quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Com alta do dólar, inflação de remédios faz paciente ter de escolher qual doença tratar


Conversa entre paciente e profissional da saúde

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Preços dos medicamentos acompanham a inflação e a alta do dólar

Há um ano, a cuidadora de idosos Maria Lucia Silva, de 58 anos, usa o medicamento Arava para tratamento de sua artrite reumatoide. Sem o remédio, ela sente dores fortíssimas nas articulações, incluindo as das mãos e dos pés.

"As juntas das mãos ficam muito inchadas, eu não consigo fazer nada", conta ela à BBC News Brasil.

Embora a artrite reumatoide não tenha cura, o tratamento feito por Maria Lucia com o Arava retarda a evolução da doença, que pode levar à erosão dos ossos.

O problema é que o remédio está custando R$ 582 e está em falta na farmácia de alto custo do SUS (Sistema Único de Saúde), onde ela costumava retirar o medicamento.

"Faz dois meses que eu tento agendar para ir buscar o remédio e não consigo, o aplicativo diz que está em falta", conta ela, que já está sentindo os efeitos da falta de tratamento.


"Minhas juntas estão doendo e minha mão está começando a inchar. Não sei o que vou fazer se continuar sem o remédio. Estou pensando em fazer uma vaquinha para ver se consigo comprar."

Consultada pela BBC News Brasil, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo disse que o medicamento Leflunomida é de responsabilidade de aquisição e distribuição pelo Ministério da Saúde.

"A entrega ocorreu com atraso e a distribuição para as farmácias deve ser concluída na primeira semana de janeiro. A paciente será comunicada sobre a disponibilidade", disse a entidade em nota.

Maria Lucia mora com marido e dois filhos no bairro de Santa Cecília, em São Paulo, e atualmente não está trabalhando.

"A gente tem só a renda do meu marido, e com o aumento do preço de tudo, não temos condições de gastar 500 reais em remédio", diz ela.

Sua família também tem tido que comprar medicamentos que seu marido normalmente retirava no SUS por causa de instabilidade no sistema da farmácia popular.

"Ele não estava conseguindo pegar e tivemos que comprar. Deu porque os dele são mais baratos, mas é difícil, porque também aumentou o preço", diz Maria Lucia.

Profissional da saúde segura um potinho com comprimidos

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Famílias de baixa renda são proporcionalmente mais afetadas pelo aumento dos preços

Insumos importados

O aumento no preço de medicamentos e a falta de muitos deles no mercado têm afetado famílias como a de Maria Lucia desde o início da pandemia, mas a Covid-19 não é o único motivo.

"Os preços dos medicamentos vão acompanhando a variação da inflação e, principalmente, seguem a tendência de alta do dólar", explica Silvia Okabayashi, coordenadora de economia da Universidade Metodista de São Paulo.

"Os remédios que não são importados usam insumos importados. Temos uma dependência internacional de 90% de insumos, ou seja, 90% da matéria-prima usada para produção de medicamentos no Brasil é importada."

Nos últimos doze meses (entre novembro de 2020 e novembro de 2021), o IPCA (índice oficial de inflação de produtos e serviços) teve um aumento acumulado de 10,74%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Embora o reajuste anual de medicamentos seja regulado pela Anvisa com base em uma tabela de preços máximos ao consumidor, a Tabela CMED, essas pressões inflacionárias podem levar o aumento do preço dos remédios a ultrapassar esse teto de variação, explica Okabayashi.

Além disso, é comum as farmácias oferecerem descontos em relação a esse valor máximo permitido - descontos que tendem a diminuir com o aumento da inflação.

O aumento de preços dos remédios para hospitais e clínicas também foi considerável, embora não tão alto quanto os preços para o consumidor final.

O Índice de Preços de Medicamentos para Hospitais (IPM-H), produzido pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) e pela Bionexo, teve aumento de 7,21% no acumulado de 12 meses (até novembro de 2021).

Remédios em cima da mesa

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90% dos insumos de remédios no Brasil são importados

Nesse cenário de aumentos, explica Okabayashi, são sempre as famílias de baixa renda que mais sofrem.

"Proporcionalmente elas são mais afetadas por esse processo inflacionário, porque os valores impactam mais no seu orçamento, e elas já têm um poder de compra reduzido", afirma.

