quinta-feira, 1 de abril de 2021

Cisão com militares abala discurso populista de Bolsonaro, diz pesquisador

Em foto de 2018, Bolsonaro em cerimônia de graduação das Agulhas Negras

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Em foto de 2018, Bolsonaro em cerimônia de graduação das Agulhas Negras; episódio da última terça indicou cisão do presidente om a cúpula militar

A tensão do governo de Jair Bolsonaro com a cúpula das Forças Armadas, que pediu demissão na terça-feira (30/3) e foi substituída no dia seguinte, pode forçar uma recalibragem no discurso da máquina de propaganda bolsonarista.

Essa é uma das avaliações do pesquisador Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP e pesquisador do Monitor do Debate Político no Meio Digital, da mesma universidade, que analisa como os temas da política nacional são difundidos e comentados na internet.

Essa máquina de propaganda nas redes sociais é um importante pilar de sustentação da popularidade do governo - e frequentemente se apoia na exaltação aos militares para instigar os simpatizantes do presidente.

"Os militares são essa força que vem de fora do jogo político e que (no imaginário bolsonarista) poderia resolver as coisas, mas agora (no episódio de terça-feira) a liderança militar marcou uma separação" com o governo ao entregar seus cargos, analisa Ortellado.

O poder militar sempre fez parte do imaginário coletivo dos apoiadores do presidente, que não raro defenderam golpes militares no país em contraposição ao Congresso e ao Judiciário. Como então conciliar, dentro do discurso bolsonarista, as rusgas com esse grupo?



"Isso é curioso. Dentro da ideia de 'somos o povo e temos de derrotar a elite', a esperança da retórica bolsonarista dependia muito dos militares", explica Pablo Ortellado à BBC News Brasil.

"Isso inclusive precede o próprio Bolsonaro - é algo que apareceu, por exemplo, na greve dos caminhoneiros (em 2018), quando teve muito o expediente de fazer manifestação na porta de quartéis no interior do Brasil pedindo intervenção militar. Nem era uma coisa de direita, mas tinha uma espécie de crença na impotência da vontade popular e que ela precisava de um poder que liderasse e expressasse esse anseio popular."

Sendo assim, a aparente cisão com ao menos parte dos militares "abala muito o discurso populista, porque é neles que reside a esperança", prossegue Ortellado.

Sobre a crise que eclodiu na terça-feira, informações de bastidores sugerem que haveria uma insatisfação mútua: de um lado, Bolsonaro queria demonstrações mais explícitas da cúpula militar contra medidas de restrição que vêm sendo implementadas pelos Estados contra a covid-19; de outro, a liderança militar estaria insatisfeita com a condução do governo federal no combate à pandemia.

Na terça-feira, a surpresa da demissão do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, foi seguida pela entrega de cargos, em conjunto, dos líderes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica - algo inédito neste período da redemocratização do Brasil.

Protesto pró-Bolsonaro nesta quinta-feira

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Protesto pró-Bolsonaro nesta quinta-feira; alusões às Forças Armadas são frequentes nas manifestações de simpatizantes do presidente

Ortellado e sua equipe estão agora analisando como os eventos desses dois dias estão sendo interpretados dentro de grupos de WhatsApp e contas de YouTube bolsonaristas, redes sociais onde esse grupo tem mais expressividade. Por enquanto, diz ele, reina uma certa "indefinição" na apresentação do episódio aos simpatizantes do presidente.

O exemplo de Sergio Moro

Uma possibilidade é que se repita o que aconteceu com o ex-ministro Sergio Moro, quando este rompeu com o governo acusando Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal.

Rapidamente, os grupos de apoio ao governo nas redes sociais pintaram o ex-juiz da Lava Jato como "traidor" de Bolsonaro, explica Ortellado, "e assim conseguiram sobreviver dispensando o Moro e também outras pessoas do PSL (ex-partido do presidente)".

Por um lado, é mais difícil construir essa narrativa de traição envolvendo figuras das Forças Armadas, justamente pelo papel importante que essa instituição tem no discurso bolsonarista.

"Essa cisão compromete o coração da estratégia discursiva deles (simpatizantes do governo), e vão ter que redesenhar isso. O jeito mais fácil é tratar chefes militares como traidores do povo e do verdadeiro Exército brasileiro, e idealizar o 'soldado insatisfeito'. É um nó que vão ter que desatar."

