domingo, 16 de janeiro de 2022

Como diabetes sem controle pode causar impotência e cegueira

Prato com a palavra diabetes escrita com guloseimas

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Doença ligada à taxa de açúcar no sangue afeta 17 milhões de pessoas no Brasil com idades entre 20 e 79 anos e pode impactar diversos órgãos do corpo

O diabetes costuma ser chamado de doença silenciosa porque metade dos pacientes não sabem da presença dele e muitas vezes só descobrem isso tarde demais. Não é incomum que a pergunta "você tem diabetes?" interrompa a fundoscopia (exame de fundo de olho) em consultório oftalmológico e a resposta seja um "não que eu saiba, doutor". "E nesse momento o paciente é salvo pelo oftalmologista", conta à BBC News Brasil a médica endocrinologista Rosane Kupfer, membro do departamento de doenças oculares da Sociedade Brasileira de Diabetes.

Outro caso comum de descoberta por acaso do diabetes silencioso é a disfunção erétil (ou impotência sexual). Há diversos fatores associados à dificuldade de o pênis ficar ou permanecer ereto, mas o excesso de glicose no sangue também pode lesionar pequenos vasos e dificultar a circulação de sangue no corpo todo, inclusive no pênis. Estima-se que esse mal afete metade dos homens com diabetes e seja a principal causa de disfunção sexual.

Mas por que o diabetes, um problema ligado à taxa de açúcar no sangue que afeta 17 milhões de pessoas no Brasil com idades entre 20 e 79 anos, pode impactar diversos órgãos do corpo, como os olhos e o pênis?

Primeiro, é preciso entender o que é o diabetes, mas em seguida a BBC News Brasil trará detalhes de sintomas e tratamentos dos impactos da doença na saúde sexual de homens e de mulheres também, além daquela que talvez seja a mais temida das consequências pelos pacientes: a cegueira.

Segundo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e a Sociedade Brasileira de Diabetes, um pâncreas em condições normais produz hormônios que regulam o nível de açúcar no sangue. Essa taxa varia quando se ingere um alimento, por exemplo. Mas no caso do diabetes mellitus, o corpo se torna incapaz de controlar esses níveis de glicose no sangue por não ter o suficiente ou não conseguir usar direito o hormônio que faz essa regulação, a famosa insulina. Isso leva a diversos desdobramentos problemáticos no corpo, entre eles doenças nos olhos que podem levar à cegueira e a disfunção sexual em homens e mulheres.


Os dois tipos principais de diabetes são o tipo 1 e o tipo 2. O tipo 1 frequentemente é diagnosticado na infância e na adolescência por fatores genéticos e sintomáticos, como sede e fome constantes, vontade frequente de urinar, cansaço, fraqueza, perda de peso e mudança de humor.

O tipo 2, que afeta 90% das pessoas com diabetes, têm poucos sintomas ou até nenhum e se caracteriza geralmente por seu surgimento mais lento e gradual. Por praticamente não ter sintomas, este é o tipo considerado silencioso que pode ser descoberto por acaso num exame oftalmológico ou por episódios de disfunção sexual. A principal causa (ou fator de risco) do tipo 2 é a obesidade.


O diabetes pode interferir de várias formas no funcionamento do organismo humano, mas isso se dá principalmente por duas vias: neurológica, porque o diabetes mexe com os nervos que regulam o funcionamento do corpo, e cardiovascular, pois piora a circulação do sangue — danos nos vasos sanguíneos podem provocar complicações nos olhos e também na função sexual.

"O diabetes é uma doença que afeta as estruturas vasculares do organismo, e essas estruturas vasculares são responsáveis por levar oxigênio para as células. Então, quando você tem a oclusão (bloqueio) de um vaso, vai faltar oxigênio para um determinado órgão, para um determinado tipo de célula, para todo o organismo", explica Kupfer, da Sociedade Brasileira de Diabetes.

Especialistas lembram que, em 90% dos casos, todas essas doenças e consequências poderiam ser prevenidas ou atenuadas com mudanças na alimentação inadequada e sedentarismo. Ou seja, com alimentação saudável e prática regular de exercícios físicos.

