domingo, 11 de abril de 2021

Príncipe Philip: Líderes mundiais e membros da realeza enviam condolências



Prince Philip rides in a carriage with Spain's Queen Letizia, in 2017

CRÉDITO,REUTERS

Legenda da foto,

Spain's Queen Letizia, pictured in a carriage with Prince Philip in 2017, telegrammed the Queen to mourn the duke's passing

Monarcas, chefes de Estado e primeiros-ministros em todo o mundo, ocupando cargos ou não, enviaram sinceras homenagens após a morte do príncipe Philip, duque de Edimburgo, aos 99 anos. O presidente brasileiro Jair Bolsonaro também mandou mensagem de solidariedade e condolências.

O rei e a rainha da Espanha mandaram telegrama para a "Querida tia Lilibet" para lamentar o falecimento de "Querido tio Philip".

Junto com tributos das famílias reais da Europa, muitas nações da Commonwealth (a Comunidade Britânica, que reúne 54 nações) elogiaram seu serviço público excepcional.

Eles prestaram homenagens a uma vida de compromisso, propósito e devoção à Rainha.

"Ele era um cara incrível... com 99 anos, nunca diminuiu o ritmo", disse o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

'Celebrar memórias'

O duque, cuja morte foi anunciada pelo Palácio de Buckingham na sexta-feira (09/04), acompanhou a rainha em centenas de visitas ao exterior.

Ele tinha laços de sangue com várias famílias reais europeias, do presente e do passado, e muitos de seus membros enviaram condolências.

Barack Obama, a Rainha Elizabeth, o Príncipe Philip e Michelle Obama em Londres em 2009

CRÉDITO,PA MEDIA

Legenda da foto,

O ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disse que o duque era um "homem notável... que ajudou a trazer uma liderança estável e sabedoria"

O telegrama do rei Felipe e da rainha Letizia da Espanha foi particularmente comovente, ressaltando "todo o nosso amor e afeto" à tia Lilibet (apenlido que o duque usava para a esposa) e ao querido tio Philip.

"Jamais esqueceremos os momentos que compartilhamos com ele", disseram à Rainha.

A Rainha e o Príncipe Philip

CRÉDITO,PA MEDIA

Legenda da foto,

A rainha recebeu homenagens sinceras de todo o mundo após a morte de seu marido

O rei da Suécia Carl Gustaf disse que o duque foi "um grande amigo de nossa família por muitos anos, uma relação que valorizamos profundamente".

A porta-voz da família real sueca, Margareta Thorgren, disse à BBC que o rei e o duque viajaram juntos pela Inglaterra. "Esse foi o início de uma grande amizade entre eles."

A família real holandesa disse que se lembrava do príncipe Philip com grande respeito, acrescentando: "Sua personalidade viva deixou uma marca indelével."

O rei Filipe da Bélgica disse que ele e a rainha Mathilde "sempre guardariam com carinho as memórias de nossos encontros calorosos"

'Um pilar para a Rainha'

Bandeiras australianas vistas a meio mastro na Ponte da Baía de Sydney, após a morte do Príncipe Philip, Duque de Edimburgo, em Sydney, Austrália, em 10 de abril de 2021

CRÉDITO,REUTERS

Legenda da foto,

Bandeiras australianas foram hasteadas a meio mastro na Ponte da Baía de Sydney em homenagem ao duque

Tributos também vieram da Commonwealth - a Comunidade Britânica, um conjunto de 54 nações, a maioria com raízes no Império Britânico, onde vivem 2,4 bilhões de pessoas.

"Ele representou uma geração que nunca mais veremos", disse o primeiro-ministro australiano Scott Morrison. "Era um homem inabalável, em quem se podia confiar, sempre ao lado de sua Rainha."

Bandeiras foram hasteadas a meio mastro na sede do Parlamento da Austrália em Canberra, onde uma saudação de 41 tiros aconteceu no sábado, e também na Ponte da Baía de Sydney onde, em 1954, o Príncipe Philip chegou ao lado da recém-coroada Rainha Elizabeth durante a primeira visita de um monarca reinante ao país.

Uma saudação de 41 tiros é disparada para comemorar a morte do Príncipe Philip no Parlamento em Canberra, Austrália

CRÉDITO,EPA

Legenda da foto,

Uma saudação de 41 tiros é disparada para comemorar a morte do Príncipe Philip no Parlamento em Canberra, Austrália

A primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, observou que milhares de jovens "completaram desafios que mudaram suas vidas" por meio do Prêmio Hillary, criado pelo duque em 1963.

