domingo, 8 de janeiro de 2023

Erros que levaram aos Atentados Terroristas em Brasília






Policial militar é atacado por militantes bolsonaristas ao cair do cavalo na Praça dos Três Poderes, neste domingo

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Policial militar é atacado por militantes bolsonaristas ao cair do cavalo na Praça dos Três Poderes, neste domingo.

Alertas subestimados, demora para mobilizar tropas e leniência com o acampamento de bolsonaristas em Brasília.

Esses foram os três principais erros apontados por especialistas em segurança pública ouvidos pela BBC News Brasil que, segundo eles, teriam levado à invasão do Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (STF).

Neste domingo (8/1), milhares de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ocuparam a Esplanada dos Ministérios, na área central de Brasília e, de lá, invadiram e depredaram as instalações do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do STF. Os prédios são as sedes dos três Poderes da República.

A invasão aconteceu após diversas convocações feitas em redes sociais como grupos de WhatsApp. Os invasores pedem o fechamento do Congresso Nacional, intervenção militar e são contra a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)



Em resposta, Lula anunciou neste domingo (08/01) uma intervenção federal na área de Segurança Pública do Distrito Federal.

Para chegar aos edifícios, os invasores enfrentaram policiais militares e as equipes de segurança do STF, Congresso e Palácio do Planalto.

De acordo com imagens e relatos feitos por canais de TV como a GloboNews, os bolsonaristas danificaram gravemente diversos ambientes dos três prédios.

A invasão, no entanto, aconteceu em uma das áreas que, supostamente, deveriam ser mais bem guardadas do país.

Diante disso, a pergunta que especialistas têm se feito nas últimas horas é: que erros foram cometidos pelas autoridades e que levaram à invasão de três dos mais importantes prédios do Brasil?

Alertas subestimados


A possibilidade de invasão a prédios públicos na Esplanada dos Ministérios e na Praça dos Três Poderes, na área central de Brasília, já vinha circulando em grupos de WhatsApp bolsonaristas há pelo menos quatro dias.

Diversas convocações foram feitas pelas redes sociais e a expectativa era de que dezenas de ônibus com apoiadores de Bolsonaro chegassem a Brasília neste final de semana.

A BBC News Brasil teve acesso a um vídeo que circulou em um desses grupos em que há uma clara convocação para a invasão.

"Ninguém está falando em acampar, nada… nós estamos falando de tomar Brasília como o povo do Sri Lanka fez", diz um trecho do vídeo com imagens da invasão do palácio presidencial do país asiático, em julho de 2022.

Para o ex-secretário de segurança pública do Distrito Federal Arthur Rodrigues, houve negligência das forças de segurança locais em relação ao tamanho das manifestações.

"Essa manifestação estava prevista e era de conhecimento público. Sabia-se há muito tempo sobre a possibilidade de haver quebra-quebra. Claramente, o efetivo colocado para lidar com essa manifestação não foi compatível com o tamanho da mobilização", diz o ex-secretário.

Homens quebrando vidro

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Apoiadores de Jair Bolsonaro quebram vidro do Supremo Tribunal Federal durante invasão do edifício

Até o momento, não foram divulgados os números oficiais sobre a quantidade de invasores e a quantidade de policiais militares presentes na área atingida. As imagens veiculadas, no entanto, mostram que o número de agentes de segurança era bastante inferior ao de invasores.

Imagens transmitidas por canais de TV mostram um agente de segurança montado em um cavalo sendo cercado e agredido por bolsonaristas nas imediações do Congresso Nacional sem qualquer apoio ou reforço policial.

Para o presidente do conselho de administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Cássio Rosa, os alertas em relação às manifestações foram subestimados.

"O aparato de segurança colocado pelo governo do Distrito Federal não era adequado para o tamanho da manifestação. A PM local é extremamente bem treinada para lidar com multidões. Se o efetivo fosse compatível, dificilmente estaríamos tendo esse tipo de invasão", afirmou Rosa.

Procurada, a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) não respondeu às questões da reportagem.

Demora no uso da Força Nacional

Um outro elemento destacado pelos especialistas foi a demora na mobilização das tropas da Força Nacional.

No sábado (7/1), o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), anunciou que autorizou o uso da Força para garantir a segurança na área da Esplanada dos Ministérios em função dos protestos que estavam sendo convocados por bolsonaristas.

