quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Marisa Letícia tem morte cerebral, e família autoriza doação de órgãos

  • 15.ago.2016 - Marisa Letícia e o ex-presidente Lula durante Encontro das Mulheres e Militantes em Santo André (SP)
    15.ago.2016 - Marisa Letícia e o ex-presidente Lula durante Encontro das Mulheres e Militantes em Santo André (SP)
A ex-primeira-dama e mulher do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Marisa Letícia Lula da Silva, 66, teve morte cerebral nesta quinta-feira (2) em razão de complicações causadas por um AVC (Acidente Vascular Cerebral) hemorrágico.
Segundo informações do hospital, Lula e sua família autorizaram o procedimento de doação de órgãos após constatação de "ausência de fluxo cerebral".
Marisa estava internada em estado grave no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, desde 24 de janeiro.

Ela chegou a apresentar uma ligeira melhora na terça-feira (31), e a sedação começou a ser reduzida. Como ela não reagiu bem, voltou a ser sedada.

No dia anterior, os médicos haviam informado, em boletim médico, que a ex-primeira dama tinha tido "trombose venosa profunda" detectada nos membros inferiores. A equipe utilizou um filho de veia cava para impedir que coágulos se deslocassem para outras regiões do corpo
Além do filho de seu primeiro casamento, Marcos, adotado por Lula, Marisa deixa os filhos Fábio, Sandro, Luís Cláudio, a enteada Lurian (filha do ex-presidente com uma ex-namorada), e o marido, Luiz Inácio Lula da Silva. Os dois foram casados por 43 anos.

Origem humilde

Filha de agricultores de ascendência italiana, Marisa nasceu em uma casa de pau-a-pique, no bairro dos Casa, sobrenome de seu avô, que tinha um sítio no interior de São Bernardo do Campo, no ABC paulista.
Reprodução/Fundação Perseu Abramo
Lula e Marisa, nos anos 1970
Ainda criança, mudou com a família para o centro da cidade e aos 13 anos passou a trabalhar embalando bombons Alpino na fábrica de chocolates Dulcora. Aos nove, havia sido babá das sobrinhas do pintor Candido Portinari.

Deixou o emprego para casar, aos 19 anos. Seis meses depois, o marido, taxista, foi assassinado a tiros em uma tentativa de assalto, deixando a jovem viúva grávida de quatro meses do seu primeiro filho, Marcos.
Ela conheceu Lula, também viúvo, em 1973, no Sindicato dos Metalúrgicos da cidade. Ele trabalhava no Serviço de Assistência Social do sindicato quando Marisa foi buscar um carimbo para recolher a sua pensão como viúva. Os dois começaram a namorar e casaram-se menos de um ano depois.

Marisa acompanhou Lula desde o início de sua vida política, durante as greves de operários no ABC paulista no fim dos anos 1970 – ele tornou-se presidente do sindicato um ano depois do casamento, em 1975.
Ela foi a responsável por costurar a primeira bandeira do Partido dos Trabalhadores. "Eu tinha um tecido vermelho, italiano, um recorte guardado há muito tempo. Costurei a estrela branca no fundo vermelho. Ficou lindo." Na época, estampava camisetas com a estrela símbolo da sigla para arrecadar fundos para o partido e chegou a cadastrar as pessoas na rua, buscando convencê-las da importância de montar um partido dos trabalhadores.

Em 1980, em plena ditadura, quando Lula e diversos sindicalistas foram detidos no Dops (Departamento de Ordem Política e Social) devido às greves, liderou uma marcha só com mulheres em protesto pelas prisões políticas. "Hoje parece loucura. Fizemos uma passeata das mulheres em 1980, quando os dirigentes sindicais estavam presos. Encheu de polícia.
Os homens queriam dar apoio, mas dissemos não. Fizemos só com as mulheres, eu de mãos dadas com meus filhos à frente", lembra em entrevista à Fundação Perseu Abramo, em 2002.
Em 1º de janeiro de 2003, tornou-se primeira-dama após o marido concorrer à Presidência quatro vezes, em 1989, 1994 e 1998.  Passou a aparecer mais em palanques ao lado de Lula durante a campanha de 2002.
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Veja a trajetória de Marisa Letícia, mulher de Lula14 fotos

