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terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Tragédia de Brumadinho: a história da 'sirene humana' que arriscou a vida e salvou centenas no desastre de Mariana


Paula Geralda AlvesDireito de imagemARQUIVO PESSOAL
Image captionDe moto, Paula Geralda Alves foi até o povoado de Bento Rodrigues para alertar sobre o rompimento da barragem da Samarco em Mariana
"Corre, a barragem estourou! Corre todo mundo!". Os gritos de Paula Geralda Alves e a buzina da pequena moto dela, apelidada carinhosamente de Berenice, foram a sirene que não tocou em Mariana (MG), quando a barragem da Samarco - de propriedade da Vale e da holandesa BHP - se rompeu em 2015.
Ao saber do desastre em primeira mão por uma frequência de rádio de um veículo da Samarco, Paula arriscou a vida para avisar a população de Bento Rodrigues. Em vez de correr para cima de um morro e se proteger, subiu na moto e desceu até o povoado, que ficava a menos de 6 km da barragem de Fundão.
A estrutura que armazenava rejeitos das minas da região não era equipada com sirenes de alerta. Só o som avassalador de árvores se rompendo seria ouvido segundos antes de Bento Rodrigues ser engolida pela lama.
Mas os gritos de Paula salvaram as cerca de 400 pessoas que moravam no povoado e que correram em desespero para um local seguro após o alerta. 19 pessoas morreram, mas o número de vítimas poderia ter sido muito maior.
Agora, apenas três anos depois da tragédia em Mariana, também não houve alerta de sirenes quando a barragem da mina Córrego do Feijão, da Vale, se rompeu. E não havia Paula Geralda.
Pelo menos 134 pessoas morreram e 199 continuam desaparecidas nesta que pode se tornar a pior tragédia humana da história em acidentes com barragens.
"Mais uma vez aconteceu um crime e dessa vez foi pior ainda, porque foi uma tragédia humana. Pensei que Mariana serviria de alerta, pensei que aprenderiam a lição", disse Paula Geralda à BBC News Brasil.
casa destruída em Bento RodriguesDireito de imagemJOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL
Image captionCasas de Bento Rodrigues foram destruídas e 19 pessoas morreram, mas tragédia seria muito maior se Paula Geralda não tivesse arriscado a vida para alertar os moradores

Como Paula salvou a cidade

Em 2015, Paula Geralda trabalhava para a Brandt Meio Ambiente, empresa contratada pela Samarco para fazer o reflorestamento de áreas desmatadas pela operação com minas.
Às 16:45 do dia 5 de novembro, ela estava plantando mudas numa área próxima da barragem de Fundão quando começou a ouvir um som estranho, que parecia soar cada vez mais alto e próximo.
"Parecia barulho de avião, onda do mar, helicóptero... Tudo junto. Era o impacto da lama destruindo tudo. Ela vinha igual a um monstro acabando com o que tinha pela frente."
Em busca de informações, o técnico de segurança da Brandt ligou o rádio de uma caminhonete de apoio da Samarco. Na frequência 4, usada para comunicações internas, veio a pior notícia possível naquelas circunstâncias: a barragem de Fundão acabara de se romper.
Paula não pensou duas vezes. "Tenho que avisar o meu povo." Em vez de correr para cima de um morro próximo, onde haveria uma área segura, ela subiu na moto e saiu em disparada com direção ao subdistrito de Bento Rodrigues - na rota da lama.
Paula ao lado de um vizinhoDireito de imagemARQUIVO PESSOAL
Image captionA bordo da moto 'Berenice', Paula buzinou e gritou a plenos pulmões para que todos corressem para cima do morro, para se proteger da avalanche de lama
Os colegas de Paula gritaram desesperados para que ela voltasse. De onde estavam, era possível enxergar o tsunami de rejeitos descendo numa velocidade assustadora. Mas Paula ignorou os chamados, atravessou uma pequena ponte - que poucos minutos depois seria derrubada pela onda de lama - e chegou a Bento Rodrigues.
Lá, usou voz e buzina para alertar a comunidade. "Foge todo mundo! A barragem rompeu. Corre todo mundo."
O que se viu em seguida foi um corre-corre de pessoas desesperadas, mas também muita solidariedade. "Os mais velhos eram ajudados pelos mais novos. Quem não conseguia andar era carregado", conta Paula.
O filho dela, na época com 5 anos de idade, estava em casa com os avós. Paula avisou a família e continuou o trajeto de moto pela cidade, tentando alertar o maior número possível de pessoas.
Rapidamente, centenas de moradores subiram para a área mais alta da região. Lá, Paula reencontrou o filho e os pais. Do topo do morro, era possível ver a lama avançando. Casas, carros e árvores tombavam como se fossem se brinquedos.
pichação em casa de Mariana (MG)Direito de imagemJOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL
Image captionBarragem da Samarco, em Mariana (MG), não tinha qualquer equipamento de sirene para alerta em caso de rompimento
"Atravessei na frente do tsunami de lama para avisar a comunidade. No caminho, eu não parei para olhar para trás", conta Paula.
"Foi só quando eu cheguei lá no alto do morro que eu vi a destruição. Vi que o Bento (como os moradores chamam Bento Rodrigues) tinha acabado."
Os quatro cachorros de estimação e as galinhas ficaram lá embaixo. A casa de Paula foi uma das poucas que ficaram de pé, embora quintal e cozinha tenham sido destruídos e toda a parte interna, inundada pela lama.