Mesmo quem não sofre com doenças crônicas têm sentido esse impacto.

Grávida e acometida por uma infecção urinária, a jovem carioca Ane Caroline Correia da Silva, de 24 anos, procurou a maternidade Maria Amélia, no Rio de Janeiro, e recebeu a recomendação de usar um antibiótico caro que não é fornecido pelo SUS.

Desempregada e sem condição de comprar o remédio, a jovem voltou para casa no Riachuelo, na zona norte do Rio, e não conseguiu fazer o tratamento.

Sua infecção acabou se agravando. Ela voltou uma segunda vez para a maternidade, e agora sua família está tentando que ela seja internada para receber o antibiótico no próprio hospital.

Ane Caroline mostra sua barriga de grávida

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Grávida, Ane Caroline teve infecção urinária porque não conseguiu comprar remédios

Inflação sem aumento de renda

Em junho de 2020, quando percebeu que o isolamento social estava afetando sua saúde mental, a paulista Gabriela Calixto, de 31 anos, procurou um psiquiatra e começou a tomar dois remédios antidepressivos.

Isso adicionou mais R$ 300 reais aos seus gastos com medicamentos - ela já tomava um remédio para controle de glicemia e perda de peso que custava mais de R$ 900.

Em 2021, todos os remédios que ela tomava tiveram um grande aumento no preço. "Com desconto, o Ozempic (para controle de glicemia) saía mais barato para mim. Mas agora o preço dele subiu para mais de R$ 1.000 e mesmo com desconto não sai por menos de R$ 870", conta ela.

Com seus gastos com contas, mercado e aluguel também subindo consideravelmente, Gabriela teve que parar de tomar o remédio para diabetes.

"Minha médica substituiu por outros dois que até tratam o mesmo problema, mas têm outros efeitos colaterais e não são o ideal para o meu caso", diz ela. "Tive que escolher entre (os remédios para) minha saúde mental e cuidar da diabetes."

"Enquanto isso minha renda continua a mesma", diz a jovem, que trabalha como Pessoa Jurídica e não recebeu aumento nem para repor a inflação.

Okabayashi diz que é difícil calcular quanto tempo essa situação vai durar.

"Se a cotação do dólar diminuir, até existe a possibilidade dos preços dos remédios não aumentarem tanto, mesmo que ainda haja um processo inflacionário. Mas é difícil", diz ela.

"Além disso, a instabilidade política e econômica vêm favorecendo essa depreciação do real", afirma.

  • Leticía Mori 
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

Professor Edgar Bom Jardim - PE

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Chuvas na Bahia: os fenômenos extremos que causam a tragédia no Estado


Árvores e prédios sob água

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Trecho do rio Cachoeira que transbordou em Itabuna, uma das dezenas de cidades do sul da Bahia atingidas por fortes chuvas em dezembro

As chuvas que vêm afetando de forma atípica a Bahia desde o início de novembro seguem gerando tragédias e números impressionantes.

Segundo dados da Defesa Civil do Estado divulgados na quarta (29/12), 24 pessoas morreram, 53,9 mil ficaram desalojadas e 629 mil foram afetadas de alguma forma pelas enchentes.

Apenas no dia de Natal, a cidade de Ilhéus, uma das localidades mais atingidas, registrou mais chuva (136mm) do que o acumulado durante o mês de dezembro inteiro em 2020 (118mm) e em 2018 (131mm). Os dados são do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

Temporais concentrados em poucas horas atingiram dezenas de cidades baianas, como Vitória da Conquista, a quase 5 horas de carro a oeste de Ilhéus. Em 25 de dezembro, o registro de chuvas atingiu a marca de 86,8mm, muito acima do registrado em dezembro passado inteiro (2,6mm).

Foto aérea mostra rio inundando e botes resgatando pessoas

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Resgate em Itabuna, Bahia

E o que está por trás disso?

Especialistas em meteorologia e clima apontam a influência de diversos fatores sobre a tradicional Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), descrita pelo Inmet como “um dos principais sistemas meteorológicos responsáveis pela reposição hídrica em parte do Brasil no período chuvoso”.

Em geral, uma ZCAS tem como característica, explica o Inmet, “a persistência de nuvens que ficam, praticamente estacionadas, provocando muita chuva sobre as mesmas áreas por, pelo menos, 4 dias consecutivos”.

