sexta-feira, 17 de maio de 2024

O desastre natural com maior impacto na economia brasileira: 3 efeitos das inundações do RS no país




Vista aérea de plantação

CRÉDITO,REUTERS/AMANDA PEROBELLI

Legenda da foto,Plantação de alface foi destruída pelas enchentes em Guaíba

Para se avaliar o impacto econômico das inundações no Rio Grande do Sul, é preciso olhar para o exterior para se achar algo semelhante — como no caso da destruição provocada pelo furacão Katrina nos Estados Unidos em 2005.

No Brasil, nunca houve tanto estrago econômico provocado por um evento climático. A avaliação é do economista Sergio Vale, da MB Associados, consultoria que está monitorando os impactos das enchentes de maio na economia.

Nos Estados Unidos, o Katrina fez o Estado da Louisiana contrair 1,5% — em um ano em que se esperava que crescesse 4%. No caso do Rio Grande do Sul, a MB Associados prevê que a economia vai se contrair 2% — em vez do crescimento de 3,5% que vinha registrando nos últimos 12 meses até abril.

E no caso brasileiro, o impacto em âmbito nacional será muito maior do que aconteceu no efeito do Katrina nos Estados Unidos — já que a economia gaúcha corresponde a 6,5% do PIB brasileiro (a Louisiana representa 1% da economia americana


Por conta da tragédia, a MB Associados não pretende revisar o crescimento brasileiro. A consultoria acreditava que o crescimento brasileiro projetado para este ano podia ser de 2,5% — mas após a tragédia no Rio Grande do Sul ela manteve a projeção de crescimento em 2%.

O Brasil já enfrentou outras grandes crises que afetaram o crescimento da economia nacional. Em 2001, por exemplo, uma seca contribuiu para uma crise de racionamento de energia e apagões. A economia nacional, que havia crescido 4,4% no ano anterior, desacelerou para 1,4%. Mas apesar da contribuição da seca, o cerne da crise de 2001 não foi o clima, mas sim gargalos nas linhas de transmissão — que impediam o Brasil de distribuir energia pelo país.

A tragédia no Rio Grande do Sul deste ano — que já provocou pelo menos 151 mortes — terá impacto em pelo menos três frentes da economia brasileira: no crescimento do PIB deste ano, no setor agrícola e na questão fiscal brasileira.

Carros destruídos
Getty Images
Enchentes no Rio Grande do Sul

  • -2%deve ser o crescimento do Rio Grande do Sul, segundo estimativas

  • 3,5%era quanto a economia gaúcha vinha crescendo antes das inundações

Fonte: MB Associados

Economistas e estudos consultados para esta reportagem lembram que a dimensão exata do impacto econômico ainda não pode ser quantificada com precisão, porque as chuvas ainda estão em andamento e sequer foi feito um levantamento preciso do estrago ainda.

Essa indefinição também tem implicações políticas. Autoridades têm falado em diferentes medidas e valores para destinar ao Rio Grande do Sul — mas essa ajuda ainda está sendo discutida e os números estão em aberto.

Confira abaixo como as inundações devem afetar a economia brasileira em 2024.

Impacto no crescimento e na indústria



As enchentes afetaram 94,3% de toda atividade econômica do Rio Grande do Sul, segundo um levantamento divulgado na segunda-feira (14/5) pela Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs).

"Os locais mais atingidos incluem os principais polos industriais do Rio Grande do Sul, impactando segmentos significativos para a economia do Estado", disse o presidente em exercício da Fiergs, Arildo Bennech Oliveira.

Três das maiores regiões afetadas (Região Metropolitana de Porto Alegre, Vale dos Sinos e Serra) contribuem com R$ 220 bilhões para a atividade econômica brasileira.

Essas três regiões concentram 23,7 mil indústrias que empregam 433 mil pessoas.

A Região da Serra (de cidades como Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Farroupilha) é famosa pela produção nos segmentos metalmecânico (veículos, máquinas, produtos de metal) e móveis. A Região Metropolitana de Porto Alegre também produz metalmecânicos (veículos, autopeças, máquinas), além de derivados de petróleo e alimentos. A Região do Vale dos Sinos é famosa pela produção de calçados.

Mas diversos outros setores da economia também foram afetados, como tabaco e químicos.

