terça-feira, 11 de agosto de 2020

Por que ‘dar carvão’ às vacas pode ser bom para o meio ambiente

gadoDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionA criação de gado é fonte de renda para cerca de 1,3 bilhão de pessoas no mundo.

Em um dia quente de verão, é difícil ignorar o cheiro de estrume em uma fazenda de gado na Austrália Ocidental. Mas não por muito tempo: um grupo de besouros de esterco, conhecidos como rola-bosta, trabalha duro para enterrar o estrume das vacas no solo.

Quando está calor, pode demorar menos de uma hora para os besouros eliminarem completamente os excrementos da superfície do pasto. Em outras ocasiões, quando está mais frio e os besouros são menos ativos, pode levar até duas semanas.

De qualquer maneira, os insetos trabalham com afinco até que o único odor presente no ar seco do verão seja o cheiro de eucalipto das árvores.

O excremento que esses besouros em particular estão enterrando não é um excremento comum. Nesta fazenda perto de Manjimup, no sudoeste da Austrália, as fezes dos animais são ricas em biochar (ou biocarvão), basicamente um carvão vegetal produzido por meio de um processo de cozimento lento, que é adicionado à ração do gado.

Essa substância preta, semelhante ao carvão, está liderando uma revolução silenciosa nesta região da zona rural da Austrália, em um esforço para reduzir as emissões de metano das vacas e para que o solo absorva mais carbono.

O biochar é uma ferramenta para os agricultores reduzirem o polêmico impacto ambiental do gado. À medida que as vacas digerem seus alimentos, elas liberam metano, um gás de efeito estufa 25 vezes mais potente que o dióxido de carbono.

O metano deixa o trato digestivo dos animais pelas duas extremidades: grande parte por eructação (arroto) e uma pequena parte por flatulência. Uma vez fora do sistema digestivo, o esterco continua a liberar uma quantidade reduzida de metano.

Atualmente, há mais de 1,4 bilhão de cabeças de gado no mundo e, juntos, liberam 65% de todos os gases de efeito estufa da agropecuária. Os esforços para reduzir as emissões de metano das vacas vão desde vacinas até alimentá-las com algas.

Agora, há um interesse crescente em saber se a adição de outra substância à dieta das vacas pode reduzir as emissões de metano: o biocarvão.

Essa substância preta quebradiça é muitas vezes produzida como subproduto da silvicultura e de outras indústrias. É criada quando a biomassa é colocada em condições de alta temperatura e baixo oxigênio, e passa por um processo chamado pirólise.

Há mais de 1,4 bilhão de gados no mundo e, juntos, eles liberam 65% de todos os gases de efeito estufa da agropecuáriaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionHá mais de 1,4 bilhão de gados no mundo. Juntos, eles liberam 65% de todos os gases de efeito estufa da agropecuária.

Muito antes de sua recente adoção na agricultura moderna, o biochar foi criado e adicionado ao solo pelos agricultores indígenas da Amazônia, por volta do século 5 a.C., formando o solo escuro e fértil da Bacia Amazônica, conhecido como terra preta.

A dieta de biocarvão para vacas também tem uma longa e ilustre história. No século 3 a.C., Catão, o Velho, escreveu que se deveria dar "três pedaços de brasa de carvão" ou carvão vegetal aos gados doentes. No entanto, ele também recomendou dar às vacas doentes 1,5 litros de vinho e uma série de outras substâncias questionáveis.

Estudos mais recentes mostraram que pode haver alguma sabedoria no primeiro pensamento de Catão, o Velho. Em 2012, um grupo de pesquisa no Vietnã descobriu que a adição de 0,5% a 1% de biochar na alimentação dos gados poderia reduzir as emissões de metano em mais de 10%, enquanto outros estudos identificaram reduções de até 17%.

Pesquisas sobre gados de corte nas Grandes Planícies dos EUA revelaram que o acréscimo de biochar na alimentação dos animais reduz as emissões de metano das vacas de 9,5% a 18,4%. Dado que o metano constitui 90% das emissões de gases de efeito estufa da pecuária, isso pode reduzir consideravelmente o impacto ambiental do gado.