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Marisa Letícia da Silva e Luiz Inácio Lula da Silva se casaram em 1974, em um cartório. Era o segundo casamento de ambos. Na época, Lula era metalúrgico e, no ano seguinte, se tornaria presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do CampoImagem: Reprodução

Junto com o crescimento do PT, Marisa passou por um processo de mudança, sob a orientação do publicitário Duda Mendonça. Ganhou um guarda-roupa novo, em que terninhos ganharam espaço, e um corte de cabelo mais curto.
Enquanto ocupou o Palácio da Alvorada, adotou um comportamento discreto. Uma vez ao ano, organizava festas juninas na Granja do Torto, de propriedade da Presidência, quando participava das danças de quadrilha ao lado do ex-presidente.

Causou polêmica ao ordenar que fossem plantados canteiros de flores vermelhas, em formato de estrela, nos jardins do Palácio da Alvorada e da Granja do Torto.
Nascida Marisa Letícia Casa, assumiu o sobrenome Silva ao se casar com Lula. Quando o ex-presidente incorporou o apelido a sua assinatura, passou também a assinar Marisa Letícia Lula da Silva. Para o ex-presidente, no entanto, a mulher era apenas "galega", apelido pelo qual a chamava desde que começaram a namorar, nos anos 1970.

Costumava dizer que foi pai e mãe dos filhos, a quem se dedicou enquanto o marido avançava na vida pública. Cuidava sozinha do apartamento em que a família vivia em São Bernardo.
"É ela quem manda. E ele obedece. Dona Marisa se dedica a Lula e à família inteira. É o alicerce de Lula", definiu o cardiologista e amigo da família, Roberto Kalil, médico de Lula há 30 anos, em entrevista ao jornal O Globo em 2011, quando o ex-presidente teve a cabeça raspada pela mulher durante o tratamento de câncer contra a laringe a que se submeteu.

Lava Jato

Dona Marisa era ré em uma ação penal, junto com o marido, na Operação Lava Jato. Eles respondem pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro em contratos firmados entre a Petrobras e a Odebrecht.

Segundo o Ministério Público, Lula recebeu propina da empreiteira Odebrecht por intermédio do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, que também virou réu na ação, ao lado do empreiteiro Marcelo Odebrecht, e outras cinco pessoas.
De acordo com a investigação, o dinheiro foi usado para comprar um terreno, que seria usado para a construção de uma sede do Instituto Lula (R$ 12,4 milhões), e um apartamento em frente ao que mora em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo (R$ 504 mil).

A defesa de Lula informou que o ex-presidente aluga o apartamento vizinho ao seu. Além disso, acrescentou que o Instituto Lula funciona no mesmo local há anos e que o petista nunca foi proprietário do terreno em questão.

Segundo os advogados do ex-presidente, a transação seria um "delírio acusatório".
Fonte:UOL.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Como o desemprego está criando 'funcionários-polvo' e aumentando pressão sobre quem trabalha


Funcionário-polvoDireito de imagemTHINKSTOCK
Image captionDemissões têm levado vários profissionais ainda empregados a acumular funções

Em uma grande agência de emprego no centro de São Paulo, uma cena se repete: com currículos em mãos, dezenas de pessoas formam fila para falar com a recepcionista. "Você se cadastrou no nosso site?", ela pergunta. A frustração dos candidatos é visível, assim com o cansaço da mulher que, do outro lado do balcão, atende centenas deles em uma manhã.
O drama das 12 milhões de pessoas que hoje estão sem trabalho no Brasil é bem conhecido. Mas pouco se fala dos efeitos do desemprego para quem fica nas empresas. Com 3 milhões de demitidos nos últimos três meses de 2016, segundo o IBGE, quem continua contratado pode virar um "funcionário-polvo", acumulando funções de ex-colegas, além de precisar lidar com o medo do desemprego.
Apesar de não ser medido em números, esse fenômeno é velho conhecido dos especialistas em mercado de trabalho. Segundo os professores entrevistados pela BBC Brasil, o aumento de pressão sobre os empregados é uma tendência natural em momentos de crise.
"Toda vez que uma empresa entra em dificuldade, ela precisa fazer o melhor possível com o pessoal que permanece. Fazer muito com pouco torna-se a chave do sucesso", explica o professor da FEA-USP José Pastore, que também é consultor em relações do trabalho.
Para manter o ritmo, diz Pastore, empresários ficam com os subordinados considerados mais versáteis, que podem aprender novas tarefas rapidamente. São os mais propícios a tornarem-se "funcionários-polvo".

