segunda-feira, 23 de agosto de 2021

'Me formar virou um pesadelo': os brasileiros endividados com o Fies




Michele Pereira

CRÉDITO,ARQUIVO PESSOAL

Legenda da foto,

Michele começou a ser cobrada pela dívida no Fies há quatro anos. Porém, ela nunca pagou nenhuma parcela

O ingresso no ensino superior foi a concretização de um sonho, mas anos depois se tornou um pesadelo. Essa é a definição de Michele Pereira sobre o diploma de Administração que ela conquistou no fim de 2015.

"Venho da periferia e, até então, ninguém tinha ensino superior entre os meus familiares mais próximos. Achava que a universidade seria a minha chance de crescimento profissional e financeiro", declara Michele à BBC News Brasil.

O pesadelo, diz ela, teve início há quatro anos, quando começou a ser cobrada para pagar as mensalidades do Financiamento Estudantil (Fies). Até hoje, Michele não pagou uma parcela sequer, pois argumenta que não teve condições financeiras para isso.

Após se formar, ela não conseguiu trabalho na área em que se formou. Por não ter pagado o financiamento, as parcelas acumularam e o nome de Michele foi negativado.

Casos como o dela não são difíceis de encontrar entre pessoas que concluíram o ensino superior por meio do Fies. A situação se tornou ainda mais grave em meio à crise causada pela pandemia de covid-19.

Em julho do ano passado, o Fies teve o maior percentual de inadimplência da história: 54.3% dos contratos não foram pagos naquele mês, segundo o Ministério da Educação, responsável pelo programa.

Atualmente há cerca de 1 milhão de inadimplentes com o financiamento, conforme a pasta — pessoas que estão com mais de 90 dias de atraso no pagamento das parcelas.

Para especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, é fundamental que o governo discuta formas para facilitar os pagamentos das mensalidades.

O Ministério da Educação afirma, em nota à BBC News Brasil, que tem avaliado junto com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) "a publicação de nova renegociação de dívidas". Porém, ainda não há previsão de quando isso ocorrerá.

Computador ligado no site do Fies

CRÉDITO,AGÊNCIA BRASIL

Legenda da foto,

Nos últimos anos, contratos do Fies diminuíram em meio ao aumento da inadimplência

'Imaginava que sairia da faculdade ganhando R$ 7 mil'

Michele iniciou o curso superior em 2012, em uma instituição particular de Governador Valadares (MG). Era o primeiro governo Dilma Rousseff (PT) e o Fies estava no auge. Nesse período, o número de contratos disparou de cerca de 76 mil em 2010 para 732 mil em 2014.

Quando ingressou no ensino superior, Michele trabalhava em uma cooperativa de crédito. Foi justamente por causa do emprego que ela decidiu cursar Administração, pois queria conquistar um cargo melhor no local. Sem condições financeiras para arcar com as mensalidades, recorreu ao Fies de forma integral.

Os objetivos dela estavam traçados: concluir o ensino superior, conseguir um salário maior e pagar o financiamento sem impactar muito a sua renda.

"Imaginava que sairia da faculdade ganhando uns R$ 7 mil. Me lembro que quando comecei no curso havia um banner que dizia que profissionais de Administração ganhavam de R$ 4 mil a R$ 7 mil", comenta.

Ela se formou quatro anos após ingressar no ensino superior. A realidade ao concluir o curso foi completamente diferente da que esperava no passado. Michele estava desempregada e precisava se dedicar integralmente ao filho recém-nascido.

Quando começaram as cobranças do Fies, sequer cogitou pagar as parcelas. "Não tinha a menor condição naquele momento", desabafa. Ela foi colocada no cadastro de inadimplentes.

Quando o filho cresceu um pouco, Michele começou a procurar emprego. O nome sujo a impediu de encontrar vaga em uma área na qual ela sempre quis trabalhar. "Desde que eu era menor aprendiz, trabalhava em instituições financeiras, e sempre foi onde eu quis continuar trabalhando", comenta.

"Passei por etapas de entrevistas em instituições financeiras, mas esses lugares não me contratavam porque meu nome está com restrição. Isso é complicado, sequer dão a oportunidade de mostrar trabalho", diz.

Desde que concluiu o curso superior, ela passou cerca de três anos sem um emprego fixo. Hoje, Michele trabalha como vendedora. "Já fiz umas 10 entrevistas para diversos empregos relacionados à Administração, mas o meu nome sujo me impede de ser contratada. Só consegui trabalhos em outras áreas, mas queria mesmo era atuar na minha área, que é para a qual eu estudei e fiz vários cursos".

Ela não tem, ao menos por enquanto, previsão para pagar as parcelas que deixou para trás, que hoje estão em torno de R$ 15 mil. "Há juros em cima de juros e a dívida está cada vez maior", diz. O contrato do Fies previa que ela quitasse R$ 43 mil referentes ao curso ao longo de 15 anos.

"Valeu a pena me formar e ter um diploma de ensino superior. Mas isso virou um pesadelo quando terminei o curso e caí na realidade", lamenta.