Uma cerimônia foi planejada na capital do país, Wellington. Ela deve durar cerca de 40 minutos e contará com uma salva de 41 tiros.

O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, disse que o duque "contribuiu muito para o tecido social de nosso país - e do mundo".

Ele acrescentou: "Vamos lembrá-lo com carinho como um pilar na vida de nossa Rainha."

Philip and a Rainha na Nova Zelândia em 1977
Legenda da foto,

O casal visitou a Nova Zelândia em 1977. Muitos dos tributos mais calorosos vieram da Comunidade Britânica

O primeiro-ministro do Paquistão, Imran Khan, disse que Philip foi um "líder sábio" e que seu "papel na promoção das relações Paquistão-Reino Unido sempre será lembrado".

E o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, elogiou uma vida inteira de dedicação a "muitas iniciativas de serviço comunitário".

O presidente do Quênia, Uhuru Kenyatta, disse que o duque foi um "símbolo elevado dos valores familiares e da unidade do povo britânico, bem como de toda a comunidade global".

Outras condolências calorosas da África incluem o Zimbábue - país que tem uma relação difícil com o Reino Unido e não está mais na Comunidade Britânica - e o presidente da Tanzânia, que bem recentemente perdeu seu líder John Pombe Magufuli em meio a rumores sobre Covid-19.

'Vida longa e notável'

Outras homenagens vieram de nações profundamente ligadas ao duque e sua família.

O primeiro-ministro de Malta, Robert Abela, escreveu: "Verdadeiramente entristecido pela perda do príncipe Philip, que fez de Malta sua casa e voltou para cá tantas vezes. Nosso povo guardará sua memória para sempre".

Philip e Elizabeth passaram dois anos felizes em Malta, onde ele serviu na Marinha, antes da morte do rei George VI em 1952.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, disse que o duque foi "um servidor público exemplar" e que faria muita falta.

A mãe do duque, a princesa Alice de Battenberg, que morreu em 1969, está sepultada na Igreja de Maria Madalena em Jerusalém.

O duque de Edimburgo com sua mãe, a princesa Alice de Battenberg

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

O duque de Edimburgo com sua mãe, a princesa Alice de Battenberg

Todos os ex-presidentes dos Estados Unidos vivos também enviaram homenagens.

Barack Obama, um dos 18 presidentes eleitos nos Estados Unidos durante a vida do duque, disse que, junto a esposa Michele, ficou imediatamente à vontade com o duque, descrevendo-o como "gentil e caloroso, com uma sagacidade afiada e um bom humor infalível".

Donald Trump disse que o príncipe Philip "definiu a dignidade e a graça britânicas. Ele personificou a discrição tranquila, a firmeza severa e a integridade inflexível do Reino Unido..."

Em um telegrama para a rainha, o presidente russo Vladimir Putin disse que o duque "gozava de respeito" tanto em casa quanto internacionalmente.

E a chanceler Angela Merkel disse que a "amizade do duque com a Alemanha, sua natureza direta e seu senso de dever" seriam lembrados.

O ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian, classificou o duque como um homem de "grande estilo".

"A França se junta à tristeza de seus amigos do outro lado do Canal da Mancha e saúda a vida, ao mesmo tempo europeia e britânica, de um homem que foi um testemunha de um século de provações e esperanças para o nosso continente. "

O presidente italiano, Sergio Mattarella, disse que "celebraria" memórias da "profunda admiração do príncipe Philip pelo patrimônio artístico e cultural da Itália".

Também que o duque acompanhou "a evolução do seu país com um espírito aberto e inovador".

O presidente irlandês Michael D. Higgins elogiou a capacidade do Príncipe Philip de trazer "um ar de informalidade a ocasiões formais".

"Sua presença distinta e senso de humor único deixavam os participantes à vontade e sempre engajavam aqueles que o encontraram", disse ele.

A Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, expressou os seus pêsames à família real e "ao povo do Reino Unido neste dia tão triste".

Bolsonaro

O presidente brasileiro também mandou mensagem de solidariedade e condolências após a morte do príncipe Philip.

"O governo e o povo brasileiros solidarizam-se com a Rainha Elizabeth II, sua família e o povo do Reino Unido neste momento de luto dos britânicos pela perda do Duque de Edimburgo", disse o Itamaraty, em nota.

