segunda-feira, 11 de maio de 2020

Enem abre inscrições: Brasil vai 'na contramão do mundo' ao manter datas do exame em meio à pandemia?


Prova do Enem, em foto de arquivoDireito de imagemMARIANA LEAL/MEC
Image captionEnem deste ano continua sendo previsto para novembro, mas há pedidos para que seja adiado
As inscrições do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) começaram nesta segunda-feira (11/05) em meio a discussões sobre se a prova — agendada para 1º e 8 de novembro, na versão impressa, e 22 e 29 de novembro, na versão digital, com provas em computador feitas em locais definidos pelo Ministério da Educação — deveria ser adiada, no momento em que praticamente todas as escolas do país estão fechadas e os alunos estão tendo que estudar remotamente por conta da pandemia do novo coronavírus.
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, tem defendido a manutenção das datas da prova, argumentando que a crise de saúde tende a passar até novembro e que "é cedo para desistirmos do ano" escolar.
Críticos afirmam que, nas atuais circunstâncias, manter as datas de prova vai prejudicar desproporcionalmente mais os alunos carentes, que estão tendo maiores dificuldades em ter acesso a conteúdo digital e a uma rotina de estudos sem as aulas presenciais.
Embora o Brasil não esteja sozinho na manutenção de seus exames nacionais estudantis, o país é parte de um grupo minoritário. Um levantamento da Unesco (braço da ONU para a educação) de 11 de abril (e, portanto, sujeito a atualizações, uma vez que os cenários nacionais estão mudando constantemente) aponta que cerca de 20 países decidiram manter todos ou parte de seus exames — além de Brasil, estão no grupo Alemanha, Finlândia, Nova Zelândia, Colômbia e Costa Rica, entre outros.
Mas cerca de 80 países cancelaram, adiaram ou remarcaram suas avaliações estudantis, entre eles EUA, Reino Unido, China, Irlanda, Espanha, Coreia, França e Noruega.
E é importante destacar que alguns países, como Alemanha, Finlândia e Colômbia, aparecem mais de uma vez na listagem, por terem mais de um exame sendo levado em consideração pela Unesco ou por adotarem múltiplas estratégias simultaneamente nos âmbitos regionais.
escola vaziaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionSem aulas presenciais, muitos temem que desigualdade de acesso à educação se agrave ainda mais em meio à pandemia
No hemisfério norte, um agravante é o fato de muitas avaliações estarem inicialmente previstas para o fim do primeiro semestre (fim do ano letivo), período ainda crítico da pandemia em grande parte do mundo.

'Impacto no sistema educacional por meses'

Nos EUA, país com o maior número de casos (1,3 milhão até esta segunda-feira) e mortes (mais de 79 mil) por covid-19, o órgão US College Board afirmou que os exames SAT, que avaliam alunos concluindo o ensino médio, não serão mais realizados em 6 de junho.
"Se for seguro do ponto de vista de saúde pública, vamos aplicar o SAT mensalmente aos fins de semana até o fim do ano, a partir de agosto", diz a instituição.
No Reino Unido, foram canceladas as avaliações de admissão às universidades, sob o argumento de que a pandemia "deve continuar a ter um impacto significativo no sistema educacional e no país ao longo de meses".
"Por isso, cancelamos os exames para dar a alunos, pais e professores alguma certeza e permitir que escolas e universidades foquem em apoiar as crianças vulneráveis e as crianças dos trabalhadores essenciais (que continuam tendo aula no país)", diz comunicado do Departamento da Educação britânico. A admissão às universidades será feita de modo alternativo, com a mensuração de simulados e provas feitas anteriormente pelos estudantes.
Provas do SAT, exame americano
Image captionProvas do SAT, exame americano, foram adiadas por causa da pandemia
A França adiou por enquanto seus exames nacionais e de seleção de professores, argumentando que seria impossível realizá-los antes do fim de maio.
Na China, que começa a retomar a rotina após ter passado pelo pico da pademia, o exame gaokao, que deverá ser feito por estimados 10 milhões de estudantes em busca de vagas nas universidades, foi adiado em um mês, de junho para julho, segundo a imprensa estatal. A Província de Hubei (epicentro inicial do novo coronavírus) e Pequim terão calendários próprios para a prova.
