terça-feira, 12 de dezembro de 2017

'Virei pintor após ficar tetraplégico'

Aos 34 anos, a rotina de Ronaldo Serafim era bastante agitada. Dentista, começava cedo no consultório, de onde saía apenas à noite, diretamente para a faculdade onde dava aulas. Voltava para casa tarde e ainda assim invadia a madrugada estudando para o mestrado. Serafim queria atender às expectativas de ser um profissional de sucesso: especializações, cursos no exterior, e trabalho, trabalho, trabalho.
Não havia tempo a perder, nem mesmo com o sono. A estratégia dele era reservar apenas três ou quatro horas diárias para dormir, algo considerado abaixo do necessário por especialistas. Até que um desses dias comuns na sua rotina terminou mal: na volta para casa de madrugada, ele dormiu ao volante.
"Eu estava com tanto sono que, um minuto antes do acidente, eu tirei o cinto de segurança. Estava chegando em casa. Só deu tempo de segurar no volante. Com sono, você não raciocina. Quando bati, eu fui projetado para o painel do carro, e aí fraturei entre a sexta e sétima vértebra da medula", contou à BBC Brasil.
Após o acidente em agosto de 2009, Serafim passou 40 dias no hospital e saiu de lá em uma maca, tetraplégico. Ele não mexia as pernas, as mãos e o abdômen, e tinha apenas alguns movimentos nos punhos e nos ombros. Teve de reaprender as coisas mais básicas com seu novo corpo - tarefas "simples" como ficar sentado, se alimentar e escovar os dentes viraram grandes desafios.
Mas as limitações não trouxeram apenas obstáculos e fizeram o então dentista descobrir uma nova vocação: as artes plásticas.
Foi no Centro de Reabilitação Sarah, no Rio de Janeiro, que Serafim entendeu que poderia ter uma vida "normal" com uma rotina diferente, porém não menos prazerosa.
"Durante a reabilitação, tem um pessoal que te mostra tudo o que você pode fazer. Lá eu vi que era possível ir para uma academia malhar, conheci o esporte que pratico hoje, o rúgbi em cadeira de rodas. E descobri que eu poderia pintar", afirmou.
Ronaldo Serafim pintando
Image captionSerafim moldou adaptador para conseguir segurar pincel e descobriu nova paixão | Foto: Arquivo Pessoal

Sem controle da temperatura corporal

Ronaldo Serafim havia inaugurado seu consultório próprio de Odontologia no Rio de Janeiro apenas duas semanas antes de sofrer o acidente que o afastaria definitivamente da profissão. No começo, resistiu em se desfazer do aparato de trabalho.
"Na época, ainda no hospital, eu não entendia a gravidade. Achava que se me esforçasse bastante, com muita fisioterapia e força de vontade, seria possível reverter (o quadro de tetraplegia)", contou.
O primeiro choque na volta para casa veio justamente com as ações mais prosaicas. "Nos três primeiros dias depois de chegar em casa, fiquei sem banho. Tivemos que adaptar o banheiro para eu poder entrar. Fora o fato de que, como fiquei muitos dias no hospital deitado, quando eu sentava para tomar banho, eu desmaiava. A primeira semana é bem punk, você tem que ter paciência para absorver aquilo."
Ronaldo Serafim na praia
Image caption"O acidente me fez enxergar que muitas vezes a gente pensa muito no fator dinheiro antes dos nossos sonhos", disse Ronaldo Serafim
Tetraplégicos não conseguem transpirar, por exemplo, e isso exige um cuidado especial com a temperatura ambiente. As necessidades fisiológicas também requerem uma atenção diferente.
"Pelo fato da lesão ser alta, ela atinge uma região da medula que faz uma regulação automática de uma série de ações da gente. Então, no calor, em vez de eu ficar transpirando, eu transpiro zero e a temperatura do corpo começa a subir. Você sente um calor absurdo e não se alivia, é desesperador. Eu já saí de um jogo de rúgbi com mais de 40 graus, por exemplo. O frio também é muito ruim, porque a sua temperatura abaixa muito", relata.
Ronaldo Serafim no rúgbi de cadeira de rodas
Image captionApós acidente, Serafim passou a jogar rúgbi de cadeira de rodas e viajou o país todo em competições (Foto: Thelma Vidales)
"Esse mesmo centro regulador é responsável por contrair a bexiga, então não há a capacidade de urinar sozinho. Preciso esvaziá-la de tempos em tempos, passar a sonda de 4 a 5 vezes ao dia. E aí é preciso de um lugar higiênico para não correr riscos de se contaminar".
Foi principalmente quando começou no rúgbi de cadeira de rodas, em 2012, que Serafim teve contato com outras pessoas que tinham a mesma deficiência e aprendeu estratégias para "driblar" as limitações físicas e levar uma vida independente.
"Quando você é cadeirante, parece que fica infantilizado. As pessoas começam a falar com você como se fosse uma criança. E todo mundo quer fazer tudo para você, para te ajudar. Isso acaba até te tolhendo de certa forma."
Ronaldo na academia
"O maior ganho para mim com o rúgbi é poder estar com gente que tem o mesmo problema que eu, isso é um aprendizado constante. Eu via os caras viajando de carro para os jogos e aí fui atrás de entender como poderia dirigir. Você participa de torneio, viaja de avião, vai para lugares que não são adaptados, e isso exige mais criatividade. Vai te dando segurança, autoconfiança."