O mecanismo que faz com que o biocarvão seja responsável por essas reduções, no entanto, não é bem compreendido. Uma das teorias é que ele “adsorva” moléculas de metano ou as mantenha em sua superfície. Outra hipótese é que o biochar favoreça o crescimento de certas comunidades microbianas no microbioma da vaca, resultando em uma digestão mais eficiente.

Para entender como o biocarvão reduz as emissões de metano das vacas, e em que proporção, são necessários mais estudos, escreveu Claudia Kammann, da Universidade Hochschule Geisenheim, na Alemanha.

Nesta fazenda perto de Manjimup, o criador de gado Doug Pow participa de pesquisas sobre biochar há vários anos. Ele obtém seu biocarvão como subproduto de um produtor local de silício.

A digestão do gado libera gás metano, mas uma mudança na dieta do animal pode reduzir seu impacto ambientalDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionA digestão do gado libera gás metano, mas uma mudança na dieta do animal pode reduzir seu impacto ambiental

Ele foi atraído inicialmente não pelo potencial do biochar de reduzir as emissões de metano do seu rebanho, mas como uma maneira de aumentar o sequestro de carbono no solo. Havia a dupla perspectiva de armazenar carbono e melhorar a saúde do solo.

"Devido à natureza altamente porosa e à área de superfície elevada do biochar, ele melhora a capacidade do solo de reter mais água", explica Bhawana Bhatta, professora de ciências do solo da Universidade de Melbourne, na Austrália.

“A fina rede de poros no biochar dá espaço para os microrganismos do solo viverem. Isso aumenta a diversidade microbiana no solo.”

A princípio, Pow ficou sem saber como faria para colocar o biocarvão em seus pastos. Geralmente, é necessário um maquinário especializado grande e caro.

"Pensei, não possuímos equipamentos agrícolas de grande porte e meus portões não são largos o suficiente", relembra.

Foi então que Pow se perguntou: seria possível colocar o biochar no solo com pouco ou nenhum custo, usando seu rebanho para distribuí-lo? Afinal, os animais vagavam pelos pastos o dia inteiro, e seu esterco era espalhado generosamente sobre ele. Parecia um sistema de distribuição feito sob medida.

Mas uma vez que o estrume enriquecido com biochar havia sido espalhado pela terra, ele se deparou com um desafio adicional. Como esse esterco entraria no solo?

O esterco é de certa forma incompatível com a paisagem australiana. Foram os primeiros colonos europeus que introduziram vacas, ovelhas e outros ruminantes na região. Os cangurus e outras espécies nativas defecam pequenos grânulos fibrosos, com os quais os besouros rola-bosta nativos da Austrália coevoluíram para lidar. Mas esses besouros ignoram os excrementos pastosos e úmidos produzidos pelas vacas.

Pow teve que procurar besouros rola-bosta bovinos, que foram introduzidos pela primeira vez na Austrália na década de 1960, mas continuam sendo relativamente raros.

Depois de buscar a ajuda de um entomologista para entender se ao alimentar seu gado com biochar poderia prejudicar as larvas de besouro que viviam no esterco, Pow foi em frente e fez um teste. Para documentar o progresso, ele se juntou a pesquisadores de biocarvão, como Stephen Joseph, da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália.

Atraído pela adição de melaço ao biochar, o gado de Pow obedientemente devora sua ração enriquecida e produz seu esterco. Na sequência, os besouros começam a trabalhar – em pares. O macho leva o esterco para os besouros fêmeas que cavam um túnel no solo.

Toda vez que um besouro remexe o solo, ele também traz à superfície terra nova com altos níveis de fósforo, que atua como fertilizante natural.

Estudos realizados durante um período de três anos na fazenda de Doug revelaram um aumento do carbono orgânico total e da fertilidade do solo desde o início. A pesquisa mostrou ainda que houve uma melhora na retenção de água no solo e um aumento na quantidade de carbono que estava sendo retida.

