aposentar por tempo de contribuição, abaixo de 60 anos. Além disso, a reforma mantém o piso das aposentadorias em um salário mínimo e dificulta a obtenção valores mais altos, ao mudar o cálculo dos benefícios.

PEC Paralela

A Reforma da Previdência é uma proposta de emenda constitucional (PEC) e, por isso, precisa ser aprovada em dois turnos por deputados e senadores.
Há uma PEC paralela tramitando no Senado que tenta facilitar a implementação da reforma em Estados e municípios, depois que esses entes foram excluídos da proposta na Câmara.
Os governos federais e municipais também enfrentam rombos na Previdência e, sem a PEC paralela, caberá a cada governador e prefeito enfrentar o ônus de realizar sua reforma.
O problema é que esse texto, caso passe no Senado, também teria que ser aprovado depois pelos deputados, onde o cenário tende a ficar ainda mais reativo com a proximidade das eleições municipais. O ceticismo é grande no Congresso.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 20 de outubro de 2019

Quebrando o Tabu



Brasil, 2019.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Quem mandou matar Marielle?


Vereadora Marielle Franco, assassinada em março de 2018
VEREADORA MARIELLE FRANCO, ASSASSINADA EM MARÇO DE 2018

Agentes voltaram ao local das câmeras, mas os vídeos não estavam mais disponíveis. A família Bolsonaro está incomodada com as coincidências.

Um ano e sete meses sem ela! Dor que não esquecemos, luta que não abandonamos. Quem mandou matar Marielle?”, escreveu, em seus perfis nas redes sociais, o deputado federal Marcelo Freixo, amigo e padrinho na política da vereadora fuzilada no Centro do Rio de Janeiro. A publicação é de 14 de outubro. No dia anterior, uma devastadora notícia minou as esperanças de quem ainda sonha com o esclarecimento do crime. O UOL revelou que policiais da Delegacia de Homicídios da Capital perderam “imagens relevantes”, registradas três horas antes do atentado, que permitiriam a identificação dos assassinos de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.
Em março passado, às vésperas do aniversário de um ano do duplo homicídio, a Polícia Civil do Rio de Janeiro prendeu dois ex-policiais militares suspeitos de participar da execução. De acordo com a denúncia apresentada pelo Ministério Público, o sargento reformado Ronnie Lessa foi o autor dos disparos e Élcio Queiroz, expulso da corporação em 2015, conduziu o veículo usado pelos sicários, um Chevrolet Cobalt prata. Ambos são acusados de integrar o chamado “Escritório do Crime”, a mais temida quadrilha de matadores profissionais do estado.
No dia do atentado, uma câmera de segurança registrou às 17h34 a movimentação do veículo, com placa clonada, na localidade de Quebra-Mar, na Barra da Tijuca, próximo da casa de Lessa, um vizinho de Jair Bolsonaro. Às 18h16, imagens desse mesmo carro foram captadas na Tijuca, Zona Norte da cidade, onde Marielle morava com a esposa Mônica Benício. O Cobalt voltou a ser flagrado, 28 minutos depois, nas imediações da rua dos Inválidos, na Lapa, onde a vereadora participou de um debate com mulheres negras. O relatório policial não menciona, porém, a existência de outras imagens captadas por um estabelecimento comercial nesse intervalo de tempo.
O vídeo poderia confirmar a identidade dos ocupantes do carro, segundo fontes ligadas à investigação ouvidas pelo UOL. Logo após o atentado, agentes da Delegacia de Homicídios tiveram acesso à gravação e a guardaram em um pen drive. Quinze dias depois, retornaram ao local para pedir as mesmas imagens, sob a alegação de que o material foi perdido. O vídeo não estava mais disponível. A CartaCapital, a assessoria de comunicação da Polícia Civil afirmou que o inquérito segue sob sigilo e, portanto, não pode confirmar a informação.
No início de agosto, ao participar de uma audiência de instrução do caso no Tribunal de Justiça do Rio, o delegado Giniton Lages admitiu que houve problemas na coleta de provas. 
Segundo ele, às vezes os agentes salvavam as imagens em formato errado, e elas não podiam ser acessadas. Ao retornar aos locais onde estavam instaladas as câmeras de segurança, nem sempre eles conseguiam recuperar o material perdido. Um trunfo para Lessa e Queiroz, que negam a participação no crime.
Agentes voltaram ao local das câmeras, mas os vídeos não estavam mais disponíveis
Quando os ex-PMs foram presos, Lages disse não descartar a possibilidade de os criminosos terem agido por conta própria, em um “crime de ódio”. Ao apresentar a exótica tese em uma coletiva de imprensa, o delegado disse que Lessa tinha “obsessão” contra políticos de esquerda e fez muitas pesquisas na internet sobre figuras do círculo de Marielle e Freixo. 
A tese ofendeu amigos e familiares das vítimas, e o delegado foi afastado do caso. “O assassino é um matador de aluguel conhecido na história do Rio de Janeiro. É um psicopata violento, muito perigoso, mas que sempre foi contratado para executar pessoas. De repente, no caso de Marielle, ele muda completamente o perfil de sua psicopatia e resolve agir por conta própria, por razões ideológicas? Não faz o menor sentido”, desabafou Freixo à época, em entrevista a CartaCapital. “É inadmissível que se conclua ser um crime de ódio, descartando a existência de mandantes. Isso pode passar a impressão de que estão tentando proteger alguém.”
O vaivém das investigações reforça a suspeita. Baseada no depoimento de um ex-PM, a principal linha de investigação até novembro de 2018 apontava para o vereador Marcello Siciliano, do PHS, como mandante do duplo homicídio, tramado em parceria com o ex-PM Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando de Curicica, acusado de chefiar uma milícia. Meses depois, o delator voltou atrás e desmentiu a história. Preso por outro crime, o miliciano denunciou ao Ministério Público Federal ter sofrido coação da Delegacia de Homicídios para assumir a autoria do crime quando esteve em Bangu 9. Segundo Curicica, os agentes estariam protegendo o Escritório do Crime.
NEGLIGÊNCIA. ÀS VEZES, OS POLICIAIS SALVAVAM AS IMAGENS EM FORMATO ERRADO, E ELAS NÃO PODIAM SER ACESSADAS, ADMITIU EM JUÍZO O DELEGADO QUE LIDEROU AS INVESTIGAÇÕES ATÉ MARÇO
A então procuradora-geral da República Raquel Dodge instaurou um inquérito para apurar as acusações de Curicica. A “investigação da investigação”, como o caso ficou conhecido, terminou de forma constrangedora para as autoridades policiais. Em seu último dia no cargo, Dodge denunciou ao Superior Tribunal de Justiça cinco suspeitos de fraudar as investigações da morte de Marielle: a advogada Camila Moreira Lima Nogueira, o ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Domingos Inácio Brazão, o policial federal aposentado Gilberto Ribeiro da Costa, o delegado federal Hélio Khristian Cunha de Almeida e o policial militar Rodrigo Jorge Ferreira.
Afastado do TCE em 2017 por envolvimento em um esquema de propinas, Brazão teria plantado mentiras no noticiário e aliciado falsas testemunhas para interferir na investigação. O objetivo seria prejudicar Siciliano, seu adversário político, mas Dodge pediu a abertura de um inquérito para apurar se ele próprio foi o mandante do duplo homicídio.