Outros 30 países estão transferindo os exames para o ambiente virtual ou introduzindo avaliações e validações alternativas de aprendizado, segundo a compilação da Unesco.
Desigualdades de acesso
O órgão da ONU pede que, ao decidir se mantêm ou não seus exames nacionais, os países ponderem, acima de tudo, a "segurança, saúde e bem-estar emocional de estudantes e equipes educacionais", tomando as devidas medidas sanitárias — como distanciamento social de alunos, uso de máscaras e limpeza dos locais. Mas é preciso ir além disso, diz a Unesco.
"As decisões devem ser motivadas por preocupações com a justiça, a igualdade e a inclusão", afirma o documento da entidade.
"Avaliações e validações de aprendizado estudantil durante o período em que as escolas estão fechadas devem levar em conta desigualdades em acesso a estrutura de aprendizagem à distância, a recursos e à banda larga de internet."
No caso do Brasil, a questão da desigualdade de ensino é a mais levantada por críticos que defendem o adiamento do Enem.
Alunos chineses na volta às aulas em GuangzhouDireito de imagemEPA
Image captionAlunos chineses na volta às aulas em Guangzhou; país adiou em um mês seu exame nacional
"As condições de estudos dos alunos estão muito diferentes", argumenta Lucas Fernandes, gerente de estratégias políticas da organização Todos Pela Educação.
"Temos redes (estaduais e municipais) que conseguem oferecer ensino remoto e até oferecer pacotes de dados de internet para os alunos. E temos redes que ainda estão planejando o que fazer. Do ponto de vista dos alunos, as diferenças no acesso a computadores e a internet são as mais evidentes. Mas há também diferenças em literacia digital: pessoas mais vulneráveis podem ter acesso a celulares, mas não fazem uso frequente (para estudar) no dia a dia. As evidências mostram que, na hora das avaliações, esses estudantes menos letrados têm performance pior."
Fernandes agrega que as desigualdades já profundas na educação — e no acesso ao ensino superior — podem acabar agravadas pelas circunstâncias atuais.
"E o Enem não pode ser um mecanismo de aprofundamento dessas desigualdades. Historicamente, o Enem facilitou a entrada dos mais pobres na universidade. Ao optar por manter a data da prova, o Ministério da Educação vai no caminho contrário a isso."
Um adiamento, diz Fernandes, também daria ao Ministério da Educação mais tempo para planejar a logística do Enem caso seja necessário manter as medidas de distanciamento social entre os alunos na data da prova.
O ministro Abraham Weintraub, por sua vez, diz que o adiamento significaria fazer os jovens "perderem o ano" e frustraria "as expectativas de 5 milhões de brasileiros" (número estimado de inscritos no Enem). Ele também afirmou que "não fazer o Enem resultará em menos médicos, enfermeiros etc.".
Para Fernandes, do Todos Pela Educação, é provável que tenhamos menos formandos (ou que as formaturas sejam adiadas) independentemente da data do Enem, uma vez que as instituições de ensino superior também estão fechadas para aulas presenciais.
"O ideal seria um diálogo com universidades, com Estados e municípios para postergar o exame e também as datas de início das universidades (no ano que vem)", defende ele.
Pelo Twitter, em entrevistas e em sessões com parlamentares, Weintraub tem afirmado que a maioria dos jovens que presta o Enem já concluiu o ensino médio (caso de 58,7% dos que prestaram a prova de 2019, diz o ministro) — portanto, seria supostamente menos afetada pela ausência de aulas presenciais nas escolas — e que é preciso ocupar os estudantes em casa.
"Ou ele está estudando para o Enem ou é oficina do diabo. A gente tem que dar perspectiva. Se não tiver, você deixa esse jovem ser facilmente cooptado pelo crime ou pelos movimentos sociais organizados", afirmou em entrevista a um canal de YouTube.
A parlamentares, o ministro afirmou que a situação do Enem poderá ser reavaliada em agosto.