Pintura

Se voltar a se exercitar e retomar atividades cotidianas trouxe alívio na rotina, a mudança mais profunda na vida de Serafim veio com a redescoberta da pintura. Acostumado a exercer uma profissão que exigia habilidades motoras e fina precisão manual, ele entendeu pouco tempo depois do acidente que o trabalho como dentista era inviável. Mas o talento com as mãos ainda poderia ser explorado.
Adaptador criado por Serafim para poder pintar
Image captionCom adaptador, Serafim consegue segurar pincel e ter estabilidade no traço
Adaptador criado por Serafim para poder pintar
Image captionAdaptador criado por Serafim para poder pintar
"A pintura era muito esporádica para mim (antes do acidente), se eu fizesse dois trabalhos por ano era lucro. Depois (como tetraplégico), eu não conseguia ver minha mão segurando um pincel ou um lápis. A gente não sabe nosso potencial e tem que estar com alguém que nos mostre que é possível."
Ainda no Centro de Habilitação, em 2011, Serafim pode experimentar um primeiro adaptador. A ferramenta não oferecia tanta estabilidade, mas operou maravilhas na auto-estima. "Eu pensei: bom, alguma coisa na vida eu vou conseguir fazer."
Já em casa, o conhecimento como dentista lhe valeu. Ele usou as resinas que antes aplicava nos dentes de pacientes para moldar seu próprio adaptador. "Peguei a resina, manipulei, fingi a posição da mão segurando uma caneta. Fiz um protótipo que durou cinco anos", contou.
Com ele, Serafim passou a pintar com frequência, melhorou sua técnica e viu que seria possível também escrever com um traço perfeito, como fazia antes do acidente. Assim, decidiu voltar a estudar e foi fazer um curso de alemão.
pintura de Ronaldo Serafim
Image captionRonaldo Serafim gosta de se inspirar em paisagens do mundo todo para fazer suas pinturas (Arquivo Pessoal)
"Você cria uma coisa e ela te abre possibilidades que antes você não pensava, porque você estava travado", disse.
Hoje, o adaptador que ele usa é um pouco mais sofisticado e resistente. "Moldei a mão no silicone industrial e, a partir dessa empunhadura, consegui esculpir um novo adaptador com mais refinamento. Para não quebrar quando caísse, eu usei três lâminas de fibra de carbono. Comprei material, estudei. Me acidentar e parar de trabalhar como dentista me fez ver possibilidades de aprender coisas novas."

Realizações

A rotina de Serafim hoje é bem mais tranquila do que a que levava como dentista. Aposentado na profissão, ele sobrevive com o valor do benefício que recebe do INSS e alguns rendimentos dos investimentos que aprendeu a fazer estudando finanças pela internet após o acidente. Treina rúgbi de cadeira de rodas duas vezes por semana, vai à academia com a mesma frequência e reserva um tempo quase diário para a pintura. E exercita a paciência a cada vez que sai de casa.
Com carro próprio, ele consegue amenizar um pouco as dificuldades rotineiras pelas quais passa um cadeirante no Brasil, mas reforça que a falta de lugares adaptados para pessoas com deficiência ainda é um grande impeditivo que faz com que muitos fiquem "presos".
quadro de Ronaldo
Image captionQuadro que Serafim começou a pintar com a reportagem da BBC Brasil (Arquivo Pessoal)
"Quem para na vaga de deficiente na rua é multado. Mas no shopping ainda não é. Eu já parei num shopping e aquela área grande do lado que é marcada com as linhas, uma moto da prefeitura parou exatamente na minha porta. O cara acha que aquela área rabiscadinha é para moto estacionar...e o carro que está ali do lado que se dane", contou.
Ronaldo Serafim e os obstáculos no caminho para a praia
Image captionNo caminho para a praia, Ronaldo Serafim precisa ir boa parte do trajeto pela rua por causa da falta de espaço nas calçadas
Com 42 anos de idade e quase uma década de tetraplegia, Ronaldo Serafim já aprendeu alemão, morou em Heidelberg (a 600 km de Berlim) por alguns meses, viajou o Brasil todo e visitou outros vários lugares do mundo jogando rúgbi em cadeira de rodas. Agora, ele usa sua memória visual das paisagens que conheceu para transformá-las em arte nos quadros que pinta em casa.
"Eu gostava de correr e jogar futebol, isso me faz falta. Mas substituindo uma coisa pela outra, eu vejo assim: antes, apesar de eu fazer tudo isso, eu tinha uma vida muito mais presa por causa do trabalho", pondera.
"Se existisse uma super cura, eu não voltaria para a Odontologia. Eu me profissionalizaria em artes plásticas. O acidente me fez enxergar isso. Que muitas vezes a gente faz opções porque a gente se escraviza com a rotina, se escraviza com a vida financeira. Não é que o dinheiro manda na gente, mas a gente pensa muito no fator dinheiro antes dos nossos sonhos. Comparando a vida que eu tenho hoje com a que eu tinha, é até difícil de dizer qual é melhor. "
*Edição do vídeo: Ana Terra
Fonte: Renata Mendonça* B B C
Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 10 de dezembro de 2017