'Hoje a gente vive decidindo se come ou paga a dívida'

Ivan e Ilse Silva

CRÉDITO,ARQUIVO PESSOAL

Legenda da foto,

Ivan e Ilse tiveram de suspender os pagamentos das mensalidades do Fies em razão de dificuldades financeiras na pandemia

No cenário da pandemia de covid-19, os pagamentos do Fies também foram afetados. Diante da crise sanitária, que impactou duramente a economia, a dívida do financiamento se tornou um duro problema para muitos.

"Hoje a gente vive decidindo se come ou paga a dívida do Fies", desabafa a fisioterapeuta Ilse Silva, de Recife, em Pernambuco.

A mulher e o marido usaram o Fies para concluir o ensino superior. Ilse se formou em fisioterapia em 2017. O marido dela, Ivan, concluiu o curso de Engenharia de Produção em 2015.

Os dois trabalhavam nas respectivas áreas em que se formaram. Nos primeiros anos, conseguiram pagar as mensalidades de R$ 460 de seus contratos do Fies, R$ 220 de Ivan e R$ 240 de Ilse.

Em 2019, Ivan saiu do emprego para abrir uma empresa de automação residencial. Em março de 2020, ele precisou suspender o investimento, enquanto fazia treinamentos e após comprar equipamentos, por causa da pandemia. A situação ficou ainda mais difícil porque Ilse foi demitida.

Ivan precisou buscar uma nova fonte de renda. Ele se tornou motorista de aplicativo para conseguir pagar as contas da família — o casal tem dois filhos, de 19 e 17 anos.

"Nesse momento comecei a ajustar as contas e a escolher o que manter em dia e o que iria atrasar pela redução financeira em nossa casa. Então, estamos sem pagar o Fies desde março de 2020", diz Ivan à BBC News Brasil.

Nesse período, o casal foi para o cadastro de inadimplentes. Segundo Ivan, o pai dele e a mãe dela, que foram fiadores dos respectivos filhos no Fies, também tiveram os nomes negativados.

Em dezembro passado, Ivan conseguiu um novo emprego na área de Engenharia de Produção, mas ganha menos do que antes. Nas horas vagas, ele continua trabalhando como motorista de aplicativo para complementar a renda. A esposa dele permanece desempregada.

Para Ilse, o Fies se tornou "uma bomba" que só piora a cada dia. "Em 2013, a oportunidade de fazer um curso superior através do Fies era a realização de um sonho, de ser inserido no mercado de trabalho com nível superior. Mas hoje, sem perspectiva nenhuma de trabalho, de nada, o Fies se tornou um acúmulo de dívida", diz a mulher.

"É um constrangimento ficar o tempo todo recebendo ligação de banco, cobrando uma dívida que só cresce e que não tem perspectiva nenhuma de quitar", acrescenta Ilse.

O casal ainda não tem prazo para retomar os pagamentos das parcelas do financiamento. "Voltar a pagar mais de R$ 400 mensais é muita coisa lá em casa. Não estamos em condições de retomar esse pagamento", declara Ivan.

Jovem segura celular enquanto se conecta a site do Enem

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Desempenho no Enem se tornou critério para o Fies há seis anos

A trajetória do Fies

As histórias de Michele, Ivan e Ilse reforçam que o número de inadimplentes do Fies é também um retrato das dificuldades enfrentadas no país. Mas sem o financiamento, dificilmente eles teriam oportunidade de cursar o ensino superior.

O Fies é considerado um programa fundamental no país porque três em cada quatro universitários brasileiros estudam em estabelecimentos privados. Segundo o Censo da Educação Superior 2019, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e do MEC, as instituições particulares são responsáveis por 75,8% dos estudantes de curso superior.

"Uma parcela muito importante dos que querem acesso à educação superior não têm meios de custeá-la. Quando olhamos para o ensino superior e notamos que a grande maioria das universidades são privadas, é preciso haver um financiamento. Isso não é apenas ganho individual, é também social", declara Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).

"Uma pessoa com o ensino superior e melhor qualificada produz mais e contribui mais para o desenvolvimento de uma nação", acrescenta Alavarse.

Desde o fim dos anos 90, o Fies já foi utilizado por mais de 3,2 milhões de pessoas para a conclusão do ensino superior, segundo o governo federal.

Nos últimos anos, o financiamento deixou de ser uma alternativa para muitos estudantes. Isso teve início no começo do segundo mandato da ex-presidente Dilma, período em que o programa teve mudanças em suas regras. Na época, o número de beneficiados caiu para 287 mil estudantes, menos da metade do ano anterior.

Especialistas apontam que o Fies deixou de ser um atrativo para muitos estudantes em 2015, quando parou de garantir o financiamento de 100% das mensalidades.

Entre as mudanças de regras para o Fies passou a valer a exigência de que o estudante tenha obtido média acima de 450 pontos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Essas alterações foram adotadas após os problemas causados no boom do programa, em razão da alta inadimplência, que foi aumentando cada vez mais ao longo dos anos. Atualmente, conforme o FNDE, as parcelas em atraso somam R$ 7,3 bilhões que deixaram de ser pagos por beneficiários do programa.

No ano passado, o número de contratos do Fies foi o menor dos últimos 10 anos. O governo federal anunciou que havia 100 mil vagas disponíveis para o financiamento. Porém, uma reportagem da Folha de S.Paulo em novembro passado revelou que foram registrados apenas 47.082 novos contratos em 2020.