No âmbito legislativo, tramitam diversos projetos e emendas relacionados ao Enem 2020, ao menos três deles no Senado. Um deles, do senador Humberto Costa (PT-PE), pede que sejam estendidos prazos para que alunos possam pagar a taxa do Enem ou pedir isenção na taxa de inscrição.
Já projetos de Daniella Ribeiro (PP-PB) e Izalci Lucas (PSDB-DF) querem o adiamento da prova.
Jovem fazendo simulado do Enem, em foto de arquivoDireito de imagemAG PARÁ
Image captionProjetos de lei em tramitação no Congresso defendem mudanças na data do Enem
O senador tucano defende que o calendário das provas só seja definido quando as aulas presenciais forem retomadas. "O Inep (órgão do Ministério da Educação responsável pelo Enem) deve se abster de datas ou aplicação de provas até a retomada das aulas do ensino médio", disse Izalci Lucas à Agência Senado. "Temos muitos alunos sem a mínima condição de receber seus conteúdos e não é razoável aplicar uma prova em que muitos serão prejudicados."
Na Câmara, um grupo de seis deputados propõe um decreto que faça deixar de vigorar os editais do Enem 2020 e, assim, force o governo a adiar a prova.
"A maioria das escolas particulares com alunos de classe média e alta continuaram seus estudos em casa, com aulas online, professores acompanhando exercícios, dúvidas, trabalhos escolares etc. No geral esses alunos têm melhores possibilidades de estudos em casa, com acesso a internet, computador, tablets e smartphones. Os alunos da rede pública de ensino, em sua maioria de baixa renda no Brasil, estão muito distantes dessa realidade de possibilidades de estudo e como consequência, de aprovação no Enem para ingresso nas universidades federais do país", diz o texto do projeto de decreto.Paula Adamo Idoeta
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Bolsonaro queria alguém de maior “afinidade” no comando da PF, diz Valeixo




Em um depoimento de mais de seis horas prestado nesta segunda-feira 11, o ex-diretor da PF, Maurício Valeixo, teria afirmado que o presidente Jair Bolsonaro gostaria de alguém com quem tivesse “mais afinidade” no comando da corporação. A apuração do teor do depoimento, que ainda é sigiloso, foi feita pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Tal afirmação de Valeixo vai de acordo com o que apontou o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, quando também foi interrogado pela PF no âmbito da investigação da procuradoria-geral da República. Junto com seu pedido de demissão, Moro acusou Bolsonaro de querer intervir na independência da PF.
O presidente nega que o desejo de troca de comando tenha sido feito com esses propósitos, e diz ter usado apenas de sua prerrogativa presidencial de determinação de cargos, mesmo sem motivos aparentes para tal.
Valeixo, homem de confiança de Moro, foi substituído por Alexandre Ramagem, que depois foi impedido de assumir e voltou ao seu cargo na ABIN (Agência Brasileira de Inteligência). Todo este movimento acabou virando uma investigação conduzida pela PGR, com autorização do decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, que visa apurar as acusações de Moro e os interesses da família Bolsonaro em operações sigilosas, em especial no Rio de Janeiro e em Pernambuco, segundo afirma o ex-ministro.
Nesta segunda, Ramagem e o ex-superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi, também depuseram à PF em Brasília. Além deles, os ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Augusto Heleno Ribeiro Pereira (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência) e Walter Souza Braga Netto (Casa Civil), além da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), também devem falar nesta semana com a PF.
Na terça-feira 12, haverá ainda a exibição da gravação de uma reunião interministerial apontada por Moro como uma das provas de que Bolsonaro lhe ameaçou de demissão caso não houvesse a troca na PF. O ministro Celso de Mello autorizou que Augusto Aras, Sérgio Moro, o advogado-geral da União, José Levi Mello, e procuradores do caso assistam, junto à delegada Christiane Corrêa, ao conteúdo do vídeo.
Caso seja apurado que o presidente visou intervir na independência da corporação, a Câmara dos Deputados precisaria analisar as provas e autorizar um afastamento imediato de Bolsonaro do poder.
