terça-feira, 17 de janeiro de 2023

CONVOCAÇÃO TERRORISTA

'CACs, precisamos de vocês': a convocação a donos de armas para invasão em Brasília




Bolsonaristas em frente ao Congresso

CRÉDITO,REUTERS

Legenda da foto,

Bolsonaristas invadiram o Congresso, o Palácio do Planalto e a sede do STF no dia 8 de janeiro

"Atenção CACs: precisamos de vocês. Estejam juntos com o povo nesse levante para proteger a população e os irmãos Patriotas em Brasília". Foi assim que donos de armas de fogo de todo o país agrupados pela sigla CAC (colecionador, atirador desportivo e caçadores) foram convocados para atos como a invasão das sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro.

Não há dados oficiais sobre a quantidade de CACs presos entre os invasores detidos pelas autoridades em Brasília, mas pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que esse tipo de convocação cria um risco em casos de atos semelhantes no futuro.

As investigações sobre a invasão em Brasília ainda estão em curso e são conduzidas pelas polícias Federal e Civil e pelo Ministério Público Federal (MPF). Pelo menos 1,3 mil pessoas estão presas.

Os investigadores já concluíram que boa parte dos invasores chegou à capital federal atendendo a convocações de para um protesto contra a vitória de Lula. Esses chamados circularam em redes sociais como o Telegram, WhatsApp, Facebook, entre outras



Lideradas por militantes bolsonaristas, algumas dessas convocações tentaram mobilizar membros da base mais fiel de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Entre esses grupos, estavam os CACs.

Os professores e pesquisadores David Nemer (Universidade da Virgínia, nos EUA) e Leonardo Nascimento (Universidade Federal da Bahia) monitoram grupos bolsonaristas em aplicativos como o Telegram para diferentes projetos de pesquisa e apontam que houve uma série de mensagens convocando a participação dos CACs nos atos no período que antecedeu a invasão das sedes dos Três Poderes.

Em uma delas, há uma divisão de tarefas e indicações sobre que papel os CACs deveriam desempenhar: hackers e especialistas em TI deveriam derrubar sistemas do governo federal enquanto os CACs ficariam responsáveis por "proteger a população".

Convocação de CACs

CRÉDITO,REPRODUÇÃO / INSTAGRAM

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Mensagem que circulou em redes sociais bolsonaristas convocou CACs para participar de atos contra a eleição de Lula

Em outra, há um plano delineado sobre como funcionaria a sequência de atos organizados pelo grupo. Nesta, a função dos CACs seria "dar suporte" aos invasores.

Convocação de CACs

CRÉDITO,REPRODUÇÃO / FACEBOOK

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Mensagem com convocação a CACs pedia "suporte" de donos de armas

Circulação e risco


David Nemer estuda grupos bolsonaristas há alguns anos e diz que, no "ecossistema" desse segmento, a função imaginada para os CACs sempre foi bem definida.

"Dentro desse ecossistema, os CACs seriam aqueles que trariam a força armada para forçar um eventual golpe de estado. Essa era a expectativa", diz o pesquisador.

Leonardo Nascimento diz que, desde que iniciou os estudos sobre grupos bolsonaristas, os CACs sempre fizeram parte da base de apoio do ex-presidente.

"Os CACs viraram um dos pilares do bolsonarismo. Numericamente, eles não são tão representativos quanto evangélicos, por exemplo. Mas como eles têm acesso a armas, os CACs são um dos grupos que mais demanda atenção", diz Nascimento.

Nemer afirma que, até o momento, não há elementos para afirmar que os CACs aderiram, em massa, ao protesto, mas que isso não significa que a situação esteja sob controle.

Ele diz que atos como o do início do mês têm dois efeitos colaterais diversos sobre os bolsonaristas. Um deles é que atos de vandalismo afastam elementos mais moderados do movimento.

Por outro lado, explica Nemer, integrantes mais radicais tendem a resistir e a radicalizar ainda mais.

"O que pode acontecer no futuro, em novas convocações, é vermos um grupo mais radical atendendo a esse pedido. Basta apenas uma pessoa armada para fazer um estrago irreversível", explica.

Leonardo Nascimento afirma que algumas das mensagens com convocações a CACs podem ter chegado a dezenas de milhares de pessoas.

"Os canais no Telegram não têm limite de integrantes. Alguns grupos podem ter até 200 mil pessoas. Estamos falando de dezenas de milhares de pessoas que podem ter lido esse tipo de mensagem", afirmou o pesquisador.

Um dos exemplos de como a retórica extremista pode afetar CACs, ainda segundo Leonardo Nascimento, é George Washington de Sousa. Ele é um dos três réus no processo que apura uma tentativa de explodir uma bomba no Aeroporto Internacional de Brasília, em dezembro do ano passado.

Em seu depoimento à Polícia Civil, o gerente de postos de gasolina que está preso em Brasília admitiu ter montado a bomba desarmada pelas autoridades do Distrito Federal e afirmou que virou um CAC motivado pelo discurso de Jair Bolsonaro. Com ele, a polícia apreendeu pistolas, um fuzil, cargas explosivas e munições.