O dia seguinte

Quando os bombeiros chegaram a Bento Rodrigues de helicóptero e viram a destruição, acharam que toda a população do vilarejo havia morrido. Foi então que avistaram os moradores ilhados num morro rodeado por lama.
Mas não havia como resgatar a população toda pelo ar. Só pessoas feridas, que não tiveram tempo de se refugiar, foram retiradas pelos helicópteros naquele dia.
Paula, a família e os vizinhos acabaram passando a noite em cima do morro. "Foi uma madrugada de pesadelo, porque sempre vinha alguém dizendo que alguma outra barragem tinha estourado e que dessa vez ia nos alcançar", relata.
No dia seguinte, com a lama mais firme, saíram todos em fila indiana, com auxílio dos bombeiros. Os idosos e pessoas com dificuldade de locomoção foram retirados de jipe.
Paula Geralda em visita à casa que foi destruída, um ano depois da tragédiaDireito de imagemARQUIVO PESSOAL
Image captionA casa de Paula Geralda foi invadida pela lama, mas continuou de pé. Cozinha e quintal foram destruídos e ela perdeu móveis e eletrodomésticos
Paula passou pela casa onde morava. Todas as galinhas haviam morrido, mas foi com alegria que ela constatou que os cachorros estavam vivos.
Dois deles, Maxixe e Petitico, moram hoje em dia com Paula em um apartamento alugado pela Samarco em Mariana. Bento Rodrigues está deserto, ainda coberto de lama.

Tragédia de Brumadinho

A barragem da Samarco em Mariana não tinha qualquer sistema de alerta em caso de rompimento.
O aviso de Paula salvou a população de Bento Rodrigues. Um ano após o desastre, ela recebeu uma medalha do governo de Minas Gerais pelo ato de heroísmo.
Hoje, está desempregada e faz bicos como cabeleireira. Assim como os outros moradores que tiveram os lares destruídos pela lama, ela recebe um auxílio financeiro de um salário mínimo e mais 20% desse valor para cada membro da família, além de uma cesta básica por mês.
Até hoje não recebeu indenização. A construção do local onde os moradores de Bento Rodrigues serão assentados não começou. "Tudo o que eu queria era ter a minha casa de volta."
Três anos depois, a tragédia se repete com uma agravante. Além de terem as casas destruídas, moradores das comunidades próximas à mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, perderam, também, parentes, vizinhos e, em alguns casos, a família inteira.
"Aqui em Mariana tivemos a maior tragédia ambiental do mundo e 19 mortes. Agora, em Brumadinho, temos a maior tragédia humana. Mais de 100 mortos e nem todos serão encontrados. É difícil de entender", diz Paula.
Bombeiros resgatam corpos em Brumadinho (MG)Direito de imagemMAURO PIMENTEL/AFP
Image caption'A gente fica desacreditada. De Mariana para cá, disseram que as barragens que temos por aqui receberam sirenes. Mas a gente vê que não dá para confiar', afirma Paula
Após o desastre de Mariana, a instalação de sirenes em áreas de barragens passou a ser obrigatória. Mas os equipamentos não soaram quando a lama avançou pelas comunidades que moravam perto da barragem da Vale.
O presidente da empresa, Fábio Schvartsman, justificou o fato dizendo que a avalanche foi "rápida demais", impedindo o acionamento manual das sirenes. Os equipamentos mais próximos teriam, segundo a Vale, sido os primeiros a serem engolidos pela lama.
Pelo menos dois funcionários responsáveis pelo plano de evacuação morreram, também atingidos pelos rejeitos.
"A gente fica desacreditada. De Mariana para cá, disseram que as barragens que temos por aqui receberam sirenes. Mas a gente vê que não dá para confiar", afirmou Paula à BBC News Brasil.
Casa engolida pela lama em BrumadinhoDireito de imagemREUTERS
Image captionTragédia em Brumadinho foi agravada pela falta de um sistema de alerta que funcionasse
Aos colegas de dor de Brumadinho ela deseja "força e paciência". "Daqui para a frente, a luta deles vai ser grande."
Paula diz que o que mais a entristece é ver que o rompimento da barragem de Mariana, com a destruição do ecossistema do Rio Doce e das casas de centenas de pessoas, não tenha servido de alerta para evitar novas tragédias.
"Não imaginava que isso fosse acontecer de novo. Eu achei que a nossa história, em Mariana, serviria de alerta, que eles aprenderiam."
Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 3 de fevereiro de 2019