REDE é o partido que mais combate a corrupção, diz estudo da FGV


A REDE é o partido que mais tem se destacado na proposição de ações anticorrupção, com uma média de 3,5 projetos por parlamentar. Os dados são do livro “Diagnóstico Institucional: primeiros passos para um plano nacional anticorrupção”, feito a partir de um estudo desenvolvido pelo departamento de Direto da Fundação Getúlio Vargas no Rio (FGV-RJ), e patrocinado pelo Prosperity Fund, do Reino Unido.
Segundo o estudo, a REDE é seguida pelo PSOL, com 1,83 proposições por deputado, PPS, com 1,63 proposições por deputado e PV, com 1,33.. Os demais partidos possuem menos de uma proposição em tramitação por deputado. PTN, PTdoB, PSL, PRP, PMB e PEN não possuem proposições em tramitação sobre o tema na Câmara dos Deputados.
Nesta semana, a REDE divulgou seus primeiros vídeos da propaganda partidária, denunciando a união dos principais partidos por um fundo bilionário e desproporcional de financiamento de campanha. “Chegou a hora da sociedade fazer a Operação Lava-Voto”, diz Marina Silva, porta-voz nacional da REDE.
Acesse aqui: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/18167
O enfrentamento permanente da corrupção no Brasil depende do encontro de interesses e competências institucionais. As condições para que os inúmeros órgãos que formam o sistema de integridade nacional conjuguem esforços não são simples de se atingir. Este é o propósito do estudo desenvolvido pela FGV Direito Rio e patrocinado pelo Prosperity Fund, do Reino Unido: apresentar o diagnóstico institucional de parte da estrutura brasileira de combate à corrupção e com isso contribuir com os fundamentos do esperado Plano Nacional Anticorrupção. Esse esforço interdisciplinar de pesquisa combinou 1) a análise da experiência de combate à corrupção no Reino Unido ao longo dos últimos dez anos, 2) a avaliação da evolução legislativa e institucional do Brasil na luta contra a corrupção, 3) o estudo sobre os instrumentos judiciais e respectivas respostas do STF e STJ sobre a investigação e punição de crimes contra a Administração Pública e de improbidade administrativa, 4) a avaliação sobre transparência em processos licitatórios em prefeituras e tribunais de contas e, por fim, 5) a análise sobre as atuais proposituras do Congresso Nacional em resposta à expectativa popular de combate à corrupção.
Áreas do conhecimento
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Como 'comportamento de manada' permite manipulação da opinião pública por fakes


Ilustração reproduz efeito de comportamento de manada
Image captionUsuários reais estão sujeitos à manipulação de perfis falsos nas redes sociais | Ilustração: Kako Abraham/BBC