"Além de todas as forças federais disponíveis em Brasília, e da atuação constitucional do Governo do Distrito Federal, teremos nos próximos dias o auxílio da Força Nacional. Assinei agora portaria autorizando a atuação, em face de ameaças veiculadas contra a democracia", disse Dino em seu perfil no Twitter.

A previsão inicial era de que a manifestação mais forte fosse ocorrer na segunda-feira (9/1). A autorização dada por Dino previa o emprego de tropas da Força Nacional entre o sábado e a segunda-feira.

Na avaliação do ex-policial civil, cientista político e membro do FBSP Guaracy Mingardi, houve demora na utilização das tropas.

"O governo federal demorou a mobilizar Força Nacional. Os agentes dessa tropa, que são formados por policiais militares de todo o país, deveriam ter sido reunidos mais cedo e colocados de prontidão. Ainda é cedo para avaliar, mas acredito que pode ter faltado agilidade nessa mobilização", afirmou Mingardi.

Arthur Rodrigues, por sua vez, avalia que a convocação da Força Nacional pode ter tido um efeito colateral em relação ao objetivo final do governo federal, que era garantir a segurança da Esplanada dos Ministérios.

"O uso da Força Nacional foi inócuo porque aliviou, em certa medida, a responsabilidade do governo do Distrito Federal de garantir a segurança na região, e colocou isso no colo do governo federal. Quem está acostumado a atuar naquela região é a PM", disse Rodrigues.

A reportagem questionou o Ministério da Justiça sobre as alegações feitas pelos especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, mas o órgão não respondeu às perguntas até o momento.

Homem atira objeto contra policiais durante invasão de sedes dos três poderes em Brasília

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Homem atira objeto contra policiais durante invasão de sedes dos três poderes em Brasília

Leniência com acampamento e militantes bolsonaristas

Outro ponto indicado por especialistas que pode ter contribuído para a dimensão dos atos deste domingo foi a suposta leniência das autoridades em relação ao acampamento de bolsonaristas em frente ao Quartel General do Exército e com os militantes violentos que participaram de atos de vandalismo nas últimas semanas.

No dia 12 de dezembro do ano passado, data da diplomação de Lula no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), um grupo de bolsonaristas ateou fogo em carros, ônibus e tentou invadir a sede da Polícia Federal, em Brasília.

Os atos aconteceram após a prisão de um indígena bolsonarista determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

Apesar da violência empregada pelos militantes, a PM do Distrito Federal não prendeu ninguém, o que gerou críticas de uma suposta conivência das forças de segurança locais com os bolsonaristas.

Dias depois, porém, um militante bolsonarista foi preso por sua ligação com uma tentativa de atentado a bomba ao Aeroporto Internacional de Brasília.

George Washington de Sousa confessou ter montado a bomba ,segundo a polícia.

Segundo depoimento prestado por ele à Polícia Civil do Distrito Federal, sua intenção era que a bomba gerasse caos e levasse à imposição de um estado de sítio antes da posse de Lula como presidente.

Em seu depoimento, Sousa disse que encontrou militantes dispostos a conduzir o atentado no acampamento de bolsonaristas em frente ao Quartel General do Exército.

Apesar disso, as autoridades do Distrito Federal não desmobilizaram o acampamento. Centenas de pessoas ocupam uma área em frente à sede da força há pouco mais de um mês.

Agentes do governo local chegaram a tentar desocupar a região, mas foram rechaçados pelos militantes e recuaram.

Nos dias que se seguiram, bolsonaristas e militantes em favor de pautas como o fechamento do Congresso Nacional e intervenção militar seguiam indicando o acampamento em Brasília como um ponto de encontro do grupo.

Para Cássio Rosa, a forma como as autoridades locais lidaram tanto com o acampamento quanto com os atos de vandalismo do dia 12 de dezembro deram combustível para os episódios deste domingo.

"Os momentos seguintes aos atos de vandalismo no ano passado foram uma oportunidade de arrefecer os ânimos. Era uma chance de negociar, conversar e tirar aquelas pessoas daquele acampamento, mas, infelizmente, isso não aconteceu", disse.