Sergio Moro de perfil, com olhar sério

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Moro e a lavajatismo foram "sacrificados" sem grandes prejuízos de popularidade para Bolsonaro, explica Pablo Ortellado

Por outro lado, explica Ortellado, "a capacidade de sobrevivência do bolsonarismo é muito grande. A gente achava muito difícil ele se desvencilhar sem grandes perdas do lavajatismo, mas ele conseguiu facilmente, de modo praticamente indolor (em termos de popularidade)".

"Então eu esperaria para ver a capacidade dessa resposta que vão articular para ver se ela funciona - porque ela já funcionou diante de perdas mais fundamentais. Me parecia que o lavajatismo era um componente essencial (do bolsonarismo), e ele foi sacrificado sem problemas, não houve prejuízo na aprovação (do presidente). O bolsonarismo mexeu com coisas profundas na sociedade brasileira, algo que a gente ainda está investigando."

Uma coisa que chamou a atenção de Ortellado e sua equipe foi o fato de que a máquina de propaganda bolsonarista nas redes parece ter sido pega de surpresa pela crise com os militares.

"Porque muitas vezes esse movimento, essa máquina de propaganda, está sabendo (com antecedência das rupturas envolvendo o governo). Quando aconteceu com Moro, a resposta de chamá-lo de traidor foi imediata. Agora não. Não sei o que aconteceu, mas deu para ver que a máquina de propaganda foi surpreendida."

'Limites' do discurso populista

Ortellado aponta que a crise com a cúpula militar ocorre em meio, também, a uma "fissura na retórica populista" de Bolsonaro, diante do agravamento da pandemia do novo coronavírus e de embates cada vez mais duros com os governadores dos Estados, que têm implementado medidas de isolamento social.

Em coluna recente no jornal O Globo, Ortellado observou que, em ao menos três ocasiões recentes, o presidente da República disse (em lives ou conversas públicas com simpatizantes) que não pretende adotar políticas de lockdown como "a maioria" pede.

A palavra "maioria" chamou a atenção de Ortellado por não ser comum a Bolsonaro se referir aos adversários com essa palavra.

"É algo muito diferente: o governo Bolsonaro sempre se apresentou como um governo de maioria, porque é algo que faz parte da retórica populista, mesmo que efetivamente nunca tenha sido um governo de maioria (em referência ao fato de que o presidente teve, 55,1% dos votos válidos, mas recebeu o apoio efetivo de 39% do eleitorado em 2018, se levados em conta os votos brancos, nulos e abstenções) e seu projeto nunca tenha sido majoritário do ponto de vista estatístico", diz o pesquisador.

Bolsonaro com o novo comando das Forças Armadas

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Bolsonaro com o novo comando das Forças Armadas; cúpula anterior havia entregado os cargos

"Mas ele se apresenta assim. Sua capacidade de criar comunhão em torno desse projeto político é da crença, da ilusão de que 'somos uma maioria lutando contra uma minoria' - uma pequena elite corrupta que nessa retórica inclui os governadores, o STF e os meios de comunicação. Acontece que quando ele começa a se referir aos outros como maioria, ele não a representa mais. E acredito que isso não tenha sido de propósito, mas me chamou a atenção essa expressão ter escapado mais de uma vez, sinalizando a dificuldade dele de apresentar essa postura muito radical e negacionista em uma linguagem populista."

Caso confirme-se que a tensão com os militares teve a ver com as dificuldades em lidar com a pandemia, "também mostraria esse enfraquecimento - ele no fundo adotou uma postura (negacionista) e não consegue convencer ninguém de que ela é majoritária. Quando ele diz 'o povo quer trabalhar', as pesquisas mostram que o povo está percebendo a gravidade da situação e quer ficar em casa (em referência uma pesquisa do Datafolha que apontou, em 18 de março, apontando que 71% da população apoia medidas de restrição ao comércio e serviços para controlar o avanço do coronavírus). Fica muito difícil criar uma estratégia retórica populista funcional."

Embora não seja necessário, de fato, ter uma maioria para mobilizar seus apoiadores, é preciso "construir a ilusão da maioria", explica Ortellado.

