segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

ATENTADO TERRORISTA NO BRASIL - Como Steve Bannon e outros aliados de Trump estimularam invasões de bolsonaristas em Brasília






Manifestantes quebrando janelas ao invadir o Palácio do Planalto, protagonizando cenas que lembram a invasão do Capitólio dos EUA em janeiro de 2021

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Manifestantes quebraram janelas ao invadir o Palácio do Planalto, protagonizando cenas que lembram a invasão do Capitólio dos EUA em janeiro de 2021

As cenas de bolsonaristas invadindo as sedes dos três Poderes da República, em Brasília, no domingo (08/01) lembram de forma desconcertante o que aconteceu no Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021 — e há também conexões mais profundas entre os dois eventos.

"A coisa toda cheira mal", disse um convidado do podcast de Steve Bannon, principal estrategista do ex-presidente americano Donald Trump, um dia após o primeiro turno das eleições no Brasil em outubro do ano passado.

A corrida presidencial havia ido para o segundo turno, e o resultado final não estava nem perto de ser conhecido. Mas Bannon espalhou rumores infundados sobre fraude eleitoral, como vinha fazendo havia semanas.

Em vários episódios do seu podcast e postagens de rede social, ele e seus convidados alimentaram as alegações de uma "eleição roubada" e forças sombrias.



Bannon promoveu ainda a hashtag #BrazilianSpring ("primavera brasileira", que seria uma referência à primavera árabe, onda de protestos contra ditaduras históricas em países no Oriente Médio e Norte da África) — e continuou a incitar a oposição mesmo depois que o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pareceu aceitar os resultados da eleição, que elegeu o petista Luiz Inácio Lula da Silva.

Bannon, ideólogo da nova direita radical populista, foi apenas um dos vários aliados importantes de Trump que adotaram a mesma estratégia usada para lançar dúvidas sobre os resultados das eleições presidenciais de 2020 nos Estados Unidos.

E, como aconteceu em Washington em 6 de janeiro de 2021, esses relatos falsos e rumores não comprovados ajudaram a exortar uma multidão que quebrou janelas e invadiu prédios do governo na tentativa de promover sua causa.

'Façam o que for necessário!'

Um dia antes da invasão do Capitólio, Bannon disse a seus ouvintes do podcast: "A coisa vai pegar fogo amanhã."

Explosão causada pela polícia em frente a prédio do Capitólio em Washington, em 6 de jajneiro de 2021

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Em Washington em 6 de janeiro de 2021, relatos falsos e rumores não comprovados ajudaram a exortar multidão que quebrou janelas e invadiu prédios do governo contestando eleição

Ele foi condenado a quatro meses de prisão por se recusar a cumprir uma ordem para testemunhar perante um comitê do Congresso que investigou o ataque, mas está em liberdade enquanto aguarda recurso.

Assim como outros assessores proeminentes de Trump que espalharam rumores de fraude, Bannon não demonstrou consternação no domingo, mesmo quando surgiram imagens da destruição generalizada em Brasília.

"Lula roubou a eleição... os brasileiros sabem disso", ele escreveu repetidamente na rede social Gettr. E chamou as pessoas que invadiram os prédios de "lutadores pela liberdade".

Ali Alexander, um ativista que emergiu após a eleição de 2020 como um dos líderes do movimento pró-Trump "Stop the Steal" ("parem de roubar", em tradução livre) , insuflou a multidão, escrevendo: "Façam o que for necessário!", e alegando ter contatos no Brasil.

Pule Twitter post, 1

Final de Twitter post, 1

Os militantes apoiadores de Bolsonaro protestaram online sobre uma crise existencial e uma suposta "dominação comunista" — exatamente o mesmo tipo de retórica que conduziu os manifestantes em Washington há dois anos.

Lançar dúvidas sobre o sistema eleitoral

Uma reunião em novembro entre o ex-presidente e um dos filhos de Bolsonaro no resort de Trump na Flórida expôs os laços entre o ex-presidente e o movimento de Trump.

Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro entraram em confronto com forças de segurança durante invasão do Congresso

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Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro entraram em confronto com forças de segurança durante invasão do Congresso

Durante essa viagem, Eduardo Bolsonaro também conversou com Bannon e Jason Miller, ex-assessor de Trump, de acordo com reportagens publicadas pelo jornal The Washington Post e outros meios de comunicação.

Assim como nos EUA em 2020, negacionistas eleitorais concentraram sua atenção nos mecanismos de votação. No Brasil, eles lançaram suspeitas sobre as urnas eletrônicas.

Um cartaz exibido pelos manifestantes no domingo declarava em português e inglês: "Queremos o código-fonte" — uma referência aos rumores de que as urnas eletrônicas foram de alguma forma programadas ou hackeadas para prejudicar Bolsonaro.