Muitos em um

Relatos de acúmulos de tarefas se espalham por indústria, comércio e serviços.
Vendedor em uma loja de roupas na região metropolitana de Porto Alegre (RS), Jorge* virou caixa, estoquista e responsável pelo crediário depois que outra funcionária foi demitida.
Hoje exerce dez funções em um expediente que ficou mais longo.
"Quando minha colega saiu, tudo o que ela fazia foi para mim", diz.

Acúmulo de funçõesDireito de imagemTHINKSTOCK
Image captionCom mais funções, funcionários têm trabalhado até mais tarde - e diminuído almoço

O advogado Leonardo* também está trabalhando mais. Além das petições, ficou encarregado de tarefas que caberiam a um estagiário, como tirar cópias e cuidar da correspondência. Para fazer tudo, diminuiu o almoço.
"Antes comia em uma hora, e agora almoço em trinta minutos. Uso o resto para agilizar."
Aparentemente, Jorge e Leonardo tornaram-se mais produtivos: eles executam mais tarefas quase no mesmo tempo de antes. A ligação entre produtividade e recessão foi discutida em estudos americanos feitos após a crise de 2008. A BBC Brasil não encontrou uma pesquisa semelhante por aqui.
Segundo o trabalho de economistas da Universidade de Stanford e da Universidade de Utah, do último trimestre de 2007, quando a recessão dos EUA começou, até o terceiro trimestre de 2009, quando ela terminou, a produtividade no país cresceu 3,16% em setores não-agrícolas. A marca atingida em 2009 (3,2%) foi a maior desde 2003.
Para os pesquisadores, dois motivos justificaram esse crescimento: a demissão dos trabalhadores menos produtivos e, principalmente, o esforço dos que ficaram para manter suas vagas.
Mas mesmo que os brasileiros se tornem mais produtivos na crise, isso não deve durar muito, diz a professora Regina Madalozzo, coordenadora do Mestrado Profissional em Economia do Insper.
A razão é simples: as pessoas se cansam.
"Estudos mostram que você pode até aumentar a produtividade no curto prazo, mas isso não é sustentável. As pessoas não conseguem dar 100% o tempo inteiro, elas não são máquinas."

Funcionários dormem nas mesas de trabalhoDireito de imagemTHINKSTOCK
Image captionPara especialista, funcionários-polvo 'não conseguem dar 100% o tempo inteiro, as pessoas não são máquinas'

Segundo a professora, aprender novas atividades têm um lado positivo, que é tornar o trabalhador mais completo. No entanto, se isso significa ultrapassar limites físicos, a pressão tem o efeito contrário, prejudicando o serviço.
O vendedor-caixa-estoquista Jorge já percebe que suas vendas pioraram. Enquanto faz o cadastro de um cliente, deixa outros falando sozinhos.
"O patrão não acha certo cair o rendimento, mas não tem como, o atendimento não é mais o mesmo. Me sinto constrangido por não cumprir tudo."

Medo do desemprego

Concentrar tarefas não é a única pressão que os brasileiros sofrem com tantos demitidos no mercado. Com o desemprego acima em 12%, de acordo com o IBGE, o medo de ser mandado embora é outra preocupação constante.
De acordo com índice da CNI (Confederação Nacional da Indústria), o medo do desemprego ficou em 64,8 pontos em dezembro - o indicador vai de zero a cem pontos e, quanto mais alto, maior é o temor. O resultado do mês passado foi o maior desde 1996.
O receio de ser o próximo demitido nem sempre coincide com o acúmulo de funções. O motivo pode ser justamente o contrário: a demanda cai tanto que o trabalhador fica ocioso.
"Me sinto inútil. Saio de casa, enfrento o transporte, para chegar aqui e não fazer nada", diz Ana sobre a agência de marketing onde trabalha. Antes da crise, ela desenvolvia campanhas publicitárias. Com as demissões, foi remanejada para o treinamento, setor que está parado.
"Você tem que fingir que está trabalhando, porque não quer ser demitido."

