quarta-feira, 27 de março de 2024

Lula e Macron: o que une e o que afasta o presidente francês do brasileiro



Lula e Macro

CRÉDITO,RICARDO STUCKERT/PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

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Lula e Macron durante visita do presidente brasileiro a Paris. Macron chega nesta terça-feira (26/03) ao Brasil para uma viagem de três dias

  • Author,Leandro Prazeres
  • Role,Da BBC News Brasil em Brasília

presidente da França, Emmanuel Macron, chega ao Brasil na terça-feira (26/3) para sua primeira visita bilateral a um país da América Latina desde que assumiu o poder, em 2017.

O país será o único da região a ser visitado desta vez pelo presidente francês. Ele vai ficar três dias e passar por cinco cidades: Belém, Rio de Janeiro, Itaguaí (RJ), São Paulo e Brasília.

Macron terá encontros com o presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) no início e no final da viagem.

Sua visita tem um caráter simbólico importante, avalia Carolina Pavese, a doutora em Relações Internacionais pela London School of Economics (LSE) e especialista em Europa


"Essa visita é simbólica para romper um período de tensão nas relações entre o Brasil e a França vivido durante o governo Bolsonaro", diz Pavese à BBC News Brasil.

Durante os quatro anos em que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) governou, ele e o presidente francês chegaram a trocar farpas públicas. A visita marca, portanto, uma reaproximação.

"É uma aproximação tardia, uma vez que Macron ainda não havia vindo ao Brasil ou à América Latina, mas que finalmente está ocorrendo."

O presidente francês será recebido em Belém por Lula, com quem mantém um relacionamento aparentemente mais amistoso do que o que teve com Bolsonaro.

Segundo o Itamaraty, o comércio, o combate às mudanças climáticas e a cooperação militar serão alguns dos principais eixos da visita de Macron ao Brasil.

Lula e Macron já deram demonstrações de convergências em temas que vão do combate ao avanço da extrema-direita no mundo, defesa do meio ambiente e a necessidade de um cessar-fogo no conflito na Faixa de Gaza.

Apesar disso, diplomatas e especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que a viagem de Macron também deverá deixar evidentes as principais divergências entre os dois presidentes.

Entre elas estão a oposição de Macron ao acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul e o tratamento dado pelo Brasil durante as reuniões do G20, presidido pelo Brasil, à guerra na Ucrânia.

Submarinos, combate à direita radical e Gaza

Submarino brasileiro

CRÉDITO,ALAN SANTOS/PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

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Submarino Riachuelo foi lançado ao mar em 2018 e é da leva de embarcações de programa firmado entre Brasil e a França. Macron participará do lançamento do terceiro submarino de um total de cinco previstos


Um dos principais pontos de convergência entre Lula e Macron é a cooperação militar entre os dois países. Há expectativa de que os dois países assinem memorandos de entendimento nesta área durante a passagem de Macron pelo Brasil. De um lado, a França é um importante fornecedor de produtos de defesa no mercado internacional. Do outro, o Brasil é um importante consumidor de tecnologia militar francesa.

"Para além dos ganhos diplomáticos dessa visita, há uma agenda objetiva e pragmática de cooperação em áreas importantes da agenda brasileira e francesa. Entre elas, uma das principais é a cooperação em assuntos de defesa", disse Carolina Pavese.

Um dos principais eventos da viagem de Macron ao país será sua participação na cerimônia de lançamento ao mar do submarino "Toneleiro", o terceiro produzido pelo Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), fruto de um acordo firmado pelo Brasil e a França em 2008, quando Lula estava em seu segundo mandato.

No total, o programa prevê a construção de quatro submarinos convencionais e um movido a propulsão nuclear. O custo estimado das embarcações é de R$ 31 bilhões. O projeto é considerado estratégico pelo Brasil pois apenas seis países no mundo têm submarinos nucleares: Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França, China e Índia.

Esse tipo de embarcação utiliza um reator nuclear para gerar a energia que vai impulsioná-lo. Esse tipo de propulsão dá mais autonomia ao submarino. Isso não significa, porém, que ele carregará armas nucleares.