A reportagem da Folha cita que um dos motivos para a redução dos números de beneficiários foi o impacto da pandemia de covid-19, pois o Brasil passou por um período de incerteza sobre as aulas presenciais e muitos não quiseram se endividar por um curso online. Outro fator foram as mudanças nas regras do programa há seis anos, que até hoje afetam a busca pelo financiamento.

Um dado do Censo da Educação Superior 2019 também ilustra a atual situação do Fies. O levantamento apontou que 45,6% dos alunos da rede privada tinham algum tipo de financiamento ou bolsa em 2019. Desses, 19% eram beneficiários do Fies — cinco anos antes, o programa do governo federal era usado por 53% dos estudantes que precisavam de auxílio no ensino superior privado.

As incertezas do mercado de trabalho

Alunos comemoram colação de grau

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Dificuldades no mercado de trabalho estão associadas com alta inadimplência no Fies, avaliam especialistas

Para aqueles que recorrem ao Fies, após a conclusão do ensino superior é preciso encarar as incertezas do mercado de trabalho e a preocupação com o início da cobrança da dívida. Se houver atraso de 30 dias no pagamento de uma parcela, o nome da pessoa logo é negativado.

Na busca por um trabalho, os dados são pouco animadores. O desemprego segue em alta, com taxa de 14,6% no trimestre encerrado em maio, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que corresponde a um contingente de 14,8 milhões de desempregados.

No período recente, um fenômeno também aumentou: o de profissionais qualificados e subutilizados.

Entre o quarto trimestre de 2019 e igual período de 2020, o número de trabalhadores com ensino superior subutilizados passou de 2,5 milhões para 3,5 milhões, um aumento de 43%, conforme levantamento feito pela consultoria IDados, a partir da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua do IBGE.

A subutilização inclui os desempregados, subocupados (que trabalham menos de 40 horas semanais), os desalentados (aqueles que desistiram de procurar emprego); ou os que gostariam de trabalhar, mas por algum motivo — como ter que cuidar dos filhos ou de idosos, por exemplo — não estavam disponíveis.

O levantamento com base na Pnad mostrou que a taxa de desocupação entre os trabalhadores com ensino superior, que é historicamente mais baixa do que a dos trabalhadores em geral, passou de 5,6% no quarto trimestre de 2019, para 6,9% no mesmo período em 2020. Nesse mesmo intervalo, a taxa de desemprego para a população em geral subiu de 11% para 13,9%.

A diferença histórica no nível de desocupação entre os mais e os menos qualificados se explica pela parcela ainda relativamente pequena de pessoas com ensino superior no país.

Segundo o IBGE, 17,4% da população brasileira acima dos 25 anos havia concluído o ensino superior até 2019, dado mais recente.

Uma pesquisa feita no ano passado pelo Sindicato de Mantenedoras dos Estabelecimentos de Ensino Superior (Semesp), apontou que os alunos que concluem o ensino superior têm um aumento de renda mensal de 182%, levando em conta aqueles que já trabalhavam durante a graduação.

Apesar das dificuldades enfrentadas até mesmo por aqueles que têm o ensino superior, especialistas ressaltam que o diploma representa mais oportunidades e a oportunidade de cursar uma universidade precisa chegar a mais pessoas.

"Ter um diploma é importante. Sem isso, você fica aquém no mercado competitivo. O diploma é um filtro até para seleções. Mas claro, não é uma garantia", diz o pesquisador Wilson Mesquita, professor de políticas públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC) e especialista em Educação.

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, recentemente fez uma declaração que foi contra o que é dito por especialistas. Em 9 de agosto, durante o programa Sem Censura, da TV Brasil, ele disse que a universidade deve ser para poucos.

Mais de uma semana depois, Ribeiro argumentou que fez a afirmação com base na inadimplência do Fies. Ele justificou, durante um evento da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), que a quantidade de inadimplentes do programa pode prejudicar novos financiamentos.

Ministro da Educação Milton Ribeiro

CRÉDITO,ISAC NÓBREGA/PR

Legenda da foto,

Ministro da Educação, Milton Ribeiro disse que a universidade deve ser para poucos. Posteriormente, argumentou que falou isso por causa da alta inadimplência no Fies

Ribeiro afirmou que é preciso "tomar cuidado" ao oferecer vagas no ensino superior, porque algumas pessoas "não têm ideia de que o fato de terem um diploma de ensino superior não é suficiente".

"É, sim, uma ferramenta importante, mas não suficiente no Brasil como hoje vivemos de ter garantido seu emprego, e depois elas não conseguem pagar o compromisso que fizeram", afirmou, na terça-feira (17/08).

Dias depois, o ministro voltou a dar declarações controvertidas sobre a questão: "Que adianta você ter um diploma na parede, o menino faz inclusive o financiamento do Fies que é um instrumento útil, mas depois ele sai, termina o curso, mas fica endividado e não consegue pagar porque não tem emprego", afirmou.

'É necessário um plano para que o aluno possa quitar o seu débito'

Enquanto o ministro tece críticas à alta inadimplência no Fies, especialistas avaliam que as medidas do Ministério da Educação para resolver o problema foram tímidas.

Nos últimos anos foram abertos dois prazos para renegociação dos contratos. Os resultados foram pouco expressivos e a inadimplência continuou em alta. Especialistas argumentam que as propostas não eram atrativas e incluíam condições que não estavam ao alcance de todos.