"As pessoas que estão indo às portas do quartel ou protestar contra o (governador de São Paulo João) Doria precisam estar convencidas de que são a vanguarda de uma maioria, ter essa ilusão de que são porta-vozes de uma maioria. Mas quando as evidências falam mais alto, quando elas estão isoladas na família, que é o que tem acontecido, a ideia de que são uma maioria é difícil de ser sustentada. E acho que essa é uma crise que ele está enfrentando, porque essa aposta não está vingando."

A força do discurso 'nós contra eles'

Isso é importante uma vez que a força do discurso é peça central do populismo, em que políticos como Bolsonaro se apoiam, sejam eles de esquerda ou direita.

"De fato esse discurso 'nós contra eles', 'o povo contra as elites' é muito mobilizador - é uma força que, quando você consegue ativá-la por meio do discurso, tem efeitos eleitorais poderosos", prossegue Ortellado.

"E Bolsonaro soube mobilizar isso muito bem nas eleições de 2018, e essa máquina de antagonismo não desligou desde então. Ela está sempre criando antagonismos anti-elite."

Seja de esquerda ou direita, o discurso populista em todo o mundo se sustenta, diz o pesquisador, na ideia de que o poder foi cooptado por outros grupos políticos - "pela alta burocracia, pelos meios de comunicação, pelo mercado financeiro", por exemplo.

É um pouco o que faz Bolsonaro quando diz que "o STF me proibiu de fazer qualquer coisa contra a pandemia" - quando na verdade a Corte Suprema apenas reafirmou a autonomia de Estados e municípios para tomar medidas de isolamento social, mas não isentou o governo federal de suas responsabilidades no tema.

"O (ex-presidente dos EUA Donald) Trump também usava muito a ideia de 'deep state' (Estado profundo), de que ele tinha que fazer uma espécie de luta interna contra o poder, que está alhures, não naquela cadeira em que ele estava sentado", aponta Ortellado.

"O Bolsonaro fez isso: disse que o poder está no STF, nos governadores, na 'globolixo'. Por isso que esse antagonismo anti-elite consegue ser ativado mesmo ele sendo parte da elite política - afinal, ele está sentado no cargo político mais importante. É um discurso da impotência do poder político. E é uma luta infinita. Se a gente pegar um caso muito antigo de populismo, como o venezuelano, (o inimigo) é o 'Imperialismo americano' que nunca acaba. tem sempre um inimigo que nunca vai ser derrotado."

  • Paula Adamo Idoeta
  • Da BBC News Brasil em São Paulo
Professor Edgar Bom Jardim - PE

segunda-feira, 29 de março de 2021

Novo auxílio não é suficiente para cobrir linha de pobreza em nenhum Estado do país, aponta estudo




Fome

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Diante do aumento da inflação, novo auxílio não supre as necessidades básicas de alimentação, higiene e limpeza das famílias mais vulneráveis

Os R$ 250 que serão pagos a partir de abril pelo novo auxílio emergencial não são suficientes para cobrir as necessidades básicas dos beneficiários em nenhuma das 27 unidades da federação, seja na zona rural ou nas cidades.

É o que aponta estudo feito pelos pesquisadores do Insper Naercio Menezes Filho e Bruno Komatsu, antecipado à BBC News Brasil, que simulou o comportamento dos dados de pobreza e desigualdade com o novo auxílio emergencial.

A conclusão é que o impacto vai ser pequeno: caso não houvesse mudança de comportamento das pessoas com as transferências - se a restrição de renda não levasse algumas pessoas a procurarem emprego, por exemplo -, a pobreza e a desigualdade de renda com o auxílio em 2021 seria próxima àquela de um cenário sem nenhum benefício.

A pesquisa divide os cenários entre a extrema pobreza, que mede a renda mínima para que o indivíduo faça ingestão necessária de calorias em um dia, e pobreza, que inclui o atendimento de necessidades básicas além da alimentação, como higiene.

Nos Estados em que a linha de pobreza é mais baixa - ou seja, em que o custo para comprar alimentos e itens básicos é menor -, o valor mínimo foi calculado em R$ 154 por pessoa. É o caso da zona rural de Rondônia, Amazonas, Roraima, Pará, Amapá e Tocantins.


Ou seja, uma família de quatro pessoas com rendimento de um salário mínimo (o equivalente a R$ 275 por pessoa) nesses locais estaria acima da linha de pobreza.