A estratégia que vem sendo usada por perfis falsos no Brasil e no mundo para influenciar a opinião pública nas redes sociais se aproveita de uma característica psicológica conhecida como "comportamento de manada".
O conceito faz referência ao comportamento de animais que se juntam para se proteger ou fugir de um predador. Aplicado aos seres humanos, refere-se à tendência das pessoas de seguirem um grande influenciador ou mesmo um determinado grupo, sem que a decisão passe, necessariamente, por uma reflexão individual.
"Se muitas pessoas compartilham uma ideia, outras tendem a segui-la. É semelhante à escolha de um restaurante quando você não tem informação. Você vê que um está vazio e que outro tem três casais. Escolhe qual? O que tem gente. Você escolhe porque acredita que, se outros já escolheram, deve ter algum fundamento nisso", diz Fabrício Benevenuto, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sobre a atuação de usuários nas redes sociais.
Ele estuda desinformação nas redes e testou sua teoria com um experimento: controlou quais comentários apareciam em um vídeo do YouTube e monitorou a reação de diferentes pessoas.
Quanto mais elas eram expostas só a comentários negativos, mais tendiam a ter uma reação negativa em relação àquele vídeo, e vice-versa.
"Um vai com a opinião do outro", conclui Benevenuto. Em seu experimento, os pesquisadores chegaram à conclusão de que a influência estava também ligada a níveis de escolaridade: quanto menor o nível, mais fácil era ser influenciado.

Exército de fakes


Captura de tela de perfil identificado como falso no Facebook
Image captionUsuária identificada como falsa, com foto de perfil de banco de dados, tem 2.426 amigos | Foto: Reprodução/Facebook

Evidências reunidas por uma investigação da BBC Brasil ao longo de três meses, que deram origem à série Democracia Ciborgue, da qual esta reportagem faz parte, sugerem que uma espécie de exército virtual de fakes foi usado por uma empresa com base no Rio de Janeiro para manipular a opinião pública, principalmente, no pleito de 2014. E há indícios de que os mais de 100 perfis detectados no Twitter e no Facebook sejam apenas a ponta do iceberg de uma problema muito mais amplo no Brasil.
A estratégia de influenciar usuários nas redes incluía ação conjunta para tentar "bombar" uma hashtag (símbolo que agrupa um assunto que está sendo falado nas redes sociais), retuítes de políticos, curtidas em suas postagens, comentários elogiosos, ataques coordenados a adversários e até mesmo falsos "debates" entre os fakes.
Alguns dos usuários identificados como fakes tinham mais de 2 mil amigos no Facebook. Os perfis publicavam constantemente mensagens a favor de políticos como Aécio Neves (PSDB) e o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB), além de outros 11 políticos brasileiros.
Eles negam ter contratado qualquer serviço de divulgação nas redes sociais por meio de perfis falsos. A investigação da BBC Brasil não descobriu evidências de que os políticos soubessem do expediente supostamente usado.
Eduardo Trevisan, dono da Facemedia, empresa que seria especializada em criar e gerir perfis falsos, nega ter produzido fakes. "A gente nunca criou perfil falso. Não é esse nosso trabalho. Nós fazemos monitoramento e rastreamento de redes sociais", disse à BBC Brasil.

Personas

As pessoas que afirmam ser ex-funcionárias da Facemedia entrevistadas pela BBC Brasil disseram que, ao começar na empresa, recebiam uma espécie de "pacote" com diferentes perfis falsos, que chamavam de "personas". Esses perfis simulavam pessoas comuns em detalhes: profissão, história familiar, hobbies. As mensagens que elas publicavam refletiam as características criadas.
"As pessoas estão mais abertas a confiar numa opinião de um igual do que na opinião de uma marca, de um político", disse um dos entrevistados.
"Ou vencíamos pelo volume, já que a nossa quantidade de posts era muito maior do que o público em geral conseguia contra-argumentar, ou conseguíamos estimular pessoas reais, militâncias, a comprarem nossa briga. Criávamos uma noção de maioria", diz um ex-funcionário.
Para Yasodara Córdova, pesquisadora da Digital Kennedy School, da Universidade Harvard, nos EUA, e mentora do projeto Serenata de Amor, que busca identificar indícios de práticas de gestão fraudulentas envolvendo recursos públicos no Brasil, "a internet só replica a importância que se dá à opinião das pessoas ao redor na vida real".
"Se três amigos seus falam que um carro de uma determinada marca não é bom, aquilo entra na sua cabeça como um conhecimento", diz ela.

Ilustração de mãos tentando alcançar símbolos de likesDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionEspecialista vê prática como fator que afeta a confiança da socieade na democracia

Confiança abalada

Para Lee Foster, da FireEye, empresa americana de segurança cibernética que identificou alguns perfis fakes criados por russos nas eleições americanas, essa tentativa de manipulação pode não fazer as pessoas mudarem seus votos. "Mas podem passar a ver o processo eleitoral todo como mais corrupto, diminuindo sua confiança na democracia", afirma.
"As redes sociais estão permitindo cada vez mais coisas avançadas em termos de manipulação nas eleições", diz Benevenuto, citando as propagandas direcionadas do Facebook. "Estamos entrando em um caminho capaz de aniquilar democracias."
A solução proposta por pesquisadores para o problema dos perfis falsos e robôs em redes sociais vai da transparência das plataformas ao esforço político de "despolarizar" a sociedade.
Córdova diz que não se deve pensar em "derrubar todos os robôs" - que não são necessariamente maliciosos, são mecanismos que automatizam determinadas tarefas e podem ser usadas para o bem e para o mal nas redes sociais.
"É impossível proibi-los. A saída democrática é ter transparência para outros eleitores", afirma. Se "robôs políticos" existem e estão voluntariamente cedendo seus perfis para reproduzir conteúdo de um político, eles devem estar marcados como tal, como, por exemplo, "pertencente ao 'exército' do candidato X".