O Brasil é signatário de tratados internacionais contra a utilização de armas desse tipo.

A vinda de Macron acontece em um momento em que França e Brasil vem aumentando o diálogo em torno da parte mais sensível do Prosub, que é a parte nuclear. Até agora, o acordo com a França previa cooperação e troca de tecnologia na parte naval dos submarinos e não na parte nuclear.

O Brasil vem encontrando dificuldade em obter auxílio tecnológico para a parte nuclear do projeto, que inclui o acondicionamento do reator no casco e sua conexão com o sistema que vai gerar a sua propulsão.

Nos últimos meses, o governo francês enviou emissários ao Brasil para tratar do assunto e, na sexta-feira (22/03), a secretária para Europa e América do Norte do Ministério das Relações Exteriores, afirmou que os dois países vêm conversando sobre a possibilidade de os franceses ajudarem o Brasil na fase nuclear do projeto.

"É uma área em que talvez houvesse uma resistência no passado, mas hoje já há conversas sobre essa possibilidade: de que a França coopere conosco inclusive nesse aspecto à luz da energia nuclear, do combustível nuclear", disse a embaixadora Maria Luisa Escorel de Moraes, Secretária de Europa e América do Norte do Itamaraty durante uma entrevista coletiva à qual a BBC News Brasil participou.

"[A participação de Macron no lançamento do submarino] talvez será será um dos momentos mais importantes da visita à luz da importância do setor da defesa (para os dois países), não só para defesa, mas porque o desenvolvimento de equipamentos de defesa de um, modo geral, costumam transbordar para outros setores da nossa economia", disse diplomata.

Além da cooperação militar, Macron e Lula também convergem quando o assunto é combate ao crescimento da direita radical.

Na França, a principal adversária política de Macron durante as eleições de 2022 foi Marine Le Pen, maior liderança do partido de direita Reagrupamento Nacional. No Brasil, o principal adversário político também é um político de direita: Jair Bolsonaro.

Lula e Macron já fizeram discursos críticos à ampliação da direita radical.

“Muitos dos nossos compatriotas votaram em mim não pelas minhas ideias, mas para barrar as ideias da extrema direita”, disse Macron logo após ser reeleito em 2022.

Em setembro do ano passado, foi a vez de Lula se manifestar sobre o assunto.

"O neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias. Seu legado é uma massa de deserdados e excluídos. Em meio aos seus escombros surgem aventureiros de extrema direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas", disse Lula em discurso na Assembleia Geral da ONU.

Ainda no âmbito político, os governos do Brasil e da França vêm convergindo em relação às tentativas de pôr um fim ao conflito na Faixa de Gaza.

Em outubro do ano passado, pouco depois do início da ofensiva israelense sobre o território palestino, a França apoiou uma proposta que o Brasil havia feito ao Conselho de Segurança da ONU propondo pausas humanitárias em meio ao conflito.

A França é membro permanente do conselho e tem direito a veto e, na época, o Brasil exercia a presidência rotativa do colegiado.

A proposta, no entanto, acabou sendo rejeitada pelo veto dos Estados Unidos.

Publicamente, Macron e Lula condenaram as ações terroristas praticadas pelo Hamas contra Israel, mas vêm criticando o governo israelense pela escala da reação militar na Faixa de Gaza, embora o tom adotado pelo brasileiro tenha causado reação por parte de Israel.

"De fato, hoje, civis estão sendo bombardeados. Esses bebês, essas senhoras, esses idosos são bombardeados e mortos. Então, não há razão para isso e não há legitimidade. Por isso, nós instamos Israel a parar", disse Macron em entrevista à BBC News em novembro do ano passado.

Lula, por sua vez, classificou a ação de Israel na Faixa de Gaza como um "genocídio" e fez uma menção ao extermínio de judeus pelo regime nazista.

"O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu: quando o Hitler resolveu matar os judeus."

Após a fala, o governo de Israel reagiu e declarou que o presidente brasileiro é persona non grata no país.

Na linguagem diplomática, a expressão se aplica a um representante estrangeiro que não é mais bem-vindo em missões oficiais em determinado país.