Em áreas urbanas nesses mesmos Estados, contudo, o valor praticamente dobra, para pouco mais de R$ 300. Nesse caso, usando o mesmo exemplo, uma família de quatro pessoas com rendimento de um salário mínimo vive abaixo da linha de pobreza.

O valor mais alto foi identificado em Goiás, tanto em área rural (R$ 231) quanto urbana (R$ 402). São Paulo tem a linha de pobreza mais alta entre as 11 regiões metropolitanas pesquisadas: o nível de renda mínimo para que uma família fique acima dela é de R$ 592 por pessoa.

Pessoas na fila da Caixa

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Última parcela do auxílio emergencial foi paga em dezembro

Insuficiente para suprir necessidades básicas

Três meses após o pagamento da última parcela do auxílio, o governo anunciou, em 18 de março, os valores da prorrogação do benefício nos próximos quatro meses. Serão de R$ 250 para as famílias com mais de uma pessoa ou R$ 375 para aquelas em que só as mulheres são as provedoras. Apenas um benefício será pago por família e, no caso das que contam com uma pessoa, o valor cai para R$ 150.

O programa do auxílio emergencial vai pagar menos e a um volume menor de brasileiros. Em 2020, ele custou R$ 290,9 bilhões, montante reduzido para R$ 44 bilhões em 2021, conforme o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) aprovado pelo Congresso em 15 de março.

A justificativa para redução do escopo é a restrição de gasto do setor público, que viu as despesas crescerem no ano passado com as ações para tentar amortecer o impacto da pandemia.

Na maior parte dos casos, contudo, o recurso não é suficiente nem para garantir que a família viverá acima da linha de pobreza extrema. As menores linhas de pobreza extrema no país, de acordo com o estudo dos pesquisadores, é de R$ 87, nas zonas rurais de Rondônia, Amazonas, Roraima, Pará, Amapá e Tocantins.

Arroz e feijão

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Linha de pobreza extrema leva em conta número mínimo de calorias necessárias em um dia, enquanto pobreza inclui também itens de higiene e limpeza

No exemplo dado pelos próprios economistas, o valor mensal de R$ 250 do benefício representa R$ 62,50 per capita em uma família de quatro pessoas - nível que já a coloca abaixo da linha de extrema pobreza em todos os Estados.

Em algumas poucas situações o auxílio mantém o beneficiário acima da linha de pobreza extrema - é o caso dos R$ 150 pagos a famílias com apenas uma pessoa ou de R$ 250 para uma família de duas pessoas em áreas rurais e em algumas áreas urbanas do país.

'Perdemos tempo'

Para calcular os diferentes patamares para cada Estado (veja lista abaixo), os economistas usaram como parâmetro as linhas de pobreza e de pobreza extrema por unidade da federação e tipo de área (urbana e rural) estimadas pelos economistas Sonia Rocha e Samuel Franco anos atrás com os dados da Pnad 2014.

Eles atualizaram os dados para incluir os efeitos da inflação até novembro de 2020. Assim, é possível ver o estrago feito pelo aumento de preços dos últimos meses, especialmente nos supermercados, no poder de compra das famílias.

Os preços de alimentos e bebidas estão em média 15% mais altos nos 12 meses encerrados em fevereiro de 2021, quase três vezes a inflação oficial, que atingiu 5,2%, conforme o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Os 15% de aumento médio na categoria alimentos e bebidas, já elevado, esconde altas ainda maiores, como a do arroz, que ficou quase 70% mais caro nos últimos 12 meses, do feijão preto (50%), da batata inglesa (47%), da cebola (69%), do limão (79%).

O aumento da inflação de alimentos tem impacto especialmente sobre as famílias mais pobres, que têm um percentual maior da renda comprometida com itens básicos.

Tabela com as linhas de pobreza e pobreza extrema por Estado

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Linhas de pobreza e de pobreza extrema estimada pelos pesquisadores

Naercio avalia que parte do problema seria resolvido se o novo auxílio tivesse sido melhor desenhado. Em vez de englobar famílias com renda domiciliar de até três salários mínimos (R$ 3.300), poderia ter colocado um limite menor, focando apenas nas famílias mais pobres, com um valor maior do benefício.