Texto original BBC

  • Leandro Prazeres
  • Da BBC News Brasil em Brasília

Professor Edgar Bom Jardim - PE

sábado, 7 de janeiro de 2023

Como deve mudar relação do Brasil com a China no novo governo Lula




Movimento de aperto de mãos com bandeiras da China e do Brasil

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No plano político, os quatro anos de governo Bolsonaro foram marcados por animosidade com a China

Foi em 2009, penúltimo ano do segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), agora de volta à Presidência, que a China se tornou o principal parceiro comercial do Brasil, ultrapassando os Estados Unidos. Desde então, a relação econômica entre os dois países ganhou força e se consolidou.

Mas, no plano político, os últimos quatro anos, sob a presidência de Jair Bolsonaro (PL), representaram um ponto fora da curva nesses laços: foram marcados por animosidade, com direito, inclusive, a troca pública de farpas, como o episódio que envolveu Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente, e o então embaixador chinês em Brasília, Yang Wanmig (relembre no fim desta reportagem).

Apesar disso, o atrito não esfriou o comércio entre os dois países que, ao que tudo indica, pode bater novo recorde em 2022.

Como está, então, a relação entre o Brasil e a China e o que deve mudar neste terceiro mandato de Lula?


Animosidade 'teatral'?

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil dizem acreditar que, se por um lado, não deve haver grandes mudanças no comércio bilateral entre os dois países, por outro, esperam uma reaproximação no campo político, além de um enfoque maior em setores como sustentabilidade e meio ambiente, uma agenda já definida como prioritária pelo novo governo brasileiro.

Um bom sinal nesse sentido, na opinião deles, veio com o anúncio de que Lula vai visitar a China, além de Estados Unidos e Argentina — os três países são, atualmente, os principais parceiros comerciais do Brasil.

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João Fellet tenta entender como brasileiros chegaram ao grau atual de divisão.

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Os especialistas alertam, contudo, que o novo governo petista deveria estabelecer bases para uma relação "mais sofisticada" com a China dentro do próprio agronegócio, bem como reduzir sua dependência da exportação de commodities (matérias-primas como petróleo e soja), por meio de produtos de maior valor agregado. Parcerias em setores estratégicos, como energia e tecnologia, têm que ser aprimoradas e intensificadas, acrescentam.

"A relação política com a China esfriou muito no governo Bolsonaro. Mas ainda assim a parte comercial em si não foi particularmente prejudicada, tendo inclusive crescido no ano passado (até novembro; os dados de dezembro ainda não foram divulgados). Acho curioso que, apesar desse desinteresse — e até mesmo certa animosidade — de parte do governo Bolsonaro, a relação com a China fluiu muito bem em termos práticos na área econômica. Os investimentos aumentaram, o comércio bateu recorde atrás de recorde, abriram novos mercados para produtos agrícolas na China", explica à BBC News Brasil Tulio Cariello, diretor de conteúdo e pesquisa do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC).

"Então, no fim das contas, acho que todo esse suposto afastamento da China foi uma coisa "teatral" de uma minoria do governo passado. Até porque existem setores poderosos absolutamente interessados na manutenção de boas relações com o país, com é o caso do agronegócio e da mineração. Até mesmo parte da indústria (aquela que compra insumos importados) busca intensificar as relações com a China", acrescenta.

Bandeiras da China e do Brasil

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China é principal parceira comercial do Brasil desde 2009

Cariello lembra que, a despeito das tensões políticas entre Brasil e China, com declarações repetidas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e pessoas do seu entorno contra o gigante asiático durante seu governo, o Ministério da Agricultura criou um "Núcleo China", uma unidade especial que cuidava das relações com aquele país, a pedido da ex-ministra Teresa Cristina e ligada diretamente a seu gabinete.

De fato, segundo documento intitulado "Investimentos chineses no Brasil: histórico, tendências e desafios globais (2007-2020)", do CEBC, o mais abrangente já realizado sobre o tema, as ações concretas do governo brasileiro indicaram "mais continuidade do que ruptura na relação bilateral" com a China.

Entre 2007 e 2021, a China investiu no Brasil US$ 70 bilhões — só em 2021, os investimentos totalizaram US$ 5,9 bilhões, o maior valor desde 2017.

E, no ano passado até novembro (os dados de dezembro ainda não foram divulgados), a corrente de comércio bilateral já aponta novo recorde: US$ 139,4 bilhões, cifra que supera a marca de US$ 135,4 bilhões registrada em todo o ano de 2021.

