domingo, 19 de abril de 2020

Isolamento social torna avanço do coronavírus mais lento em Pernambuco e outros estados

Estudo da UFPE estima que número de mortes seria dez vezes maior sem as ações restritivas. Pesquisadores do Ceará e de São Paulo relataram resultados semelhantes.

Restrição à circulação de pessoas retarda avanço da pandemia no Recife
Restrição à circulação de pessoas retarda avanço da pandemia no RecifeFoto: Luiz Fabiano/Cortesia
Quem acompanha, desde o início, as notícias sobre o novo coronavírus dificilmente ouviu ou leu constatação mais comum do que o fato de que se sabe muito pouco sobre o agente infeccioso que parou o mundo na cibernética e globalizada década de 20 do século 21. E essa incerteza é a tônica do debate sobre questões diversas que influenciam as decisões políticas e impactam o dia a dia em meio à crise.

Entre elas, a extensão do isolamento social, a forma e o momento em que será viável retomar as atividades econômicas e até que ponto o sistema de saúde será capaz de garantir o atendimento à população e evitar o colapso da falta de leitos, em que o pior cenário seria a equipe médica ter de escolher quem deve ser atendido e quem deve morrer.

Para que essas questões sejam analisadas, é preciso entender, primeiro, o comportamento do vírus. Estima-se que o número de reprodução básica, o R0, do Sars-Cov-2 fique entre 2 e 3, o que significa dizer que uma pessoa infectada contamina, em geral, outras duas ou três. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a taxa de letalidade é dez vezes maior que a do H1N1.
A velocidade com que a doença se espalha é maior do que a capacidade de distribuição e realização de testes no País, que é insuficiente para o tamanho da população. Mas, para mapear de forma mais precisa a expansão do vírus pelo território, é necessário mais do que notificar os casos graves, como tem sido feito. Os assintomáticos, isto é, os pacientes que não apresentam sintomas, também deveriam ser contabilizados.

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Além disso, falta compreender a própria gravidade da Covid-19 e as implicações que isso acarreta: de onde vem essa capacidade de transmissão tão alta; por que ela afeta algumas pessoas mais do que outras, ainda que as condições de saúde e qualidade de vida sejam parecidas; se é capaz de infectar o mesmo paciente mais de uma vez; e, principalmente, qual o medicamento mais eficaz. Fora isso tudo, estuda-se a possibilidade de produção de uma vacina que imunize as pessoas contra a doença.

Diante de tantas dúvidas, outra constatação muito comum é a necessidade de “achatar a curva” de crescimento da pandemia. Isso significa retardar o aparecimento de novos casos para que, em vez de atingir todo mundo de uma vez só, o vírus tenha uma expansão mais prolongada, dando tempo para a abertura de vagas no sistema de saúde.
Por isso, as medidas de incentivo ao isolamento social.

“Nós estamos subindo uma montanha no escuro e a nossa lanterna, que é a quantidade de testes, é muito fraquinha. Quando você está no escuro e não sabe para onde está andando, o que você faz? Para e vai tateando. Estamos nessa situação. Fazer mais testes é como colocar mais velas na casa”, compara Jones Albuquerque, pesquisador do Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (Lika) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Descrito o cenário atual, cientistas tentam descobrir por onde e de que forma a Covid-19 deverá se expandir nos próximos dias. Outra questão que fica é: qual o impacto real das medidas de isolamento social sobre a evolução dos casos? A Folha de Pernambuco conversou com pesquisadores locais e de outros estados para compreender melhor esse panorama. E, em todos esses lugares, a boa notícia é que o avanço da infecção está mais lento do que antes das ações restritivas.

Projeções
A nova pandemia mobiliza a comunidade científica de todo o mundo em busca de soluções para os impactos que a doença causa em cada sociedade. Em Pernambuco, universidades e instituições como as fundações Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Joaquim Nabuco (Fundaj) reúnem dados estatísticos que acompanham a contagem diária de casos e mortes, considerando a realidade dos locais onde as notificações são feitas.