Brasil:23,3 milhões entraram em situação de vulnerabilidade social



Edinaldo Santana não consegue ganhar o equivalente a um salário mínimo.  Foto: Hamilton Ferrari/CB/D.A Press
Edinaldo Santana não consegue ganhar o equivalente a um salário mínimo. Foto: Hamilton Ferrari/CB/D.A Press
Quando tem sorte, Edinaldo de Santana, 38 anos, consegue R$ 60 num dia ao trabalhar com reciclagem. Desempregado há pelo menos 10 anos, perdeu as esperanças de procurar uma vaga no mercado por “falta de espaço”, segundo ele. Mesmo com ensino médio completo e curso técnico, precisa fazer bicos para garantir a renda mensal e ajudar a pagar as contas da casa, que fica na Estrutural. Ele mora com a esposa e sabe bem o que é viver em aperto financeiro. “Não consigo mais atingir nem o salário mínimo com o meu trabalho”, lamenta.

Santana é um exemplo dos milhões de brasileiros que estão em situação de vulnerabilidade financeira e social. O Brasil atingiu a menor taxa de pobreza em 2014, mas, após a crise econômica e o grande descompasso das contas públicas, o índice aumentou até 2017, segundo cálculos do economista e pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV) Marcelo Neri. Nesses três anos, mais de 23,3 milhões pessoas foram incluídas nesse saldo perverso.

As projeções mostram que, caso o país continue com crescimento econômico baixo, em torno de 2,5% ao ano, só será possível retomar o nível atingido em 2014 em 2030. Ou seja, mais de uma década e meia de atraso. Neri avalia que falta “responsabilidade econômica básica” para transformar os avanços sociais em uma tendência duradoura. “Uma lição da crise atual é olharmos primeiro para os mais pobres, buscando protegê-los, e, assim, preservar o movimento da economia como um todo”, aponta. A pobreza teve seu maior salto, de 19,3%, entre 2014 e 2015 no Brasil, o que correspondeu a 3,6 milhões de pessoas. Nesse período, a taxa passou de 8,4% para 10%. A projeção do economista para 2018 é de que o índice fique em 10,95%.

Dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) revelam que o Brasil foi fundamental para a piora nos índices de pobreza na região até 2017. O problema social afetou 184 milhões de pessoas ao término daquele ano, sendo que 62 milhões — ou 10,2% — estão em situação crítica. Enquanto vários países reduziram ou estabilizaram a pobreza extrema, como Paraguai, Colômbia, Costa Rica, Panamá, Chile e Equador, o Brasil registrou alta de 4% para 5,5% do número de pessoas desse grupo entre 2015 e 2017.

Descontrole
Para analistas, 2019 será decisivo, pois é considerado o ano limite para o Brasil não entrar num alto grau de falta de credibilidade econômica e de risco. É como uma espécie de “ou vai, ou racha”, em que o governo de Jair Bolsonaro tem responsabilidade de conseguir aprovar a reforma da Previdência, considerada chave para evitar a expansão descontrolada das despesas públicas.