Os R$ 600 mensais pagos nos cinco primeiros meses (o pagamento foi reduzido à metade entre outubro e dezembro) são um bom valor para cobrir a pobreza extrema no país, diz o economista. Assim como os R$ 1,2 mil pagos a famílias com crianças com idade entre 0 e 6 anos ou com gestantes.

O adicional é importante para tentar romper com o ciclo de pobreza, para que ele não se perpetue pelas gerações seguintes, diz o estudioso da desigualdade social.

Para o economista, o governo perdeu a oportunidade de pensar em um programa estrutural contra a pobreza, que vem crescendo desde 2014 e teve uma queda momentânea em 2020 por causa da transferência massiva de renda para famílias mais pobres.

"A gente deveria ter feito isso há bastante tempo. Tem que 'turbinar' o Bolsa Família, que hoje é insuficiente para tirar as pessoas da pobreza", diz ele.

O governo poderia ter aproveitado o grande volume de informações reunidas pelo cadastro do auxílio emergencial para localizar essas famílias, pagar um valor mais alto nesta fase mais aguda da pandemia e, posteriormente, ir calibrando os valores - inclusive levando em consideração as diferenças regionais.

"Perdemos todo esse tempo e acabamos com um programa que não vai resolver o problema."

Os economistas fizeram três simulações que também sinalizam a potência bastante reduzida do auxílio aprovado para 2021. Eles colocam o cenário que de fato ocorreu e estimam dois cenários alternativos - um em que excluem os rendimentos do auxílio emergencial de 2020 e outros em que excluem a renda do auxílio em 2020, mas acrescentam o de 2021. Todas as projeções tomam como parâmetro maio de 2020.

Olhando para a pobreza, em 2020, a pobreza caiu no país de um patamar de 14,2% (observado em 2019) da população para 7,9%. Sem o auxílio, esse percentual seria de 18,4% - próximo do que seria registrado no cenário sem auxílio em 2020, mas com auxílio em 2021, 18%.

No caso da pobreza extrema, o indicador despencou de 5% em 2019 para 1,8%. O nível seria de 8,6% sem o pagamento do auxílio no ano passado e de 7,9% sem o pagamento do auxílio em 2020, mas com o benefício em 2021.

  • Camilla Veras Mota
  • Da BBC News Brasil em São Paulo
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Filosofia: Mídia e alienação no cotidiano


A alienação é fruto do não envolvimento pessoal com as questões político-sociais que tangem as relações. A pergunta que se faz é: os meios de comunicação são os formadores dessa alienação ou funcionam de forma positiva como instrumentos de informação? A alienação passa a ser percebida na vida social do indivíduo com a formação da “sociedade de consumo”, expressão que carrega uma conotação negativa, pois esse consumo não depende mais da decisão consciente de cada indivíduo, baseada em suas necessidades e seus gostos, mas de necessidades artificialmente estimuladas – fica claro que o papel dos meios de comunicação nesse aspecto é fundamental.

A sociedade de consumo, como vimos anteriormente, está dentro da lógica capitalista e é mantida através de uma indústria cultural homogeneizante, impõe padrões inclusive de valores morais e éticos, por sua vez, agindo diretamente no inconsciente coletivo. Ela atua na padronização e no ato de consumo, movidos pela sensibilidade, imaginação, inteligência e liberdade. Quando adquirimos uma roupa, diversos fatores são considerados: precisamos proteger nosso corpo ou revelá-lo; usamos a imaginação na combinação das peças; mesmo quando seguimos a tendência da moda, desenvolvemos o estilo próprio de vestir ao comprarmos uma ou mais peças de determinada cor ou modelo. 

O consumo não alienado supõe, mesmo diante de influências externas, que o indivíduo mantenha a possibilidade de escolha autônoma, não só para estabelecer suas preferências como para optar por consumir ou não.  De: proenm.com