Mão masculina segura punhado de açúcar

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Os dois tipos principais de diabetes são o tipo 1 e o tipo 2

Diabetes e disfunção sexual masculina e feminina

Como citado acima, o diabetes pode interferir de várias formas no funcionamento do pênis, mas em linhas gerais são duas: a primeira é a neurológica porque o diabetes pode mexer com os nervos que regulam o funcionamento de órgãos como o pênis, por exemplo.

A segunda é a cardiovascular, devido a uma piora da circulação sanguínea que leva a um pior funcionamento do bombeamento de sangue para dentro do pênis, o que aumenta a pressão e gera a rigidez no ato sexual.

A disfunção erétil (a incapacidade que o homem tem de ter ou manter uma ereção suficiente para atividade sexual satisfatória) afeta mais da metade dos homens com diabetes, segundo uma análise de 145 estudos sobre o tema que foi publicada em 2017 na revista científica Diabetic Medicine. O diabetes é a principal causa de disfunção erétil em adultos.

"O homem pode ter uma falha, brochar (como se diz popularmente) de vez em quando. É normal porque ninguém é uma máquina", diz à BBC News Brasil o médico Eduardo de Paula Miranda, diretor do departamento de andrologia da Sociedade Brasileira de Urologia. Quando isso pode ser um problema de saúde? "Quando começa a ser persistente, falhas umas atrás da outra, ao longo tempo e começa a interferir na qualidade de vida do sujeito", responde ele.

No caso dos homens, quando acontecem alterações nesses vasos sanguíneos e nos nervos do pênis, a ereção enfrenta obstáculos por causa do estreitamento das artérias e da diminuição da circulação do sangue — e as terminações nervosas responsáveis pelo desejo sexual também podem ser afetadas.

Nesse caso de problemas de irrigação sanguínea, o pênis acaba com dificuldades de ficar e permanecer ereto. E a partir de então é recomendado que esse paciente também procure um médico especialista para avaliar o aparelho cardiovascular, explica Kupfer, da Sociedade Brasileira de Diabetes. "Ali pode haver pista para outros acometimentos do diabetes."

A excitação sexual, é importante ressaltar, está ligada aos mais diversos aspectos, como estímulo visual, imaginação, toque e cheiro. Quando há um problema recorrente de impotência, especialistas ressaltam a importância de que seja feita também uma consulta médica a dois, quando se é um casal, pois as causas, além do diabetes, geralmente são orgânicas, psicogênicas (transtornos mentais) ou sexuais.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que a sexualidade é influenciada pela interação de alguns fatores, como biológicos, psicológicos, socioeconômicos, políticos, culturais, éticos, legais, históricos, religiosos e espirituais. Há também outras questões envolvidas, segundo especialistas, como identidades de gênero, sexo, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução.

Além de efeitos colaterais de remédios (como alguns para hipertensão) e de procedimentos cirúrgicos na bexiga ou na próstata. Recomenda-se que o diagnóstico seja feito apenas por médicos especializados.

Esse problema, porém, não afeta apenas homens e pênis. As mulheres também sofrem com o impacto do diabetes na função sexual, mas esse tema raramente é discutido, estudado ou divulgado.

Para Nick Oliver, especialista em metabolismo e diabetes da Universidade Imperial College London, no Reino Unido, há diversas razões para isso. Em editorial publicado na Diabetic Medicine, explica que há falta de compreensão sobre mudanças na função sexual feminina em decorrência do diabetes, desconforto em abordar o tema, tanto pela paciente quanto pelo profissional de saúde, e, por fim, falta de intervenções médicas com comprovação científica para tratar a disfunção sexual feminina.

Um estudo assinado por sete pesquisadores da Bélgica, Holanda e Austrália, publicado em 2021 pela mesma Diabetic Medicine, apontou que 36% das mulheres com diabetes tipo 1 relataram disfunção sexual, número maior que mulheres com diabetes tipo 2 e muito próximo ao número de homens com diabetes e impotência. Um estudo na Noruega, com menos pacientes, chegou a apontar a incidência de disfunção sexual em mais de 50% das mulheres com diabetes do tipo 1.

Mão pega bolachas de um pote

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

No caso do diabetes mellitus, corpo se torna incapaz de controlar esses níveis de glicose no sangue por não ter o suficiente ou não conseguir usar direito hormônio que faz essa regulação, a famosa insulina

Tratamentos para disfunção sexual ligada ao diabetes

Para Miranda, da Sociedade Brasileira de Urologia, "o controle estrito e rigoroso do diabetes é fundamental para prevenir complicações da saúde sexual do homem e da mulher". Ele explica que a saúde sexual tanto masculina quanto feminina está associada à saúde geral deles, e a prevenção passa pelo controle de comorbidades e da saúde física e emocional do paciente (mais especificamente alimentação saudável, atividade física regular, sono de qualidade e redução do estresse).