Anúncios de emprego em poste no centro de São PauloDireito de imagemINGRID FAGUNDEZ/BBC BRASIL
Image captionMedo do desemprego piora relação entre funcionários e patrões, dizem entrevistados

Para ela, a relação com os patrões piorou. Ana diz que o discurso "se você não quer, tem quem queira" é comum.
"Ele existe abertamente. Quando a gente questiona os gestores, ele respondem de forma ofensiva."
Trabalhadores de outras áreas relataram a mesma situação à BBC Brasil. De forma mais ou menos exposta, dizem, a carta do desemprego tem sido usada com frequência.
Contratada de uma empresa da indústria alimentícia, Giovana diz que esse "alerta" não vem diretamente da chefia, mas chega de outras formas.
"Recentemente tivemos uma reunião sobre benefícios e o responsável pelo RH disse 'antes de reclamar da alteração no plano de saúde, devíamos olhar as taxas de desemprego'. A ameaça velada ficou evidente."

Relação patrão-empregado

A relação patrão-empregado no Brasil não é só difícil em tempos de recessão, diz a professora Carmen Migueles, que fez doutorado em sociologia das organizações.
Migueles afirma que esse contato é árido por natureza. Segundo ela, os subordinados muitas vezes não percebem que os chefes também estão numa posição difícil. Por outro lado, os empresários não costumam compartilhar o que está acontecendo com seu negócio e subestimam a ajuda que seus empregados podem lhe oferecer.
"O Brasil é um dos países que mais tem uma visão negativa dos pares, do chefe e das instituições."
Sobre as pressões exercidas pelos patrões, a professora diz que perfis autoritários ou paternalistas são muito comuns no país. Há também o que chama de "psicopatas", que se aproveitam da situação para ameaçar e cobrar seus funcionários.

Profissional estafadoDireito de imagemTHINKSTOCK
Image captionPara professora, momento existe ainda mais maturidade prodissional

No entanto, para Migueles, os subordinados também têm parcela de culpa num relacionamento tão desgastado. O brasileiro, afirma, possui uma propensão a sentir pena de si mesmo, o que mostraria sua falta de maturidade profissional.
"É muito comum no Brasil o perfil da vítima: ninguém cuida de mim, meu emprego está por um fio. Muitos querem que a empresa trate-os como filhos", diz.
"O brasileiro acho que o empresário é um super-homem: ele deve assumir os riscos, resolver os problemas e motivar as pessoas."
A falta de maturidade, dizem os entrevistados, já teria se mostrado nos anos de prosperidade econômica, quando as vagas eram abundantes - naquele momento os trabalhadores faziam o jogo hoje dominado pelos patrões.
"Em 2014, você conversava com um empresário e ele não conseguia segurar ninguém, as pessoas pulavam de lugar para outro. Agora a mesa virou", diz a professora de Administração da FGV-SP Beatriz Lacombe.
Empresários de várias áreas consultados pela BBC Brasil afirmaram que os cortes foram necessários para a sobrevivência de seus negócios e que também estão sendo afetados pessoalmente pelas incertezas da economia. Alguns disseram que redistribuíram tarefas para não prejudicar suas equipes.
De acordo com os especialistas, o ideal seria que patrões e empregados formassem uma "coalizão" para que, com sacrifícios mútuos, pudessem passar juntos pela recessão.

Profissional com dor nas costasDireito de imagemTHINKSTOCK
Image captionExcesso de pressão se reflete na saúde dos trabalhadores

Enxaqueca e tendinite

Enquanto essas relações não mudam, a pressão dentro dos escritórios começa a afetar a saúde dos trabalhadores.
A Associação Nacional dos Médicos Peritos estima que o número de pedidos de auxílio-doença subiu até 30% no último ano. Os dados de 2016 ainda não foram divulgados pela Previdência Social.
O presidente da entidade, Francisco Cardoso, cita o caso de um homem que sofreu um burnout, problema conhecido como doença do esgotamento profissional, depois que todas as 40 pessoas do seu setor foram demitidas. Só ele ficou.
A síndrome de Burnout inclui sintomas como agressividade e falhas de memória.
"É um caso isolado, mas tipifica aqueles que, pelo acúmulo de funções ou pela necessidade de afastar o desemprego, acabam trabalhando além do recomendável. Tem acontecido muito."
Giovana*, que gerencia a área de segurança de produto de uma indústria, diz que o excesso de trabalho trouxe de volta sua enxaqueca. Ela também foi parar no hospital por problemas nas costas e tendinite.
Segundo Giovana, na filial brasileira da empresa, apenas duas pessoas atendem as demandas que, na matriz, são realizadas por 30. O quadro de pessoal no Brasil foi cortado em 30% nos últimos anos.
"Me pressiono cada dia mais, trabalhando além do expediente para manter tudo funcionando normalmente, mas a sensação de ser o 'gargalo' de um processo do qual não tenho controle chega a ser desesperadora."