Em 2019, por exemplo, a renegociação exigia uma entrada de R$ 1 mil ou de 10% da dívida, o que tivesse o maior valor entre as duas opções. Apenas 2% dos estudantes em dívida com o fundo fizeram acordos nesse período para parcelar os pagamentos atrasados.

Para especialistas, o governo federal precisa conduzir ações que entendam o contexto da crise econômica e motivem o público-alvo a buscar uma forma de renegociar o financiamento.

"No Brasil temos vários incentivos do governo por meio de refinanciamento para empresas, para produtor rural ou para a indústria. Todos os anos a gente vê a Caixa Econômica com incentivo de pagamentos de dívidas com desconto de 100% de multas e juros. Mas para o Fies não existe isso", declara Sólon Caldas, diretor executivo da ABMES.

Caldas diz que não é a favor de uma anistia para essas dívidas. Ele defende que sejam criadas formas de renegociar esse pagamento conforme as condições financeiras de cada pessoa.

"É necessário um plano para que o aluno possa ter condições de quitar o seu débito. Não é possível fazer uma proposta que não se enquadre na atual situação dos devedores. Se eles estão inadimplentes é porque não tiveram condições financeiras para honrar o compromisso", afirma o diretor executivo da ABMES.

Segundo o Ministério da Educação, apesar de permanecer em alta, a taxa de inadimplência do Fies reduziu 2,2% de 2020 para 2021.

O MEC afirma que avalia uma nova renegociação para que os inadimplentes possam retirar seus nomes dos cadastros restritivos de crédito. Mas a pasta não deu mais detalhes sobre o tema.

Em junho, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o governo estuda refinanciar as dívidas do Fies.

Além disso, há também Projetos de Leis que tramitam no Congresso Nacional para tentar amenizar as cobranças ou até suspender essa dívida durante a pandemia.

Para os endividados por causa do Fies, a esperança é que haja uma nova renegociação para que possam tentar limpar seus nomes. "Renegociar a dívida seria uma opção importante. É preciso algum acordo que motive a gente a voltar a pagar", diz Ivan Silva.

Eleitora do presidente Jair Bolsonaro, Michele Pereira diz acreditar que ele pode pensar em uma estratégia para ajudar aqueles que têm dívidas com o Fies. "Ele poderia impedir a pessoa de parar no Serasa, porque assim ela terá uma oportunidade melhor de trabalho para pagar o financiamento", sugere.

Em setembro do ano passado, Michele enviou uma mensagem a Bolsonaro no Twitter para pedir ajuda, pois queria renegociar a dívida com o Fies para sair da lista de inadimplentes. No entanto, ela não teve resposta.

  • Vinícius Lemos - @oviniciuslemos
  • Da BBC News Brasil em São Paulo
BBC 23/08/2021

Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 22 de agosto de 2021

Museu de Bom Jardim: Semana Nacional do Patrimônio 2021



O cartaz do Museu de Bom Jardim, comemorativo a Semana Nacional do Patrimônio 2021, chamou a atenção da comunidade bonjardinense para importância do conhecer, valorizar, viver, preservar, restaurar e reconstruir o patrimônio material, imaterial e humano do município do agreste pernambucano.

Bom Jardim possui uma grande riqueza patrimonial que necessita ser observada por todos. É preciso educar a comunidade para fazer o bom uso público do patrimônio, promover ações para  valorizar, preservar e  reconstruir o patrimônio público com especial atenção pelo que foi destruído, abandonado pelos próprios governantes e agentes públicos. 

Uma interrogação, alerta e cobrança que fica da população para governantes e autoridades é: Quem vai reconstruir o antigo prédio da estação do trem da rede ferroviária de Pernambuco ( prédio que abrigava a secretaria municipal de educação)?

Professor Edgar Bom Jardim - PE

Comunidades escolares da Rede Estadual de Ensino das quatro macrorregiões vão receber aulas sobre cultura do maracatu




O Maracatu de Baque Solto Leão de Ouro, de Condado, Mata norte do Estado, começa a circular por cidades pernambucanas a partir desta segunda-feira (23), com o projeto “Aula-Espetáculo Salvem os Caboclos de Lança”.

Comunidades escolares da Rede Estadual de Ensino das quatro macrorregiões vão receber apresentações de terreiro, interação com o público e explanação dos elementos que compõem a manifestação cultural: personagens principais, trajes, manobras e musicalidade.

 Figuras representativas do Maracatu de Baque Solto, o Caboclo de Lança, personagem central nas apresentações; o Mestre entoando loas em marcha, sambas e galope acompanhado do Terno (orquestra de sopro e percussão) e caboclos, dama do paço, rei/rainha, baianas e arreiamás também integram as apresentações.

 

A circulação do projeto – que tem o incentivo do Funcultura / Fundarpe / Secretaria de Cultura / Governo de Pernambuco - vai passar pelos municípios de Condado e Igarassu (segunda-feira, 23),  Camutanga  e Limoeiro (terça-feira, 24), Bezerros (quarta-feira, 25) e Triunfo (quinta-feira, 26). 

 

Programação 

Aula-Espetáculo Salve os Caboclos de Lança!