"A saúde mental também é um dos grandes determinantes da saúde sexual", afirma Miranda. "Existe um problema na disfunção erétil que é: não importa o que levou o paciente a falhar, mas uma vez que ele falha, isso começa a afetar muito a autoestima e a autoconfiança dele, e então entra um componente psicológico muito importante que agrava ainda mais o problema."

Os tratamentos da disfunção erétil podem ser de dois tipos: os não medicamentosos e os medicamentosos.

Os primeiros giram em torno de terapias. É sempre indicado que esse paciente tenha suporte terapêutico para lhe ajudar a lidar com o estresse, excesso de adrenalina e preocupação, que atrapalham a ereção.

No caso das abordagens medicamentosas, para homens há remédios disponíveis no mercado que são capazes de melhorar a duração, rigidez e capacidade de manter a ereção por mais tempo. "Eles melhoraram a circulação de sangue no pênis e aumentam a pressão dentro dos corpos cavernosos que são as câmeras da ereção", explica Miranda.

Há pelo menos sete medicamentos disponíveis com diferentes características, sendo o mais comum o sildenafil (Viagra). Miranda alerta, no entanto, que esse comprimidos podem não funcionar no caso de pacientes com diabetes descontrolados e problemas mais severos nos nervos. "Muitas vezes esse paciente precisa ir para tratamentos farmacológicos mais intensivos ou invasivos, como as injeções que são administradas no próprio pênis na hora da relação sexual para poder ter uma ereção."

A disfunção erétil aumenta com o passar da idade, mesmo sem diabetes. Em geral, a partir dos 45 anos, há maior ocorrência de homens com problemas de ereção. No caso do paciente com diabetes, quanto mais tempo ele enfrenta essa doença, maior é a chance de ele desenvolver problemas de ereção mais cedo ou mais severo. Isso pode ser atenuado caso o diabetes esteja sob controle.

Mulher aplica insulina

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Uma pessoa com diabetes têm duas vezes mais chances de ter catarata e glaucoma

Por que diabetes pode causar doenças nos olhos e até cegueira

Segundo o Instituto Nacional de Diabetes e Doenças Digestivas e Renais dos Estados Unidos, o diabetes afeta os olhos quando a taxa de glicose no sangue está muito alta e pode causar quatro doenças oculares: retinopatia diabética, edema macular diabético, catarata e glaucoma.

Uma pessoa com diabetes têm duas vezes mais chances de ter catarata e glaucoma, que pode ser uma complicação da retinopatia diabética que danifica o nervo óptico (estrutura do sistema nervoso que conecta o olho ao cérebro). Ambas as doenças, quando não tratadas, podem levar à perda de visão.

A cegueira é considerada uma das complicações mais graves e temidas do diabetes. "Se você perguntar para esse paciente qual é o seu maior temor, a maioria vai dizer 'eu não quero ficar cego'", explica Kupfer, da Sociedade Brasileira de Diabetes.

Mas como a lesão chega a esse ponto? No caso da retinopatia diabética, Rodrigo Jorge, professor da USP Ribeirão Preto, explica que a glicose em excesso no sangue machuca uma célula chamada pericito, que dá suporte ao menor vaso presente na retina, o capilar. Essa é uma das primeiras alterações nos tecidos humanos causadas pela doença.

Perdendo esse suporte e com a morte dessas células, ocorre uma alteração nesse capilar da retina, revestimento interno no fundo do olho responsável por transformar a luz em sinais que o cérebro interpreta para que enxergamos e compreendamos as coisas.

"A hiperglicemia machuca a parede do capilar, e nesse movimento a retina é machucada, mas não somente e a partir daí tem microangiopatias. Ou seja, um machucado na circulação: os vasos ficam frágeis e rompem", explica o oftalmologista. "O primeiro sinal que se encontra no fundo do olho são pequenos pontos hemorrágicos ou os microaneurismas que são as dilatações na parede dos capilares da retina."