A ZCAS costuma ser um corredor de umidade que se estende desde partes da região Norte ao Sudeste do Brasil e ao oceano Atlântico Sul, passando também pelo Nordeste.

Mas o que aconteceu em dezembro deste ano na Bahia pode ser considerado atípico e extremo, afirma o meteorologista Willy Hagi, da consultoria Meteonorte, pioneira no setor climático no Amazonas.

“Geralmente, a formação de eventos de ZCAS começa a partir da primavera entre meados de setembro e outubro e vai até os meses seguintes do verão e outono. Isso significa que é um fenômeno comum e esperado para essa época do ano, mas em dezembro temos visto esses eventos de ZCAS posicionados mais ao norte e atingindo o sul da Bahia com mais força”, afirma Hagi à BBC News Brasil.

Para especialistas, há pelo menos três fatores que podem ser associados à alta intensidade das chuvas recentes na Bahia: La Niña, depressão subtropical e aquecimento global.

O impacto de eventos La Niña no clima do Brasil

“Para o Norte e Nordeste do Brasil, a La Niña sempre vai ser um sinônimo de chuvas frequentes e acima do esperado”, afirma Hagi. Mas o que é La Niña?

Para entender o termo, é necessário explicar o fenômeno mais geral em que ele está inserido: o chamado evento ENOS ou El Niño-Oscilação Sul.

O El Niño é um fenômeno climático caracterizado pelo aquecimento anormal das águas superficiais do oceano Pacífico, principalmente nas zonas equatoriais.

Ele ocorre normalmente em intervalos médios de quatro anos, geralmente em dezembro, próximo ao Natal e, por isso, é chamado assim, em referência ao "Niño Jesus" ("Menino Jesus").

O El Niño causa o enfraquecimento dos chamados ventos alísios (deslocamentos de massas de ar quente e úmido em direção às áreas de baixa pressão atmosférica das zonas equatoriais do globo terrestre). Esses ventos sopram de leste para oeste, acumulando água quente na camada superior do Oceano Pacífico perto da Austrália e Indonésia.

la niña

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La Niña é caracterizado por resfriamento das águas do Pacífico Equatorial

Quando o El Niño ocorre, a camada de águas superficiais quentes do Pacífico acaba se deslocando ao longo do Equador em direção à América do Sul. Ventos quentes favorecem a evaporação e, por consequência, a formação de nuvens.

No Brasil, isso normalmente se traduz em mais chuvas na região Sul e menos chuvas nas regiões Norte e Nordeste.

La Niña é exatamente o oposto no Brasil: chuvas fortes e abundantes, aumento do fluxo dos rios e inundações subsequentes no Norte e no Nordeste do Brasil - e seca no Sul do país. Mas nenhum evento La Niña é igual ao outro.

Segundo o Inmet, neste ano, “a maioria dos modelos de previsão de ENOS (El Niño-Oscilação Sul), gerados pelos principais centros internacionais de meteorologia, indicam uma probabilidade superior a 60% de que se mantenha o fenômeno La Niña durante o verão, podendo atingir a intensidade de moderado entre os meses de dezembro/2021 e janeiro/2022”.

“Saímos de uma La Niña entre o final de 2020 até Maio de 2021, que foi responsável pela maior Cheia na Amazônia nos últimos 120 anos, para entramos em outra agora que está prevista para durar pelo menos até o primeiro trimestre de 2022. Isso soa o alarme para mais um período de chuvas elevadas e com todas as consequências socioeconômicas que estão ligadas, desde alagamentos a perdas de vidas humanas”, afirma Hagi.

No início de dezembro, 24 cidades do sul da Bahia já eram consideradas em situação de emergência. Diversas localidades ficaram debaixo d’água e pelo menos três pessoas morreram após um deslizamento de terra na cidade de Itamaraju.

À época, o climatologista Francisco Eliseu Aquino, do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirmou à BBC News Brasil que a ZCAS estava combinada com um outro fenômeno climático que se originou a partir de uma área de baixa pressão: a depressão subtropical.