Maracatu de Baque Solto Leão de Ouro

 

Escola Santa Cristina / Assentamento Luiza Ferreira

Condado - Zona Rural / Mata Norte

Interação artística: Repentistas / Andrade Pessoa e Manoel Miguel

Segunda-feira (23), 16h

 

EREM Santos Cosme e Damião

Igarassu / Metropolitana Norte

Interação artística: Boi de Carnaval / Grupo Ariano Suassuna

Segunda-feira (23), 19h

 

EREM Pedro Tavares

Camutanga / Mata Norte

Interação artística: La Ursa / Grupo Recreart

Terça-feira (24), 10h

 

Apresentação Especial: Contrapartida Social

Instituto Padre Luis Cecchin 

Limoeiro / Agreste Setentrional

Terça-feira (24), 15h

 

ETE Maria José Vasconcelos

Bezerros / Agreste Central

Interação artística: Papangu / Grupo de Dança Folcpopular

Quarta-feira (25), 10h

 

EREM Alfredo de Carvalho

Triunfo / Sertão do Pajeú

Interação artística: Caretas / Treca Alto Astral

Quinta-feira (26), 10h

Fonte: Folha de Pernambuco 21/08/21
Foto: Arquivo Museu de Bom Jardim
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Quem são os integralistas, o fascismo brasileiro que mantém seguidores até hoje



Retrato de Plínio Salgado

CRÉDITO,ACERVO AIB/PRP - DELFOS/PUCRS

Legenda da foto,

Plínio Salgado fundou o integralismo em 7 de outubro de 1932, dois anos depois de visitar a Itália e conhecer o então primeiro-ministro Benito Mussolini

"Deus dirige o destino dos povos".

A expressão, criada por Plínio Salgado (1895-1975), abriu o Manifesto de Outubro, em 7 de outubro de 1932.

O documento, redigido pelo próprio jornalista, definia as diretrizes ideológicas do integralismo, versão brasileira do fascismo italiano e de seus similares europeus, e é considerado a "certidão de nascimento" do movimento.

Quase 90 anos depois, no dia 8 de junho de 2021, a frase foi resgatada por Paulo Fernando para abrir seu discurso de filiação ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Em julho, mais duas importantes lideranças neointegralistas, Moisés José Lima e Lucas Carvalho, se filiaram ao partido presidido pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson para disputar as próximas eleições.

Não é a primeira vez que neointegralistas tentam aproximação com partidos políticos de direita, como o Partido de Reedificação da Ordem Nacional (PRONA), de Enéas Carneiro (1938-2007), e o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), de Levy Fidelix (1951-2021).


Quem explica é Odilon Caldeira Neto, doutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor do Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

"Os neointegralistas buscam construir alianças para articulações mais amplas. O discurso contrário à democracia liberal é, muitas vezes, um grande obstáculo para as pautas integralistas. Mas essa relação existe. E, ultimamente, tem crescido", afirma Odilon, autor de Sob o Signo do Sigma: Integralismo, Neointegralismo e o Antissemitismo (2014) e coautor de O Fascismo em Camisas Verdes - Do Integralismo ao Neointegralismo (2020), em parceria com Leandro Pereira Gonçalves.

Militantes Integralistas posam para foto

CRÉDITO,ARQUIVO PÚBLICO HISTÓRICO DE RIO CLARO

Legenda da foto,

O uniforme era composto por camisas verdes de mangas compridas e colarinhos e punhos abotoados. Se algum membro fosse flagrado consumindo álcool, dançando ou jogando, seria punido. Se fosse preso, deveria, antes, retirar a camisa.

Os 'herdeiros' de Plínio Salgado

Os mais novos filiados do PTB são integrantes da Frente Integralista Brasileira (FIB), o maior, mais ativo e organizado dos três grupos neointegralistas surgidos na década de 2000.

Os outros dois são a Ação Integralista Revolucionária (AIR), de intensa atuação virtual, e o Movimento Integralista e Linearista Brasileiro (MIL-B), de forte conotação antissemita. Segundo estimativas, o número de militantes da FIB gira em torno de 200, em sua maioria homens.

"É natural que exista, entre os neointegralistas, um movimento de disputa em torno de uma certa legitimidade para suas atividades. Eles se apresentam como herdeiros legítimos de um movimento que, no século 20, agitou parcelas significativas da sociedade", observa Odilon.

"Eu não diria que eles são herdeiros de Plínio Salgado. Mas, herdeiros de toda a complexidade que permeia o integralismo, inclusive de lideranças como Miguel Reale (1910-2006) e Gustavo Barroso (1888-1959). É um movimento voltado para o futuro, mas com os olhos fixos no passado".

O insight para criar o integralismo surgiu em 1930 durante uma viagem de Plínio Salgado à Europa. Ele fazia parte da comitiva que, no dia 14 de junho, conheceu Benito Mussolini (1883-1945), o então primeiro-ministro italiano, em visita ao Palácio Venezia, em Roma. .

O encontro não durou mais do que 15 minutos, mas foi tempo suficiente para inspirar Plínio Salgado a adaptar o fascismo italiano à realidade brasileira e criar o maior movimento de extrema direita da história do país.