Vídeo



CERVEJA ANTARCTICA | SÓ SE FOR A BOA | 2006 | com BUSSUNDA E JULIANA PAES | COMERCIAL DE TV - YouTube


Texto 2

EU, ETIQUETA

Em minha calça está grudado um nome
que não é meu de batismo ou de cartório,
um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro
que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
que nunca experimentei
mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
de alguma coisa não provada
por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
minha gravata e cinto e escova e pente,
meu copo, minha xícara,
minha toalha de banho e sabonete,
meu isso, meu aquilo,
desde a cabeça ao bico dos sapatos,
são mensagens,
letras falantes,
gritos visuais,
ordens de uso, abuso, reincidência,
costume, hábito, premência,
indispensabilidade,
e fazem de mim homem-anúncio itinerante,
escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
seja negar minha identidade,
trocá-la por mil, açambarcando
todas as marcas registradas,
todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
eu que antes era e me sabia
tão diverso de outros, tão mim mesmo,
ser pensante, sentinte e solidário
com outros seres diversos e conscientes
de sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio,
ora vulgar ora bizarro,
em língua nacional ou em qualquer língua
(qualquer, principalmente).
E nisto me comparo, tiro glória
de minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
para anunciar, para vender
em bares festas praias pérgulas piscinas,
e bem à vista exibo esta etiqueta
global no corpo que desiste
de ser veste e sandália de uma essência
tão viva, independente,
que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher,
minhas idiossincrasias tão pessoais,
tão minhas que no rosto se espelhavam
e cada gesto, cada olhar
cada vinco da roupa
sou gravado de forma universal,
saio da estamparia, não de casa,
da vitrine me tiram, recolocam,
objeto pulsante mas objeto
que se oferece como signo de outros
objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
de ser não eu, mas artigo industrial,
peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é coisa.
Eu sou a coisa, coisamente.

Carlos Drummond de Andrade ANDRADE, C. D. Obra poética, Volumes 4-6. Lisboa: Publicações Europa-América, 1989.
Pensador.com

Professor Edgar Bom Jardim - PE

A importância da filosofia para compreensão da realidade






Texto 1.
Não sabe que fazer com esses 10 reais?

A disciplina de filosofia deixou de ser considerada uma "área prioritária" e tem sido questionada por sua natureza pouco prática. Mas, como lembrava a filósofa Marina Garcés, "a filosofia não é útil ou inútil. É necessária". Trata-se de uma "linguagem fundamental" para aprender a pensar de forma crítica.

De qualquer forma, neste momento haverá leitores dizendo algo como: "Ok, tudo bem. A filosofia é bonita. Pode ser um hobby, como jogar xadrez ou fazer palavras cruzadas. Mas não se traduz em nada que possa me servir. Nunca me verei na situação de duvidar se o mundo existe, como Descartes".

Mas a reflexão e a análise de questões fundamentais têm muito mais consequências práticas do que parece. A filosofia não só nos ajuda a ver o mundo de maneira diferente, mas também pode mudar a forma como interagimos com ele. De como podemos ajudar os outros até como enfrentar a morte, ou se devemos tuitar com raiva. O pensamento crítico e as ferramentas que a filosofia nos proporciona nos ajudam a tomar decisões conscientes.

1. Como posso ajudar mais pessoas?

Suponhamos que você queira doar 10 reais para uma ONG. Qual deveria escolher? Uma sobre a qual já ouviu falar? Alguma que esteja trabalhando em catástrofes? Ou talvez outra que atue em sua cidade?

Os filósofos que defendem a corrente do "altruísmo eficaz" acreditam que as doações, por menores que sejam, podem ajudar muito mais do que imaginamos. Em entrevista ao EL PAÍS, o filósofo australiano Peter Singer destacou que pessoas de países em situação de extrema pobreza "vivem com menos de 700 dólares (cerca de 2.600 reais) por ano e, muitas vezes, não têm acesso à água potável, saneamento básico e educação para seus filhos". Ou seja, esses 10 reais podem valer muito mais em um desses países com uma situação econômica pior.

Além disso, nem todas as iniciativas funcionam da mesma maneira. Em seu livro Doing Good Better (fazendo o bem melhor), o filósofo William MacAskill, da Universidade de Oxford, nos aconselha a fazer perguntas como as seguintes: estamos ajudando uma área que está esquecida e, portanto, carente de recursos? Ou doamos quando ocorre uma catástrofe e, portanto, já existem muitas pessoas dando uma mãozinha?

MacAskill também defende levar em consideração se há provas do alcance das ações da ONG. Por exemplo, e embora pareça paradoxal, os programas de eliminação de vermes intestinais são mais úteis para reduzir o absenteísmo escolar no Quênia do que comprar livros didáticos.