Mapa do Inpe

CRÉDITO,DIVULGAÇÃO/INPE

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Nos mapas disponíveis no site do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), é possível ver em 10 de dezembro a Zona de Convergência do Atlântico Sul (traços verdes, da Amazônia à Bahia) e a formação da depressão subtropical na região costeira do Brasil (à direita)

Atípica, a depressão subtropical é um evento meteorológico que gira no sentido horário e é marcado pela formação de nuvens, ventos, tempestades e agitação marítima. Em alguns casos, ela pode evoluir para uma tempestade tropical.

“A combinação desses dois acontecimentos, a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) e a área de baixa pressão, é o que intensificou a chuva nas regiões leste e sul da Bahia", disse Aquino em entrevista no início de dezembro.

Segundo ele, "as mudanças na circulação geral da atmosfera sugerem para nós que o oceano mais quente na costa do Brasil poderia formar com mais frequência áreas de baixa pressão como essa, levando à depressão subtropical". Aquino considera precoce associar esses eventos extremos na Bahia às mudanças climáticas no planeta, mas não descarta uma possível ligação entre eles.

"Neste momento, não conecto diretamente as mudanças climáticas com esse evento extremo. (...) Mas, num planeta mais quente, eventos extremos tornam-se mais frequentes, com a formação de depressões subtropicais como esta [vista na Bahia]."

Sobre os temporais durante o Natal na Bahia e a relação com o aquecimento global, Hagi, da Meteonorte, afirma que “de certa forma é possível que a ocorrência desses eventos extremos seja consistente com o que se espera para um mundo cada vez mais quente”.

  • Redação
  • BBC News Brasil

Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 26 de dezembro de 2021

Prefeitura proporciona parque de diversão gratuito na noite de Natal do Bom Jardim

                    Foto: NATAL DE TODOS NÓS 2021.


A Noite de Natal da cidade de Bom Jardim - PE, neste ano de 2021, foi diferente de outros anos passados. A Praça 19 de Julho, local em que está sediado o edifício da prefeitura municipal estava mais  iluminada, mais  decorada, ornamentada com temas natalinos e mensagens de " feliz natal " e  "feliz 2022 ". Este fim de ano os prefeitos de muitas cidades capricharam na decoração. Virou um fenômeno ou até mesmo uma competição entre cidades da região. O que será que está acontecendo?!

O prefeito João Neto (Janjão)  observando o  que acontecia  no entorno regional fez contatos, contratou parque de diversão para animar a cidade, locou palco, tendas, contratou gerador de energia, som, palco, cadeiras, barracas, equipe de filmagem, seguranças, músicos, cantores locais, estimulou vendedores de bebidas e  lanches, mobilizou carros, trouxe pessoas para participarem do evento. No geral, o evento denominado de Feirinha Natalina, trouxe apresentações  como resultados de projetos de dança, canto e música, ofertados pelas secretarias municipais nos distritos e na sede do município. Para a história recente, a Feirinha Natalina é algo parecido com o projeto  feira cultural (2014-2016), na gestão da secretaria de turismo, cultura e esportes, durante o governo  do ex- prefeito Miguel Barbosa. Vale lembrar que a feira cultural foi um projeto que  fez  grande sucesso, idealizada pelo produtor cultural e professor Edgar Santos, enalteceu a cultura bonjardinense e colocou o município em posição de destaque no cenário cultural do Estado. É evidente que a atual gestão fez um investimento financeiro inicial  bem maior do que o habitual da Feira Cultural iniciada em 2014. 

Nos anos 1970, 1980, o Natal de Bom Jardim, era centrado no pátio da  Matriz de Sant'Ana. Havia a  celebração da Missa do Padre Antônio, em seguida  os familiares se divertiam no parque de diversão  com balanço, onda ou carrossel. Havia vendedores de bolo, cajuína, algodão doce, pirulito, barraca de pão grande  comprido(baguete) e confeitos. Havia ainda vendedores de balões,  mané gostoso, rói rói, tabica enfeitada,  alfenim,  castanha confeitada, maçã do amor, gelada, banca de bozó e roleta. Segundo o senhor  Zé Amaro, "a sorte quem dava era o rato". A animação poderia acontecer por trio de forró tocando no carrossel ou  serviço de alto-falante com oferecimento de músicas e mensagens de amor. Naquele tempo, os casais andavam abraçados, de mãos dadas. 