Transparência

Defensora do direito à privacidade e da liberdade de expressão, a pesquisadora Joana Varon, fundadora do projeto Coding Rights ("direitos de programação"), também defende a transparência como melhor via. "Anonimato e privacidade existem para proteger humanos. Bots (robôs de internet) feitos para campanha eleitoral precisam ser identificáveis e registrados, para não enganar o eleitor", afirma.
Mas como aplicar essa lógica para os perfis falsos controlados por pessoas que prestariam serviço secretamente para políticos, como os identificados pela BBC Brasil?
Para Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP), deve haver maior transparência e regulação em plataformas como o Facebook, que deve começar a agir "como se fosse um Estado, já que virou a nova esfera pública", onde acontecem discussões e interações. Ou seja, a plataforma deve começar a se autorregular, se não quiser ser regulada pelos Estados.
Uma de suas tarefas, diz ele, deve ser excluir esses perfis falsos da rede - algo que a própria empresa diz, sem dar detalhes, que pretende fazer no Brasil antes das eleições de 2018.

Mulher passa mural com a marca do FacebookDireito de imagemPA
Image captionFacebook diz que está aperfeiçoando seus sistemas para 'detectar e remover' conteúdos ligados a fakes

"Mas o grande desafio mesmo é desarmar a sociedade, que está muito polarizada e sendo estimulada nos dois campos. Sem essa polarização, cai a efetividade dos perfis falsos", diz Ortellado.
Córdova defende que os usuários sejam educados sobre o que são robôs e que mais pessoas os estudem. "O remédio contra esses exércitos de robôs é um exército de pessoas que entendam a natureza dessas entidades na internet."
Além disso, diz, a tendência é que as plataformas deixem as pessoas controlarem seus próprios feeds e que existam cada vez mais empresas de checagem de notícias, já que outra preocupação em 2018 são as "fake news" (notícias falsas). "Não tem solução mágica. É um ecossistema que está sendo criado."
À BBC Brasil, o Twitter informou que "a falsa identidade é uma violação" de suas regras e que contas que representem "outra pessoa de maneira confusa ou enganosa poderão ser permanentemente suspensas".
O Facebook diz que suas políticas não permitem perfis falsos e que está aperfeiçoando seus sistemas para "detectar e remover essas contas e todo o conteúdo relacionado a elas". "Estamos eliminando contas falsas em todo o mundo e cooperando com autoridades eleitorais sobre temas relacionados à segurança online, e esperamos tomar medidas também no Brasil antes das eleições de 2018."

BBC.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Oito perguntas para entender o conflito entre israelenses e palestinos

Soldados israelenses em Jerusalém
Image captionTanto israelenses quanto palestinos reivindicam Jerusalém como capital de seus territórios | Foto: Menahem Kahana/AFP/Getty Images
O reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel pelos Estados Unidos abre um novo capítulo na história de um conflito que já dura quase 70 anos.
A disputa pela cidade, sagrada para judeus, cristãos e muçulmanos, é quase tão antiga quanto a briga por territórios entre israelenses e palestinos - e a decisão desta semana do presidente Donald Trump, que inclui a transferência da embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, é vista como um risco às negociações de paz na região.
A BBC responde oito perguntas básicas para entender por que o conflito entre israelenses e palestinos é tão complexo e polarizado.