No geral, Pow viu um “salto quântico” na qualidade de suas terras agrícolas, à medida que se tornaram economicamente mais viáveis e produtivas.

"Estamos fazendo a nossa parte para recriar o solo de maneira positiva, com benefícios de longo prazo para o mundo", diz.

"Foi uma maneira muito engenhosa de colocar biochar no solo sem dispêndio de capital", avalia Kathy Dawson, diretora-executiva do Warren Catchment Council, organização sem fins lucrativos que auxilia no gerenciamento de recursos naturais na região sudoeste de Austrália Ocidental.

O biochar é normalmente uma forma muito estável de carbono, diferentemente da biomassa que é deixada para apodrecer na superfície, liberando dióxido de carbono no processo. Uma vez enterrado no solo, o biocarvão pode permanecer lá por centenas de anos.

Acredita-se também que a presença de biochar estabiliza o carbono orgânico no solo, diz Bhatta, resultando em um aumento do sequestro de carbono.

A ideia de enterrar essa substância no solo foi proposta como um promissor sumidouro de carbono para enfrentar as mudanças climáticas, mas a quantidade necessária para obter um efeito significativo teria que ser gigantesca.

Mas, dado o interesse nos demais benefícios ambientais da substância, será que outros fazendeiros vão adotar o sistema de biochar e besouros rola-bosta? Tem havido uma certa hesitação devido a questionamentos sobre quão rentável a prática é para os agricultores.

Os benefícios para a saúde do solo também dependem do tipo de biocarvão usado. Pow acredita que seria necessária uma legislação e incentivos adicionais, como créditos financeiros, para incentivar uma adoção mais ampla de práticas agrícolas com baixa emissão de carbono. Ele tem esperança de que o sistema que desenvolveu inspire mais agricultores com o tempo.

Embora a pecuária tenha um grande impacto ambiental, também é um meio de subsistência para cerca de 1,3 bilhão de pessoas em todo o mundo. E a combinação improvável de biocarvão e besouros de esterco pode ser uma maneira de os agricultores reduzirem sua contribuição para a crise climática, enquanto colhem os benefícios de um solo mais saudável.


Professor Edgar Bom Jardim - PE

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Confederação Nacional de Municípios lança plataforma para viabilizar recursos da Lei Aldir Blanc





Confederação Nacional de Municípios (CNM) lançou recentemente a Plataforma +Brasil. Criada para receber as informações que viabilizarão as transferências de recursos no âmbito da Lei 14.017/2020, a partir do cadastro do município na ferramenta, o gestor local cadastrado com o perfil “gestor recebedor” poderá preencher e enviar as informações necessárias para manifestar o interesse da cidade em receber os recursos da Lei Aldir Blanc, que disponibilizará R$ 1,5 bilhão para aplicação pelos entes municipais no setor cultural.

Para isso, o município terá que preencher um plano de ação que demostre como planeja utilizar esses recursos. No momento do cadastramento do plano de ação, esse ente local também indicará uma agência de relacionamento do Banco do Brasil de sua preferência para que o governo federal abra uma conta bancária a fim de transferir os recursos. Acesse aqui o primeiro tutorial que orienta como inserir essas informações. Acesse aqui o primeiro tutorial que orienta como inserir essas informações.

A CNM destaca que são quatro os tutoriais do Ministério da Economia para orientar as prefeituras e detalha os procedimentos que devem ser seguidos em cada um desses documentos. A entidade recomenda também que os municípios já façam o preenchimento do plano de ação na Plataforma +Brasil, mas apenas enviem ao Governo Federal após a publicação da regulamentação da Lei Aldir Blanc. Assim sendo, caso haja alguma necessidade de adequação do plano de ação às regras estabelecidas na regulamentação, o gestor terá como fazer as alterações antes do envio.