Pule Twitter post, 2

Final de Twitter post, 2

Várias contas brasileiras proeminentes do Twitter que espalharam rumores negacionistas sobre as eleições foram restabelecidas após Elon Musk comprar a plataforma, de acordo com uma análise feita pela BBC. As contas haviam sido banidas anteriormente.

O próprio Musk sugeriu que alguns dos próprios funcionários do Twitter no Brasil eram "fortemente tendenciosos politicamente" sem dar detalhes ou provas.

Militantes apoiadores de Bolsonaro quebraram janelas e destruíram escritórios do governo

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Militantes apoiadores de Bolsonaro quebraram janelas e destruíram escritórios do governo

Alguns dos adversários de Trump nos EUA foram rápidos em culpar o ex-presidente e seus assessores por encorajar os distúrbios no Brasil.

Jamie Raskin, membro do Partido Democrata da Câmara dos Representantes e membro do comitê que investigou a invasão do Capitólio, chamou os manifestantes brasileiros de "fascistas que se espelharam nos desordeiros de Trump de 6 de janeiro" em um tuíte.

A BBC tentou entrar em contato com Bannon e Alexander para comentar o caso.

Com reportagem da equipe de desinformação da BBC.


  • Mike Wendling
  • BBC News

Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 8 de janeiro de 2023

Erros que levaram aos Atentados Terroristas em Brasília






Policial militar é atacado por militantes bolsonaristas ao cair do cavalo na Praça dos Três Poderes, neste domingo

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Policial militar é atacado por militantes bolsonaristas ao cair do cavalo na Praça dos Três Poderes, neste domingo.

Alertas subestimados, demora para mobilizar tropas e leniência com o acampamento de bolsonaristas em Brasília.

Esses foram os três principais erros apontados por especialistas em segurança pública ouvidos pela BBC News Brasil que, segundo eles, teriam levado à invasão do Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (STF).

Neste domingo (8/1), milhares de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ocuparam a Esplanada dos Ministérios, na área central de Brasília e, de lá, invadiram e depredaram as instalações do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do STF. Os prédios são as sedes dos três Poderes da República.

A invasão aconteceu após diversas convocações feitas em redes sociais como grupos de WhatsApp. Os invasores pedem o fechamento do Congresso Nacional, intervenção militar e são contra a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)



Em resposta, Lula anunciou neste domingo (08/01) uma intervenção federal na área de Segurança Pública do Distrito Federal.

Para chegar aos edifícios, os invasores enfrentaram policiais militares e as equipes de segurança do STF, Congresso e Palácio do Planalto.

De acordo com imagens e relatos feitos por canais de TV como a GloboNews, os bolsonaristas danificaram gravemente diversos ambientes dos três prédios.

A invasão, no entanto, aconteceu em uma das áreas que, supostamente, deveriam ser mais bem guardadas do país.

Diante disso, a pergunta que especialistas têm se feito nas últimas horas é: que erros foram cometidos pelas autoridades e que levaram à invasão de três dos mais importantes prédios do Brasil?

Alertas subestimados


A possibilidade de invasão a prédios públicos na Esplanada dos Ministérios e na Praça dos Três Poderes, na área central de Brasília, já vinha circulando em grupos de WhatsApp bolsonaristas há pelo menos quatro dias.

Diversas convocações foram feitas pelas redes sociais e a expectativa era de que dezenas de ônibus com apoiadores de Bolsonaro chegassem a Brasília neste final de semana.

A BBC News Brasil teve acesso a um vídeo que circulou em um desses grupos em que há uma clara convocação para a invasão.

"Ninguém está falando em acampar, nada… nós estamos falando de tomar Brasília como o povo do Sri Lanka fez", diz um trecho do vídeo com imagens da invasão do palácio presidencial do país asiático, em julho de 2022.

Para o ex-secretário de segurança pública do Distrito Federal Arthur Rodrigues, houve negligência das forças de segurança locais em relação ao tamanho das manifestações.

"Essa manifestação estava prevista e era de conhecimento público. Sabia-se há muito tempo sobre a possibilidade de haver quebra-quebra. Claramente, o efetivo colocado para lidar com essa manifestação não foi compatível com o tamanho da mobilização", diz o ex-secretário.

Homens quebrando vidro

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Apoiadores de Jair Bolsonaro quebram vidro do Supremo Tribunal Federal durante invasão do edifício

Até o momento, não foram divulgados os números oficiais sobre a quantidade de invasores e a quantidade de policiais militares presentes na área atingida. As imagens veiculadas, no entanto, mostram que o número de agentes de segurança era bastante inferior ao de invasores.

Imagens transmitidas por canais de TV mostram um agente de segurança montado em um cavalo sendo cercado e agredido por bolsonaristas nas imediações do Congresso Nacional sem qualquer apoio ou reforço policial.

Para o presidente do conselho de administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Cássio Rosa, os alertas em relação às manifestações foram subestimados.