Alheias a essas discussões, as pessoas que estão na situação de pobreza têm outras preocupações: como conseguir dinheiro para custear a alimentação da família. “Eu cheguei a trabalhar com carteira assinada em 2006. Fiquei um ano e dois meses numa empresa de construção, que parou de existir porque terminou o serviço. Procurei algo depois, mas não encontrei”, conta Santana. Ele afirma, porém, que está otimista. “A esperança é a última que morre”, diz. “Temos de melhorar, pois nossa situação está ficando insustentável”, acrescenta.
Ronaldo Alves de Sousa nem sempre tem condições de pagar por um teto. Foto: Hamilton Ferrari/CB/D.A Press
Ronaldo Alves de Sousa nem sempre tem condições de pagar por um teto. Foto: Hamilton Ferrari/CB/D.A Press
Ronaldo Alves de Sousa, 35, não tem lar fixo. Há três anos, luta desesperadamente pela sobrevivência. “Trabalho, eu não nego”, garante. “Às vezes, consigo juntar dinheiro para um teto na Estrutural, porque só me deixam entrar quando consigo pagar um pouco. Quando não dá, fico na rua mesmo”, lamenta. “Já fiz curso de garçom e de segurança. Mas não tem vaga para mim”, diz. “Hoje trabalho com gesso e faço R$ 400 no mês. Às vezes, R$ 600. Creio em Deus que a situação vai melhorar. Tenho fé”, afirma.

Na opinião do pesquisador Sergei Soares, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), para atingir o crescimento sustentável, o país precisa fazer a reforma da Previdência. “Não há avanço sem mudança, senão, é enxugar gelo. O aumento da pobreza não é resultado de decisões tomadas na área social e, sim, na economia. É preciso consertar”, explica.

Soares ressalta ainda que, mesmo com a melhora da economia, o país não terá, num primeiro momento, diminuição do índice de pobreza. “O mercado de trabalho tem um certo atraso, reage depois de um, dois anos. Só veremos queda na pobreza lá por 2021, com a recuperação do emprego. Para isso, no entanto, é preciso sinalização de que a trajetória de falência das contas públicas será revertida”, argumenta.

No entender de Kaizô Beltrão, pesquisador da FGV, o processo de construção de um país menos pobre é feito a médio e longo prazos, sendo necessárias melhorias na educação. “Para sair da pobrezam é preciso aumentar a empregabilidade e as condições de educação. Tornar as pessoas mais capacitadas permite que haja um desenvolvimento maior da renda, o que tira esse grupo da situação de vulnerabilidade”, avalia.
FonteDP/Correio Brasiliense
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Lucro acima de tudo, lama encima de todos


O desastre da Vale em Brumadinho foi uma tragédia anunciada. Em dois sentidos: primeiro porque o lobby das mineradoras barra legislação para evitar o pior. Segundo, em um sentido mais profundo, porque tragédias ambientais são da lógica do capitalismo, principalmente depois das reformas neoliberais que mudaram o mundo desde os anos 1980.
O desastre com a barragem da Samarco em Mariana (MG) em novembro de 2015 também é responsabilidade da Vale. A Samarco é um joint venture da Vale com a anglo-australiana BHP Billiton. A última era a maior empresa de mineração do mundo em 2013, perdendo a posição para outra anglo-australiana (a Rio Tinto), que por sua vez teria perdido a posição para a Vale há duas semanas.
Depois do desastre em Mariana, a comoção levou a promessas de mudança de conduta por parte da empresa, de um lado, e de dureza na legislação e na fiscalização, de outro. As promessas foram vãs, pois as mineradoras financiaram lobby para barrar reformas protetoras do meio-ambiente.
Um projeto com regras severas de licenciamento ambiental para novas barragens e fiscalização mais dura das existentes está paralisado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais há um ano. O projeto aumentava o custo das mineradoras, tanto por aumentar investimento em prevenção quanto exigir a formação de um fundo para danos futuros.
Foi vetado pelos deputados Tadeu Martins Leite (MDB), Gil Pereira (PP) e Thiago Cota (MDB). O último afirmou à BBC Brasil que o projeto “inviabilizaria a mineração em Minas Gerais… não teríamos mais como sonhar com o retorno da Samarco. Isso seria terrível para Mariana, Ouro Preto e toda uma região.”
O lobby das mineradoras também barrou projeto no Senado que aumentava a fiscalização, as exigências de segurança e as punições por não cumpri-las. Também exigia a contratração de seguro ou garantia financeira para cobertura de danos. A exigência de seguro complementaria a fiscalização pública com a avaliação da seguradora privada.
Enquanto o projeto do Senado foi arquivado em 2018, três projetos da Câmara de Deputados estão parados desde 2016. No Ministério Público, a cobrança no valor de R$ 155 bilhões contra a Samarco está suspensa por conta de negociações com a empresa, que quer diminuir o valor.
A luta contra a indenização pelo desastre de Brumadinho já começou. Na segunda-feira o advogado da Vale, Sérgio Bermudes, afirmou que a empresa “não enxerga razões determinantes de sua responsabilidade” no estouro da barragem. A repercussão negativa levou a empresa a desautorizá-lo, mas ele já pediu à Justiça mineira o fim do bloqueio de R$ 11 bilhões para indenizações.
A Vale também é conhecida por lutar contra impostos. Como outras empresas, pratica elisão fiscal através de preços de transferência: exporta para uma coligada em um paraíso fiscal, que depois revende pelo preço de mercado. Assim, não recolhe tributos devidos no Brasil (nem no paraíso fiscal).