Rua alagada em Porto Alegre

CRÉDITO,SEBASTIAO MOREIRA/EPA-EFE/REX/SHUTTERSTOCK

Legenda da foto,Ruas comerciais no Centro de Porto Alegre ficaram alagadas

Um estudo feito pelo Bradesco prevê que o impacto da crise no Rio Grande do Sul pode reduzir o crescimento do PIB nacional em 0,2 a 0,3 ponto percentual.

"A título de comparação, quando o Estado foi atingido pelo ciclone de 2008, o crescimento do PIB estadual daquele ano foi de 2,9%, ante crescimento do Brasil como um todo de 5,1%."

Um outro levantamento — da Confederação Nacional dos Municípios — calcula em mais de R$ 8,9 bilhões os prejuízos financeiros das enchentes. Segundo a CMN, R$ 2,4 bilhões desse prejuízo são no setor público, R$ 1,9 bilhão no setor produtivo privado e R$ 4,6 bilhões especificamente nas habitações destruídas.

Impacto agrícola

O Rio Grande do Sul é uma das potências do agro brasileiro — o Estado representa 12,6% do PIB da agricultura nacional.

Como um todo, a agropecuária brasileira será um dos setores da economia mais afetados pelas enchentes, segundo o Bradesco.

"Considerando tais impactos, o PIB agropecuário no Brasil pode recuar 3,5% (nossa estimativa anterior era de queda de 3,0%). As perdas no agronegócio podem ser ampliadas pela logística, que afeta tanto o escoamento da safra bem como impede a chegada de insumos. Esse parece ser um problema importante para os setores de laticínios e carnes", afirma um relatório do banco.

O Rio Grande do Sul responde por 70% da produção do arroz do Brasil, 15% de carnes (12% da produção de frangos e 17% da produção de súinos) 15% da soja, 4% de milho.

As enchentes provocaram choques em alguns preços internacionais — a cotação mundial da soja na bolsa de Chicago chegou a subir 2% na semana passada. No Brasil, o preço do arroz já subiu e o governo anunciou a importação do produto para evitar um choque ainda maior. Há temores de que os preços de carne de frango e suína também possam subir em breve.

Agricultor segurando plantas mortas em plantação de milho de Guaíba

CRÉDITO,REUTERS/AMANDA PEROBELLI

Legenda da foto,Agricultor mostra prejuízo em campo de milho em Guaíba

Por sorte, 70% da safra de soja e 80% da safra do arroz já haviam sido colhidos. Sobram duas dúvidas agora: quanto do restante da safra foi afetado pelas enchentes e se a quantidade já colhida e armazenada nos silos foi comprometida ou não. O Bradesco avalia que 7,5% da produção de arroz e 2,2% da produção de soja do Brasil podem estar comprometidos, caso se confirmem os piores cenários.

Vale, da MB Associados, lembra que o agro gaúcho já vinha sofrendo muito nos últimos três anos com os extremos climáticos.

"No Rio Grande do Sul, a questão agrícola nos últimos anos tem colocado o Estado no grau de muita insegurança. Foram três anos seguidos de La Niña, com secas muito profundas, e quebras de safra muito fortes. No ano passado, o Estado estava até comemorando a chegada do El Niño, que traria chuvas. Mas quando se pensou que teríamos um ano normal, de repente acontece isso", diz o economista.

Ainda existe a possibilidade de um novo fenômeno La Niña este ano, com potencial para provocar novas secas no Rio Grande do Sul.

Impacto fiscal

Outro impacto importante da calamidade do Rio Grande do Sul na economia nacional é na questão fiscal brasileira.

Há anos o Brasil vem tentando equilibrar sua situação fiscal — ou seja — o governo faz um esforço para conseguir arrecadar mais dinheiro do que gasta, produzindo o que se chama de superávit fiscal.

Esse superávit fiscal é usado para reduzir o endividamento público do governo, que é um elemento fundamental da economia de qualquer país. Alto endividamento tem potencial para produzir inflação alta, baixo crescimento econômico e desemprego.

No ano passado, o governo Lula lançou o que chamou de "arcabouço fiscal" — o conjunto de regras para gastar os recursos públicos e fazer investimentos. Esse arcabouço foi fundamental para acalmar os mercados e sinalizar que o Brasil não gastaria dinheiro desenfreadamente.