Um outro exemplo de convocação de CACs levou à prisão do empresário Milton Baldin, que, segundo as investigações, usou as redes sociais para convocar atiradores para uma manifestação durante a posse de Lula, em Brasília.

"Gostaria de pedir ao agronegócio, aos empresários, que deem férias aos caminhoneiros e mandem os caminhoneiros para Brasília. São só 15 dias, não vai fazer diferença. Também pedir aos CACs, atiradores que têm armas legais... Somos 900 mil atiradores no Brasil hoje, venham aqui mostrar presença", disse Baldin no vídeo que circulou pelas redes sociais nos dias anteriores à posse do presidente.

O que é um CAC?

CAC é a sigla pela qual é conhecida a pessoa física que obteve o direito de comprar ou portar armas de forma legal. No Brasil, para que uma pessoa seja considerado um CAC, ela precisa preencher um requerimento junto ao governo federal e apresentar uma série de documentos.

Ao longo de seu governo, Bolsonaro assinou decretos que facilitaram a compra de armamentos e munições por civis. O presidente chegou a defender que todo cidadão tivesse um fuzil. Medidas e manifestações como essas consolidaram o apoio de parte dos CACs ao agora ex-presidente.

Um levantamento feito pela organização não-governamental Sou da Paz em junho de 2022 estimou que o número de CACs no Brasil aumentou 473% entre 2018 e 2022, saindo de 117,5 mil para 673,8 mil.

Após assumir o poder, Lula revogou alguns dos decretos que flexibilizaram as normas para aquisição de armas assinados por Bolsonaro.

Jair Bolsonaro com arma

CRÉDITO,REPRODUÇÃO/INSTAGRAM JAIR BOLSONARO

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Em Israel, Bolsonaro postou em rede social foto com arma israelense. Na legenda, defendia o decreto que assinou no início do ano, que aumenta o acesso à posse de armas

Invasão

Na tarde do dia 8 de janeiro, milhares de bolsonaristas insatisfeitos com a eleição de Lula e defendendo pautas como o fechamento do Congresso Nacional invadiram as sedes dos três poderes da República.

Eles chegaram a Brasília em dezenas de ônibus e ocuparam a Esplanada dos Ministérios, na área central da cidade, ao longo do dia. Rapidamente, eles invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, Congresso Nacional e a sede do Supremo Tribunal Federal (STF). Móveis, vidraças e obras de arte foram destruídas ou danificadas.

Após a invasão, o presidente Lula anunciou uma intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal. O secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Capelli, foi nomeado interventor.

Horas mais tarde, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), foi afastado temporariamente pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes. No sábado (14), o ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal Anderson Torres foi preso preventivamente, por ordem de Moraes. Ele é investigado por ter sido supostamente omisso em relação ao planejamento da operação de segurança que deveria impedir a invasão do dia 8 de janeiro. Em suas redes sociais, Torres negou qualquer irregularidade e disse que irá se defender na Justiça.

Na semana passada, o ex-presidente Bolsonaro foi incluído em um dos inquéritos abertos pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para investigar os responsáveis por incitar as invasões.

  • Leandro Prazeres - 
  • Da BBC News Brasil em Brasília

Professor Edgar Bom Jardim - PE

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

O recrutamento de militantes para ataques terroristas






ônibus com apoiadores de Bolsonaro e bandeira do Brasil

CRÉDITO,REUTERS

"Estamos recrutando pessoas que tenham disponibilidade para ir a Brasília de ônibus que sairá no domingo e volta na quinta feira. Tudo pago."

Anúncios como esse circularam em grupos com milhares de integrantes em redes sociais como o Telegram, Facebook e WhatsApp nos dias que antecederam a invasão das sedes dos três poderes em Brasília, no domingo (8/1), indicando a possibilidade de financiamento para os atos que agora estão no alvo das autoridades. A existência de uma rede financiando a ida de militantes bolsonaristas é uma das principais linhas de investigação da Polícia Federal desde os atos do domingo.

Os anúncios com ofertas de transporte gratuito para Brasília foram encontrados pela reportagem da BBC News Brasil em diferentes redes sociais, como o Telegram, WhatsApp e Facebook.

Normalmente, os anúncios indicam as datas de partida dos ônibus e números de telefone para o contato dos supostos organizadores. É o caso da convocação citada no início desta reportagem



Anúncio ofereceu transporte e alimentação gratuitos para militantes dispostos a irem a Brasília

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Anúncio ofereceu transporte e alimentação gratuitos para militantes dispostos a irem a Brasília

A reportagem conseguiu obter mensagens indicando oferta de ônibus para militantes bolsonaristas saindo de cidades como Campinas, no interior de São Paulo, Blumenau, em Santa Catarina, e em Cascavel, no Paraná.