Autoridades francesas afirmaram, na semana passada, que a crise no Oriente Médio estará na agenda de discussões entre Lula e Macron.

combatente na guerra da ucrânia

CRÉDITO,GETTY IMAGES

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Lula e Emmanuel Macron têm divergido sobre a guerra na Ucrânia

Acordo com União Europeia e guerra na Ucrânia

A relação entre Lula e Macron também é marcada por divergências. A principal delas, apontam especialistas, é a oposição de Macron à conclusão do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, negociado desde 1999.

Em 2019, durante o governo de Bolsonaro, Mercosul e União Europeia assinaram o acordo. Para entrar em vigor, no entanto, o acordo precisava passar por uma revisão técnica e pela ratificação dos parlamentos de todos os países envolvidos.

Após quatro anos paralisado, o acordo voltou a ser negociado após a mudança de governo no Brasil, com a chegada de Lula ao Palácio do Planalto, em 2023.

As negociações, no entanto, foram travadas após os europeus fazerem novas exigências ambientais que foram consideradas descabidas pelos negociadores do Mercosul.

Nos últimos meses, Macron deu diversas declarações contrárias ao acordo. Segundo ele, as regras poderiam acabar permitindo a entrada de produtos oriundos do Mercosul produzidos sem o respeito às normas ambientais europeias.

"O que é incompreensível e que e eu mesmo não sei explicar é que, enquanto nós mesmos colocamos regras de produção, importamos produtos que não respeitam essas regras", afirmou Macron em fevereiro.

Lula, por sua vez, rechaçou a oposição ao acordo em dezembro de 2023, após Macron fazer novas críticas ao tratado.

"Se não tiver acordo, paciência. Não foi por falta de vontade. A única coisa que tem que ficar claro é que não digam mais que é por conta do Brasil e que não digam mais que é por conta da América do Sul. Assumam a responsabilidade de que os países ricos não querem fazer um acordo na perspectiva de fazer qualquer concessão. É sempre ganhar mais", disse Lula.

Para o professor de Relações Internacionais da ESPM, Demetrius Pereira, a oposição de Macron é uma resposta à pressão contra o acordo feita por agricultores franceses.

"É um lobby muito forte e que, historicamente, realiza protestos muito ruidosos contra a possibilidade de maior entrada de produtos agrícolas estrangeiros", disse o professor à BBC News Brasil.

Para a professora Carolina Pavese, apesar do tom amistoso entre Lula e Macron, os dois deverão agir de forma pragmática em relação ao acordo.

"Amigos, amigos, negócios à parte. Essa relação pode ser amistosa, mas os presidentes continuarão a demonstrar suas insatisfações em torno desse tema em que há uma divergência tão clara. É óbvio que o fato de serem próximos facilita as conversas, mas não é suficiente para resolver esse impasse", disse a professora.

A embaixadora Maria Luísa Escorel de Moraes afirmou que o acordo comercial entre os dois blocos deverá ser discutido por Lula e Macron nesta semana, mas disse que, por se tratar de uma visita bilateral, o tema não será central ao longo da viagem.

"Esse assunto poderá ser tocado [...] mas essa negociação é entre o Mercosul e a Comissão Europeia. Não é uma negociação com os países da União Europeia individualmente. A Comissão Europeia fala por todos os países. E a grande maioria é a favor (do acordo)", disse a diplomata.

A segunda divergência que poderá ficar evidente durante a passagem de Macron pelo Brasil é com relação à guerra na Ucrânia.

Especialistas avaliam que Macron tentará influenciar o governo brasileiro a dar mais espaço para o conflito ucraniano durante as reuniões do G20, grupo das 20 maiores economias do mundo que, neste ano, é presidido pelo Brasil.

O tema vem causando entraves nas reuniões de líderes já realizadas até o momento. Em março, por exemplo, houve um impasse durante a reunião de ministros de finanças do grupo sobre como o conflito seria tratado no comunicado final do encontro.