Carta Capital
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Mensagem do governo com alusão ao nazismo agride vítimas do Holocausto, diz rabino



Lema 'O trabalho liberta' na entrada de AuschwitzDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionA expressão 'o trabalho liberta' na entrada do campo de concentração de Auschwitz, onde se estima que a máquina de guerra nazista tenha assassinado 1,3 milhão de pessoas
Uma mensagem publicada pela Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), com uma construção próxima à de um slogan do nazismo, "agride a memória de vítimas do Holocausto e ofende a sensibilidade de sobreviventes", diz à BBC News Brasil Michel Schlesinger, rabino da Congregação Israelita Paulista (CIP).
No domingo (10/05), em mensagem com críticas à imprensa no Twitter, a Secom afirmou que "o trabalho, a união e a verdade libertarão o Brasil".
A expressão "o trabalho liberta" estava inscrita na entrada do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, onde se estima que a máquina de guerra nazista tenha assassinado 1,3 milhão de pessoas - principalmente judeus, mas também poloneses cristãos, ciganos e soviéticos.
Em entrevista à BBC News Brasil, Schlesinger diz que o episódio se soma a uma série de ocasiões em que o governo Bolsonaro se portou de maneira condenável em relação ao regime nazista.
O episódio ocorre poucos dias após o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ser criticado por várias organizações judaicas por comparar a quarentena gerada pelo novo coronavírus aos campos de concentração.
Em janeiro, o então secretário Especial da Cultura, Roberto Alvim, foi demitido após divulgar um vídeo com falas semelhantes a um discurso do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels.
Na entrevista, Schlesinger trata ainda de sua rotina como rabino durante a pandemia e diz que a possibilidade de acompanhar orações pela internet está trazendo de volta muitos fiéis que andavam afastados das sinagogas.
Formado em Direito pela USP, Schlesinger iniciou a carreira religiosa aos 21 anos, no Seminário Rabínico Schechter, em Jerusalém, onde se ordenou rabino e obteve o título de mestre em Talmude (livro sagrado judaico) e Lei Judaica. Ele ingressou na CIP em 2005, aos 28 anos, tornando-se o representante da organização para o diálogo inter-religioso.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Michel Schlesinger, rabino da Congregação Israelita Paulista (CIP)Direito de imagemARQUIVO PESSOAL
Image captionInfelizmente, não é possível desconectar este movimento das demais referências do atual governo ao regime nazista, diz Michel Schlesinger, da CIP
BBC News Brasil - O que o sr. achou da mensagem veiculada pela Secom?
Michel Schlesinger - A utilização da expressão "o trabalho liberta", conhecido lema que ilustrava a porta de entrada do criminoso Campo de Concentração de Auschwitz, agride a memória das vítimas do Holocausto e ofende a sensibilidade dos sobreviventes.
Infelizmente, não é possível desconectar este movimento das demais referências do atual governo ao regime nazista, que seria "um movimento de esquerda" e "que deveria ser perdoado".
Tudo isto sem citar a imitação tão patética quanto aviltante do Joseph Goebbels, ministro da Propaganda nazista, protagonizada por Roberto Alvim, então secretário de Cultura do mesmo governo.
BBC News Brasil - Bandeiras de Israel tremulavam em um dos últimos protestos de que o presidente Jair Bolsonaro participou, onde manifestantes pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso. O que o sr. sentiu ao ver a bandeira israelense ali?
Schlesinger - A paixão que Bolsonaro declara ter pelo Estado de Israel é algo positivo. A ostentação da bandeira de Israel numa manifestação como aquela pode causar uma confusão.
Sou um judeu brasileiro, não sou israelense. Obviamente, me vinculo muito com Israel pelo fato de o judaísmo ser uma religião extremamente relacionada com Israel.
O que lamento é que a gente crie crises desnecessárias. Estamos diante de um problema muito real, a pandemia. Gostaria de ver todo mundo se unindo em torno de soluções para esse desafio.
Há momentos em que podemos nos dar ao luxo de nos dividir em diferentes grupos e posições ideológicas. Mas, quando a gente se vê diante de um desafio tão grande, tão importante e tão real quanto é o da pandemia do coronavírus, deveríamos ser capazes de nos unir.
BBC News Brasil - Como o sr. se coloca no debate entre reabrir a economia versus manter o isolamento?