Sem limitar-se à Vale, um estudo do economista Guilherme Morlin atestou uma diferença sistemática entre o preço do minério de ferro exportado pelo Brasil e a cotação internacional de mercado entre 2009 e 2015. A depender da base de dados, o subfaturamento totalizou algo entre US$ 39 e 49 bilhões entre fevereiro de 2009 e dezembro de 2015. Mais de 80% das exportações brasileiras de ferro foram adquiridas por empresas sediadas na Suíça, um ponto de revenda que só se justifica por ser conhecido paraíso fiscal.
A perda de arrecadação tributária foi estimada em nada menos que US$ 12,5 bilhões apenas em impostos sobre os lucros, sem contar rendimentos financeiros e a CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais). Outro estudo do INESC calculou que a Vale pagou 40% a menos do que o devido CFEM em 2013.
Para dizer o mínimo, a Vale não devolve o que deveria para a coletividade que a abriga. A empresa é uma expressão perfeita do capitalismo neoliberal. A concorrência impõe a lógica do capitalismo sobre cada empresa: reduzir custos por todos os meios e se apropriar gratuitamente de recursos coletivos e naturais não renováveis até seu esgotamento. Já o neoliberalismo exalta a empresa e deslegitima o poder público que poderia impor regras e custos para as empresas.
Muitas empresas não têm compromisso nacional e preferem se deslocar para territórios com menores custos tributários, trabalhistas, ambientais ou regulatórios. Quando não podem, seus lobistas, políticos, advogados, intelectuais e publicitários procuram recriar condições “mais livres” em suas próprias sedes usando os argumentos neoliberais de sempre.
A má notícia para os brasileiros é que a melhor expressão mundial da pulsão neoliberal talvez seja Jair Bolsonaro, para quem a vida do empresário é difícil por causa das leis trabalhistas, dos impostos e das normas ambientais (a “indústria da multa”).


A notícia pior é que o novo desastre da Vale é fichinha diante dos desastres que serão produzidos pelo aquecimento global, produto maior daquilo que nosso presidente chamou de “dejeitos” da atividade econômica. Apesar de Brumadinho, o mais provável é que Bolsonaro continue considerando o combate à degradação ambiental e à mudança climática um complô do “marxismo cultural” contra o capitalismo.
Fonte: cartacapital.com.br