Mas no mês passado, diante de problemas no orçamento, o governo desistiu de atingir superávits em 2025.

Economistas apontam que o Brasil já vivia um momento fiscal delicado antes das enchentes no Rio Grande do Sul.

No entanto, o quadro se agrava bastante agora que o governo federal terá que fornecer uma grande ajuda financeira ao Estado.

Todos defendem uma ajuda financeira grande ao Rio Grande do Sul, mas analisam que haverá um grande impacto nas contas nacionais.

Já foi anunciado, por exemplo, um plano a ser enviado ao Congresso para suspender a cobrança da dívida do Estado do Rio Grande do Sul com a União por três anos.

A regra permitiria a criação de um fundo "contábil" de R$ 11 bilhões por ano para ajudar na reconstrução da infraestrutura do Estado que foi devastada pelas enchentes, segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A medida também inclui o perdão da cobrança de juros sobre a dívida — com impacto de R$ 12 bilhões.

O governo federal já havia anunciado na semana passada um pacote de medidas que pode chegar a R$ 51 bilhões, que incluía pagamentos antecipados de benefícios como Bolsa Família, auxílio-gás, BPC, abono salarial e restituição do Imposto de Renda, além de algumas renúncias fiscais.

Na quarta-feira, o governo federal anunciou um auxílio-reconstrução no valor de R$ 5 mil por família cadastrada, que custará R$ 1,2 bilhão aos cofres.

Alguns dos gastos públicos ficarão de fora das regras fiscais do governo, por conta de o Rio Grande do Sul estar em estado de calamidade.

Todas essas medidas são fundamentais para reerguer o Rio Grande do Sul — mas elas têm potencial para agravar a situação fiscal brasileira que já vinha sofrendo antes da crise provocada pelo evento climático.

Sergio Vale, da MB Associados, alerta que ao longo do ano é possível que mais dinheiro seja encaminhado ao Rio Grande do Sul através de créditos extraordinários aprovados pelo Congresso — e que isso deve piorar o equilíbrio fiscal brasileiro.

Ele diz que é difícil quantificar exatamente qual será o tamanho do problema fiscal brasileiro, porque ainda não se sabe quanto dinheiro será necessário para reconstrução do Rio Grande do Sul.

"Não está muito claro exatamente o que o governo vai disponibilizar. O cenário fiscal [do Brasil] já está muito distorcido. Então qualquer coisa que acontece piora ainda mais", diz Vale.

Para Caio Megale, economista-chefe da XP, parte da ajuda estará fora do arcabouço fiscal do governo — mas mesmo que seja necessário incluir essas despesas no orçamento, seria possível acomodar os gastos.

"Ninguém sabe direito qual que vai ser o tamanho total do apoio. A gente ouve falar em R$ 70 bi, R$ 80 bi, R$ 90 bi ou R$ 100 bi. Não dá para saber ainda, é preciso esperar as águas baixarem. Mas o arcabouço fiscal tem espaço para que essas medidas sejam tomadas", disse Megale em um morning call (serviço diário de corretoras para seus clientes) desta semana.




BBC News Brasil

Professor Edgar Bom Jardim - PE

terça-feira, 30 de abril de 2024

Índia tenta ser superpotência do século 21



Alunos de escola indiana

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,A população da Índia triplicou desde meados do século passado. Agora a economia indiana registra crescimento semelhante  Fonte: BBC


As eleições, que começaram em 19 de abril e vão até 1º de junho, e nas quais participarão quase 1 bilhão de pessoas, são cruciais para as ambições crescentes do país.

Pesquisas indicam que a maioria do eleitorado deve optar por dar um terceiro mandato ao primeiro-ministro Narendra Modi.

Modi tem a vantagem de que, durante seu mandato, a posição global da Índia melhorou e as relações do país com os Estados Unidos se fortaleceram


A Índia é hoje uma das poucas potências com armas nucleares, recentemente superou a China como o país mais populoso do mundo e se tornou o primeiro na história a conseguir pousar com sucesso um módulo no polo sul da Lua

Graças à sua crescente classe média, ao seu dinamismo empresarial e ajudado pelo seu 1,4 bilhão de habitantes, o país espera também virar a nova superpotência econômica do século 21.