Para compreensão da apresentação do aneurisma, Jorge faz uma analogia com uma bola de futebol. "Quando ela perde um gomo, forma uma protuberância e a câmera sai para fora. O aneurisma é isso."

Kupfer, da Sociedade Brasileira de Diabetes, acrescenta que "o diabetes acelera o processo de envelhecimento dos vasos sanguíneos e pode provocar então pequenas isquemias (falta de oxigênio no tecido) na retina". Uma das consequências da retinopatia diabética é um edema macular diabético (inchaço), principal causa de baixa de visão no paciente com diabetes. Outra é que a visão pode ficar turva.

Mas como se detecta tudo isso? Pelo exame do fundo do olho (ou fundoscopia) relatado no início desta reportagem. A retinopatia diabética é dividida principalmente em duas fases.

1.Não proliferativa - Sem novos vasos formados. No começo da retinopatia diabética, esses vasos podem inchar, vazar para a retina. Aqui podem ocorrer pequenas dilatações, isquemias (falta de oxigênio no tecido). Se a mácula (responsável por nos fazer enxergar com maior riqueza de detalhes, cores e nitidez) não for atingida, pode nem apresentar sintomas.

2.Proliferativa - Com novos vasos formados - "Se você abrir a retina e esticar, ela vai ficar que nem uma pizza. No meio dela há o nervo óptico, com a mácula ao lado. A circulação sai do nervo e vai para a periferia, a borda da 'pizza'. Essa borda começa a sofrer com a falta de nutrição. As paredes dos vasos, as células se desunem e formam novos canais e vasos e esses novos vasos tentam nutrir essa retina que está sem suprimento", explica Jorge, da USP Ribeirão Preto.

A cegueira, por fim, é causada pelo descolamento da retina. Os novos vasos que surgem têm poder contrátil. "Imagine uma folha de papel em uma mesa e de repente começa a crescer um tecido em cima dela e ele retrai. A folha de papel fica enrugada e algumas partes vão se separar da mesa, essa parte que separa é o descolamento. Só que é um tecido que está forrando o fundo do olho", explica o professor e oftalmologista.

É possível prevenir essa evolução devastadora da retinopatia? Segundo especialistas, sim, com controle rigoroso da taxa de glicose no sangue e, por extensão, do diabetes. Recomenda-se também reduzir a taxa de colesterol elevada, controlar a hipertensão arterial e evitar o tabagismo, que aumentam o risco de doenças oculares e outros problemas de saúde.

"Se o paciente é hipertenso, tem que tratar a hipertensão. E se ele tem uma retinopatia, ele tem que ter um tratamento oftalmológico rigoroso para evitar que essa retinopatia evolua mal", afirma Kupfer. Além disso, ela ressalta a importância do controle da taxa glicêmica: "A glicose bem controlada não vai acelerar o processo de envelhecimento das artérias".

Jorge, da USP de Ribeirão Preto, reforça essa recomendação. "O paciente que controla melhor tem mais anos de doença sem complicação. As complicações estão relacionadas com a duração da doença. Quanto melhor você controla, mais tempo passa sem complicações. Por exemplo, há paciente com diabetes tipo 2 que em cinco anos desenvolve as complicações e há paciente que passa 20 anos e praticamente não tem complicação nenhuma. Isso com certeza se deve ao controle, com uma pequena percentagem ligada a características genéticas também. Mas o principal fator é o controle da glicemia."

Mulher afere indice de açúcar no sangue com aparelho

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Melhor forma de proteger a visão e a função sexual é manter o controle do nível glicêmico, dos níveis de colesterol e pressão arterial

E quando a retinopatia diabética evolui, há tratamento possível? Jorge afirma que atualmente as duas principais estratégias são o laser e a farmacológica.

"No caso do laser, ele destrói a retina periférica (a borda da pizza). Como na retina não é possível amputar, a saída é queimar com o laser. Ao destruir uma retina que está produzindo o agente causador das alterações, o VEGF (que estimula a formação de novos vasos) diminui."

A saída farmacológica é injetar um anticorpo contra a formação de novos vasos (VEGF). Essa opção é bem mais rápida, porém bem mais cara que o laser. "Os medicamentos intra oculares são uma realidade para poucos. Eles são caros e somente agora estão começando a entrar no SUS (Sistema Único de Saúde)", explica Kupfer, da Sociedade Brasileira do Diabetes.