"O Presidente Jair Bolsonaro enviou mensagem de condolências a Sua Majestade", afirmou o ministério das Relações Exteriores.

BBC

Professor Edgar Bom Jardim - PE

Jovens na UTI já são maioria e necessidade de ventilação mecânica bate recorde






Pela primeira vez desde o início da pandemia da Covid-19, as internações em UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) de pessoas com menos de 40 anos são maioria absoluta.

Houve ainda um salto expressivo no número de pacientes graves com necessidade de ventilação mecânica e que não apresentam nenhuma comorbidade (como obesidade ou diabetes).

Os dados sugerem não apenas uma mudança do perfil dos doentes que necessitam de UTI, mas um agravamento do quadro geral dos pacientes em relação aos meses anteriores.

Em março, 52,2% das internações nas UTIs do Brasil se deram para pessoas até 40 anos; e o total de pacientes que necessitaram de ventilação mecânica atingiu 58,1%.

Ambas as taxas são recordes, segundo dados da plataforma UTIs Brasileiras, da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira).

No caso da necessidade de aparelhos de ventilação, houve salto de quase 40% em relação ao patamar do final do ano passado.

Entre setembro de 2020 e fevereiro deste ano, o total de internados em UTIs que necessitavam desse tipo de equipamento variou entre 42% e 48%.

Já os pacientes graves sem comorbidades que agora acabam na UTI são praticamente 1/3 do total –até fevereiro os doentes graves sem condições adversas prévias eram 1/4 dos casos.

O novo marco da epidemia no Brasil sugere pelo menos três conclusões, segundo Ederlon Rezende, coordenador da plataforma UTIs Brasileiras e ex-presidente da Amib:

1) as novas variantes do vírus devem ser mais agressivas; 2) a falta de cuidado de parcelas da população pode estar afetando sobretudo os mais jovens; e 3) a imunização dos mais velhos tem ajudado a conter os casos graves entre os idosos.

Segundo a pesquisa, antes de os jovens serem a maioria dos internados nas UTIs em março, entre dezembro de 2020 e fevereiro último os até 40 anos representavam 44,5% do total -percentual quase idêntico ao de setembro a novembro.

De lá para cá, o aumento das internações nessa faixa mais jovem foi de 16,5%.

Como a imensa maioria dos brasileiros tem menos de 40 anos, o incremento, embora possa parecer modesto, engloba milhões de pessoas. A tendência sugere ainda que há espaço para um agravamento da situação.

No mesmo período de comparação (e na contramão), as internações de pessoas acima de 80 anos despencaram 42%. Elas representam agora apenas 7,8% do total, pouco mais da metade do que vinha sendo registrado anteriormente.

Na faixa de idades intermediárias, as internações em UTI permaneceram mais ou menos no mesmo patamar, somando cerca de 40% do total.

O levantamento da Amib é feito a partir de uma amostra expressiva, englobando 20.865 leitos de UTI no país, o que representa cerca de 25% de todas as unidades, sendo 2/3 privadas e 1/3 públicas.

"Embora os dados mostrem que a vacina pode estar tendo o efeito esperado entre os mais velhos já imunizados, eles também revelam que, ao se acharem imbatíveis, os jovens, muitos sem qualquer comorbidade, são agora as maiores vítimas da epidemia", afirma Rezende.

Além de estarem se expondo mais em baladas e reuniões, há levantamentos e relatos de médicos na linha de frente dando conta de que os mais jovens, quando na UTI, ocupam por mais tempo os leitos -diminuindo o giro de vagas e contribuindo para saturar o sistema, como tem-se visto.

Com as novas variantes do vírus (como a P1), no entanto, não só as festas, frequentemente apontadas como as principais vilãs, podem estar por trás do aumento da infecção entre os mais jovens.

Com o fim do auxílio emergencial pago em 2020 (e que voltou só em abril e em proporção muito menor), muitas pessoas foram obrigadas a circular novamente atrás de alguma renda, sobretudo os informais -cerca de 34 milhões de pessoas, ou quase 40% da força de trabalho.

Em 2020, o auxílio emergencial foi pago entre abril e dezembro (R$ 600 ao mês a 66 milhões de pessoas) e foram empregados R$ 293 bilhões. A nova rodada (R$ 250 a 45,6 milhões) está prevista para durar apenas quatro meses e somar R$ 44 bilhões -15% do valor do ano passado.