Segundo o jornal "O Estado de S.Paulo", o impasse se deu porque um grupo de países defendia que o tema fosse tratado como "War on Ukraine", ou seja: Guerra contra a Ucrânia. Outro grupo, defendia que o tema fosse tratado como "War in Ukraine", ou seja: Guerra na Ucrânia.

"A expectativa é de que Macron tente influenciar a agenda do G20 para que o Brasil dê mais importância ao conflito na Ucrânia. Apesar de o Brasil condenar a invasão russa, o país vem tratando esse assunto com muita cautela e Macron gostaria de uma posição mais enfática", disse Carolina Pavese.

Na semana passada, autoridades do governo francês disseram a jornalistas que Macron tentará encontrar "convergências" sobre o tema com Lula para definir uma possível agenda de suporte à Ucrânia.

O presidente francês têm sido um dos principais aliados do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, desde que a Rússia iniciou sua ofensiva militar sobre o país em 2022.

Lula, por sua vez, vem sendo criticado por parte da comunidade internacional em razão da sua postura em relação ao conflito.

Ele deu declarações apontando que tanto Zelensky quanto o presidente russo, Vladimir Putin, seriam responsáveis pela guerra.

Em fevereiro do ano passado, por exemplo, Lula disse em entrevista que o Brasil não forneceria armas para a Ucrânia, contrariando diversos aliados europeus e os Estados Unidos.

Em abril do ano passado, Lula chegou a criticar os Estados Unidos e a Europa por fornecerem armamentos para a Ucrânia, o que, para os europeus, é considerado fundamental para evitar o avanço russo sobre o país.

O governo aliás, não atendeu a pedidos para fornecer armamentos ao país.

A diplomata Maria Luísa Escorel de Moraes disse, na semana passada, que a guerra na Ucrânia, assim como o conflito em Gaza, deverá fazer parte das conversas entre os dois presidentes.

A expectativa é de que Lula e Macron se dirijam à imprensa na quinta-feira (28/03), último dia da viagem do presidente francês


Professor Edgar Bom Jardim - PE

segunda-feira, 25 de março de 2024

Bolsonaro, o pior presidente do Brasil quer escapar da prisão. Quais as regras para conseguir asilo político?



Jair Bolsonaro cercado de figuras escuras

CRÉDITO,SERGIO LIMA/AFP VIA GETTY IMAGES

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Bolsonaro teve o passaporte apreendido pela Polícia Federal

  • Author,Com informações de: Letícia Mori e Leandro Prazeres
  • Role,Fonte: BBC News Brasil em São Paulo e em Brasília



Investigado por suspeita de tramar um golpe para permanecer no poder após as eleições de 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro passou dois dias na embaixada da Hungria, em Brasília, em fevereiro, em uma "aparente tentativa de pedir asilo político", segundo informações do jornal americano The New York Times.

Vídeos publicados na segunda-feira (25/03) pelo Times mostram momentos da estadia do ex-presidente na embaixada entre os dias 12 e 14 de fevereiro, apenas alguns dias depois de a Polícia Federal confiscar seu passaporte e prender o coronel Marcelo Câmara, seu ex-ajudante de ordens; e Filipe Martins, ex-assessor para Assuntos Internacionais da Presidência.

Embaixadas estrangeiras estão protegidas pela "inviolabilidade" prevista na Convenção de Viena, o que significa que as autoridades brasileiras não podem entrar no local sem o consentimento do país, explica à BBC News Brasil o advogado Thiago Amparo, professor de direito da Fundação Getulio Vargas.

"Isso não significa que a embaixada é 'território estrangeiro', é uma confusão bem comum", afirma Amparo.



A defesa do ex-presidente divulgou uma nota confirmando a estadia e afirmando que a presença de Bolsonaro na embaixada — que fica em Brasília, cidade onde o ex-presidente reside — foi para "manter contatos com autoridades do país amigo".

"Nos dias em que esteve hospedado na embaixada magiar, a convite, o ex-presidente brasileiro conversou com inúmeras autoridades do país amigo atualizando os cenários políticos das duas nações", diz a nota, assinada por seus advogados.