Schlesinger - Penso que esse é um falso dilema. Economia e saúde não brigam, mas existe uma que vem antes da outra. Precisamos de saúde para desenvolver qualquer modelo econômico.
Se a vida for preservada, teremos criatividade suficiente para equacionar o resto.
BBC News Brasil - Fala-se muito que a comunidade judaica apoiou de maneira massiva a eleição de Bolsonaro. Hoje pesquisas apontam que ele tem perdido apoio. O sr. percebe esse movimento entre os judeus brasileiros?
Schlesinger - Existiram judeus que apoiaram Bolsonaro, assim como há judeus que não o apoiaram. É um equívoco tratar a comunidade judaica como uníssona, como apoiadora ou opositora de Bolsonaro.
O que caracteriza o judaísmo é a convivência de diferentes pontos de vista, de diferentes ideias. E assim sempre foi.
Há uma obra monumental judaica, o Talmude, criado no início da Idade Média. Em qualquer página, há diversas respostas judaicas para a mesma pergunta. Essa é a maior beleza do judaísmo.
BBC News Brasil - Como o sr. lida com essa multiplicidade? O sr. expressa suas preferências políticas para quem o acompanha?
Schlesinger - Não tenho candidato, não declaro voto, não defendo partido, mas defendo valores. Essa é a função do religioso.
Apoiar um candidato ou partido significa que você tenta trazer a comunidade para um consenso que a emprobece. Na hora que defendemos valores e princípios, damos para a comunidade ferramentas para avaliarem quais são os candidatos e os partidos que preenchem o maior número desses valores.
A defesa da justiça social é um valor importantíssimo dentro do judaísmo. A defesa dos direitos humanos, a defesa das minorias. Na medida em que minha comunidade estiver bem educada a respeito dos valores, a escolha do seu candidato e partido será uma boa escolha.
BBC News Brasil - Houve uma polêmica recente com um artigo em que o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, comparou o isolamento da pandemia aos campos de concentração nazistas. O que o sr. achou?
Schlesinger - Qualquer comparação com o sofrimento e o assassinato de 6 milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial, além de equivocada, porque nada se compara a isso, é insensível.
Estamos falando de um trauma muito recente. Temos sobreviventes do Holocausto ainda vivos. Os que faleceram têm filhos e netos em vida.
BBC News Brasil - A Congregação Israelita Paulista (CIP), que o sr. integra, teve um papel importante na redemocratização do Brasil. A entidade se preocupa com a possibilidade de retrocessos democráticos no país?
Schlesinger - Em 1936, a CIP foi fundada para absorver judeus que fugiam do regime nazifascista europeu. Ela nasceu como um centro de acolhimento de refugiados que estavam escapando de ditaduras de ultradireita europeias.
Ela foi o lugar de acolhimento, de receber pessoas, de defender o pluralismo e os direitos humanos.
Durante a ditadura militar, ela teve uma atuação grande liderada pelo rabino Henry Sobel, que denunciou o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, contrariando a versão oficial do governo militar de que ele teria se suicidado.
A CIP tem uma tradição de diálogo inter-religioso e de defesa das minorias. Vemos a democracia e os direitos humanos como uma conquista enorme do Brasil, sobre os quais o Brasil não está disposto a negociar. Qualquer retrocesso é inaceitável.
BBC News Brasil - O sr. não acha que há risco de retrocesso agora?
Schlesinger - Vigilância e caldo de galinha nunca são demais. Mas confio que temos instituições democráticas maduras o suficiente para resistir a aventuras que apontem na direção de um retrocesso.
Museu do Holocausto Yad Vashem, em JerusalémDireito de imagemAFP
Image captionFotos de vítimas no Museu do Holocausto Yad Vashem, em Jerusalém; "Qualquer comparação com o sofrimento e o assassinato de 6 milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial, além de equivocada, porque nada se compara a isso, é insensível", diz rabino
O mundo e o Brasil se orgulham das conquistas em igualdade entre negros e brancos, homens e mulheres, preservação de direitos LGBT. E penso que, embora haja retrocessos pontuais, de modo geral, a história corre na direção de um fortalecimento dessas liberdades.