No final de 2020, o contingente de informais na economia ainda era de 4,7 milhões de pessoas a menos do que um ano antes. Isso pode ser explicado porque, em função do auxílio emergencial robusto, muitos não estavam precisando sair de casa atrás de alguma renda.

Neste começo de 2021, isso mudou dramaticamente, levando milhares de informais a circularem novamente no pior momento da epidemia no Brasil.

Fernanda Canzian / Folha Expressa

sábado, 10 de abril de 2021

Hanseníase, malária, tuberculose: pandemia reduz combate a doenças que afetam os mais pobres



Braço de criança caindo de uma maca

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Dengue, doença de Chagas, leishmaniose, hanseníase, malária, esquistossomose e tuberculose são consideradas doenças negligenciadas

Hanseníase, esquistossomose, doença de Chagas, leishmaniose, malária, hepatites, filariose linfática... a lista é grande.

Com a emergência de saúde pública criada pela covid-19, o combate a doenças que mesmo antes da pandemia já recebiam pouca atenção piorou dramaticamente. Estas enfermidades costumam ser classificadas pela comunidade científica como "doenças negligenciadas".

O termo se refere a doenças infecciosas que atingem um grande número de pessoas e afetam principalmente as populações mais pobres.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, as chamadas doenças negligenciadas podem afetar até 1,6 bilhão de pessoas em todo o mundo. Elas estão principalmente na Ásia, na África e na América Latina.

Mesmo antes da pandemia, elas já recebiam poucos investimentos da indústria farmacêutica porque, para muitos especialistas, tanto os remédios quanto os tratamentos renderiam pouco lucro a laboratórios.

Esta é a visão de Jadel Kratz, um especialista em doenças negligenciadas que chefia a área de Pesquisa e Desenvolvimento da DNDI (Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas), uma entidade sem fins lucrativos que defende o combate a essas enfermidades.

Enquanto o mundo concentra esforços no combate à covid-19, pesquisas e estudos clínicos sobre as doenças negligenciadas foram interrompidos. E faltam remédios para pacientes, afirma Kratz em entrevista à BBC News Brasil.

"Doenças que estavam muito próximas de serem controladas, ou erradicadas, ou de atingirem os objetivos de combate da OMS talvez tenham retrocessos", diz o pesquisador.

Ele alerta que iniciativas importantes para o diagnóstico destas doenças em diversas universidades foram paralisadas com a pandemia. E aponta que elas são essenciais, já que muitas das pessoas afetadas não têm acesso ao sistema de saúde e, no fim das contas, podem nem saber que estão doentes.

As consequências podem ser graves, incluindo o risco de gerarem comorbidades que tornem as infecções por covid-19 ainda mais graves, explica Kratz.

"São doenças que têm problemas de resistência a medicamentos. Então, se o paciente interromper o tratamento, aquele mesmo tratamento talvez já não seja eficaz lá na frente."

Para Kratz, este cenário torna ainda mais importante o controle da epidemia de covid-19 o mais rápido possível.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista de Kratz à BBC News Brasil.

Perna de pessoa afetada por hanseníase

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

A hanseníase é uma das doenças que podem debilitar as pessoas afetadas para o resto da vida

BBC News Brasil - Por que pesquisas em universidades e instituições públicas são importantes para doenças negligenciadas?

Jadel Kratz - A pesquisa acadêmica é importante em todas as áreas das ciências da vida. Muitas das inovações médicas e farmacêuticas começam com a ciência básica. Mas, mais ainda onde o modelo tradicional farmacêutico não está. Uma vez que a indústria tem pouco interesse nessa área, por uma série de razões, uma delas o lucro, as instituições públicas que têm essa missão assumem um papel ainda mais central.

É o caso da Fiocruz, que foi criada pensando nisso, e de fato é um dos centros de pesquisa mais relevantes para essas doenças no Brasil.

BBC News Brasil - Como a pandemia afetou esse cenário no último ano?

Kratz - A real magnitude do impacto disso ainda está sendo acessado. Historicamente, as doenças tropicais negligenciadas, por exemplo Chagas, leishmaniose, tuberculose, hanseníase, já vem de um histórico de pouco investimento. O investimento é baixo, mas é relativamente estável. Sendo criativo, fazendo-se novos modelos, às vezes a gente consegue avançar.