Este ano Janjão e equipe  tiveram a boa ideia em (re)criar em nosso tempo esta festividade natalina. Fez boa divulgação e investimento para o "Natal de Todos Nós". O público compareceu, se alegrou, curtiu. Estas ações farão seu capital político crescer diante da opinião pública local. Falta ao prefeito definir com clareza o apoio à feira cultural do Museu de Bom Jardim, que também influenciou e impulsionou positivamente  nesta retomada do movimento  cultural, turístico e de lazer em nossa cidade pelo poder público. 

É sempre bom lembrar que é necessário ter cuidados com a higienização dos parques de diversões, ter cuidado com a  revisão da parte elétrica e mecânica, ter horário para iniciar e terminar os eventos, conscientizar  vendedores, prestadores de serviço, público em geral para o uso de máscara e álcool em gel e  ampliar a oferta de vacinação. 

O triste nesta história de Natal é olhar para o cenário da festa, olhar para o pátio de eventos e não ter mais o prédio da estação da rede ferroviária erguido, vivo, lindo, imponente, no seu devido lugar, cumprindo sua função histórica, cultural e patrimonial.

Foto e texto por Edgar S. Santos . 
Professor Edgar Bom Jardim - PE

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Por que têm aumentado os ataques a cristãos na Índia



Freiras na Índia

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Cristãos são minoria religiosa na Índia

Em um domingo do último mês de outubro, o pastor Somu Avaradhi ficou surpreso ao entrar em sua igreja na cidade de Hubballi, no estado de Karnataka, no sul da Índia.

"Havia pessoas sentadas lá dentro cantando canções religiosas hindus e gritando palavras de ordem", disse ele à BBC.

O pastor chamou a polícia, mas, quando os policiais chegaram, os manifestantes o acusaram de abusar de um hindu e forçá-lo a se converter ao cristianismo.

O pastor foi preso — sob a acusação de "ultrajar sentimentos religiosos" — e passou 12 dias na prisão antes de ser libertado sob fiança.

Não se trata de um incidente isolado: um relatório da Comunidade Evangélica da Índia (EFI, na sigla em inglês) listou 39 casos de ameaças ou violência contra cristãos de janeiro a novembro deste ano em Karnataka.


Os incidentes incluem supostos ataques a pastores por membros de grupos hindus de direita e até mesmo casos em que, segundo relatos, estes grupos impediram fisicamente os religiosos de celebrar cultos em suas igrejas.

Os cristãos são uma pequena minoria em comparação com a grande maioria hindu na Índia.

Representantes cristãos afirmam que a frequência dos ataques aumentou desde outubro, quando o Partido Bharatiya Janata (BJP), que está no poder em Karnataka e a nível nacional, anunciou que estava trabalhando em uma lei "dura" contra a conversão religiosa no Estado.

Os críticos descreveram o atual rascunho do projeto de lei como "draconiano": inclui penas de prisão de até 10 anos para quem seja declarado culpado de converter outros "à força, por métodos fraudulentos ou matrimônio".

Também se contempla negar benefícios estatais àqueles que se converterem de uma religião para outra.

Manifestantes de grupos hindus de direita

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Grupos hindus de direita exigem há muito tempo uma lei nacional contra a conversão religiosa


Cada caso será examinado. Aqueles que decidirem se converter devem notificar as autoridades locais com dois meses de antecedência, para que as mesmas investiguem os motivos da mudança antes de autorizá-la.

Líderes cristãos temem que o novo projeto de lei encoraje ainda mais os radicais hindus.

O medo é agravado, de acordo com analistas, por um ambiente cada vez mais polarizado sob a gestão do BJP do primeiro-ministro, Narendra Modi, na qual as comunidades minoritárias se sentem atacadas e ameaçadas.

"Uma vez que o projeto de lei for aprovado, haverá mais perseguição e mais dificuldades", diz Peter Machado, arcebispo de Bangalore, ao serviço de notícias hindi da BBC.



O projeto se baseia em uma lei introduzida no ano passado no estado de Uttar Pradesh, também governado pelo BJP. Lá, a lei tinha como alvo a chamada "jihad do amor", uma conspiração popular da direita hindu de que os homens muçulmanos atraem as mulheres hindus e as pedem em casamento para que se convertam.

Desde que a lei foi aprovada em Uttar Pradesh, a polícia estadual registrou mais de 100 casos de suposta conversão forçada, segundo informou o site de notícias Print em novembro.