Vale lembrar também que o maior superávit (diferença entre exportações e importações) do Brasil com um só país é com a China — isso significa que mais recursos estão entrando no país, melhorando a economia e gerando mais renda, do que saindo. E também representa algo pouco comum, uma vez que geralmente é a China quem tem superávit com seus parceiros (ou seja, vende mais do que compra).

'Aquém do potencial'

Larissa Wachholz, que chefiou o 'Núcleo China' do Ministério da Agricultura sob a gestão Bolsonaro e é atualmente senior fellow do Núcleo Ásia do CEBRI (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), um think tank de relações internacionais, diz esperar uma relação "muito positiva" do novo governo brasileiro com a China, mas ressalva que ela ainda não é explorada em seu potencial.

"As interações pessoais são muito importantes na cultura asiática e isso se aplica à China. Agora, isso voltou a ser possível com o governo chinês suspendendo as medidas mais severas contra a covid. O Brasil segue sendo um parceiro importante para a segurança alimentar e energética da China, mas em termos de estratégia de desenvolvimento, precisamos ir mais longe", diz.

Wachholz lembra que os três principais produtos exportados pelo Brasil à China ainda são petróleo, minério de ferro e soja. Mas apesar de o Brasil, como tradicional exportador de commodities (matérias-primas), ter se beneficiado do acelerado crescimento econômico chinês ao longo dos anos, "isso não é suficiente", em sua visão.

"Tem sido muito benéfica para nós (exportação de commodities para a China), mas acho que não é suficiente. Acho que deveríamos almejar ir além. O Brasil tem uma ambição correta, a meu ver, de ser uma economia diversificada. Poderíamos fazer uso das nossas competências e da nossa grande capacidade de exportação, de recursos naturais, de commodities para alcançar o nosso objetivo de sermos uma economia diversificada. A China pode ser um parceiro excelente para que esse objetivo seja alcançado", opina.

Ela assinala que, apesar de ser a segunda maior economia do mundo, a China ainda investe muito pouco do seu PIB (Produto Interno Bruto, ou soma de bens e serviços de um país) no exterior, ao contrário do Japão (acima de 60%), Estados Unidos (40%) e União Europeia (30%).

"É muito pouco para a segunda maior economia do mundo. Tem muito potencial de crescimento e o Brasil pode ser um grande receptor desses investimentos. E esses investimentos podem auxiliar o Brasil nesse projeto de desenvolvimento e de ter uma economia diversificada".

"Acho que essa é a grande reflexão. Aonde a gente quer chegar? Quais perfis de cadeias industriais a gente quer atrair? A China pode ser parte disso. Por isso digo que deveríamos almejar ir além".

"São investimentos que podem gerar emprego e renda no Brasil. Que não vão apenas abastecer o mercado nacional brasileiro, mas que podem tornar o Brasil um polo exportador desses produtos na América do Sul", acrescenta.

Riscos

Tanto Wachholz e Turiello fazem um alerta: na opinião deles, a China já deu sinais de que não quer depender de poucos fornecedores para garantir sua segurança alimentar e energética e, por isso, vem buscando ampliar o escopo de países de quem compra matérias-primas — nesse sentido, o Brasil pode acabar "ficando para trás" no "longo prazo".

"A China tem a pretensão de aumentar seu potencial agrícola nacionalmente. Isso é difícil. Ela já trabalha com a produção agrícola no limite. Mesmo que ela passe a produzir mais, sua produção não dá conta da demanda", ressalva Wachholz.

É o caso da soja. Hoje, a China já produz o grão localmente. Mas só 16 milhões de toneladas das 100 milhões de que precisa todos os anos.

"Para produzir muito mais do que isso, a China teria que produzir menos arroz, trigo ou milho, que também são commodities importantes para a sua segurança alimentar. Mas qual é o risco? A China se sente encorajada de desenvolver outros fornecedores no mundo, que possam ajudar a atender sua demanda, como países africanos", acrescenta Wachholz.

Cariello, do CEBC, concorda. "Não temos como mais nos pautar só nessa ideia vender a commodity bruta para a China, produtos primários. Por que a própria China, no longo prazo, está querendo aumentar sua autossuficiência. Os chineses querem diminuir a dependência deles em relação à importação de produtos agrícolas, por exemplo", diz.