Além disso, a Confederação Nacional de Municípios sugere a leitura da nota técnica da CNM A Lei Aldir Blanc: primeiras orientações aos gestores municipais de cultura, que auxiliará o preenchimento do plano de ação.

Organização do cadastro
Em primeiro lugar, o Município deve ter seu cadastro organizado na Plataforma +Brasil. O passo inicial é atualizar os cadastros dos gestores locais na Plataforma, criando novos usuários quando for preciso. É necessário que o gestor responsável por preencher as informações que manifestarão o interesse do município em receber os recursos seja cadastrado com o perfil “gestor recebedor”. Leia aqui o segundo tutorial que traz informações referentes ao cadastro dos gestores locais.

Além disso, as cidades que optarem por indicar seu fundo municipal de cultura ou órgão gestor municipal responsável pela área da cultura como o executor dos recursos devem cadastrá-lo na Plataforma +Brasil. Baixe aqui o terceiro tutorial que trata especificamente dos Municípios que fizerem essa escolha. A CNM esclarece que, apesar desse tutorial explicitar somente os fundos, o cadastro dos órgãos deve seguir as mesmas orientações.

Nessa etapa, caso o gestor cadastrado com o perfil “cadastrador do Ente” tenha alguma dificuldade para logar sua conta no gov.br, ele poderá buscar orientações aqui ou aqui para solucioná-la. Somente os gestores com esse perfil que podem atualizar os cadastros de gestores que já estão registrados na Plataforma +Brasil, bem como podem cadastrar novos usuários, o fundo municipal de cultura e o órgão gestor municipal de cultura.

Evidencia-se ainda, que o gestor cadastrado com o perfil “gestor recebedor” deverá também ter uma conta no gov.br para conseguir acessar a Plataforma +Brasil e, assim, preencher e enviar o plano de ação. Acesse aqui o quarto tutorial que auxilia o gestor a criar essa conta.

Fundos e órgãos de cultura
A CNM esclarece que existe a possibilidade de o Município vincular a conta bancária que será criada a um fundo municipal de cultura – que possua ou não um CNPJ – ou a um órgão gestor municipal responsável pela área da cultura, como, por exemplo, uma secretaria ou uma fundação municipal de cultura. Caso esse seja o interesse do Município, ele deve cadastrar anteriormente o fundo ou o órgão na Plataforma +Brasil, seguindo o tutorial dois. Em seguida, precisa indicar um dos dois como o executor dos recursos quando for preencher o plano de ação, seguindo o tutorial três. Assim sendo, quando o Município não cadastrar um fundo ou um órgão, indicando-o como o executor dos recursos, a conta bancária será aberta em nome da prefeitura.

Preenchimento do plano de ação
Alerta-se que do montante que o Município receberá, no mínimo, 20% deve ser utilizado em iniciativas do inciso III do artigo 2º da Lei Aldir Blanc: editais, chamadas públicas, prêmios, aquisição de bens e serviços vinculados ao setor cultural, entre outros. Destaca-se que ficou pactuado junto ao governo federal que os Municípios ficarão também responsáveis pelo inciso II do artigo 2º, que se trata do subsídio para manutenção de espaços artísticos e culturais, microempresas e pequenas empresas culturais, organizações culturais comunitárias, cooperativas e instituições culturais. Logo, o preenchimento do plano de ação deve levar em consideração a aplicação dos recursos nos incisos II e III. Contudo, ressalta-se que para que essa pactuação seja válida, é necessário que esteja estabelecida na regulamentação da Lei.

Roda de conhecimento
Na próxima quarta-feira, 12 de agosto, às 14h30 horas, será realizada uma edição da Roda de Conhecimento sobre como preencher o plano de ação na Plataforma +Brasil. Assista ao vivo no canal do YouTube da CNM e participe enviando sua pergunta.

Plataforma Êxitos
No conteúdo exclusivo do site da CNM é possível acessar a Plataforma Êxitos, que concentra informações para auxiliar os gestores municipais na preparação do plano de ação da Lei Aldir Blanc.