"Quaisquer outras interpretações que extrapolem as informações aqui repassadas se constituem em evidente obra ficcional, sem relação com a realidade dos fatos."

Embora o Brasil não tenha grandes fluxos migratórios ou parceria econômica ou com a Hungria, Bolsonaro teve durante seu governo uma relação próxima com o primeiro-ministro húngaro de direita, Viktor Orbán, explica o cientista político Dawisson Belém Lopes, professor de políticia internacional e comparativa na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

"Essa relação estava baseada no compartilhamento de uma visão de mundo lastreada por autoritarismo e religiosidade", diz Belém Lopes.

Na tarde de segunda (25/03), o embaixador da Hungria foi chamado ao Ministério das Relações exteriores para uma conversa.

"É uma medida comum nas relações diplomáticas para mostrar um descontentamento e pedir explicações, porque o país tem a obrigação de não interferir na política nacional", explica Amparo.

O ex-presidente Jair Bolsonaro e o primeiro ministro húngaro Viktor Orban

CRÉDITO,GETTY IMAGES

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Bolsonaro e Orbán são próximos politicamente

Bolsonaro pode conseguir asilo político?

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O asilo político é regido pelas normas do direito internacional, mas cada país tem seus procedimentos específicos para concessão.

Ele está previsto no Artigo 14 de Declaração Universal dos Direitos Humanos, que prevê que "toda vítima de perseguição tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países".

No caso da Hungria, que faz parte da União Europeia (UE), solicitantes de asilo estariam sujeitos ao sistema europeu comum de asilo — não há, no entanto, confirmação sobre Bolsonaro ter feito este pedido.

As regras para o asilo político na UE dizem que quem faz o pedido precisa ter "um medo bem fundado de ser perseguido ou um risco real de sofrer danos graves".

A perseguição ou ameaça de dano pode vir do Estado de origem da pessoa, de partidos ou organizações controlando o Estado ou parte substancial do território e de agentes não ligados ao Estado, desde que o país de origem da pessoa não tenha condições de protegê-la.

No entanto, o asilo político é considerado um direito do Estado, ou seja, embora proteja os direitos humanos, sua concessão é uma prerrogativa dos países.

A consequência disso, de acordo com o trabalho do jurista Celso Albuquerque Mello, é que esse direito sempre foi "livre, arbitrário e discricionário, assente na soberania territorial".

Ou seja, embora existam regras, em última instância, os Estados podem conceder ou não um asilo de forma bastante livre.

"Hungria pode conceder asilo a quem quiser porque é um ato discricionário do país, desde que ele siga a Convenção de Viena", diz Thiago Amparo.

Assim, diz o cientista político Dawisson Belém Lopes, a concessão de um hipotético asilo a Bolsonaro seria uma opção viável.

"Além dessa proximidade entre os dois, há ainda o esgotamento das alternativas para Bolsonaro. EUA, Itália e países do Golfo Pérsico (Arábia Saudita, Emirados Árabes e outros) não parecem abertos a esse tipo de acolhimento", afirma o pesquisador.

Belém Lopes diz que não acredita que a estadia do ex-presidente na embaixada não esteja relacionada a um pedido de asilo.

"A ideia de que Bolsonaro pernoitou na embaixada da Hungria em Brasília - cidade onde mantém residência - para manter contatos de trabalho, em pleno Carnaval, logo após o juiz Alexandre de Moraes ter confiscado seu passaporte, é absurda, para não dizer risível", diz ele.

A estadia no embaixada seria importante para o ex-presidente em caso de pedido de asilo, já que, caso houvesse a concessão do asilo e Bolsonaro não estivesse na embaixada, o governo brasileiro não teria obrigação de entregá-lo ao país, explica Thiago Amparo.


Professor Edgar Bom Jardim - PE

Quem são e como surgiram os batistas, cristãos que não batizam crianças





Batismo de Jesus, em pintura do século 15, de Perugino
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Batismo de Jesus, em pintura do século 15, de Perugino

  • Author,Edison Veiga
  • Role,De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil

Narrativa presente nos quatro Evangelhos canônicos - Mateus, Marcos, Lucas e João - o batismo de Jesus teria acontecido no início de sua vida pública. Ou seja: quando ele tinha cerca de 30 anos.