"A Índia será uma superpotência: tem uma grande base de consumidores e uma população muito jovem", diz Pushpin Singh, economista sênior do Centro de Investigação Econômica e Empresarial (CEBR, na sigla em ingês), uma empresa de consultoria com sede em Londres.

Idade média da população. Países selecionados do G20 (em anos). Gráfico de barras que mostra média de idade dos países do G20 .

Segundo um relatório do CEBR publicado em dezembro, a Índia deverá manter um forte crescimento de cerca de 6,5% ao ano entre 2024 e 2028, e tornar-se a terceira maior economia do mundo até 2032, ultrapassando o Japão e a Alemanha.

As projeções do instituto para o final do século veem a Índia emergir como a maior superpotência econômica mundial, com um PIB (Produto Interno Bruto, soma de bens e serviços produzidos por uma economia) 30% superior ao dos Estados Unidos em 2080.

Os líderes do país asiático confiam na demografia indiana e na sua diplomacia para acelerar a ascensão do país.

1. A 'voz' do sul global

Painel de debates do foro dos BRICS

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,A Índia quer ser a voz do chamado Sul global

Antes de cogitar desafiar a hegemonia dos Estados Unidos, a Índia estabeleceu um objetivo de curto prazo: ser líder do chamado Sul Global, termo usado para se referir aos países em desenvolvimento da Ásia, África e América Latina que querem ter mais peso nos assuntos globais.

Em um discurso durante a segunda cúpula da Voz do Sul Global, em novembro de 2023, Modi garantiu que o grupo quer autonomia e está disposto a assumir grandes responsabilidades nos assuntos globais.

Ele disse também que a Índia tem orgulho de representar a voz do sul em fóruns globais como o G20.

Ronak Gopaldas, economista e cientista político da Signal Risk, uma consultoria sediada na África do Sul, afirma que a Índia aproveita seu crescente poder econômico para ganhar influência em várias regiões do mundo, especialmente na África, um continente que se tornou fundamental para Índia.



Una persona contando moneda india.
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Índia, uma potência em ascensão

  • 5Posição da Índia no ranking das maiores economias do mundo, após superar Reino Unido em 2023

  • 11A posição que a Índia ocupava em 2012

  • 3A posição do país projetada para 2032

Fonte: FMI, Morgan Stanley

Até 2050, uma em cada quatro pessoas no mundo será africana, observa Gopaldas em entrevista à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.

"É um continente que tem a população em idade ativa mais jovem do mundo e possui minerais críticos que o mundo necessita para a transição energética. A África é grande e importante demais para se ignorar", afirma o economista.

"Muitos países africanos veem a Índia como uma democracia que costumava ser pobre e que agora está prosperando, enquanto a Índia se vê como a voz do sul global."

O primeiro-ministro Narendra Modi aproveitou a presidência temporária do G20 e a cúpula realizada em Nova Déli no ano passado para promover a Índia como um "símbolo de inclusão" entre os países do sul global.

Talvez o seu maior sucesso diplomático no ano passado tenha sido a aceitação de sua proposta de incluir a União Africana (organização internacional africana composta por 55 países) como membro permanente do fórum.

O economista Pushpin Singh concorda que a Índia busca e está conquistando cada vez mais influência internacional.

"A Índia quer atrair investimento estrangeiro para o país e formar alianças com o resto do mundo, com o objetivo de se tornar um grande ator internacional e competir com outras potências", explica.

Singh não acredita que o país esteja buscando desesperadamente o status de superpotência.

"A Índia sabe que ainda há muito trabalho a fazer, mas acho que reconhece que mais cedo ou mais tarde isso vai acontecer."

2. Alinhamentos múltiplos

Jawaharlal Nehru

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Legenda da foto,O ex-primeiro-ministro da Índia Jawaharlal Nehru (centro) foi um dos promotores do Movimento dos Não-Alinhados em 1956

Enquanto a Guerra Fria ditava a política internacional de muitos países, a Índia recorreu a uma política de não-alinhamento que em 1961 acabou por se tornar um fórum: o Movimento dos Não-Alinhados.

Mas já há alguns anos, Nova Déli abandonou a sua posição histórica de não-alinhamento para exercer o "multialinhamento estratégico".