BBC News Brasil - Como tem sido seu trabalho de rabino durante a pandemia?
Michel Schlesinger - As regras do jogo mudaram completamente. Todos viramos rabinos do primeiro ano do rabinato. Porque é um novo judaísmo, é um novo mundo.
Se o judaísmo quiser dar respostas atuais aos desafios do mundo, precisa ter capacidade de se reinventar. Não é a primeira vez que isso acontece na história judaica.
Quando, no ano 70, o Império Romano destruiu o segundo templo de Jerusalém, o judaísmo teve de ser redesenhado. A liderança deixou de estar nas mão dos sacerdotes e passou para as mãos dos rabinos.
Deixamos de fazer oferendas de sacrifícios de animais e passamos a fazer rezas. A gente deixou de ter um único local de ritual, o templo, e passou a ter sinagogas espalhadas.
Agora vivemos um momento parecido. Não é possível manter o judaísmo e qualquer outra religião da maneira como eram antes.
Quando tivemos de fechar sinagogas, havia duas alternativas: ou parar de rezar, ou migrar serviços religiosos para o ambiente virtual. Ficamos com a segunda opção, e a resposta tem sido incrivelmente positiva.
BBC News Brasil - Por quê?
Schlesinger - Estamos conseguindo atingir pessoas que não conseguíamos atingir no serviço presencial. Pessoas que moram em partes do Brasil que não têm rabino ou sinagoga, pessoas que moram em São Paulo mas não estavam se deslocando até nós, ou idosos que não conseguem sair de casa.
Todas essas pessoas estão voltando à sinagoga graças ao coronavírus, o que é uma loucura. Algo que veio para nos desafiar trouxe junto uma enorme oportunidade - que, a meu ver, vai marcar o judaísmo de forma definitiva.
Assim como temos a telemedicina, agora temos o telejudaísmo.
A sinagoga não perde seu motivo de ser, mas vai nascer um modelo misto, que vai misturar o virtual com o presencial.
Michel Schlesinger com Henri Sobel, em foto de arquivoDireito de imagemARQUIVO PESSOAL
Image captionMichel Schlesinger com Henri Sobel, em foto de arquivo; "A CIP tem uma tradição de diálogo inter-religioso e de defesa das minorias. Vemos a democracia e os direitos humanos como uma conquista enorme do Brasil, sobre os quais o Brasil não está disposto a negociar. Qualquer retrocesso é inaceitável"
BBC News Brasil - Temos visto que a pandemia tem mudado alguns ritos muito importantes para tradições religiosas, como os relacionados à morte. Como o judaísmo tem lidado com essas mudanças?
Schlesinger - Os rituais do luto judaico foram muito afetados. Deixamos de fazer uma limpeza ritual do corpo antes do enterro e de vestir a pessoa com uma mortalha.
Paramos por conta do perigo de contágio com a manipulação do corpo. A mortalha agora está sendo enterrada sobre o caixão, de maneira simbólica.
Os enterros estão sendo sumários, com pouca gente presente, e normalmente há celulares ligados para familiares que não puderam estar lá.
Depois disso começa o período mais desafiador, que é o do luto. A tradição judaica traz muitas ferramentas para que pessoa se sinta abraçada pela comunidade. Há orações de manhã, à tarde e à noite por um ano. Temos feito isso tudo virtualmente.
A gente abre um espaço para cada familiar dizer alguma coisa da pessoa que faleceu em um encontro pelo Zoom. Deixamos o chat aberto para quem quiser escrever algo.
Podemos compartilhar a tela para mostrar fotos e vídeos de momentos vividos com aquela pessoa. Estamos abraçando tudo que existe disponível para fazer esse momento ser significativo.
BBC News Brasil - O sr. diz que tem recorrido à Bíblia para pensar o momento atual. Quais os trechos que considera mais pertinentes?
Schlesinger - Estamos vivendo um desafio de proporções bíblicas, então não por acaso fui à Bíblia procurar inspiração.
Quando Moisés subiu o Monte Sinai para receber os Dez Mandamentos, ele também ficou lá quarenta dias. Enquanto ele vivia um momento de elevação espiritual, o povo que ficou aos pés do monte estava com medo, se sentindo abandonado. E acabaram trocando Deus pelo bezerro de ouro.