A endocrinologista explica que os medicamentos, por outro lado, têm um efeito indireto: manter o paciente sob vigilância médica. "Isso porque os medicamentos são administrados em geral várias vezes. Então, essa é uma forma também de manter o paciente ligado à sua saúde e de evitar o caminho para um desfecho da cegueira. Mas há um longo caminho até chegar nisso."

E em que momentos as pessoas devem procurar um médico para avaliar a suspeita de retinopatia diabética? Há o surgimento de sintomas? Sim. Especialistas afirmam que pacientes com diabetes devem fazer consultas oftalmológicas todos os anos. Além disso, mudanças bruscas e repentinas na visão, pontos e flashes de luz indicam a necessidade de se buscar atendimento médico com urgência, pois podem estar ligados a um descolamento de retina.

Mas nem sempre os pacientes que dependem do SUS (sete em cada 10 brasileiros, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE) conseguem acesso a consultas, acompanhamentos e tratamentos oftalmológicos.

"No SUS, por exemplo, essa especialidade é cada vez mais rara. O paciente que é tratado na rede particular ou por convênios de saúde, tendo mais conhecimento e mais acesso, têm mais chances ao fazer exames com um oftalmologista e evitar a evolução para uma retinopatia muito grave. Já o paciente que não tem acesso ao sistema de saúde ou tem, mas é um sistema de saúde sem oftalmologistas suficientes para atender a demanda, esse paciente vai ser muito prejudicado", diz Kuper.

A melhor forma de proteger a visão e a função sexual é manter o controle do nível glicêmico, dos níveis de colesterol e pressão arterial. Aliados a uma boa dieta e exercícios físicos.

  • Cristiane Martins
  • De Londres para BBC News Brasil

Professor Edgar Bom Jardim - PE

sábado, 15 de janeiro de 2022

Como realmente é o clitóris - e suas semelhanças com o pênis



Legenda do áudio,

Em áudio: Como realmente é o clitóris - e suas semelhanças com o pênis

Enquanto as informações sobre a genitália masculina são abundantes, o clitóris entrou e saiu da literatura médica ao longo da história.

A anatomia completa do clitóris (o nome deriva da palavra grega kleitoris, que significa "pequeno monte") só foi descrita pela primeira vez em 2005 pela urologista australiana Helen O'Connell, que também analisou sua relação com estruturas adjacentes como a uretra, a vagina e glândulas vestibulares (responsáveis pela lubrificação).

Na ausência de material de estudo adequado sobre o clitóris, O'Donnell começou a investigá-lo minuciosamente: dissecando cadáveres, usando ressonância magnética em mulheres vivas e estudando tecidos.

Seu estudo mostra que o que é visível é apenas uma parte minúscula do clitóris: cerca de 90% da estrutura deste órgão feminino está dentro do corpo.

Orquídea

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Os órgãos sexuais femininos muitas vezes são representados por metáforas, e não por ilustrações anatômicas

Estrutura

"A pequena ponta que vemos, que é o que sempre se acreditou ser o clitóris, é na verdade a ponta de um iceberg", explica à BBC Mundo a psicóloga e sexóloga basca Laura Morán.


"A parte que fica para fora é a glande do clitóris (localizada entre os pequenos lábios, 'escondida' sob um capuz) e o resto é um órgão interno", acrescenta.

Fora do campo visual, o clitóris se estende sob a pele. Seu tronco tem forma cilíndrica composta por duas colunas de tecido erétil - chamadas de corpos cavernosos - que se estendem, unidas, em direção à cavidade púbica.

Em sua extremidade estão as raízes, também conhecidas como crus clitóris - feixes de tecido erétil que correm ao longo dos ossos pubianos e envolvem a uretra e a vagina.

Ao lado de cada uma das raízes está outra região de tecido erétil conhecida como bulbos do clitóris, que ficam atrás das paredes vaginais.

"A parede vaginal é, na verdade, o clitóris", disse O'Connell à BBC em 2006.

Gráfico

Semelhanças e diferenças



Devido às semelhanças entre eles, a comparação do clitóris com o pênis é muito útil para entender sua forma.

Os dois são chamados órgãos homólogos: têm a mesma origem embrionária e são semelhantes na sua estrutura interna, embora possam ter funções diferentes.

De uma ponta à outra, o órgão feminino tem um tamanho médio de cerca de 10 centímetros e, como o pênis, o tecido que o compõe é esponjoso e erétil. Ou seja, quando a mulher se excita, ele incha e cresce com o fluxo de sangue.