Acesse as publicações na íntegra:

Nota Técnica 44/2020 – A Lei Aldir Blanc: primeiras orientações aos gestores municipais de cultura

Cartilha – Institucionalização da gestão pública de cultura: como estruturar um sistema municipal de cultura

Foto:Edgar S. Santos
Professor Edgar Bom Jardim - PE

'Sapiens - Uma Breve História da Humanidade' ganha adaptação para HQ

O livro apresenta a trajetória da humanidade desde o surgimento da espécie, durante a Pré-História, até o presente




O livro best-seller "Sapiens - Uma Breve História da Humanidade", do historiador israelense Yuval Noah Harari, ganha, ainda este ano, sua primeira adaptação para os quadrinhos pela editora Companhia das Letras. A data de lançamento não foi divulgada, mas o volume terá ilustrações e roteiro dos franceses David Vandermeulen e Daniel Casanave.

O livro também vai ter nova edição, traduzida por Jorio Dauster, com lançamento previsto para dezembro de 2020. Haverá, ainda, versão em audiobook narrado pelo ator Antonio Fagundes, mas sem data definida.
Especializado em história mundial, Harari repassa no livro a trajetória da humanidade desde o surgimento da espécie, durante a Pré-História, até o presente.

Doutor em história pela Universidade de Oxford e professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, o autor apresenta interpretações para fatos e procura mostrar como o Homo sapiens subjugou as demais espécies.

Com uma linha de pesquisa que gira em torno de questões abrangentes, Yuval Noah Harari também é autor de "Homo Deus", em que investiga qual será o futuro dos humanos na Terra.
 Com Folha de Pernambuco
Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 9 de agosto de 2020

1,5 milhão de crianças sem creches e 11 milhões de analfabetos: os desafios urgentes para o Brasil 'passar de ano' na educação


Pessoa escrevendoDireito de imagemMARCOS SANTOS/USP IMAGENS
Image captionErradicar analfabetismo absoluto e funcional é um desafio

Alguns dias antes da posse do novo ministro da Educação, Milton Ribeiro, em 16 de julho, um relatório oficial voltou a jogar luz sobre os desafios das escolas brasileiras para atingir patamares adequados de inclusão e de ensino de qualidade — desde um significativo déficit de vagas na educação infantil até a dificuldade em manter os adolescentes na escola e com alto nível de aprendizagem.

Esses desafios constam do Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em lei em 2014 pelo Congresso e que estabelece um conjunto de 20 metas e submetas para o ensino no Brasil, a serem cumpridas entre 2015 e 2024. Essas metas abrangem, por exemplo, a universalização do ensino, a erradicação do analfabetismo e valorização da carreira de professores.

As metas são monitoradas por 57 indicadores. Deles, apenas 7 (ou 13,4%) foram cumpridos até agora, segundo o relatório do governo. Em 41 indicadores (ou 73% do total), passou-se da metade do patamar previsto pela meta (veja mais detalhes abaixo), segundo um relatório de monitoramento divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep), autarquia ligada ao Ministério da Educação, no início de julho.

Segundo o Inep, o "nível médio de alcance das metas está em 76,22%".

"Reconhecer esses números é rejeitar a compreensão simplista que afirma que 'tudo vai mal na educação brasileira'; é reconhecer o esforço coletivo dos profissionais da educação que, mesmo que enfrentem adversidades, apostam na escola como o local da esperança e da transformação nacional", diz o relatório do Inep, destacando, porém, que "os resultados estão bastante aquém daqueles que desejamos para a educação nacional".


Para a Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, entidade que também monitora em relatório o avanço do PNE, os números até agora apontam para um "descumprimento quase total da lei".

"No ritmo que se tem avançado, cerca de 85% dos dispositivos (indicadores) das metas do PNE não serão cumpridos até o prazo de 2024", critica a organização em nota, em junho, acrescentando que, em alguns pontos, há estagnação ou mesmo retrocesso.