Muito trabalho para 10 reais? Sim, é. Mas existem organizações que fornecem essas informações, como a Give Well, que analisa o impacto das ONGs recomendadas, e a The Life You Can Change, do próprio Singer, que inclui até uma calculadora que permite saber como cada doação será usada.

2. Devo participar da polêmica do dia no Twitter?

Bem, você já doou os 10 reais. Agora, pega o celular para dar uma olhada no Twitter. Como geralmente acontece nesses casos, depois de alguns segundos já está morrendo de raiva de alguém que falou uma barbaridade e tem vontade de dizer-lhe umas poucas e boas.

Embora talvez não seja uma boa ideia. Os psicólogos Paul Bloom e Matthew Jordan se perguntavam no The New York Times há algumas semanas se somos todos "torturadores inofensivos", por causa das redes sociais. Esse termo se refere a um experimento mental proposto por Derek Parfit no livro Razões e Pessoas, publicado em 1986. O filósofo, que morreu em 2017, imagina torturadores que, durante anos e individualmente, tinham de causar o máximo de dor possível a uma pessoa, mas agora têm um sistema que os isenta de responsabilidade. A única coisa que precisam fazer é apertar um botão que aumente em um milésimo a dor sentida por cada um dos 1.000 prisioneiros.

Ou seja, os torturadores podem alegar que não causaram muita diferença no sofrimento dessas pessoas. "Se eu tivesse parado de apertar o botão, sua dor teria passado de 1.000 para 999, então, por que arriscaria ser demitido?" Ou, no caso do Twitter, se 280 caracteres não vão fazer muita diferença, por que eu deveria ficar sem meus retuítes, mesmo à custa de humilhar ou insultar alguém?

Mas, claro, na verdade não agimos sozinhos. Uma pessoa não faz muita diferença, mas cada um dos torturadores continua sendo responsável pelos danos causados. Especialmente se levarmos em conta que, provavelmente, apenas aperte o botão porque acredita que os outros 999 também o apertarão.

3. Em quem posso votar?

Um dos exemplos de que normalmente não agimos sozinhos são as eleições. Um voto pode ajudar a fazer diferença, por isso é preciso tomar essa decisão com certa responsabilidade. Por exemplo, queremos ajudar a criar uma sociedade mais justa ou preferimos aumentar a liberdade individual?

O filósofo norte-americano John Rawls sugeria em Uma Teoria da Justiça (1971) que nos imaginássemos todos reunidos para escolher os princípios fundamentais da sociedade. Há um porém: não sabemos qual será nossa posição nesta sociedade. Pode ser que sejamos ricos ou pobres, saudáveis ou doentes, inteligentes ou simplesmente justos. Não saberemos sequer se nasceremos na Espanha ou na Somália. Estamos sob o "véu da ignorância", o qual Rawls chama de "posição original".

Nestas circunstâncias e, segundo Rawls, todos imaginaremos que corremos o risco de estar em uma posição mais desfavorável, por isso optaremos por uma sociedade que nos proteja, chegando a dois princípios básicos:

1. O primeiro garante liberdades básicas e iguais para todos os cidadãos, como a liberdade de expressão e de religião.

2. O segundo se refere à igualdade social e econômica. As desigualdades só serão permitidas se beneficiarem os membros da sociedade em pior situação. Segundo Rawls, para saber se uma sociedade é justa, não precisamos olhar para a riqueza total ou como é distribuída. Basta examinar a situação daqueles que estão em pior situação.

Mas nem todos concordam com os resultados dessa abordagem. Se Rawls lançou as bases do pensamento social-democrata contemporâneo, Robert Nozick fez o mesmo para o liberalismo moderno com sua obra Anarquia, Estado e Utopia, de 1974.

Para Nozick, o termo "justiça redistributiva" não é adequado. Em sua opinião, a riqueza não é algo que já exista e só precise ser distribuída: a riqueza deve ser criada. Quando as pessoas tomam decisões livres sobre questões econômicas, algumas acabam com mais dinheiro e outras, com menos. Sempre que houver uma troca livre, o resultado é justo.

4. Como devo encarar a morte?

Por outro lado, tudo isso importa? Afinal, nossas vidas são muito curtas para que um punhado de votos, alguns tuítes ou doações de 10 reais de vez em quando representem uma mudança significativa.