"Alguns se referem ao clitóris como um pênis interno, mas outros dirão que o pênis é apenas um clitóris externo. É assim que gosto de explicar para mim mesma", diz Laurie Mintz, psicóloga e terapeuta sexual.

Outra coisa que os diferencia é que o pênis tem uma dupla função: faz parte do processo de reprodução sexual e do aparelho urinário.

O clitóris, por outro lado, tem apenas um: é um órgão cuja função é proporcionar prazer.

O clitóris tem cerca de 8 mil terminações nervosas. Já o órgão masculino tem entre 4 mil e 6 mil.

Ambos são a área do corpo mais densamente povoada por terminações nervosas, explica Mintz.

"Imagine todos os nervos da ponta do pênis, mas em uma superfície do tamanho de uma borracha de lápis", diz ela sobre o órgão feminino.

Ilustração de um feto

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Ambos os órgãos têm a mesma origem embrionária

Mesma origem

A razão de o clitóris e o pênis terem tantas semelhanças é que eles são formados a partir dos mesmos tecidos embrionários durante o desenvolvimento do feto no útero da mãe.

Eles só começam a ficar diferentes a partir da sexta ou sétima semana, quando os embriões começam a expressar seus cromossomos sexuais.

A partir daí, a liberação de testosterona em embriões com cromossomos sexuais XY levará à formação de órgãos sexuais masculinos, enquanto a falta desse hormônio sexual em embriões XX levará à formação de órgãos sexuais femininos.

Em um caso, eles crescerão para fora e, no outro, para dentro.

Em casos onde a composição dos cromossomos sexuais difere desse binômio (não é nem XY e nem XX), o desenvolvimento dos órgãos sexuais pode ser atípico.

Desconhecimento

A ignorância sobre a anatomia e a função do clitóris - que tanto Laura Morán quanto Laurie Mintz atribuem em parte ao machismo, patriarcado e à desvalorização do prazer sexual feminino - tem um impacto direto na prática médica, mas também afeta profundamente a vida sexual das mulheres.

"Priva as mulheres do prazer", afirma Morán. "É como se te dessem um carro e você não tivesse aprendido a dirigir."

"Essa ignorância causa frustração, claro, porque nos dão o carro e dizem que temos de usá-lo. Mas as únicas referências que nos dão são filmes pornô ou filmes românticos, e ali não se vê estimulação do clitóris", diz a psicóloga e sexóloga.

"Sempre há penetração, e a penetração por si só não é a técnica que melhor estimula o clitóris. Não é um facilitador do orgasmo."

Além disso, comenta Morán, "muitas mulheres que descobriram por meio da autoexploração que a estimulação do clitóris lhes proporciona prazer e orgasmos, acham que esses têm qualidade inferior".

"Algumas mulheres dizem que sim, que têm orgasmos, 'mas só' se estimularem o clitóris com a mão, como se isso fosse um defeito de fábrica."

"Não apenas não sabem que o clitóris está ali, como também não sabem que esse é o órgão mais fácil para chegar a um orgasmo", assegura Morán.

Golfinhos

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Todos os mamíferos têm fêmeas com clitóris

O poder das palavras

Mintz concorda que essa lacuna no prazer está ligada à falta de conhecimento das mulheres sobre sua própria anatomia e dos homens sobre a anatomia feminina.

"Infelizmente, muitas mulheres ainda hoje nem sabem o potencial da parte do clitóris que podem ver e tocar", explica.

Mas a sexóloga também considera que "a linguagem que usamos em nossa cultura reflete e perpetua" essa situação.

"Chamamos tudo o que acontece antes da penetração na relação sexual de "preliminares", como se fossem algo secundário de um evento principal", afirma Mintz. "Sendo que é essa estimulação que em geral têm maior probabilidade de levar a maioria das mulheres ao orgasmo."

Mudar esse cenário exige educação sexual, diz a autora.

É necessário "ensinar as pessoas sobre prazer sexual e consentimento", afirma, citando a Holanda. "Graças à educação sexual, o país tem menos agressões sexuais e uma menor diferença da quantidade e qualidade dos orgasmos femininos e masculinos".

  • Laura Plitt
  • BBC News Mundo

Professor Edgar Bom Jardim - PE