Embora o ritmo lento venha desde antes do governo atual e alguns problemas sejam de longa data, críticos afirmam que, sob Jair Bolsonaro — que tem em Milton Ribeiro seu quarto ministro da Educação em um ano e meio de mandato —, o ministério vive um cenário de paralisia, com poucos projetos voltados aos problemas-chave do ensino e com baixa capacidade de execução.

Posse do novo ministro, Milton RibeiroDireito de imagemMEC
Image captionPosse do novo ministro, Milton Ribeiro, o quarto a comandar o MEC no governo Bolsonaro

Em entrevista coletiva sobre o relatório, o presidente do Inep, Alexandre Lopes, disse que o cumprimento das metas do PNE exigirá também o esforço de Estados, municípios e universidades, e citou a crise financeira do país. "O MEC (Ministério da Educação) se enfraquece um pouco diante da questão fiscal que o Brasil vive", afirmou.

A BBC News Brasil destaca, a seguir, alguns dos principais gargalos apontados pelo relatório do governo, que desafiam as políticas públicas do país:

Mais crianças nas creches e pré-escolas

A fila de espera por creches nas cidades do país ilustram um desafio nacional: ainda é preciso incluir 1,5 milhão de crianças de zero a três anos em creches até 2024. É o que prevê a Meta 1 do Plano Nacional de Educação.

Em 2018, segundo o relatório do Inep, o Brasil conseguiu ofertar vagas para 35,7% das crianças nessa faixa etária (ou 3,8 milhões), e o objetivo é chegar até 50%.

Esse acesso também é bastante desigual entre as crianças mais vulneráveis e as que vivem em famílias com boas condições financeiras: "A diferença no acesso (a creches) entre as crianças 20% mais ricas e as 20% mais pobres é de 25 pontos percentuais", explica à BBC News Brasil Anna Helena Altenfelder, diretora-executiva do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec).

A meta 1 do PNE também previa que todas as crianças de 4 e 5 anos estivessem matriculadas na pré-escola até 2016 — o que não aconteceu até hoje. Ainda faltam vagas para estimadas 330 mil crianças, segundo dados de 2018.

"Também não podemos perder de vista a necessidade de garantir a qualidade do ensino para todas as crianças da educação infantil", aponta o Observatório do PNE, feito pelo movimento Todos Pela Educação. Alguns especialistas apontam que, para crianças pequenas, uma creche de má qualidade (sem estímulos e cuidados adequados) pode ser ainda pior para o desenvolvimento social e cerebral do que não estar na creche.

Em contrapartida, oferecer mais vagas em instituições públicas de qualidade pode ajudar as crianças pequenas a desenvolver habilidades e funções cognitivas úteis ao longo de toda a vida.

Creche na zona leste de SP, em foto de arquivoDireito de imagemLEON RODRIGUES/SECOM
Image captionEm 2018, o Brasil conseguiu ofertar vagas para 35,7% das crianças de zero a 3 anos, e o objetivo é chegar até 50%; acima, creche na zona leste paulistana, em foto de arquivo

São, também, consideradas um passo importante para permitir o acesso de mães ao mercado de trabalho.

A persistência do analfabetismo  absoluto e funcional

O Brasil conseguiu praticamente alcançar, em 2019, uma meta que estava prevista para quatro anos antes: alfabetizar 93,5% de sua população com mais de 15 anos. Mas, na prática, ainda faltam 11 milhões de brasileiros a serem alfabetizados até 2024 — um contingente equivalente à toda a população do Estado do Paraná.

E se o analfabetismo absoluto persiste, o analfabetismo funcional é ainda mais abrangente.

Ser analfabeto funcional significa ser capaz de ler e escrever, mas ter dificuldade em entender e interpretar textos, em identificar ironias ou sutilezas nesses textos e em fazer operações matemáticas simples em situações cotidianas.