"O aparato de segurança colocado pelo governo do Distrito Federal não era adequado para o tamanho da manifestação. A PM local é extremamente bem treinada para lidar com multidões. Se o efetivo fosse compatível, dificilmente estaríamos tendo esse tipo de invasão", afirmou Rosa.

Procurada, a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) não respondeu às questões da reportagem.

Demora no uso da Força Nacional

Um outro elemento destacado pelos especialistas foi a demora na mobilização das tropas da Força Nacional.

No sábado (7/1), o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), anunciou que autorizou o uso da Força para garantir a segurança na área da Esplanada dos Ministérios em função dos protestos que estavam sendo convocados por bolsonaristas.

"Além de todas as forças federais disponíveis em Brasília, e da atuação constitucional do Governo do Distrito Federal, teremos nos próximos dias o auxílio da Força Nacional. Assinei agora portaria autorizando a atuação, em face de ameaças veiculadas contra a democracia", disse Dino em seu perfil no Twitter.

A previsão inicial era de que a manifestação mais forte fosse ocorrer na segunda-feira (9/1). A autorização dada por Dino previa o emprego de tropas da Força Nacional entre o sábado e a segunda-feira.

Na avaliação do ex-policial civil, cientista político e membro do FBSP Guaracy Mingardi, houve demora na utilização das tropas.

"O governo federal demorou a mobilizar Força Nacional. Os agentes dessa tropa, que são formados por policiais militares de todo o país, deveriam ter sido reunidos mais cedo e colocados de prontidão. Ainda é cedo para avaliar, mas acredito que pode ter faltado agilidade nessa mobilização", afirmou Mingardi.

Arthur Rodrigues, por sua vez, avalia que a convocação da Força Nacional pode ter tido um efeito colateral em relação ao objetivo final do governo federal, que era garantir a segurança da Esplanada dos Ministérios.

"O uso da Força Nacional foi inócuo porque aliviou, em certa medida, a responsabilidade do governo do Distrito Federal de garantir a segurança na região, e colocou isso no colo do governo federal. Quem está acostumado a atuar naquela região é a PM", disse Rodrigues.

A reportagem questionou o Ministério da Justiça sobre as alegações feitas pelos especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, mas o órgão não respondeu às perguntas até o momento.

Homem atira objeto contra policiais durante invasão de sedes dos três poderes em Brasília

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Homem atira objeto contra policiais durante invasão de sedes dos três poderes em Brasília

Leniência com acampamento e militantes bolsonaristas

Outro ponto indicado por especialistas que pode ter contribuído para a dimensão dos atos deste domingo foi a suposta leniência das autoridades em relação ao acampamento de bolsonaristas em frente ao Quartel General do Exército e com os militantes violentos que participaram de atos de vandalismo nas últimas semanas.

No dia 12 de dezembro do ano passado, data da diplomação de Lula no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), um grupo de bolsonaristas ateou fogo em carros, ônibus e tentou invadir a sede da Polícia Federal, em Brasília.

Os atos aconteceram após a prisão de um indígena bolsonarista determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

Apesar da violência empregada pelos militantes, a PM do Distrito Federal não prendeu ninguém, o que gerou críticas de uma suposta conivência das forças de segurança locais com os bolsonaristas.

Dias depois, porém, um militante bolsonarista foi preso por sua ligação com uma tentativa de atentado a bomba ao Aeroporto Internacional de Brasília.

George Washington de Sousa confessou ter montado a bomba ,segundo a polícia.

Segundo depoimento prestado por ele à Polícia Civil do Distrito Federal, sua intenção era que a bomba gerasse caos e levasse à imposição de um estado de sítio antes da posse de Lula como presidente.

Em seu depoimento, Sousa disse que encontrou militantes dispostos a conduzir o atentado no acampamento de bolsonaristas em frente ao Quartel General do Exército.

Apesar disso, as autoridades do Distrito Federal não desmobilizaram o acampamento. Centenas de pessoas ocupam uma área em frente à sede da força há pouco mais de um mês.

Agentes do governo local chegaram a tentar desocupar a região, mas foram rechaçados pelos militantes e recuaram.

Nos dias que se seguiram, bolsonaristas e militantes em favor de pautas como o fechamento do Congresso Nacional e intervenção militar seguiam indicando o acampamento em Brasília como um ponto de encontro do grupo.

Para Cássio Rosa, a forma como as autoridades locais lidaram tanto com o acampamento quanto com os atos de vandalismo do dia 12 de dezembro deram combustível para os episódios deste domingo.

"Os momentos seguintes aos atos de vandalismo no ano passado foram uma oportunidade de arrefecer os ânimos. Era uma chance de negociar, conversar e tirar aquelas pessoas daquele acampamento, mas, infelizmente, isso não aconteceu", disse.

Texto original BBC

  • Leandro Prazeres
  • Da BBC News Brasil em Brasília

Professor Edgar Bom Jardim - PE