Professor Edgar Bom Jardim - PE

sábado, 2 de fevereiro de 2019

O encanto e o desencontro: a sociedade ambígua


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O crescimento da tecnologia animou o capitalismo. A multiplicidade de invenções modifica hábitos. O mundo se abria para um consumo. No entanto, as desigualdade não se foram. O uso de armas atômicas continua assustando e promovendo choque violentos. As guerras são cotidianas atiçando perplexidades. Compra-se e, ainda, existe euforia. Muitos perguntam se a felicidade é uma dádiva, uma articulação das estratégias do capitalismo. Há quem acredite e nem observa que a exploração permanece globalizada. Fabricaram-se vacinas, antibióticos, vitaminas. Celebram a beleza do corpo. E os vazios? Será que haverá o surgimento de paraísos e a morte das hierarquias?
Quando as tragédias  assassinam, a gritaria é geral. As denúncias frequentes criam tensões. Muita saudade, perdas irreparáveis, porém há quem quem defenda as grande empresas. É preciso assinalar que o capitalismo contribui para fragilizar os valores de solidariedade. Se a disputa toma conta do mercado, como segurar a desconfiança? A riqueza se concentra nas mãos de uma minoria. Ela mantém seu poder político. Alicia, forma quadros especializados e seduz antigos adversários. Não se pode fechar o olhos e admitir que houve falhas superficiais, desprezando as perdas dos outros, destilando arrogância, indiferente aos descontroles dos governos.Há milícias espalhadas com limites tênues.
A história não é uma sucessão de misérias absolutas. Há ações que trazem renascimentos, indicam gratidões, desejos de firmar utopias. O importante é decifrar as ambiguidades, sentir que as manipulações garantem supremacias perversas. As idas e vindas mostram a complexidade das relações sociais. As religiões geram expectativas de salvação, se enche de promessas, apelam para a humildade. No entanto, surpreendem quando se aliam a projetos políticos nada generosas. Há traições constantes e mergulhos em fantasias que empurram para frustração. O sagrado se mistura com o profano e as mídias religiosas entram no fascínio do sucesso. O peso dos interesses desconecta as balanças e emudece a justiça. Vale o que vale.
Não adianta tecnologias sofisticadas, sem uma crítica aos valores que ela estimula. A história não é abstração. Ela construída por pessoas. Há regras e compromissos. Se o tilintar das moedas atrai é porque há privilégios sendo preservados e corrupções consumadas. Na política, as argumentos podem trazer desenganos e mascarar intenções. A riqueza não é coletiva, repartida em benefício de todos. Portanto, insistir na denúncia não é pecado capital, é escolher saídas, no meio de multiplicidade de opiniões que consagram o movimento das bolsas e as valorizações das ações. Quem simpatiza com capitalismo está adotando concepções de mundo muito longe de um projeto coletivo. Há outras alternativas para a história ou a convivência social possui a marca do individualismo?
A astúcia de Ulisses. 
Por Paulo Rezende
Professor Edgar Bom Jardim - PE

A tragédia não é incomum


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Há sempre sensacionalismo no jogo da mídia. Ela gosta de imagens inquietantes. Manipula bem os desejos da sociedade que não cessa de buscar novidades. Muitas notícias atraem e provocam expectativas. Será que o pecado é um produto humano? A natureza está arruinada? A tecnologia é uma dádiva? Quem acredita no compromisso dos governos? Não faltam temas. No entanto, a desgraça dos outros toca e gera debates. Tudo é muito rápido e passa deixando sofrimentos que são escondidos. Portanto, é preciso leitores ávidos por detalhes, trazer os apáticos para frente das telas, enfeitiçar para manter a audiência. Tudo é mercadoria, garante patrocínio, celebra sucesso..
Vivemos cercados de desmantelos. As hierarquias sufocam e deprimem, mas a necessidade de exibir um grande números de descuidos é importante. Distrai alguns. Ontem falaram de Davos, criaram-se especulações sobre as andanças do presidente. Surge um tema que desloca todas as atenções. As empresas de mineração parecem não gostar do meio ambiente. Mortes anunciadas, denúncias retomadas, rios destroçados. O escândalo prospera por uns dias. Há indignação, levantam-se dados, observa-se a precariedade geral. O suspense é grande, as milícias silenciam, as pessoas se reúnem na sala de jantar curiosas e traumatizadas. Momento de aflição fabricado, porém há lamentações firmes e profundas. Há quem não se iluda com os malabarismos. Desconfia e sente atmosfera suja.
Quem  analisa as pequenas tragédias? Há refugiados, analfabetismo, desemprego, crime organizado. Isso faz parte do cotidiano. É tragédia, porém quanto vale? Que imagens temos da miséria? A fome faz parte do sistema? Que sonhos podem ser imaginados se não há espaço para igualdade? Dói ver as falcatruas das mineradoras. Não são punidas e há quem tenha pena do prejuízo das empresas. E as pessoas que estão embaixo da lama? Conhece Itabira, terra de Drummond e feudo das artimanhas da Vale do Rio Doce? A riqueza encobre os desgovernos e protege privilégios. Quem controla a verdade e se salva  com louvores? E as ações na bolsa ferem o ritmo do capitalismo?
Somos mortais. Para certas religiões, somos eternos devedores. Merecemos perdão ou o fogo do inferno? A incompletude mostra que a perfeição inexiste. O trágico é uma invenção da cultura ? Lembram-se das obras de Sófocles, da aridez das perseguições políticas, das chacinas racistas? O trágico inventa e possui muitas formas Não faltam memórias arruinadas. Elas incomodam e a sociedade quer espetáculo. Se não houver crítica e rebeldia os registros se vão e morrem as revoltas. Convivemos com tragédias,  resta saber o que aprendemos com elas. Muitas perguntas tensionam as emoções, muitas vezes, de forma superficial. Cuidamos pouco da solidariedade. Desligamos, conectamos, ampliamos acontecimentos. Que fazer? A pulsão de morte não abandona a história.Mortais e predatórios, é o que somos.
 Por Paulo Rezende
A astúcia de Ulisses.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

O mundo está à beira de uma nova grande crise econômica?