Mas, quando surgiu uma emergência médica do nível da covid-19, boa parte dos investimentos foi sugada. Os investimentos já eram escassos e deixaram de estar disponíveis para essas doenças. A prioridade do financiamento para pesquisas em doenças negligenciadas caiu, foi para outra área. E talvez os números gerais de investimentos sejam menores no final porque talvez o mundo entre em crise. O dinheiro vai diminuir, apesar de todo mundo reconhecer agora que é importante fazer pesquisa biomédica.

Além da diminuição dos investimentos, as próprias condições para os estudos foram dificultadas. Os estudos clínicos normalmente são feitos em ambiente hospitalar e muito descentralizados. Os estudos clínicos para outras enfermidades pararam. Ou porque o hospital está completamente lotado e precisa redirecionar todos os recursos para o atendimento emergencial ou porque ele foi fazer um estudo clínico para a covid-19. Tem levantamentos nos EUA que mostram que reduziu por volta de 80% o número de estudos clínicos rodando..

Foram todos substituídos por estudos para covid-19 — vários deles mal desenhados, feitos na correria.

Nossos laboratórios que desenvolvem novos medicamentos para Chagas e Leishmaniose tiveram que ficar por vários meses fechados na Unicamp. A gente tem projetos com parceiros na Unicamp, na USP, na UFRJ e muitos desses laboratórios tiveram que fechar. Desde o nível mais básico, para entender como aquele parasita afeta o corpo, até os estudos clínicos sendo feitos no ambiente hospitalar.

Vai atrasar ainda mais as pesquisas que já estão historicamente atrasadas.

Perna de criança com hanseníase

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

A maior parte dessas doenças atingem majoritariamente crianças e deixam sequelas físicas, sociais e econômicas para o resto da vida

BBC News Brasil - E a produção de remédios para essas doenças?

Kratz - Um ponto importante é a interrupção das cadeias, tanto de estudo quanto de suprimentos. Então, não só as pesquisas estão paradas, como faltam medicamentos.

Muitas das doenças tropicais não têm uma maquinaria bem azeitada de produção. Um exemplo clássico é a hanseníase: as medicações são antigas, não são ideais, têm uma série de efeitos colaterais negativos. Mas é importante que os pacientes tenham acesso a essas medicações, mesmo que elas sejam imperfeitas.

Elas normalmente são baratas, antigas, não têm um incentivo de negócio para a produção. Muitas vezes, as indústrias que ainda fazem a produção desses medicamentos doam ou vendem a preços super baratos para o sistema de saúde. Muitas pararam de produzir esses medicamentos porque foram produzir coisas mais urgentes. Então, as cadeias foram interrompidas e os pacientes ficaram sem (remédios), como no caso da hanseníase.

BBC News Brasil - Quando as coisas voltarem ao normal, será possível recuperar esses projetos de onde pararam? Ou perde-se parte do que já tinha sido feito e é preciso começar tudo de novo?

Kratz - A cadeia foi muito abalada e a gente não sabe quando isso vai retornar. Em estudos clínicos de campo foram interrompidos, aquilo se perdeu. Além disso, há lacunas: a ciência é feita por pessoas e elas passam por uma formação para chegar lá. Com a pandemia, vai ter muita lacuna de pessoal, de cientistas sendo formados. Gente que teve que postergar seu mestrado, suas pesquisas, sobretudo cientistas de início de carreira.

As doenças tropicais negligenciadas têm um plano bastante estruturado de pesquisa, que é o roadmap (mapa de projetos futuros) da Organização Mundial da Saúde de controle e eliminação de doenças.

Isso envolve múltiplas estratégias, muitas delas de campo. Controle de vetores, melhora de infraestrutura, administração de medicamentos, diagnóstico, monitoramento de pacientes. E muitas vezes, especialmente no caso das doenças negligenciadas, isso é feito na Unidade Básica de Saúde (UBS). Agora a UBS está maluca controlando covid-19, não consegue fazer mais nada. Doenças que estavam muito próximas de serem controladas, erradicadas, ou de atingirem os objetivos de combate da OMS, talvez tenham retrocessos. Doenças como tuberculose, malária, Chagas, leishmaniose que têm problemas sérios de subnotificação e diagnósticos, pioraram ainda mais, não há dúvida. Doenças como tuberculose, que mata na escala de milhão de pessoas por ano, foram largadas ao ostracismo pela urgência da pandemia.

BBC News Brasil - Então o atendimento aos pacientes também foi afetado?