Ele teria ido até o rio Jordão, onde um pregador itinerante conhecido como João, o Batista, costumava mergulhar seus seguidores na água como símbolo de conversão.

Mais tarde, a prática acabou sendo incorporada pelos cristãos como forma de marcar o início da vida na religião.

Se para os que vinham de outra fé este início seria a conversão, no caso dos filhos dos cristãos o batismo passou a ocorrer pouco tempo após o nascimento


Mas no século 16, em meio à chamada Reforma Protestante, durante a qual emergiram questionamentos quanto ao monopólio da fé que a Igreja Católica representava para o Ocidente e uma certa abertura às diversidades de pensamentos, floresceu uma denominação religiosa que, ao contrário da grande maioria, não tinha um poder central — a Igreja Batista.

Essa igreja foi uma das que cresceram fazendo o oposto do que era convencional: negando-se a batizar as crianças. Para os batistas, só pode receber o batismo aquele que já tem a consciência formada.

Em termos técnicos, eles são contrários ao pedobatismo e defendem o credobatismo.

Muitos atribuem a fundação da Igreja Batista aos ingleses John Smyth (1570-1612) e Thomas Helwys (1550-1616), duas figuras ilustres da história.

"Essa coisa de não batizar crianças é o traço marcante dos batistas", afirma à BBC News Brasil o teólogo e historiador Gerson Leite de Moraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

"Na Igreja Batista, os filhos dos crentes são apresentados quando vão à igreja pela primeira vez, mas só se tornam membros da igreja no dia em que passam pelas águas. Isso é um traço típico", acrescenta.

Inspiração aos pentecostais


Mas a imagem de adultos sendo batizados não soa estranha ao brasileiro contemporâneo — o chamado credobatismo é prática na maioria das igrejas neopentecostais em um país cujo avanço dos evangélicos é constante

"Ela [a Igreja Batista] foi decisiva para criar um modelo que os pentecostais seguem, pois eles também valorizam o batismo nas águas. Mergulhar as pessoas é típico da tradição batista", complementa Moraes.

"Esse é um ponto muito comum nas igrejas evangélicas brasileiras hoje, mas era um diferencial enorme [nos séculos 16 e 17]", comenta o historiador e teólogo Vinicius Couto, doutor em ciências da religião pela Universidade Metodista de São Paulo e professor do Seminário Teológico Nazareno do Brasil e do Seminário Batista Livre.

Não é por acaso. A Igreja Batista, ou uma dissidência dela, está por trás do pontapé inicial para esse crescimento pentecostal no Brasil, a partir dos anos 1960.

"Hoje, o movimento batista é muito fragmentado no Brasil, com diversas denominações", explica Couto. "Mas talvez a mais significativa seja uma cisão ocorrida em 1964, influenciada pelas questões carismáticas."

Ele se refere a uma história ocorrida em Belo Horizonte, Minas Gerais. Ali já existia, desde 1957, uma igreja batista chamada Lagoinha, no bairro homônimo, que havia sido fundada por um pastor chamado José Rego Nascimento.

A igreja era membro da chamada Convenção Batista Brasileira. Mas o pastor decidiu fazer a chamada "renovação espiritual" da mesma, incorporando elementos fundamentalistas do que acabaria conhecido como pentecostalismo ou neopentecostalismo.

Era uma tendência cristã que já fazia muito sucesso em outros países, como nos Estados Unidos. A adesão ao modelo, contudo, acarretou divergências com a Convenção Batista que terminaria expulsando a Lagoinha do grupo.

Para resolver o imbróglio, Nascimento resolveu criar uma nova denominação. Assim nasceu a Igreja Batista da Lagoinha, ou simplesmente IBL, atualmente com quase 100 mil adeptos, mais de 100 igrejas, sob o comando do midiático pastor André Valadão.

"Foi um movimento influenciado por questões carismáticas, de influência pentecostal. Esse movimento forte [ocorrido em Belo Horizonte] acabou gerando um carismatismo em outras igrejas tradicionais, como a Presbiteriana e a Metodista", diz Couto.