Para Arthur Schopenhauer, o fato de que nossas vidas estejam cercadas por nada nos leva a sentir ansiedade metafísica, "uma angústia existencial que nos assalta quando tentamos contemplar o abismo eterno do Nada", como resume Simon Blackburn em Pense: Uma Introdução à Filosofia.

Os dois nadas não nos angustiam igualmente. Pode dar vertigem saber que milhões de anos se passaram até nascermos. Mas o nada que virá é o que costuma dar mais medo: milhões de anos passarão (provavelmente) quando já estejamos mortos. Por que não escutamos o filósofo romano Lucrécio, quando diz em Da Natureza das Coisas, que esta eternidade até nosso nascimento é um espelho do que vai acontecer depois de nossa morte?

De fato, para Epicuro, esse medo é irracional. A morte não é nada, já que, uma vez mortos, não poderemos sentir absolutamente nada. Não deveríamos temê-la porque, quando chega, já não estamos lá.

As palavras de Epicuro são geralmente recebidas com admiração, mas sem causar muito efeito. Antes de nascer, não existíamos, mas de fato existimos antes de morrer. Certamente, não saberemos como é estar morto, mas saberemos "o que significa morrer", como observado por Oriol Quintana em 100 preguntes filosòfiques (100 perguntas filosóficas).

E se pudéssemos ser imortais? Segundo o britânico Bernard Williams, a imortalidade seria entediante e tiraria o sentido de nossas vidas. Sempre haverá tempo para fazer tudo e, consequentemente, não teríamos urgência em fazer nada. Ou seja, talvez não consigamos nos livrar do medo da morte, mas, pelo menos, pode servir para nos lembrar que devemos aproveitar nossas vidas. E não ainda que sejam breves, mas precisamente porque são. JAIME RUBIO HANCOCK / El País.



Vídeo: 

Filosofia no dia a dia com Mario Sergio Cortella


EXERCÍCIO:

1- Sentimos que toda satisfação de nossos desejos advinda do mundo assemelha-se à esmola que mantém hoje o mendigo vivo, porém prolonga amanhã a sua fome. A resignação, ao contrário, assemelha-se à fortuna herdada: livra o herdeiro para sempre de todas as preocupações.

SCHOPENHAUER, A. Aforismo para a sabedoria da vida. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

O trecho destaca uma ideia remanescente de uma tradição filosófica ocidental, segundo a qual a felicidade se mostra indissociavelmente ligada à

a) a consagração de relacionamentos afetivos.
b) administração da independência interior.
c) fugacidade do conhecimento empírico.
d) liberdade de expressão religiosa.
e) busca de prazeres efêmeros.

2- Anaxímenes de Mileto disse que o ar é o elemento originário de tudo o que existe, existiu e existirá, e que outras coisas provêm de sua descendência. Quando o ar se dilata, transforma-se em fogo, ao passo que os ventos são ar condensado. As nuvens formam-se a partir do ar por feltragem e, ainda mais condensadas, transformam-se em água. A água, quando mais condensada, transforma-se em terra, e quando condensada ao máximo possível, transforma-se em pedras.

BURNET, J. A aurora da filosofia grega. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2006 (adaptado).

TEXTO II

Basílio Magno, filósofo medieval, escreveu: “Deus, como criador de todas as coisas, está no princípio do mundo e dos tempos. Quão parcas de conteúdo se nos apresentam, em face desta concepção, as especulações contraditórias dos filósofos, para os quais o mundo se origina, ou de algum dos quatro elementos, como ensinam os Jônios, ou dos átomos, como julga Demócrito. Na verdade, dão impressão de quererem ancorar o mundo numa teia de aranha.”

GILSON, E.: BOEHNER, P. Historia da Filosofia Crista. São Paulo: Vozes, 1991 (adaptado).

Filósofos dos diversos tempos históricos desenvolveram teses para explicar a origem do universo, a partir de uma explicação racional. As teses de Anaxímenes, filósofo grego antigo, e de Basílio, filósofo medieval, têm em comum na sua fundamentação teorias que

a) eram baseadas nas ciências da natureza.
b) refutavam as teorias de filósofos da religião.
c) tinham origem nos mitos das civilizações antigas.
d) postulavam um princípio originário para o mundo.
e) defendiam que Deus é o princípio de todas as coisas.

*Com Enem/todamatériabd

Professor Edgar Bom Jardim - PE