Trabalhador cansadoDireito de imagemTHINKSTOCK
Image captionProcesso atual terá consequências no futuro, diz especialista

O cansaço dos trabalhadores não é algo que se resolverá imediatamente com a recuperação econômica, alerta a professora Regina Madalozzo, do Insper. O esgotamento dos brasileiros trará consequências a longo prazo, sobretudo para as empresas que continuarem pressionando seus funcionários acima de seus limites.
"Quando sair da crise, será aquilo que vemos nos filmes: todo mundo doente, se demitindo ao mesmo tempo. Você tem que ter um mínimo de incentivo para ir ao trabalho todos os dias."
Esta reportagem terminaria aqui. Mas Iasmin*, uma editora de livros didáticos, queria incluir sua história: "é bom poder falar".
Ela descreveu crises de dor de cabeça que duram uma semana, além de confusão mental e perda da visão periférica. Em semanas tranquilas, costuma acumular dez horas extras.
Suas respostas demoraram a chegar e, por pouco, não ficaram de fora. A justificativa, no entanto, não poderia ser um final mais propício: "o trabalho come até o tempo que a gente deveria usar para denunciar quanto tempo o trabalho come".
*Todos os trabalhadores entrevistados tiveram os nomes alterados para preservar suas identidades.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Quem é Marcelo Bretas, juiz que mandou Cabral e Eike para Bangu


Sérgio Cabral (à esq), Marclo Bretas (centro) e Eike Batista (à dir.)Direito de imagemREUTERS/DIVULGAÇÃO/AFP
Image captionJuiz Marcelo Bretas ordenou as prisões de Sérgio Cabral e Eike Batista

Ele já vinha sendo chamado de "Sérgio Moro carioca". Mas agora o juiz federal Marcelo da Costa Bretas terá de se habituar ao novo aposto que segue seu nome: o de juiz que prendeu o ex-governador Sérgio Cabral e o empresário Eike Batista (que outrora recebia o título de homem mais rico do Brasil).
Bretas não poderia ter estilo mais díspar à ostentação de riqueza dos presos ilustres - Cabral com sua coleção de joias e gosto por restaurantes estrelados e Eike com a Lamborghini estacionada na sala de estar da mansão na zona sul carioca.
Tido como sério, severo e discreto - ou "low-profile", na descrição de uma advogada - o magistrado nasceu na Baixada Fluminense, região metropolitana do Rio. Filho de um comerciante e uma dona de casa, tem uma rotina de dedicação ao trabalho, à família e à religião.
"Ele é uma pessoa muito simples, muito discreta. Não gosta de aparecer, pelo contrário. Tem uma vida pacata, entre trabalho, casa e igreja", descreve Fernando Antonio Pombal, diretor de secretaria e seu braço direito na 7ᵃ Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro.
Com a dimensão dos escândalos da operação Lava Jato no Rio - que no último ano revelaram esquemas de corrupção na Eletronuclear, no governo Cabral e agora trazem acusações contra Eike - o juiz ganhou os holofotes e vê seu nome mencionado entre os cotados para a vaga de Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele é um de 30 magistrados relacionados em uma pré-lista da Associação de Juízes do Brasil.
Bretas estava a bordo de um cruzeiro quando a operação Eficiência foi deslanchada na semana passada, com um total de nove mandados de prisão preventiva assinados pelo juiz - incluindo o de Eike Batista. Mesmo à distância, acompanhou tudo de perto, do meio das férias.
Pombal não sabia precisar em que lugar do oceano Atlântico estaria o chefe a cada momento, apenas que estava sempre disponível para os telefonemas, que têm sido constantes.
"Os dias que antecedem uma operação são muito tensos. O Dr. Marcelo estava muito ansioso. Mas ficou muito feliz com o resultado, apesar de o principal alvo ter escapado inicialmente", diz, referindo-se a Eike - preso nesta segunda-feira ao retornar de Nova York.