Trabalhadores na ChinaDireito de imagemAFP
Image captionOrganizações internacionais vêm reduzindo suas projeções de crescimento global
Nos últimos meses, os sinais de preocupação com a economia mundial têm se acumulado: analistas apontam para crescentes riscos de crise no horizonte e organizações internacionais vêm reduzindo suas projeções de crescimento global.
Em janeiro, o FMI (Fundo Monetário Internacional) revisou sua previsão de crescimento global de 3,7% para 3,5% neste ano e de 3,7% para 3,6% em 2020. O Banco Mundial também recalibrou sua estimativa de avanço da economia mundial para 2,9% neste ano, 0,1 ponto percentual abaixo da projeção de junho passado.
O clima de ansiedade era visível em Davos, na Suíça, onde líderes políticos e empresariais estiveram reunidos no último mês para o Fórum Econômico Mundial. Um levantamento recente do grupo de pesquisas Conference Board revelou que a possibilidade de recessão global é a principal preocupação dos mais de 800 CEOs consultados em diversos países.
Mas será que o mundo realmente se encaminha para uma nova grande crise econômica?
A diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, alertou em Davos que, após dois anos de sólida expansão, a economia mundial está crescendo mais lentamente do que o esperado e os riscos estão aumentando.
"Isso significa que há uma recessão global dobrando a esquina? Não. Mas o risco de um declínio mais acentuado no crescimento global certamente aumentou", ressaltou.
Na avaliação da diretora-executiva de Economia Global da consultoria IHS Markit, Sara Johnson, o perigo de declínio global cresceu, mas a probabilidade de recessão em 2019 ainda é baixa.
Image captionNa avaliação da diretora-executiva de Economia Global da consultoria IHS Markit, Sara Johnson, probabilidade de recessão em 2019 ainda é baixa
"Nós vemos a recente desaceleração no crescimento como parte do ciclo econômico normal. Diversas partes do mundo, incluindo os Estados Unidos e a Europa, estavam crescendo mais rápido do que sua tendência de longo prazo", disse Johnson à BBC News Brasil.
Ela salienta que, nos Estados Unidos, os benefícios do corte de impostos do final de 2017 ainda estão alimentando o crescimento, e a expansão da economia americana é um dos fatores pelos quais ela não vê uma recessão mundial no curto prazo.
"Mas, obviamente, toda expansão um dia acaba."

Desaceleração nos Estados Unidos

A maior economia do mundo registra seu segundo maior ciclo de expansão contínua, iniciado em junho de 2009, mas analistas apontam para riscos em meio ao aumento das taxas de juros, tensões comerciais, especialmente com a China, recentes turbulências no mercado financeiro e o impacto econômico da paralisação parcial recorde do governo federal.
O corte de impostos ajudou a impulsionar a economia americana em 2018, com crescimento de 2,9%, mas o impacto da medida tende a enfraquecer gradualmente. O FMI prevê avanço de 2,5% em 2019 e 1,8% no ano seguinte, projeção inalterada desde outubro.
Image captionAlta dos juros nos EUA ajuda a controlar a inflação, mas também afeta o crescimento da economia
O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) aumentou a taxa básica de juros quatro vezes no ano passado, a última delas em dezembro, em 0,25 ponto percentual, para o intervalo entre 2,25% e 2,50%. A alta dos juros ajuda a controlar a inflação, mas afeta o crescimento da economia, ao incentivar a poupança e reduzir consumo e investimento em produção.
Os aumentos recentes foram criticados pelo presidente Donald Trump como prejudiciais à economia do país, o que acabou gerando preocupação de influência indevida do líder americano, ameaçando a independência do Fed, que recebe do Congresso a responsabilidade sobre a política monetária.
No último dia 30, o Fed decidiu manter o atual patamar de juros e sinalizou que não antecipa novos aumentos. A inflação americana se mantém perto da meta de 2% ao ano, e o mercado de trabalho, outro indicador da saúde da economia, continua sólido, com 2,6 milhões de empregos criados em 2018 e taxa de desemprego de 3,9%.
"Uma maneira de interpretar (a opção por dois aumentos) é que estão preocupados em aumentar muito a taxa de juros e provocar uma recessão", disse à BBC News Brasil a economista Kathryn Dominguez, professora de Economia e Políticas Públicas da Universidade de Michigan e pesquisadora do Escritório Nacional de Pesquisa Econômica.
Outro risco destacado por analistas são as tensões comerciais entre os Estados Unidos e a China, com aumento de tarifas, que afetam o resto do mundo e já haviam provocado uma revisão para baixo nas projeções anteriores do FMI para a economia global, divulgadas em outubro.
Caso os dois países não resolvam a disputa, as tarifas já impostas pelos Estados Unidos a uma gama de produtos chineses podem subir de 10% para 25%, provocando nova retaliação da China. Além da briga com a China, o governo americano também enfrenta tensão com vários outros parceiros comerciais, com a imposição de tarifas sobre a importação de aço e alumínio.