1. Como o conflito começou?

O movimento sionista, que procurava criar um Estado para os judeus, ganhou força no início do século 20, em reação ao antissemitismo sofrido por eles na Europa.
A região da Palestina, entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo, considerada sagrada para muçulmanos, judeus e cristãos, pertencia ao Império Otomano naquele tempo e era ocupada, principalmente, por muçulmanos e outras comunidades árabes. As aspirações sionistas deram início a um forte movimento migratório judaico, que gerou resistência entre as comunidades locais.
Após a desintegração do Império Otomano, na Primeira Guerra Mundial, o Reino Unido recebeu um mandato da Liga das Nações (antecessora da ONU) para administrar o território da Palestina.
Antes e durante a guerra, contudo, os britânicos fizeram uma série de promessas a árabes e judeus que não se cumpririam, entre outras razões, porque eles já tinham repartido o Oriente Médio com a França. Isso provocou um clima de tensão entre os dois lados que acabou em confrontos entre grupos paramilitares judeus e árabes.
Após a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto, aumentou a pressão pelo estabelecimento de um Estado judeu. O plano original previa a partilha do território controlado pelos britânicos entre judeus e palestinos.
Protestos em Ramallah
Image captionDecisão americana gerou onda de protestos em cidades palestinas, como Ramallah (acima) | Foto: EPA
Após a fundação de Israel, em 14 de maio de 1948, a tensão deixou de ser local para se tornar questão regional. No dia seguinte, Egito, Jordânia, Síria e Iraque invadiram o território. Foi a primeira guerra árabe-israelense, também conhecida pelos judeus como a guerra de independência ou de libertação. Depois da guerra, o território originalmente planejado pela Organização das Nações Unidas para um Estado árabe foi reduzido pela metade.
Para os palestinos, começava ali a nakba, palavra em árabe para "destruição" ou "catástrofe": 750 mil palestinos fugiram para países vizinhos ou foram expulsos pelas tropas israelenses.
Mas 1948 não seria o último ano de confronto entre os dois povos. Em 1956, Israel enfrentou o Egito em uma crise motivada pelo Canal de Suez, conflito que foi definido fora do campo de batalha, com a confirmação pela ONU da soberania egípcia sobre o canal, após forte pressão internacional sobre Israel, França e Grã-Bretanha.
Em 1967, veio a batalha que mudaria definitivamente o cenário na região - a Guerra dos Seis Dias. Foi uma vitória esmagadora de Israel sobre uma coalizão árabe. Após o conflito, Israel ocupou a Faixa de Gaza e a Península do Sinai, do Egito; a Cisjordânia (incluindo Jerusalém Oriental) da Jordânia; e as Colinas de Golã, da Síria. Meio milhão de palestinos fugiram.
Israel e seus vizinhos voltaram a se enfrentar em 1973. A Guerra do Yom Kippur colocou Egito e Síria contra Israel numa tentativa dos árabes de recuperar os territórios ocupados em 1967.
Em 1979, o Egito se tornou o primeiro país árabe a chegar à paz com Israel, que desocupou a Península do Sinai. A Jordânia chegaria a um acordo de paz em 1994.

2. Por que Israel foi fundado no Oriente Médio?

A religião judaica diz que a área em que Israel foi fundado é a terra prometida por Deus ao primeiro patriarca, Abraão, e seus descendentes.
A região foi invadida pelos antigos assírios, babilônios, persas, macedônios e romanos. Roma foi o império que nomeou a região como Palestina e, sete décadas depois de Cristo, expulsou os judeus de suas terras depois de lutar contra os movimentos nacionalistas que buscavam independência.
Com o surgimento do islã, no século 7 d.C., a Palestina foi ocupada pelos árabes e depois conquistada pelas cruzadas europeias. Em 1516, estabeleceu-se o domínio turco, que durou até a Primeira Guerra Mundial, quando o mandato britânico foi imposto.
A Comissão Especial das Nações Unidas para a Palestina disse em seu relatório à Assembleia Geral em 3 de setembro de 1947 que as razões para estabelecer um Estado judeu no Oriente Médio eram baseados em "argumentos com base em fontes bíblicas e históricas" e na Declaração de Balfour de 1917 - em que o governo britânico se posicionou favorável a um "lar nacional" para os judeus na Palestina.
Reconheceu-se a ligação histórica do povo judeu com a Palestina e as bases para a constituição de um Estado judeu na região.
Após o Holocausto nazista contra milhões de judeus na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, cresceu a pressão internacional para o reconhecimento de um Estado judeu.
Cúpula da RochaDireito de imagemREUTERS
Image captionLocalizada na parte antiga de Jerusalém, a Cúpula da Rocha é uma construção sagrada para o islã
Sem conseguir resolver a polarização entre o nacionalismo árabe e o sionismo, o governo britânico levou a questão à ONU.
Em 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral aprovou um plano de partilha da Palestina, que recomendou a criação de um Estado árabe independente e um Estado judeu e um regime especial para Jerusalém.
O plano foi aceito pelos israelenses, mas não pelos árabes, que o viam como uma perda de seu território. Por isso, nunca foi implementado.
Um dia antes do fim do mandato britânico da Palestina, em 14 de maio de 1948, a Agência Judaica para Israel, representante dos judeus durante o mandato, declarou a independência do Estado de Israel.
No dia seguinte, Israel solicitou a adesão à ONU, condição que alcançou um ano depois. Hoje, parte dos membros da organização ainda não reconhece o Estado israelense - o mesmo vale para a Palestina.