Um dos pontos que chamou atenção nas mensagens foi a aparente gratuidade do transporte e a promessa de que os militantes teriam abrigo e alimentação bancados assim que chegassem a Brasília.

Postagem em grupo de bolsonaristas oferece transporte gratuito para "patriotas" saindo de Blumenau

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Postagem em grupo de bolsonaristas oferece transporte gratuito para "patriotas" saindo de Blumenau

A indicação é de que, assim que chegassem em Brasília, os militantes recrutados seriam alocados no acampamento de bolsonaristas que se formou em frente ao Quartel General do Exército.

A aglomeração durou mais de um mês e só foi desmobilizada após a invasão das sedes dos 3 poderes, no domingo. Pelo menos 1,5 mil pessoas foram detidas e encaminhadas para delegacias e para um ginásio após a desocupação do acampamento em frente ao QG do Exército.

Segundo o Ministério da Justiça, eles poderão responder pelos crimes de golpe de estado, dano de patrimônio e lesão corporal. As penas podem chegar a 15 anos de prisão.

A reportagem ligou para os telefones indicados em três postagens que anunciavam o recrutamento de militantes em direção a Brasília.

Num dos casos, uma mulher atendeu a chamada e negou seu envolvimento no caso. Segundo ela, seu telefone estaria sendo usado de forma indevida.

Em outra postagem, há indicação de que tudo seria custeado para quem se dispôs a ir a Brasília

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Em outra postagem, há indicação de que tudo seria custeado para quem se dispôs a ir a Brasília

A reportagem também telefonou para outra pessoa indicada como o contato que organizava caravanas do Paraná para Brasília.

Ela disse ser bolsonarista, mas negou que estivesse por trás da organização do transporte de militantes para a capital federal.

No terceiro caso, nenhuma das duas pessoas cujos telefones estavam indicados na postagem atenderam às chamadas.

A legislação prevê penas de até quatro anos de prisão para quem financiar atos contra o Estado e a ordem política e social.

Financiamento na mira



O transporte de milhares de militantes bolsonaristas para Brasília é uma das principais linhas de investigação da Polícia Federal e da Polícia Civil do Distrito Federal desde os atos do domingo.

Informações colhidas pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal apontam que, no dia do evento, pelo menos 140 ônibus com militantes haviam chegado a Brasília até aquele momento.

Segundo o ministro da Justiça, Flávio Dino, as autoridades locais e federais apreenderam pelo menos 40 ônibus que transportavam militantes e iniciaram o processo de identificação dos responsáveis pelo fretamento dos veículos.

Segundo o portal UOL, o ministro afirmou, sem detalhar, que entre os supostos financiadores teriam sido identificados representantes do agronegócio, comerciantes e pessoas com certificado de caçador, atirador ou colecionador de armas (CACs).

"Já foram identificados os primeiros financiadores, sobretudo aqueles relativos aos ônibus, aqueles que organizaram o transporte, que contrataram os ônibus. Estas pessoas estão todas identificadas", disse o ministro, segundo o portal.

Na segunda-feira (9/1), durante uma entrevista coletiva, Dino sinalizou que entre os suspeitos de financiarem os atos de domingo estariam pessoas ligadas ao agronegócio.

"Eu prefiro não me intrometer em investigações que competem à PF e é precoce porque pode revelar ideia de generalização. Há pessoas vinculadas a este segmento econômico que participaram, é inequívoco, mas isso não significa generalização", disse.

Em outra frente das investigações sobre o financiamento dos atos está a Advocacia-Geral da União (AGU).

Veículos como os portais G1 e UOL veicularam e a BBC News Brasil confirmou a informação de que o órgão teria identificado pelo menos 100 empresas suspeitas de custear os gastos de manifestantes em Brasília. A expectativa é de que a AGU peça o bloqueio dos bens dessas empresas nos próximos dias.

A invasão

A invasão às sedes dos três poderes aconteceu na tarde de domingo. Milhares de militantes bolsonaristas romperam o bloqueio de alguns policiais militares e entraram no Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (STF). Móveis, computadores e obras de arte foram destruídos ou parcialmente destruídos.

A ordem só foi restituída após o reforço do policiamento na área. Após a invasão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decretou a intervenção na segurança pública do Distrito Federal, prevista para durar até o 31 de janeiro. Horas mais tarde, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, afastou temporariamente o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). O afastamento tem duração de 90 dias.

As investigações apuram se houve conivência de Ibaneis e outros agentes públicos nos momentos que antecederam a invasão. Entre eles está o ex-secretário de Segurança Pública e ex-ministro da Justiça durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, Anderson Torres. Na terça-feira, a PF cumpriu mandados de prisão e busca e apreensão contra ele. Torres, porém, está de férias nos Estados Unidos.

Nos últimos dias, Torres lamentou o ocorrido e rebateu acusações de que ele foi conivente com os atos do domingo

Com informação de 
  • Leandro Prazeres
  • Da BBC News Brasil em Brasília


Professor Edgar Bom Jardim - PE