China dá sinais de alerta

O desempenho da economia chinesa também é motivo de preocupação. Em janeiro, a China anunciou crescimento de 6,6% em 2018, menor taxa desde 1990. A previsão do FMI é de avanço ainda menor, de 6,2%, neste ano e em 2020.
"Enquanto eu espero que a China continue a crescer em ritmo sólido neste ano, alguns problemas estão se formando, entre eles alto nível de endividamento, excesso de capacidade em algumas indústrias pesadas e mercados imobiliários", ressalta Johnson.
"Claramente o setor industrial está enfrentando dificuldades no momento."
Image captionAlemanha se adapta a novas regras de emissões de poluentes para automóveis, que afetaram setor
O governo chinês planeja medidas de estímulo, incluindo cortes de impostos e investimento em infraestrutura. "Isso será crucial", destaca Dominguez.
"A China responde por grande parte da decisão (de organizações internacionais) de reduzir as projeções para o crescimento global, representa uma importante parcela do crescimento global."
A economia europeia também enfrenta riscos que podem afetar a economia mundial, com as dificuldades de acordo para a saída do Reino Unido da União Europeia (o chamado Brexit) e a desaceleração na zona do euro, cujo crescimento neste ano foi revisado pelo FMI para 1,6%, queda de 0,3 ponto percentual em relação à projeção de outubro.
A Alemanha ainda se adapta às novas regras de emissões de poluentes para automóveis, que afetaram essa indústria. A França registra violentos protestos nas ruas há mais de dois meses. E, na Itália, "preocupações com riscos soberanos e financeiros tiveram impacto na demanda interna", disse o FMI.

Outros riscos

Problemas nos Estados Unidos, na China e na Europa costumam afetar mercados emergentes, como o Brasil, mas Dominguez afirma que ainda é cedo para calcular o possível impacto de uma desaceleração mais acentuada.
No caso do Brasil, Johnson observa que é importante ver o que acontece com as reformas, como a da Previdência.
O FMI prevê crescimento de 2,5% na economia brasileira neste ano, 0,1 ponto percentual a mais que a previsão de outubro e semelhante aos 2,53% do relatório Focus, do Banco Central, feito a partir de pesquisa semanal com consultorias e instituições financeiras. Para 2020, a previsão do FMI é de 2,2%, abaixo dos 2,6% do Focus.
Analistas citam ainda outros motivos de preocupação para a economia mundial, como o alto nível de endividamento global e a política mais polarizada em diversos países. Mas Dominguez diz que as reduções nas perspectivas de crescimento global feitas pelas principais organizações internacionais ainda são modestas.
Image captionEconomista diz que reduções nas perspectivas de crescimento global feitas pelas principais organizações internacionais ainda são modestas
"Não é impossível que vários desses potenciais choques negativos se acumulem e levem a uma desaceleração mais dramática do que as previsões indicam atualmente. Mas certamente não há um consenso hoje de que isso deve ocorrer em 2019."
A economista lembra que 2018 e, principalmente, 2017, foram anos muito bons para a economia global. "Parte do que estamos vendo é simplesmente uma desaceleração em relação a dois anos muito bons", afirma Dominguez.
"Pode ser que estejamos voltando ao normal, e esse normal seja mais lento do que nos últimos anos. Mas isso é diferente de dizer que estamos entrando em uma recessão global."
Professor Edgar Bom Jardim - PE