Em maio de 2022, a Índia participou da cúpula de líderes do Diálogo de Segurança Quadrilateral (Quad) em Tóquio, onde Modi afirmou que a Índia compartilha objetivos comuns com os outros membros (Austrália, Japão e EUA) na região do Indo-Pacífico.

Em junho do mesmo ano, Modi apareceu acompanhado do presidente da China, Xi Jinping, e do russo Vladimir Putin na 14ª Cúpula dos Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) realizada em formato virtual e pediu para fortalecer a identidade do grupo.

Pouco depois, o chanceler alemão Olaf Scholz convidou a Índia a participar da Cúpula do G7 (grupo formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) na Baviera como país parceiro.

Ao participar nestas cúpulas com visões do mundo tão diversas, a Índia exerce um "multialinhamento estratégico": uma política externa que é mais pragmática do que ideológica.

As prioridades estratégicas do país vêm em primeiro lugar e as alianças geopolíticas tendem a ser fluidas: um aliado em uma questão pode ser um adversário em outra.

"A Índia é um importante parceiro econômico e de segurança para o Ocidente e sabe que é. Ao mesmo tempo, vê-se como líder do Sul global e tem uma relação histórica com a Rússia", explica o economista Ronak Gopaldas.

"Por tudo isto, a Índia tenta maximizar a sua influência estratégica e econômica para conseguir acordos econômicos favoráveis para o país."

Golpaldas salienta que o multialinhamento estratégico requer uma diplomacia muito boa e a Índia tem tido até agora sucesso na implementação desta política como uma potência em ascensão que tem "um pé no Quad e outro nos Brics".

"Provavelmente chegará um momento em que terá que escolher um lado, tudo dependerá de quão eficaz sua diplomacia continuará sendo."

3. Uma poderosa diáspora

Ajay Banga

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,Ajay Banga foi nomeado presidente do Banco Mundial em junho de 2023

A Índia tem uma das maiores e mais bem-sucedidas diásporas (dispersão populacional por vários países) do mundo.

Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), são 18 milhões de pessoas, mas Nova Déli garante que há 30 milhões de indianos no exterior – se incluídos aqueles que renunciaram à nacionalidade indiana, já que o país não permite a dupla nacionalidade.

Eles vivem principalmente nos países do Golfo Pérsico, nos EUA, Reino Unido e Canadá.

Estes emigrantes tornaram-se uma grande força econômica.

Em 2023, eles enviaram quase US$ 125 bilhões (R$ 640 bilhões) em remessas para seu país de origem, cerca de 3,4% do PIB do país, tornando a Índia o principal destinatário de remessas internacionais no mundo.

A diáspora indiana é geralmente educada e rica. Dois grandes exemplos do sucesso de seus descendentes são Kamala Harris, vice-presidente dos Estados Unidos, e Rishi Sunak, primeiro-ministro do Reino Unido.

E em meados do ano passado, Ajay Banga, nascido perto de Bombaim, foi nomeado presidente do Banco Mundial, uma das instituições financeiras mais importantes do mundo.

Os indianos ou descendentes de indianos também lideram gigantes da tecnologia como Google, IBM e Microsoft.

Desde que chegou ao poder em 2014, o primeiro-ministro Narenda Modi tem procurado estabelecer laços estreitos com seus compatriotas no exterior, a quem chama de "embaixadores da marca" Índia.

Ele sabe que ter uma diáspora de sucesso cria muitas vezes uma imagem positiva do país de origem e que pode contar com ela para promover os interesses do país no exterior.

"Não há dúvida de que a grande diáspora indiana que está atualmente espalhada pelo mundo, na qual me incluo, e também ajuda a aumentar a influência do país e o seu soft power", diz o economista Pushpin Singh, se referindo à estratégia de países para conquistarem poder e prestígio sem uso da força.

A influência da diáspora indiana não é nova, mas é cada vez mais visível.

"Os indianos no exterior desempenharam um papel fundamental na melhoria das relações entre os EUA e a Índia há duas décadas e isso possibilitou que ambos os países assinassem um acordo nuclear", disse Chietigj Bajpaee, pesquisador e especialista na questão nuclear de sul da Ásia da Chatham House, um instituto de pesquisa com sede em Londres.

Ele acredita que a dimensão da diáspora indiana, seu nível de educação, de riqueza e sua presença nas grandes potências fazem dela um ativo importante para a nação asiática.