Eike Batista sob custódia da políciaDireito de imagemREUTERS
Image captionEike Batista foi preso ao chegar ao Brasil

Na decisão judicial, Bretas justifica a prisão preventiva do ex-bilionário sob pena de que persistisse "na prática de atos forjados para acobertar pagamentos ilícitos" e afirma que sua conduta revelava "sua contemporânea disposição em ludibriar os órgãos estatais de investigação".
Ele tem 46 anos e é casado com a juíza Simone Bretas, que conheceu nos tempos de estudante de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O casal tem dois filhos adolescentes.
O juiz é evangélico, frequentador da Comunidade Evangélica Internacional da Zona Sul, no bairro do Flamengo, onde vive. Tem um irmão pastor e citou um versículo da Bíblia - retirado do livro de Eclesiastes - na decisão que autorizou a operação Calicute, quando Cabral foi preso, em novembro. Diz separar trabalho e religião, mas a Bíblia está sempre a mão para consultas. Como hobby, gosta de tocar bateria.
Sua vida sofreu uma guinada em novembro de 2015, quando Teori Zavascki, então relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, determinou o desmembramento das investigações em Curitiba e enviou o caso da estatal Eletronuclear para o Rio de Janeiro.
O caso foi para a 7ᵃ Vara Criminal, caindo nas mãos de Bretas, que se tornara titular dela meses antes, chegando à capital fluminense depois de 15 anos trabalhando em cidades do interior do Estado.
Na época, a Procuradoria-Geral da República chegou a recorrer ao Supremo Tribunal Federal para reverter o fatiamento das investigações. Mas o temor de que o caso pudesse ser levado menos a sério em outra comarca logo se dissipou.
Bretas condenou o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, a 43 anos de prisão - uma pena muito mais dura que as do juiz Sérgio Moro, que condenou o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu a 23 anos de cadeia.

Agente da Polícia FederalDireito de imagemREUTERS
Image captionCríticos do juiz Bretas afirmam que ele estaria sendo muito duro em suas sentenças

Um colunista de um jornal carioca chegou a dizer que advogados de acusados da Lava Jato estavam torcendo para os casos permanecerem em Curitiba, temorosos do rigor demonstrado por Bretas.
Coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, o procurador Leonardo Cardoso de Freitas descreve magistrado como um juiz "sério" e "de muito bom trato", cujas decisões são bem fundamentadas.
"Mesmo quando nossos pedidos são indeferidos, eu tomo suas razões com muita humildade", diz Freitas. "É um juiz muito sério, em cujas decisões eu confio."
Freitas afirma que não é raro que pedidos dos procuradores sejam negados pelo juiz.
Na semana passada, por exemplo, quando a operação Eficiência foi deslanchada, a Polícia Federal foi às ruas com nove mandados de prisão preventiva, incluindo o de Eike Batista. Freitas revela, porém, que ele e os demais procuradores haviam solicitado que Bretas autorizasse um total de dez prisões preventivas - e um desses pedidos foi negado. A identidade da décima pessoa, evidentemente, é sigilosa.
Outro procurador que prefere não se identificar afirma que o juiz é muito bem visto pelos integrantes da força-tarefa do Rio. "O MPF tem muita confiança em seu trabalho. Ficamos tranquilos de trabalhar com ele porque sabemos que ele vai ser um juiz técnico, que vai julgar de uma maneira séria e rigorosa."
O rigor visto como adequado por uns é visto como excessivo por outros. Bretas sofre críticas semelhantes às feitas a Moro em Curitiba pela forma com que adota conduções coercitivas e prisões preventivas.
A BBC Brasil tentou entrevistá-lo para esta reportagem, sem sucesso.