"Contando eu a Mussolini o que tenho feito, ele achou admirável o meu processo, dada a situação diferente de nosso país. Também como eu, ele pensa que, antes da organização de um partido, é necessário um movimento de ideias", relatou Plínio Salgado em carta de 1936.

Suas ideias, nacionalistas e conservadoras, ganharam vida em 6 de maio de 1932, quando sugeriu a criação de um novo grupo, a Ação Integralista Brasileira (AIB). Passados seis meses, a AIB foi oficialmente lançada no dia 7 de outubro de 1932.

"Uma organização pautada no cristianismo e com forte discurso anticomunista, antiliberal e, em alguns casos, antissemita", resume Leandro Pereira Gonçalves, doutor em História pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e professor do Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Na fase áurea do integralismo, Plínio Salgado gostava de repetir, cheio de si, que a AIB tinha "um milhão de integrantes". Entre eles, alguns adeptos famosos, como o militar João Cândido (1880-1969), o historiador Câmara Cascudo (1898-1986), o poeta Vinícius de Moraes (1913-1980), o lutador Hélio Gracie (1913-2009) e o ativista Abdias do Nascimento (1914-2011).

Em 1946, Plínio Salgado confidenciou ao genro, Loureiro Júnior, que o total de filiados era, para ser sincero, bem mais modesto.

"Não é vergonha nenhuma sermos 200 mil e, sabendo que não passamos disso, não incorreremos em erros perniciosos", admitiu em carta.

Plínio Salgado e Juscelino Kubitschek

CRÉDITO,ARQUIVO PÚBLICO HISTÓRICO DE RIO CLARO

Legenda da foto,

Plínio Salgado e Juscelino Kubitschek: Em 1955, depois de regressar do exílio em Portugal, Plínio Salgado disputou a Presidência da República e ficou em último lugar. O presidente eleito foi Juscelino Kubitschek (1902-1976)

'O soldado de Deus e da pátria'

Independentemente do número de integrantes, todo e qualquer filiado era obrigado a obedecer às regras e a seguir rituais.

"Juro por Deus e pela minha honra trabalhar pela Ação Integralista Brasileira, executando, sem discutir, as ordens do Chefe Nacional e dos meus superiores" era o juramento que o militante tinha que prestar - com o braço direito levantado e na frente de um retrato de Plínio Salgado e de, pelo menos, dez integralistas - no momento da filiação ao partido.

Uma das normas a serem seguidas dizia respeito ao uniforme, composto por camisas verdes de mangas compridas e colarinhos e punhos abotoados.

Todo filiado - apelidado de "camisa-verde" em alusão aos "camisas-negras" italianos - deveria usar matéria-prima nacional, ou seja, brim ou algodão. Calças brancas ou pretas, gravatas pretas e lisas, um gorro verde de duas pontas e uma fivela dourada completavam a indumentária. As mulheres, chamadas de blusas-verdes, usavam camisas verdes e saias pretas ou brancas.

Se algum integralista fosse flagrado consumindo álcool, dançando ou jogando, seria punido com uma falta disciplinar grave. Se fosse preso, deveria pedir licença à polícia para, no ato da prisão, retirar a camisa - a não ser que a prisão tivesse caráter político; neste caso, o integralista poderia exibir o figurino com orgulho patriótico.

Em hipótese alguma o uniforme deveria ser usado como fantasia de Carnaval. "Era proibição máxima", explicam os autores de O fascismo em camisas verdes.

E, por falar em blusas-verdes, sim, as mulheres eram aceitas na organização. Como a família era a "celula mater" da sociedade, o papel delas era estratégico: gerar futuros adeptos e educá-los na filosofia integralista. Enquanto os maridos participavam de reuniões, desfiles e marchas, suas esposas cuidavam dos afazeres de casa e zelavam pela formação dos "plinianos".

Nas horas de lazer, os homens eram estimulados a praticar esportes, escalar times de futebol e participar de torneios esportivos. Alguns núcleos, como o de Porto Alegre, chegaram a ter suas próprias equipes, o Bolão Futurista.

Já as mulheres eram orientadas a fazer cursos, como datilografia, puericultura - área da pediatria que cuida do desenvolvimento infantil - e boas maneiras.

Inspirados nas cerimônias católicas, os "camisas-verdes" criaram seus próprios rituais de batismo, casamento e funeral. Os membros do clero, o principal braço religioso do movimento, ganharam o apelido de "batinas-verdes".

O mais famoso foi o então sacerdote e futuro arcebispo emérito de Olinda e Recife Dom Hélder Câmara (1909-1999). No batizado integralista, a criança, depois de receber o sacramento, era envolta na bandeira da AIB. Em seguida, pais e padrinhos, todos uniformizados, gritavam: "Ao futuro pliniano, o seu primeiro Anauê!".

Toda sede do movimento era decorada com uma foto do fundador Plínio Salgado, um relógio de parede com a frase "Nossa hora chegará!" e um cartaz com os dizeres: "O integralista é o soldado de Deus e da pátria, homem novo do Brasil que vai construir uma grande nação".

Ao longo dos anos, os camisas-verdes, com o objetivo de alfabetizar futuros eleitores, fundaram escolas integralistas. Para doutrinar corações e mentes, criaram bens de consumo, como balas, cigarro e creme dental, e lançaram jornais, como A Ofensiva, e revistas, como Anauê, Panorama e Brasil Feminino.