A Meta 9 do PNE é de reduzir o índice de analfabetismo funcional pela metade nos próximos quatro anos. Como base, o Inep usa os dados de uma pesquisa do IBGE, que apontava 18,5% de analfabetismo funcional na população em 2012. O objetivo, portanto, é baixar esse índice para 9,2% até 2024.

Mas alguns outros indicadores apontam que esse problema pode ser ainda mais amplo: segundo o Indicador de Analfabetismo Funcional (Inaf) de 2018, praticamente 30% da população entre 15 e 64 anos tinha essa dificuldade em leitura e compreensão.

No que diz respeito às crianças pequenas, a meta é garantir até 2024 que todas estejam alfabetizadas, no máximo, até o final da terceira série do ensino fundamental, por volta dos 8 anos de idade.

Os dados mais recentes da Avaliação Nacional de Alfabetização, de 2016, apontam que apenas 45,3% das crianças nessa etapa tinham aprendizagem adequada em leitura, 66,1% em escrita e 45,5% em matemática.

O Ministério da Educação, sob o governo Bolsonaro, lançou no início do ano o programa Tempo de Aprender, que prevê ações de incentivo à alfabetização para as redes estaduais e municipais que aderirem. O MEC afirma que 3.231 municípios e Estados aderiram ao programa até maio.

Mas Altenfelder, do Cenpec, afirma que o programa não pode ser considerado uma política pública. "É um programa com algumas diretrizes feito em total falta de diálogo com os municípios e com a produção acadêmica nacional (sobre os processos de alfabetização)", diz.

sala de aulaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionBrasil ainda se mantém distante das metas de manter jovens na escola e nas séries corretas para suas idades

Muitos jovens fora da escola ou atrasados no ensino

A cada 100 crianças brasileiras que entram no ensino fundamental, apenas 65 concluem os estudos, explica Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco. "Os que terminam já são sobreviventes", diz ele.

Ou seja, ao longo dos 12 anos da educação básica, muitos alunos ficam pelo caminho — ou porque não conseguem acompanhar as aulas, porque perdem o interesse na escola ou porque precisam trabalhar, por exemplo.

O custo anual da evasão escolar é de R$ 214 bilhões, ou 3% do PIB (Produto Interno Bruto), por conta do impacto do abandono nas possibilidades de emprego, renda e retorno para a sociedade das pessoas que não concluem a educação básica, segundo cálculos do economista Ricardo Paes de Barros.

Especialistas temem que esse quadro de evasão escolar se agrave com a atual pandemia.

Algumas metas do PNE se referem justamente a manter os jovens por mais tempo na escola e para concluir as etapas da educação na idade certa, por exemplo:

- Garantir que, até 2024, 95% dos alunos concluam o ensino fundamental até os 16 anos (por enquanto, esse índice é de 75,8%, segundo dados de 2018).

- Matricular todos os jovens de 15 a 17 anos na escola até 2016 (meta que já foi descumprida, uma vez que, segundo os dados mais recentes, 8,5% desses jovens ainda estão fora da escola).

- Elevar a escolaridade média da população de 18 a 29 anos, para que todos tenham completado 12 anos de educação formal até 2024. A meta prevê também reduzir as diferenças entre população rural e urbana, entre negros e não negros, e aumentar o tempo de escolaridade no Nordeste do Brasil (que tem os menores índices do país).

Até 2015, porém, segundo o Observatório do PNE, a escolaridade média da população do campo era de 8,3 anos; a da população do Nordeste, de 9,3 anos e a dos negros, 9,5 anos (contra 10,8 anos da média da população branca).

- Garantir que, até os próximos quatro anos, 85% dos jovens estejam no ensino médio, ou seja, nas séries corretas para a sua idade. Ainda estamos longe disso: apenas 68,7% dos adolescentes dessa idade cursavam o ensino médio até 2018.

O desafio, segundo o Observatório do PNE, é "tornar o ensino médio mais atrativo, com a diversificação do currículo, (...) introduzir uma melhor qualidade e equidade e reduzir as taxas de evasão na etapa".