O ex-governador Sergio CabralDireito de imagemAG. BRASIL
Image captionBretas também determinou a prisão de Cabral, símbolo da elite política do Rio

Pesando a mão

O advogado criminalista João Carlos Castellar vem prestando assistência legal a Flávio Godinho, uma das nove pessoas detidas semana passada e, por isso, imediatamente afastado do cargo de vice-presidente do Flamengo. Ele considera que Bretas "está pesando um pouco a mão" nas decisões tomadas no âmbito da Lava Jato.
"Sempre o conheci como um juiz ponderado, muito educado no trato com as partes, e não com o perfil que tem se verificado agora. Ele tem sido muito severo e muito duro", diz Castellar, contestando, como outros advogados fazem frequentemente, a interpretação que vem sendo dada à condução coercitiva e à prisão preventiva no âmbito da Lava Jato.
"A letra da lei estabelece que a condução coercitiva só pode ocorrer depois que a parte intimada deixa de comparecer regularmente ao ato, sem que haja uma justificativa", afirma.
"Mas com o (Sérgio) Moro, e agora também com o Bretas, isso vem sendo aplicado a torto e a direito com a justificativa de que as pessoas têm que ser conduzidas (coercitivamente), senão podem combinar versões (de depoimentos) entre si. Isso é absolutamente distante do corpo da lei", acrescenta ele, criticando também o prolongamento da prisão preventiva de réus "quando não há razão" para tal.
"A lei estabelece uma série de medidas constritivas da liberdade, como por exemplo a apreensão do passaporte. Que tipo de influência os réus podem ter sobre provas que são basicamente documentais? O dinheiro deixa um rastro, é só seguir. Não é preciso a pessoa ficar presa. A prisão preventiva passa a ser uma antecipação da pena."
Outra advogada e professora de processo penal, que prefere não se identificar, reitera a crítica, e diz que Bretas está seguindo uma tendência que "virou moda" com a Lava Jato e com as ações do juiz Sérgio Moro, adotando esses expedientes de maneiras não previstas no Código de Processo Penal.
"Não existe o que muitos juízes estão fazendo, a lógica do 'mandar prender para ouvir'. Não podemos ter prisões preventivas como forma de espetáculo, por mais que não se goste da figura política", ressalta.
Afora essas restrições, porém, ela afirma ter experiência muito positiva com Bretas nos tribunais. "Ele é um juiz extremamente correto e cordial, preocupado em não cercear a defesa dos réus", afirma a advogada.

Sérgio MoroDireito de imagemREUTERS
Image caption'Novo Sérgio Moro'? Para alguns, Bretas pode ser ainda mais severo

"Ele não é espetaculoso como o Sérgio Moro. Não se vale da mídia para dar suporte a suas decisões. Ele cumpre o seu papel, o papel que acha correto, e você não o vê recebendo prêmios, dando discursos, dando declarações", compara.
Bretas passou 12 anos atuando como juiz em Petrópolis e, no fim desse período, realizou seu trabalho de mestrado na Universidade Católica de Petrópolis. Sua dissertação, defendida em 2014, era sobre o uso de interceptações telefônicas em investigações e sobre como conciliar o direito à privacidade à necessidade do Estado de investigar ilícitos.
Seu orientador à época, o professor Cléber Francisco Alves, considera que o tema já refletia uma preocupação de se qualificar e refletir sobre seu papel como magistrado, buscando uma fundamentação na doutrina para pautar sua conduta.

Determinação

"Ele tem sido um juiz muito determinado no cumprimento das suas obrigações, acho que é exemplar. Tem tido um perfil bastante firme, corajoso, e toma as decisões que considera adequadas sem contemporizar", afirma Alves, que também é defensor público em Petrópolis.
Na 7ᵃ Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, o diretor de secretaria Fernando Pombal diz que a carga de trabalho tem sido pesada desde a chegada dos casos da Lava Jato, e a rotina, estressante. Mas ele fala de Bretas, a quem chama sempre de Dr. Marcelo, com enorme admiração.
"Ele é uma pessoa extraordinária, um ser humano evoluído, um juiz extremamente bem preparado. Ele trabalha no mesmo patamar que seus servidores, de igual para igual, e dá espaço para todos trabalharem", afirma.
"Quem trabalha com ele sabe o quanto ele faz pela Justiça e o quanto é justo e dedicado. E não tem medo. Não tem medo de nada, absolutamente nada."
Pombal diz que, quando cada uma das operações da Lava Jato chega ao fim, a sensação compartilhada por todos 7ᵃ Vara Criminal é de dever cumprido.
"A gente se sente recompensado. Eu costumo dizer que não prestamos mais um serviço público, prestamos um serviço cívico à nação."
Professor Edgar Bom Jardim - PE