O reverendo Vijayesh Lal, secretário-geral da EFI, que administra 65 mil igrejas na Índia, afirmou que o cenário em Karnataka é semelhante ao que acontecia em Uttar Pradesh antes da lei ser introduzida.

"Eles pressionam a comunidade, apresentam falsas acusações de conversão e depois introduzem uma lei que é inconstitucional", diz ele.

A conversão religiosa é um assunto controverso na Índia. Grupos de direita acusam há muito tempo os missionários cristãos de converterem hindus pobres à força, oferecendo a eles dinheiro ou outro tipo de apoio como suborno — uma alegação que eles negam.

Sabe-se historicamente, no entanto, que os dalits (anteriormente chamados de "intocáveis") se converteram ao cristianismo para escapar da rígida hierarquia de castas hindu. Apesar das leis que os protegem, esta comunidade é frequentemente vítima não só de discriminação, mas também de violência.

Jipe queimado em que o missionário cristão Graham Staines e seus dois filhos pequenos morreram

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O missionário cristão Graham Staines e seus filhos foram queimados vivos em 1999

As tensões muitas vezes se traduziram em violência: em 1999, uma série de ataques contra instituições cristãs no Estado de Orissa (também conhecido como Odisha) foi seguida pelo assassinato de um missionário australiano e seus dois filhos pequenos enquanto dormiam em um jipe.

Os pastores e sacerdotes cristãos de Karnataka dizem temer pelo futuro. Inicialmente, os ataques se limitavam a alguns poucos focos no Estado, mas agora 21 dos 31 distritos relataram pelo menos um incidente violento.

"Estou aqui há 40 anos e realmente não sei por que essas acusações de conversão estão acontecendo agora. Temos muitos amigos aqui entre a comunidade hindu", diz o reverendo Thomas T., presidente da associação de pastores no distrito de Belagavi.

Thomas observou que, em novembro, a polícia local disse informalmente à comunidade cristã para não realizar encontros de oração para evitar ataques de grupos de direita.

Um policial, falando sob condição de anonimato, disse à BBC que, embora as delegacias tenham aconselhado individualmente os padres a serem cuidadosos, não existe uma "política estatal" sobre o assunto.

O padre Francis D'Souza, sacerdote de uma igreja local em Belagavi, alegou na semana passada que um homem com uma espada tentou atacá-lo. O caso está sendo investigado, e a polícia garantiu ao padre D'Souza que ele estará protegido.

"Mas o medo ainda está presente em mim", diz o religioso.

Representantes da comunidade cristã questionaram a necessidade de uma lei contra a conversão, observando que a constituição da Índia dá a todos o direito de "propagar a religião".

Não existe uma lei nacional que restrinja a conversão religiosa, e as tentativas no passado de apresentar ao parlamento projetos de lei deste tipo fracassaram.

Mas vários Estados promulgaram leis ao longo dos anos para regulamentar a conversão religiosa.

Mulheres orando em uma igreja na Índia

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Líderes cristãos dizem temer pelo futuro na Índia

Arvind Bellad, deputado estadual do BJP que liderou um enorme protesto contra o pastor Somu, perguntou "por que apenas os cristãos estão preocupados com o novo projeto de lei".

"O aspecto interessante é que outras comunidades minoritárias, como muçulmanos, sikhs ou jainistas, não estão preocupadas com esta nova lei", acrescentou.

Já o ministro-chefe do Estado, Basvaraj Bommai, observou que apenas aqueles que tentam atrair as pessoas para se converterem a uma religião diferente devem temer a lei.

Mas o arcebispo Machado assegura que os ataques e o discurso em torno do projeto de lei são claramente dirigidos aos cristãos.

"O que o governo está fazendo conosco não é nada bom", afirmou.

Para o militar reformado SG Vombatkere, as pessoas não deveriam fazer justiça com as próprias mãos.

"Se eu tiver uma reclamação contra você, não posso bater em você", diz ele.

"Não tenho o direito de atacar você, seja o que for que você tenha feito. Mas o incomum está se tornando o usual nos dias de hoje."

  • Imran Qureshi
  • Da BBC Hindi em Bangalore (Índia)
Professor Edgar Bom Jardim - PE