Também é um desafio colocar em prática a Base Nacional Comum Curricular do ensino médio — um conjunto de diretrizes para essa etapa que ainda não se traduziu em ações práticas nas escolas. Nesta semana, São Paulo anunciou ser o primeiro Estado ter formulado um currículo para o ensino médio tendo a base como referência, para começar a ser implementado em 2021.

Pessoas andando na av PaulistaDireito de imagemROBERTO PARIZOTTI/FOTOSPUBLICAS
Image captionPopulação branca tem, em média, mais de um ano a mais de escolaridade em relação aos negros

No geral, diz o relatório do Inep, "as questões mais preocupantes em relação à educação brasileira continuam sendo o baixo nível de aprendizado dos alunos, as grandes desigualdades e a trajetória escolar irregular, que ainda atinge porção significativa dos estudantes das escolas públicas brasileiras".

Mais dinheiro para a educação pública

A meta final do PNE determinava aumentar o investimento público na educação, para alcançar 7% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro até 2019 e 10% até 2024.

"No entanto, os resultados observados de relativa estagnação dos gastos em torno de 5% e 5,5% do PIB, com indicativo de pequena queda, apontam grande desafio para o atingimento das metas intermediária e final", diz o relatório do governo.

Neste mês, a Câmara dos Deputados aprovou a proposta de emenda constitucional do novo Fundeb, fundo que financia a educação básica. O texto aprovado prevê mudanças nos aportes públicos à educação que, segundo especialistas, podem aumentar o montante investido nas escolas e garantir que mais municípios pobres recebam recursos.

A proposta, agora, tramita no Senado.

O Plano Nacional de Educação tem muitas outras metas. Por exemplo, aumentar a oferta de escolas em tempo integral; melhorar a formação e equiparar o salário médio de professores da rede pública aos profissionais com o mesmo nível de escolaridade (em 2015, os docentes ganhavam apenas 52,5% do salário médio das pessoas com escolaridade semelhante); triplicar as matrículas na educação profissional e aumentá-las no ensino superior; entre outras.

Muitas delas ainda permanecem distantes de seu cumprimento, e muitos especialistas da educação pedem mais protagonismo do MEC no esforço para alcançá-las.

"Neste ano e meio (de governo Bolsonaro) infelizmente não vimos nada (em iniciativas) de implementação ou acompanhamento das metas do PNE", diz Altenfender, do Cenpec.

Criança estudandoDireito de imagemRAUL SANTANA/FIOCRUZ
Image captionBrasil conseguiu superar a meta prevista para índice de aprendizado de das crianças da 1ª à 5ª série

Onde o Brasil avançou

Alguns pontos em que o Brasil avançou, em contrapartida, são o aumento da nota média das crianças da 1ª à 5ª série (a nota média de 5,7, almejada para 2019, foi ultrapassada ainda em 2017), embora preocupe o fato de que, depois da quinta série, o desempenho dos alunos comece a cair.

No ensino superior, o Brasil bateu a meta de ter mais de 75% dos professores de educação superior com cursos de mestrado ou doutorado e também já tem, desde 2017, mais de 60 mil pessoas com títulos de mestrado (outra meta do PNE).

Outro avanço é que 98% das crianças brasileiras de 6 a 14 anos estão matriculadas no ensino fundamental — perto de universalizar o acesso, esperado para 2024. O problema é que esses 2% restantes fora da escola "são, na maioria, famílias mais pobres, negras, indígenas e com deficiência", exigindo políticas públicas específicas para garantir que elas de fato consigam estudar, diz o Observatório do PNE.

Para Anna Helena Altenfelder, apesar dos enormes desafios restantes, é um erro achar o Plano Nacional de Educação "inexequível".

"O plano não é uma utopia", diz ela. "Ele tem uma força grande pela forma como foi construído (aprovado pelo Legislativo), de modo participativo, e por ser um parâmetro de referência para secretários de Educação estaduais e municipais. Ele é a síntese das aspirações do Brasil para a educação."

Professor Edgar Bom Jardim - PE