3. Por que há dois territórios palestinos?

Relatório da Comissão Especial das Nações Unidas para a Palestina à Assembleia Geral, em 1947, recomendou que o Estado árabe incluísse a área oeste da região da Galileia, a região montanhosa de Samaria e Judeia, com a exclusão da cidade de Jerusalém, e a planície costeira de Isdud até a fronteira com o Egito.
Mas a divisão do território foi definida pela linha de armistício de 1949, estabelecida após a primeira guerra árabe-israelense.
Os dois territórios palestinos são a Cisjordânia (incluindo Jerusalém Oriental) e a Faixa de Gaza. A distância entre eles é de cerca de 45 km. A área é de 5.970 km2 e 365 km2, respectivamente.
Originalmente ocupada por Israel, que ainda mantém o controle de sua fronteira, Gaza foi ocupada pelo Exército israelense na guerra de 1967 e desocupada apenas em 2005. O país, no entanto, mantém um bloqueio por ar, mar e terra que restringe a circulação de mercadorias, serviços e pessoas.
Em 2007, Gaza passou a ser governada pelo Hamas, grupo islâmico que nunca reconheceu os acordos assinados entre Israel e outros grupos palestinos. Em outubro deste ano, um acordo de reconciliação entre o Hamas e o laico Fatah - ambos grupos palestinos, porém rivais - deu à Autoridade Palestina o controle administrativo de Gaza.

4. Israelenses e palestinos nunca se aproximaram da paz?

Após a criação do Estado de Israel e o deslocamento de milhares de pessoas que perderam suas casas, o movimento nacionalista palestino começou a se reagrupar na Cisjordânia e em Gaza, controlados pela Jordânia e Egito, respectivamente, e nos campos de refugiados criados em outros países árabes.
Pouco antes da guerra de 1967, organizações palestinas como o Fatah, então liderado por Yasser Arafat, formaram a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e lançaram operações contra Israel, primeiro a partir da Jordânia e, depois, do Líbano. Os ataques também incluíram alvos israelenses em solo europeu.
Yasser Arafat, Bill Clinton e tradutor
Image captionOs acordos de Camp David, em 2000, foram a última tentativa mais consistente de negociação de paz | Foto: Casa Branca
Em 1987, teve início o primeiro levante palestino contra a ocupação israelense. A violência se arrastou por anos e deixou centenas de mortos. Um dos efeitos da intifada foi a assinatura, entre a OLP e Israel em 1993, dos Acordos de Paz de Oslo, nos quais a organização palestina renunciou à "violência e ao terrorismo" e reconheceu o "direito" de Israel "de existir em paz e segurança", um reconhecimento que o Hamas nunca aceitou.
Após os acordos assinados em Oslo, foi criada a Autoridade Nacional Palestina (ANP), que representa os palestinos nos fóruns internacionais. O presidente é eleito por voto direto. Ele, por sua vez, escolhe um primeiro-ministro e os membros de seu gabinete. Suas autoridades civis e de segurança controlam áreas urbanas (zona A, segundo Oslo). Somente representantes civis - e não militares - governam áreas rurais (área B).
Jerusalém Oriental, considerada a capital histórica de palestinos, não está incluída nesse acordo e é uma das questões mais polêmicas entre as partes.
Em 2000, a violência voltou a se intensificar na região, quando teve início a segunda intifada palestina. Desde então, israelenses e palestinos vivem num estado de tensão e conflito permanentes.

5. Quais são os principais pontos de conflito?

A demora na criação de um Estado palestino independente, a construção de assentamentos israelenses na Cisjordânia e a barreira de Israel a Gaza - condenada pelo Tribunal Internacional de Haia - complicam o andamento de um processo paz.
Mas esses não são os únicos obstáculos, como ficou claro no fracasso das últimas negociações de paz sérias, em Camp David, nos Estados Unidos, em 2000, quando o então presidente americano Bill Clinton não conseguiu mediar um acordo entre Arafat e o então primeiro-ministro de Israel, Ehud Barak.
As diferenças que parecem irreconciliáveis são:
- Jerusalém: Israel reivindica soberania sobre a cidade inteira e afirma que a cidade é sua capital "eterna e indivisivel", após ocupar Jerusalém Oriental em 1967. A reivindicação não é reconhecida internacionalmente. Os palestinos querem Jerusalém Oriental como sua capital.
- Fronteiras: os palestinos exigem que seu futuro Estado seja delimitado pelas fronteiras anteriores a 4 de junho de 1967, antes do início da Guerra dos Seis Dias, o que incluiria Jerusalém Oriental, o que Israel rejeita.
- Assentamentos: ilegais sob a lei internacional, construídos pelo governo israelense nos territórios ocupados após a guerra de 1967. Na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental há mais de meio milhão de colonos judeus.
- Refugiados palestinos: os palestinos dizem que os refugiados (10,6 milhões, de acordo com a OLP, dos quais cerca de metade são registrados na ONU) têm o direito de voltar ao que é hoje Israel. Mas, para Israel, permitir o retorno destruiria sua identidade como um Estado judeu.