Homenageada pela cantora Lellê na abertura do Rock in Rio, Marielle ainda é vista como uma ameaça pelo entourage bolsonarista. Uma série de casualidades liga os principais suspeitos do crime ao ex-capitão. Lessa, o acusado de puxar o gatilho contra a vereadora, morava no mesmo condomínio de Bolsonaro. Segundo o delegado Lages, uma das filhas do sargento reformado foi namorada do filho caçula do presidente, Jair Renan, conhecido como “BolsoKid”, hoje com 21 anos (o rapaz diz não se lembrar do relacionamento).
RETRATOS. UMA CENA COM MARIELLE FOI CENSURADA NA TV BRASIL.
Não é tudo. Élcio Queiroz, o motorista do Cobalt prata usado para emboscar Marielle, ostentava nas redes sociais uma antiga fotografia tirada ao lado de Bolsonaro. Preso no início de outubro, sob a acusação de ter lançado ao mar armas usadas na execução da vereadora, o professor de artes marciais Josinaldo Lucas Freitas, o Djaca, também tinha um retrato ao lado do “mito”. 
As coincidências não param por aí. O ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado como um dos chefes da milícia de Rio das Pedras e associado ao Escritório do Crime, foi homenageado em duas ocasiões pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro, hoje senador da República. Em 2003, o parlamentar apresentou uma moção de louvor ao então capitão do Batalhão de Operações Especiais. Dois anos depois, assinou a proposta para conceder a Medalha Tiradentes, uma das mais valorizadas honrarias do estado. 
Além disso, a esposa e a mãe do miliciano trabalharam no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio. Raimunda Vera Magalhães, a mãe, também é citada no relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) como uma das servidoras que fizeram depósitos na conta de um outro Queiroz, o Fabrício, milionário motorista da família Bolsonaro que as autoridades não conseguiam encontrar para depor.
DJACA, ACUSADO DE SUMIR COM AS ARMAS DO CRIME, TAMBÉM TEM UMA FOTO COM O “MITO”. A FAMÍLIA BOLSONARO CONTINUA INCOMODADA COM AS COINCIDÊNCIAS QUE A RELACIONAM AOS SICÁRIOS DA VEREADORA
Isso talvez explique a inacreditável censura imposta pelo governo a uma cena de cinco segundos da TV Brasil, em um especial sobre Jackson do Pandeiro. Nesse trecho, a câmera direcionou o foco para livros de cordel expostos em uma feira, com capas em xilogravura, uma delas com o desenho de Marielle. Quando a emissora publicou o vídeo no YouTube, a imagem não estava mais lá.
De acordo com a revista Época, o diretor de programação da Empresa Brasileira de Comunicação, Vancarlos Alves, foi demitido uma semana após a veiculação do programa, gesto interpretado por funcionários como uma retaliação. Enquanto isso, a sociedade permanece sem saber quem mandou matar a vereadora. Já se passaram um ano, sete meses e alguns dias…
Com Carta Capital

Professor Edgar Bom Jardim - PE