De certa forma, a onda pentecostal contemporânea que se espalhou pelo Brasil nasceu ali, em Lagoinha. Por isso os batismos de adultos, com imersão, se tornaram comuns no país.

Esse processo foi facilitado por uma característica histórica dos batistas — que também seria incorporado por boa parte das igrejas pentecostais da atualidade: uma certa independência de cada unidade.

"Os batistas são congregacionais, o que significa que cada Igreja Batista é uma congregação própria, com vida própria", explica Moraes.

"Seus membros elegem seu pastor e eles não estão vinculados a um sistema episcopal, comandado por um bispo, como nas igrejas Católica ou Anglicana, ou conciliar, em que igrejas locais são ligadas a um presbitério, a uma determinada região, como a Presbiteriana."

Obra de Piero della Francesca, século 15, retratando o batismo de Jesus
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Obra de Piero della Francesca, século 15, retratando o batismo de Jesus

Os dois ingleses

Para entender a raiz de todas essas ideias é preciso voltar aos dois ingleses que nasceram no século 16, o Smyth e o Helwys.

O primeiro era sacerdote da Igreja Anglicana. O segundo, advogado, foi quem o defendeu quando ele acabou rompendo com o anglicanismo, em 1606.

No ano seguinte ao desligamento da Igreja Anglicana, os dois amigos acabaram se mudando para Amsterdã. Ali estabeleceram um pequeno grupo de crentes dedicados a estudar a bíblia.

"Smyth estava em um momento de discórdia de alguns pontos da Igreja Anglicana e teria se aproximado dos menonitas [um movimento evangélico que já defendia o credobatismo]", contextualiza Moraes.

"E examinando ali a Bíblia ele acaba chegando à essa conclusão, de que as pessoas que deveriam fazer parte da igreja seriam aquelas que tomassem a decisão de se batizar com consciência."

"Assim, batizar crianças seria um erro. A pessoa deveria se batizar quando ela tivesse consciência do ato e isso seria o sinal de entrada na igreja", complementa.

E o batismo por imersão, vale ressaltar.

Essa ideia é fundamentada, do ponto de vista dos textos sagrados. Porque etimologicamente, a palavra batismo tem origem grega e significa "imergir", "banhar", "lavar" — e também “purificar”.

Em 1609, Smyth batizou todos do grupo em Amsterdã, incluindo Helwys e si próprio. Por conta disso, como ressalta o verbete dedicado a ele pela Enciclopédia Britannica, ele passou a ser conhecido como "o autobatista".

Para a maior parte dos historiadores da religião, este episódio é considerado a fundação da primeira Igreja Batista, de forma organizada.

Logo depois, contudo, Smyth manifestaria o desejo de se tornar um menonita e acabaria excomungado da igreja que havia criado. O bastão seguiu com Helwys, que em 1611 escreveu "Uma Declaração de Fé do Povo Inglês Remanescente em Amsterdã na Holanda", cujos 27 artigos são considerados a primeira confissão batista de fé.

"É uma espécie de documento basilar da igreja", diz Couto.

Helwys retornou à Inglaterra em 1611 e, no ano seguinte, fundou nos arredores de Londres a primeira Igreja Batista do país.

No ano seguinte publicou um folheto criticando a monarquia inglesa, o papa e os puritanos. Por conta disso, foi levado para a prisão, onde morreria em 1616.

Ilustração de John Smyth

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Atribui-se a John Smyth (1570-1612) a fundação da Igreja Batista

Princípios

O desenvolvimento da nova denominação religiosa foi paulatino e gradual, conforme conta Moraes.

"Houve uma construção histórica. A adoção do batismo por imersão, por exemplo, que hoje é uma marca de muitas igrejas no Brasil, acabou ocorrendo apenas em 1642", diz o historiador. Dois anos depois disso, o método acabou sendo publicado em documento da igreja.

"É a prática de se levar a pessoa para o batismo em piscina ou água corrente. Nas igrejas calvinistas e na católica, por exemplo, o que se faz é o batismo por aspersão, ou seja, goteja-se um pouco de água na cabeça da pessoa", compara ele.