6. A Palestina é um país?

A ONU reconheceu a Palestina como um "Estado observador não membro" no final de 2012, deixando de ser apenas uma "entidade" observadora.
A mudança permitiu aos palestinos participar de debates da Assembleia Geral e melhorar as chances de filiação a agências da ONU e outros organismos.
Mas o voto não criou um Estado palestino. Um ano antes, os palestinos tentaram, mas não conseguiram, apoio suficiente no Conselho de Segurança.

7. Por que os EUA são o principal parceiro de Israel? Quem apoia os palestinos?

A existência de um importante e poderoso lobby pró-Israel nos Estados Unidos e o fato de a opinião pública ser frequentemente favorável aos israelenses faz ser praticamente impossível a um presidente americano retirar apoio a Israel.
De acordo com uma pesquisa encomendada pela BBC em 2013 em 22 países, os EUA foram a única nação ocidental com opinião favorável a Israel e a única com uma maioria de avaliações positivas (51%).
Além disso, ambos os países são aliados militares: Israel é um dos maiores receptores de ajuda americana, grande parte destinada a subsídios para a compra de armas.
Assentamento de Har Homa, em Jerusalém
Image captionNas últimas décadas, Israel tem construído assentamentos em território Palestino, como o de Har Homa, em Jerusalém | Foto: Ahmad Gharabli/AFP/Getty Images
Palestinos não têm apoio aberto de nenhuma potência.
Na região, o Egito deixou de apoiar o Hamas, cujo apoio principal hoje é o do Catar.

8. O que falta para que haja uma oportunidade de paz duradoura?

Israelenses teriam de aceitar a criação de um Estado soberano para os palestinos, o fim do bloqueio à Faixa de Gaza e o término das restrições à circulação de pessoas e mercadorias nas três áreas que formariam o Estado palestino: Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Faixa de Gaza.
Grupos palestinos deveriam renunciar à violência e reconhecer o Estado de Israel.
Além disso, eles teriam que chegar a acordos razoáveis sobre fronteiras, assentamentos e o retorno de refugiados.
No entanto, desde 1948, ano da criação do Estado de Israel, muitas coisas mudaram, especialmente a configuração dos territórios disputados após as guerras entre árabes e israelenses.
Para Israel, esses são fatos consumados, mas os palestinos insistem que as fronteiras a serem negociadas devem ser aquelas existentes antes da guerra de 1967.
Além disso, enquanto no campo militar a tensão é constante na Faixa de Gaza, há uma espécie de guerra silenciosa na Cisjordânia, com a construção de assentamentos israelenses, o que reduz, na prática, o território palestino nestas áreas.
Mas talvez a questão mais complicada pelo seu simbolismo seja Jerusalém, a capital tanto para palestinos quanto para israelenses.
Tanto a Autoridade Palestina, que governa a Cisjordânia, quanto o grupo Hamas, em Gaza, reinvindicam a parte oriental como a capital de um futuro Estado palestino, apesar de Israel tê-la ocupado em 1967.
Um pacto definitivo dificilmente será possível sem resolver esse ponto, questão agora ainda mais complexa após a decisão americana de reconhecer a cidade como capital de Israel.
A decisão de Trump vai na mesma direção de uma medida aprovada em 1995 pelo Congresso americano, prevendo a transferência da Embaixada americana em Israel para Jerusalém. No entanto, isso nunca havia sido posto em prática, porque era necessária a aprovação da Presidência dos Estados Unidos.
Desde então, em todos os semestres, o ato do Congresso foi encaminhado aos presidentes americanos, mas a praxe sempre foi renunciar à mudança.
Apesar de parecer contraditório, foi o que o próprio Trump fez - o republicano também assinou a renúncia, para que haja tempo de iniciar a transferência da embaixada, mas anunciou publicamente o reconhecimento da cidade como capital israelense, o que tem um efeito político importante no cenário internacional.
Fonte:BBC.
Professor Edgar Bom Jardim - PE