A Raia não é uma rede de farmácias qualquer. É a maior do Brasil, com mais de duas mil lojas e faturamento bruto de mais de R$ 20 bilhões em 2020. Dela fazem parte, além da Droga Raia e Drogasil, também a Onofre. E seus negócios não são restritos à venda de remédios. A Univers, empresa do mesmo grupo, é o programa de benefícios que dá descontos em remédios comprados nas lojas da rede. Tem também a Stix, uma “plataforma de recompensas” para juntar pontos com compras em lojas parceiras e trocar por benefícios, como descontos e produtos. Itaú, Extra e Pão de Açúcar estão entre os parceiros.

Com parte de seus negócios concentrada em comércio e parcerias com outras gigantes do varejo, informações sobre o comportamento do consumidor são valiosas. Elas ajudam a monitorar tendências e prever oportunidades de mercado. Uma mulher que compra um teste de gravidez em uma farmácia, por exemplo, provavelmente será uma excelente cliente para ser impactada por propaganda de fraldas no futuro próximo.

plano da rede é se transformar em uma espécie de mercado de serviços de saúde, o que eles chamam de “nova farmácia”: um “ponto de prestação de serviços de saúde em loja, integrado com venda e serviços do site”. Eles incluem, por exemplo, serviços de telemedicina, ou seja, consultas online – que seriam vendidos para os próprios clientes da rede. Conhecer bem os hábitos de saúde de cada um deles, nesse contexto, tem um enorme valor.

Se você compra muito omeprazol, pode ter gastrite. Para os RHs importa saber disso para cortar custos com internações, mesmo que você prefira não revelar a doença.

Mas os negócios não param por aí. No ano passado, o grupo Raia Drogasil lançou seu braço de investimentos, a RD Ventures. Uma das empresas compradas pelo grupo é a HealthBit, que se autointitula uma “health tech de big data voltada para redução de custos, melhoria de uso do plano de saúde e prevenção de casos graves” de doenças. Em outras palavras: o objetivo da empresa é usar dados das pessoas para ajudar áreas de recursos humanos a economizarem em planos de saúde.

Se você compra muito omeprazol, por exemplo, pode estar com um problema de saúde grave no estômago – ou ter uma gastrite nervosa. Para os RHs pode ser importante saber disso – o que eles querem é reduzir custos com internações, mesmo que você prefira não contar para o seu chefe que está com um problema de saúde. Os dados, segundo a HealthBit, são fornecidos pelos próprios clientes do serviço.

Mas a política de privacidade da Droga Raia prevê que as informações podem ser compartilhadas com as empresas do mesmo grupo econômico. Além delas, também com “parceiros da indústria farmacêutica”, sem detalhar quais, se o cliente optar pelo programa de descontos. E com “consultorias e empresas de tecnologia parceiras”, também sem especificar quais são elas. Dados de saúde, vale lembrar, também são dados considerados sensíveis – e, por isso, precisam ser ainda mais protegidos, segundo a LGPD.

Mariana Valente não sabia que empresas baseadas em dados de saúde faziam parte do mesmo grupo da rede de farmácias. Nenhum cliente sabe exatamente para quais empresas do grupo autoriza o compartilhamento de suas informações – ainda que isso seja o que determina a lei. Mas, ao cadastrar a biometria, o consumidor dá o seu ok para que isso aconteça. “O cidadão tem direito de ter acesso facilitado às informações sobre o tratamento de dados, com a identificação clara e ostensiva de como eles vão ser tratados e informações sobre o compartilhamento”, diz Valente.

A Droga Raia confirma que informações dos clientes podem ser enviadas à outras empresas do grupo, conforme descreve a política de privacidade, mas garante que os dados biométricos ficam de fora do troca-troca de informações. Perguntei quantos clientes já tiveram sua biometria cadastrada. “Trata-se de informação estratégica da companhia”, disse a empresa.