Hoje, as pessoas também estão vivendo essa quarentena de formas distintas. Alguns estão conseguindo ler livros, ouvir música, ficar mais perto de suas famílias.
Tem gente que está conseguindo ver algum lado positivo. E tem pessoas que estão desesperadas, em pânico.
Acho que o ideal está no meio do caminho. Não é possível que a gente se aliene do que está acontecendo - a alienação é perigosa e maléfica -, mas a histeria também não nos ajuda.
A religião pode ser inspiração na busca desse caminho intermediário. Também tenho pensado muito na travessia do Mar Vermelho.
Enquanto o último escravo não terminou de passar, as águas do Mar Vermelho não se fecharam. A pandemia é um desafio coletivo. Ou todos nós passamos e fazemos travessia de maneira coletiva, ou ninguém atravessará.
Entender isso nos traz uma oportunidade. Quando acabou a Segunda Guerra, o mundo percebeu que tínhamos de cooperar. Foram criadas a ONU e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Houve um baque muito grande gerado pela guerra e uma resposta a essa crise que foi a solidariedade, a união. Infelizmente, nos últimos anos, vemos se fortalecer no mundo um discurso ultranacionalista, ultraxenófobo.
Minha esperança é que a pandemia nos coloque no caminho de compreender que fazemos parte da mesma humanidade, e que desafios não serão superados por nenhum país ou religião se não houver cooperação.
João Fellet - 
Professor Edgar Bom Jardim - PE

quinta-feira, 7 de maio de 2020

"Comitiva da morte": Bolsonaro vai ao STF com ministros e empresários e pede flexibilização do isolamento


 (Foto: Reprodução/TV Globo)
Foto: Reprodução/TV Globo
O presidente Jair Bolsonaro causou surpresa, na manhã desta quinta-feira (7), ao deixar o Palácio do Planalto a pé rumo ao Supremo Tribunal Federal (STF).

A visita não consta na agenda oficial do presidente. O chefe do Executivo estava acompanhado do ministro da Economia, Paulo Guedes e uma comitiva de empresários do Instituto Aço Brasil e Coalizão Indústria. Aglomerados, todos estavam usando máscaras.

A visita pegou até mesmo o presidente do Supremo, Dias Toffoli, de surpresa. A segurança da Corte e o cerimonial tiveram que se organizar as pressas para receber o chefe do Executivo.
Bolsonaro permaneceu no STF por cerca de 50 minutos. No encontro, disse que assinará um decreto para ampliar a quantidade de atividades essenciais em meio à pandemia do novo coronavírus.

Uma equipe de plantão da TV Justiça precisou deixar o cronograma previsto de lado para acompanhar o encontro.
Encontro
O discurso do presidente foi transmitido através de uma rede social. Na fala, Bolsonaro destacou a crise provocada pelo coronavírus e as "aflições" causadas ao empresariado em razão do desemprego e da economia "não mais funcionar".
Bolsonaro reforçou que os empresários desejam que o STF ouça deles o que está acontecendo. 
"O objetivo da nossa vinda aqui, nós sabemos do problema do vírus, que devemos ter todo cuidado possível, preservar vidas, em especial daqueles mais em risco, mas temos um problema que vem cada vez mais nos preocupando: os empresários trouxeram essas aflições, a questão do desemprego, a questão da economia não mais funcionar. O efeito colateral do combate ao vírus não pode ser mais danoso que a própria doença", declarou.
"Chegou a um ponto que a economia fica muito difícil de recuperar. Nós, chefe de poderes, temos que decidir. O Toffoli sabe que, ao tomar decisão, de um lado ou de outro, vai sofrer critica", disse Bolsonaro.  
Ainda no discurso, Bolsonaro disse que o efeito colateral do combate ao coronavírus "não pode ser mais danoso que a própria doença". O presidente tem comparado o Brasil a um paciente com "duas doenças", que, na opinião dele, são na saúde e na economia.
Com informações do Diário de Pernambuco
Professor Edgar Bom Jardim - PE