Kratz - Além do impacto nas pesquisas você teve o impacto nas estratégias já implementadas de combate e controle. Sobretudo essas iniciativas grandes de diagnósticos, achar os pacientes e tratá-los. E são doenças que têm problemas de resistência à medicamentos. Se o paciente interrompe o tratamento no meio, aquele mesmo tratamento talvez já não seja eficaz lá na frente. O impacto é claro, só não está mensurado ainda.

A gente pode pegar o exemplo clássico da doença da Chagas, que é uma doença parasitária negligenciada que afeta principalmente regiões pobres e com pouca infraestrutura no mundo. Muitas das pessoas moram em áreas endêmicas, rurais, têm baixa escolaridade, problemas associados à pobreza, não têm acesso ao sistema de saúde e acabam não diagnosticadas. O resultado disso é que o número de pessoas que é de fato diagnosticado é baixo, mas a gente estima que haja 6 milhões de pessoas com a doença no mundo. Nas regiões endêmicas, há mais de 70 milhões de pessoas em risco. E no fim, menos de 1% das pessoas que têm Chagas acessam o tratamento. A lacuna do diagnóstico e tratamento é preenchida por grandes esforços: ter pessoas no campo, com kits de testagem adaptados, baratos, e com tratamento seguro e barato. E a pandemia afetou isso, não só para Chagas, mas para outras doenças.

E essas pessoas que deixam de ser diagnosticadas e tratadas continuam sendo reservatórios da doença, o que pode contribuir para que outras pessoas se infectem, através dos vetores (no caso de Chagas, o barbeiro). Não tratadas e não diagnosticadas, as pessoas podem desenvolver as formas mais graves e morrerem. E se infectadas por covid podem ter um agravamento do quadro por causa de comorbidades.

Idoso deitado na cama em ambiente insalúbre

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

São doenças que têm a transmissão facilitada por condições ambientais, como umidade

BBC News Brasil - Falando em comorbidade, como as pessoas com essas doenças são afetadas pela covid?

Kratz - É difícil falar em números, mas eu não tenho dúvidas que o que está sendo feito para analisar a questão da comorbidade é insuficiente justamente pela questão de que a gente mal está conseguindo controlar a pandemia. A doença de Chagas, por exemplo, tem uma ligação super clara de comorbidade. Normalmente o paciente se infecta, tem um quadro agudo, com pouca mortalidade nesse estágio — muitos dos pacientes nem percebem que pegaram. E depois aquilo cronifica, reduz a carga parasitária e uma parte desses pacientes, cerca de 20%, 30% vão ter problemas cardíacos associados ao trypanosoma cruzi. E o paciente pode nem saber que tem comorbidade, e aí pega covid e acaba tendo um quadro mais grave.

A covid não enxerga classes, mas se a comunidade mais pobre tem mais Chagas, então ela está propensa a ter quadros mais vulneráveis e casos mais graves de covid associados à comorbidade.

A covid é uma doença infecciosa que tem um componente forte do sistema imunológico no agravamento dos casos. A gente sabe que muitos dos casos graves não é a doença em si que agrava a situação da pessoa, mas a reação do sistema imunológico. Então a pessoa ter um sistema imunológico funcionando plenamente ajuda que a doença não se agrave. E muitas das doenças negligenciadas também afetam o sistema imune, como a leishmaniose.

Favela em país da américa latina

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

As doenças negligenciadas se concentram em áreas pobres, como favelas urbanas e zonas rurais remotas

BBC News Brasil - Tem alguma lição que a pandemia pode trazer sobre a forma como fazemos ciência que pode ajudar no combate às doenças negligenciadas no futuro?

Kratz - Essa pandemia mostrou o quanto é importante a pesquisa colaborativa, interdisciplinar e integrada. Ou seja, o quão importante é a colaboração, que se manifesta através de ciência aberta, compartilhamento de dados, financiamentos coletivos em vez daquele modelo fechado, pensando só no lucro. A gente teve oportunidade de validar novas plataformas, como as vacinas de RNA. Se a gente pensar que o vírus foi sequenciado em janeiro do ano passado e no final do ano a gente estava fazendo ensaio clínico de fase 3 (a fase mais avançada antes da liberação para o público), tudo isso em um ano... Isso vem para dar uma chacoalhada: sim, é possível fazer mais rápido, com qualidade, quando tem prioridade, financiamento e colaboração.

  • Da BBC News Brasil em São Paulo
Professor Edgar Bom Jardim - PE