"Acho que o novo governo Lula tem uma grande chance de estabelecer bases para uma relação mais sofisticada com a China dentro do próprio agronegócio. Mas os grandes parceiros da China na área agrícola, como é o caso do Brasil, precisam explorar mercados diferentes dentro da China com maior valor agregado, com uma cesta de produtos maior e ser menos dependente de poucos produtos".

Segundo o especialista, Lula também terá que lidar com uma realidade diferente da de seus dois primeiros mandatos.

"O contexto de Lula 1 e Lula 2 era de muita euforia com a China. Empresas chinesas faziam grandes investimentos no exterior e houve um maior fluxo de comércio, sobretudo na área das commodities", lembra.

'Equilíbrio'

Roberto Abdenur

CRÉDITO,ZECA RIBEIRO / CÂMARA DOS DEPUTADOS

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Brasil vai precisar manter uma posição de "equidistância, equilíbrio" entre China e EUA

Um desses desafios, segundo Roberto Abdenur, ex-embaixador do Brasil em Pequim (China) e em Washington (Estados Unidos), é a postura que o Brasil vai adotar diante da guerra comercial e diplomática travada entre China e Estados Unidos.

Em meio a um processo que descreve como "reconstrução" da política externa brasileira após um "imenso retrocesso" durate o governo Bolsonaro, Abdenur diz que o Brasil vai precisar manter uma posição de "equidistância, equilíbrio" nesse contexto.

"Não podemos nos alinhar com a China, claro, nem tampouco os Estados Unidos, como fez de maneira ultrajante e vexatória Bolsonaro sob o governo Trump, em que ele se submeteu humildemente aos caprichos, às políticas, aos preconceitos, às ideias reaciónarias do agora ex-presidente americano".

Diretamente envolvido no lançamento da Parceria Estratégica Brasil-China, que lançou as bases para o fortalecimento das relações econômicas entre os dois países, em sua época como embaixador em Pequim, o diplomata aposentado e atual conselheiro do CEBRI diz ser "perfeitamente possível votar contra um país no plano multilateral e preservar com ele uma boa relação bilateral".

"O Brasil sempre votou contra os Estados Unidos nas questões envolvendo Israel e Palestina e na censura ao injusto embargo econômico contra Cuba", exemplifica.

Seria, portanto, um abandono do alinhamento automático aos EUA e um retorno à tradicional postura de neutralidade por meio do diálogo que sempre pautou a política externa brasileira.

Deputado federal Eduardo Bolsonaro em corredor, olhando para frente

CRÉDITO,REUTERS

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Ao comentar a adesão do Brasil a uma aliança contra o uso de tecnologia 5G da Huawei, Eduardo Bolsonaro acusou diretamente a China de espionagem

Polêmicas

As relações entre Brasil e China ficaram estremecidas no plano político no governo anterior. Mesmo antes de ser eleito presidente, Bolsonaro fez críticas à China, ainda durante sua campanha. Os ataques também vieram de pessoas próximas ao presidente, como seus filhos.

Em fevereiro de 2019, Bolsonaro visitou Taiwan, irritando os chineses — o país é considerado uma "província rebelde" por Pequim.

Em novembro de 2020, Eduardo Bolsonaro, deputado federal (PSL-SP) e filho do ex-presidente, publicou (e depois apagou) mensagem dizendo que o governo brasileiro apoiava uma "aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China".

Em comunicado, a embaixada chinesa em Brasília falou sobre o governo brasileiro "arcar com consequências negativas e carregar a responsabilidade histórica de perturbar a normalidade da parceria China-Brasil".

Em maio de 2021, Bolsonaro insinuou que a pandemia de coronavírus seria parte de uma "guerra biológica" chinesa e que "os militares sabem disso". Logo depois, o ex-presidente afirmou que o Brasil é "muito importante" para a China e negou ter citado o país asiático em declaração sobre a origem do novo coronavírus.

Uma semana antes, seu então ministro da Economia, Paulo Guedes, havia dito numa reunião que "o chinês inventou o vírus". Posteriormente, pediu desculpas.

  • Luis Barrucho
  • Da BBC News Brasil em Londres

Professor Edgar Bom Jardim - PE