Para comemorar o Natal, a maior festa cristã, uma versão 100% brasileira do "Bom Velhinho": o Vovô Índio, "um senhorzinho amigo das árvores" e "vestido com penas de passarinhos". "O Papai Noel era negado pelos integralistas porque simbolizava o capitalismo", explica Leandro, autor de Plínio Salgado: Um Católico Integralista Entre Portugal e o Brasil (2018) e coautor de O Fascismo em Camisas Verdes - Do Integralismo ao Neointegralismo (2020), em parceria com Odilon Caldeira Neto.

casamento

CRÉDITO,ACERVO AIB/PRP - DELFOS/PUCRS

Legenda da foto,

Os integralistas tinham seus próprios rituais de batizado, casamento e funeral, celebrados por simpatizantes do clero conhecidos como "batinas-verdes"

'Nosso Brasil vai despertar!'

Muito além do uniforme, Plínio Salgado, o chefe supremo do movimento, pensou em tudo: de lema a símbolo, de saudação a hino. O lema "Deus, pátria e família", por exemplo, fazia alusão, respectivamente, a "quem dirige o destino dos povos", "nosso lar" e "o início e o fim de tudo".

Já a saudação "Anauê!" - pronunciada com o braço direito levantado, num gesto que remete ao cumprimento nazista - pode ser traduzida, em tupi, como "Você é meu parente!". Para os indígenas, era um grito de guerra. Para os integralistas, uma manifestação de alegria. "Era pronunciada com voz natural, quando individual, e com voz clara e decidida, quando coletiva", explica Leandro.

Uma curiosidade: os integralistas, quando se cumprimentavam, tinham direito a um Anauê; os dirigentes, a dois; Plínio Salgado, a três e Deus, a quatro. Em público, só o dirigente supremo, ou seja, o próprio Plínio Salgado, tinha autorização para saudar Deus.

O símbolo do partido era a letra grega Sigma: Σ. Na matemática, ela usada como notação para o somatório. No integralismo, representa o projeto de um Estado único e integral. Onipresente, o símbolo era usado para decorar tudo: da braçadeira do uniforme integralista até utensílios de cozinha, como pratos, xícaras e talheres.

O refrão do hino, composto pelo próprio Plínio Salgado, anunciava: "Avante! Avante! / Pelo Brasil, toca a marchar / Avante! Avante! / Nosso Brasil vai despertar". Os integralistas não cantavam a segunda parte do Hino Nacional Brasileiro por discordarem do trecho da letra de Joaquim Osório Duque Estrada (1870-1927) que diz: "Deitado eternamente em berço esplêndido!".

Integrantes do grupo em torno de pratos com o símbolo do Sigma

CRÉDITO,ARQUIVO PÚBLICO HISTÓRICO DE RIO CLARO

Legenda da foto,

Os 'camisas-verdes' fundaram escolas, criaram produtos (como cigarro e creme dental) e lançaram jornais e revistas. No 'lar, doce lar' de uma família integralista, até os pratos, louças e talheres levavam o símbolo do Sigma.

Último lugar nas urnas

A Ação Integralista Brasileira (AIB) teve vida curta: fundada em 1932, foi extinta apenas cinco anos depois pelo Estado Novo. O nome de Plínio Salgado chegou a ser indicado pela maioria dos filiados como candidato à Presidência da República, em 1938. Mas, em troca da promessa de ocupar o Ministério da Educação, ele desistiu de disputar a eleição para apoiar a candidatura de Getúlio Vargas (1882-1954).

Não deu certo. Quando assumiu, em 1937, Vargas extinguiu todos os partidos políticos. A AIB, inclusive.

Indignados, os integralistas organizaram dois levantes: o primeiro em 11 de março e o segundo em 11 de maio de 1938. Ambos fracassaram. Alguns revoltosos foram sumariamente fuzilados.

Acusado de conspiração, Plínio Salgado foi preso - ele e outros 1,5 mil membros do partido - e, em 22 de junho de 1939, exilado em Portugal, onde permaneceu até 1946.

"O integralismo não chegou ao fim com a extinção da AIB", pondera Leandro. "Suas ações políticas continuaram no período da ilegalidade".

Durante seu autoexílio, Plínio Salgado procurou se "reinventar". Aboliu o discurso autoritário e adotou um tom religioso. Na volta ao Brasil, fundou uma nova sigla, o Partido da Representação Popular (PRP).

"Um fascismo democrático", define Leandro.

Em 1955, disputou a Presidência do Brasil, mas só obteve 714,3 mil votos. Com 8% do total, terminou em último lugar, atrás de Juscelino Kubitschek (35%), Juarez Távora (30%) e Adhemar de Barros (25%).

Com o fim do PRP, Plínio Salgado migrou para a Aliança Renovadora Nacional (Arena), onde exerceu seus dois últimos mandados como deputado federal.

Durante a ditadura, criou a disciplina escolar conhecida como Educação Moral e Cívica. O fundador e dirigente supremo do integralismo morreu em 8 de dezembro de 1975, aos 80 anos, vítima de infarto. Segundo a doutrina que ele próprio ajudou a criar, não morreu. Foi transferido para a milícia do além, onde passou a receber ordens diretamente de Deus.