O importante para os batistas, lembra Couto, é que os batizados sejam conscientes porque a lógica dessa igreja é que ela "é formada por membros que são regenerados".

"O batismo, assim, é um sinal externo de uma graça interna. A pessoa [antes de ser batizada] já nasceu de novo, e vai confirmar isso por meio dessa ordenança", explica ele.

Nos princípios batistas também está a ideia de que a Bíblia é a regra de fé e de prática — fundamento comum a outros protestantes — e a defesa da liberdade de consciência.

"Para um batista, não se deve coagir a consciência das pessoas obrigando ninguém a acreditar no que se acha que é o certo", comenta Couto.

Outra peculiaridade está na eucaristia, ou seja, na maneira como se celebra a ceia cristã.

Para os católicos, ali ocorre a transubstanciação, ou seja, o sacramento ensina que o pão e o vinho se transformam em corpo e o sangue de Cristo.

Para os luteranos, a consubstanciação — o corpo e o sangue de Cristo se juntam aos elementos da eucaristia.

"[Os batistas] vêm com a ideia memorialística, [fazendo da eucaristia] um memorial para lembrar do que Cristo fez. Não é um sacramento", aponta Couto.

A forma de organização também é diferente da maioria das outras igrejas. Tanto no fato de que cada unidade tem uma certa independência, favorecendo a coexistência de linhas um tanto distintas — algo que se tornou comum na grande maioria das pentecostais contemporâneas no Brasil — quanto na simplicidade da hierarquia.

"Eles têm apenas dois cargos: o pastor e o diácono", diz Couto.

Assim como as outras igrejas de base protestante, os batistas também defendem a salvação pela graça mediante a fé, e não por obras.

"E o sacerdócio universal de todos os crente, ou seja, de que não há a necessidade de um mediador para ter acesso a Deus", acrescenta o teólogo.

Expansão e chegada ao Brasil

Da Inglaterra, logo os batistas chegaram às colônias situadas onde hoje são os Estados Unidos.

"Acontece que muitos desses religiosos acabaram sendo perseguidos no ambiente inglês, […] o que fez com que muita gente fosse pra os Estados Unidos, no caso as 13 colônias britânicas na América", ressalta Moraes.

A primeira igreja batista em solo americano foi fundada pelo pastor Roger Williams (1603-1683), em 1638, na colônia que ele fundou com o nome de Rhode Island, hoje um dos estados americanos.

"Os batistas acabaram se espalhando pelo sul dos Estados Unidos e hoje são muito fortes ali", comenta o historiador.

A Convenção Batista do Sul, no estado do Tennessee, arregimenta cerca de 16 milhões de adeptos, o que faz do grupo o maior dentre os batistas de todo o mundo e a maior comunidade evangélica dos Estados Unidos.

Missionários batistas começaram a ser enviados para outras partes do mundo a partir do século 18, principalmente após o fim da Guerra de Secessão, em 1865.

"Com o fim da guerra civil, muitos sulistas americanos, que perderam o conflito, os confederados, acabaram fugindo. Um grupo estabeleceu uma colônia no interior de São Paulo, onde hoje são Americana e Santa Bárbara do Oeste", contextualiza Moraes.

Ali foi fundada a primeira Igreja Batista do Brasil, em 11 de setembro de 1871, com cerca de 30 membros. Mas ainda era algo de nicho, uma igreja em que os membros por aqui eram todos americanos.

Paralelamente a isso, Couto relata que passaram a chegar ao país diversos missionários geralmente batistas ou metodistas.

"Eles vinham como vendedores de Bíblia, mas acabavam aproveitando para evangelizar também. Acabaram sendo chamados de protestantes de missão", conta.

Em 1878, os batistas ganharam um integrante local: o padre Antônio Teixeira de Albuquerque (1840-1887) rompeu com a Igreja Católica e se tornou não só o primeiro batista brasileiro como também o primeiro pastor batista brasileiro.



Professor Edgar Bom Jardim - PE