Obstáculos internos

Narenda Modi em 2019

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,Em 2019, Narenda Modi disse que só ele poderia tornar a Índia uma superpotência

Chietigj Bajpaee salienta que a Índia não obterá o status de superpotência em um futuro próximo e ainda enfrenta muitos desafios, tanto econômicos como sociais.

"A economia sofre com problemas estruturais. O próprio governo admite que dois terços da população indiana recebe algum tipo de ajuda alimentar: são quase 800 milhões de pessoas", afirma.

"Há também problemas de infraestrutura, de logística e a Índia ainda tem uma economia protecionista."

Bajpaee acredita que um indicador chave para saber se a Índia conseguirá emergir como uma superpotência será quando o país for capaz de substituir a China como motor econômico mundial. E quando se tornar uma alternativa na cadeia de suprimentos global, reduzindo a dependência com relação à China.

Modi acredita que isso vai acontecer.

"A Índia será o motor do crescimento no mundo", declarou o presidente durante uma visita à África do Sul no ano passado.

Ao final de 2023, o país consolidou o título de grande economia que mais cresce no mundo, com avanço anualizado de 8,4% nos últimos três meses do ano.

Abordar as crescentes disparidades entre o norte e o sul do país é também uma prioridade para muitos indianos.

Embora seja verdade que o país registrou um rápido crescimento nos últimos 20 anos, a riqueza não chegou a todos.

Em geral, o sul e o oeste do país (exceto Rajastão e Kerala) são mais ricos e mais desenvolvidos do que o norte, que é mais rural e populoso.

Enquanto no sul se pode ver uma Índia próspera, cheia de novas empresas e indústrias, milhões no norte vivem na pobreza e são os mais afetados pelo desemprego, um grande problema em nível nacional.

Apenas 40% da população em idade ativa da Índia trabalham ou querem trabalhar, de acordo com dados do ano passado do Centro de Monitoramento da Economia Indiana (CMIE).

O novo governo da Índia precisa criar empregos suficientes para sua população e incentivar a incorporação das mulheres no mercado de trabalho: apenas 10% das mulheres em idade ativa trabalhavam no final de 2022, segundo o CMIE.

Polarização

A polarização política também se tornou um grande problema.

Desde o século 19, persiste o dilema sobre se a Índia deveria ser uma nação secular ou hindu, já que cerca de 80% da população se identifica com esta religião.

O debate intensificou-se desde 2014, quando o partido nacionalista hindu BJP, de Modi, venceu as eleições.

A discriminação contra a população muçulmana aumentou.

A autora Devika Rege, que publicou recentemente Quarterlife, um romance sobre a transformação da Índia após as eleições de 2014, acredita que seu país está passando por uma onda de "desarmonia comunitária".

Ela diz que a sociedade se polarizou e que as liberdades civis foram comprometidas desde aquela eleição.

Tensões geopolíticas

Muitos também acreditam que o crescimento da Índia pode ser prejudicado devido à sua geografia.

"Esta é uma região com muitas tensões geopolíticas", explica o economista Pushpin Singh.

A Índia mantém uma relação muito tensa com o Paquistão, nação vizinha que também desenvolveu armas nucleares e disputa a região da Caxemira, onde os muçulmanos são maioria.

Ambos os países reivindicam toda a região, mas controlam apenas partes dela. Eles já travaram duas guerras e um conflito menor na região.

A Índia e a China, que também reivindica uma parte da Caxemira, discordam sobre a linha fronteiriça na região do Himalaia e já entraram em confronto no passado.

Desde a década de 1950, a China recusa-se a reconhecer as fronteiras concebidas durante a era colonial britânica.

Em 1962, isto levou a uma guerra breve mas brutal entre os dois países, que terminou em derrota militar humilhante para a Índia.

Mais recentemente, em 2020, ambas as potências voltaram a se enfrentar.

Os outros vizinhos da Índia incluem o Afeganistão e Mianmar, países que estão mergulhados em guerras civis. São conflitos que, segundo Bajpaee, prejudicam o crescimento e o potencial da Índia.

"A grande questão é se a Índia pode prosperar sem a sua região", afirma o pesquisador da Chatham House.

A maioria acredita que sim


Professor Edgar Bom Jardim - PE