Marcha Integralista: pessoas uniformizadas marchando na rua

CRÉDITO,ACERVO AIB/PRP - DELFOS/PUCRS

Legenda da foto,

A Ação Integralista Brasileira (AIB) teve vida curta: cinco anos. Foi fundada em 1932 e extinta em 1937, quando Getúlio Vargas Getúlio Vargas (1882-1954) chegou ao poder e instituiu o Estado Novo

A face radical do integralismo

O integralismo não terminou com a extinção da AIB. Muito menos com a morte de seu fundador, Plínio Salgado.

"O universo da extrema direita brasileira foi objeto de nossas monografias, dissertações, teses e artigos. Mas, nos últimos anos, nossos objetos de pesquisa se tornaram mais ativos, visíveis e radicalizados", alerta Leandro.

Um dos exemplos recentes da face radical do neointegralismo é a invasão, no dia 30 de novembro de 2018, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) por militantes do grupo Comando de Insurgência Popular Nacionalista (CIPN).

Dias depois, em um vídeo postado no YouTube, onze homens encapuzados e vestidos de preto, com uma bandeira do Brasil no lado esquerdo do peito, chamaram o ato de "ação revolucionária" e queimaram os cartazes e as bandeiras antifascistas roubados na instituição. Não foi um ato isolado.

Na noite de 24 de dezembro de 2019, véspera de Natal, outro grupo arremessou coquetéis molotov na fachada da sede da produtora Porta dos Fundos em Botafogo, Zona Sul do Rio.

Algumas horas depois, outro vídeo - com três homens encapuzados e vestindo camisas verdes com o Sigma - foi divulgado nas redes sociais. Nele, o grupo assumia a autoria do ataque, que teria sido motivado pelo especial natalino A Primeira Tentação de Cristo, lançado na Netflix, que retratava Jesus como homossexual.

"Para nós, esse ataque parecia ser algo de fácil entendimento. Mas, percebemos que existia uma demanda de conhecimento crítico e aprofundado sobre o tema na sociedade, que desejava conhecer a história do fascismo na História do Brasil", explica Odilon.

Membro da Frente Integralista Brasileira (FIB) e filiado ao Partido Social Liberal (PSL), Eduardo Fauzi foi apontado como um dos responsáveis pelo ataque à sede da produtora Porta dos Fundos.

Flagrado por câmeras de segurança, fugiu para a Rússia no dia 29 de dezembro de 2019, mas foi capturado por agentes da Interpol no dia 4 de setembro de 2020.

Em um dos endereços de Fauzi, a polícia apreendeu, entre outros livros, um exemplar de O pensamento revolucionário de Plínio Salgado (1988), de Augusta Garcia Rocha Dorea, e outro de O imbecil coletivo (1996), de Olavo de Carvalho.

Sobre o integralismo, o ideólogo do governo Bolsonaro já declarou: "uma dessas esquisitices ideológicas que reaparecem em tempos de crise e desorientação moral como uma espécie de sarampo", postou em seu perfil no Facebook, em 20 de novembro de 2017.

Dez dias depois, foi mais sucinto: "Pela milésima vez: integralismo é babaquice", tuitou.

O mais longe que um integralista assumido chegou no atual governo foi em 30 de dezembro de 2019 quando Paulo Fernando Melo da Costa, integrante da Frente Integralista Brasileira (FIB), foi nomeado assessor especial do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, de Damares Alves.

Conhecido por defender a abstinência sexual e desencorajar mulheres a praticar aborto, entre outras propostas conservadoras, foi exonerado do cargo um ano de cinco meses depois de nomeado.

Em 21 de novembro de 2019, o partido Aliança pelo Brasil, criado para abrigar o presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores, pegou o lema integralista emprestado. "Nossa força é o Brasil! Aliança pelo Brasil. Deus, pátria, família", postou Bolsonaro nas redes sociais. A estratégia não surtiu o efeito desejado. Até o momento, a legenda só conseguiu coletar 119,3 mil (24%) das 491,9 mil assinaturas necessárias para a criação de um partido. Os números são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

"O lema 'Deus, pátria e família' é mais um esforço bolsonarista na leitura sobre valores, inspirações e imaginários do nacionalismo de direita brasileiro. É a tentativa de sintetizar a diversidade da história da extrema direita em torno de um eixo estruturante. Acontece que o bolsonarismo, seja pelo uso de estratégias diversificadas, seja por causa de objetivos distintos, não pode ser considerado um bloco monolítico", afirma Odilon.

Em O fascismo em Camisas Verdes, seus autores admitem que há alguns traços em comum entre o governo Bolsonaro e o fascismo histórico: "o conservadorismo", "o anticomunismo", "o uso das teorias de conspirações" e "a visão de mundo baseada na diferenciação entre amigos e inimigos".

"Jair Bolsonaro tem várias características partilhadas com o caldo cultural e político da extrema direita brasileira, cujo integralismo é uma das principais caracterizações, sobretudo na matriz fascista", observa Leandro.

"Não diríamos que é um integralista ou neointegralista, mas que partilha de diversos componentes desse caldo e dessas experiências, que transcendem ao campo institucional das organizações integralistas, gerando um diálogo aberto e mútuo".
BBC21/08/21
Professor Edgar Bom Jardim - PE