Professor do Departamento de Estatística e Informática da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Jones Albuquerque observa que a curva do gráfico no Estado começou a se achatar depois dos decretos que restringem a circulação de pessoas e estabelecem o distanciamento social. Com base nos números que tem monitorado, ele estima que o número de mortes seria cerca de dez vezes maior do que o atual caso as medidas não tivessem sido tomadas. “Se estávamos numa ordem de grandeza de milhares, caímos para centenas. Se hoje estamos em mais de cem mortos, se não tivéssemos feito nada, estaríamos com mais de mil”, explica.

O levantamento realizado pelo professor considera o ritmo de crescimento da Covid-19 na Itália comparado com o início do contágio em Pernambuco. “Até 29 de março, estávamos acompanhando a Itália, na mesma velocidade. Então, a gente muda isso e cai para outra curva”, afirma Albuquerque, que toma como referencial o número de mortes registradas. “No dia 10 de abril, tínhamos 32 óbitos, quando as projeções apontavam para cerca de 300. E eu atribuo isso às campanhas de isolamento social”, conclui. Com relação ao número total de casos confirmados, as projeções indicam que, neste fim de semana, o Estado pode chegar a 2.196 notificações até o domingo, 19 de abril.

Embora por metodologias de pesquisa diferentes, essa diferença entre os casos projetados e os que se confirmaram na realidade também foi observada em outros estados. Um estudo realizado pelos departamentos de Física e Epidemiologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) mostra que, por lá, os registros de confirmações para Covid-19 apresentaram um ritmo mais lento poucos dias após os decretos.

“Há um crescimento exponencial que Fortaleza teria se não houvesse a contenção, enquanto a curva de casos confirmados continua com outra inclinação, muito mais linear. E a diferença entre essas duas curvas seria a quantidade de casos a mais. A partir do dia 26 ou 27 de março, a primeira tem um crescimento tão grande que a outra vai ficar tão achatada que fica próximo a zero e a escala das duas não fica mais compatível”, explica o professor de Física e coordenador da pesquisa, José Soares.

Por isso, o cientista acredita que, se as regras de distanciamento social forem flexibilizadas agora, o aumento no número de casos voltará a crescer vertiginosamente. Para continuar acompanhando o avanço da doença e fazer novas projeções, ele adotará um modelo estatístico mais complexo. “O modelo que usamos é bom para pequenos tempos iniciais. Mas o que sabemos pelo próprio comportamento da pandemia na China é que devemos levar em conta as pessoas que têm sintomas leves, moderados e graves e os assintomáticos, que seriam na ordem de 84% das pessoas contaminadas. E o epidemiologista, o físico e o matemático não sabem quantas dessas pessoas são”, diz.

Ao se deparar com resultados semelhantes, o professor de Física José Fernando Diniz Chubaci, da Universidade de São Paulo (USP), ressalta a rapidez com que as medidas de isolamento tiveram efeito sobre a evolução dos casos. “No começo da pandemia, São Paulo tinha mais casos que o Brasil, e isso foi crescendo. E todo dia eu ia registrando. Aí eu percebi que São Paulo estava diminuindo o ritmo de crescimento, e o Brasil estava muito rápido. Os governos tomando a iniciativa de fazer a política pública de isolamento social, rapidamente você tem a resposta”, comenta.

Com uma propagação muito rápida, a capacidade de transmissão do coronavírus constitui um desafio para os estudiosos, que esbarram em diversas variáveis. “Quando eu olho que alguém está infectado, é porque ele fez o exame. Quando começou a infecção dele? Pode colocar uma semana para trás. Ou seja, o que a gente vê agora é sempre olhando o passado”, explica Jones Albuquerque.

Mapeamento
Apesar da falta de informações mais completas que seriam viabilizadas pela testagem em massa, pesquisadores da Fundaj põem no mapa os números oficiais registrados até o momento. No painel disponível no site da instituição, é possível visualizar quais os locais mais afetados e para onde o vírus está se expandindo. De acordo com o coordenador do Centro Integrado de Estudos Georreferenciados para Pesquisa Social (Cieg) da instituição, Neison Freire, as áreas com a maior probabilidade de contaminação coincidem com as de maior adensamento populacional.

“[O coronavírus] está indo em todas as direções, mas existe uma principal. O eixo de dispersão, como a gente tecnicamente se expressa, é onde temos o maior número de contaminados e tem uma direção nordeste-sudoeste. Ele vai de Fernando de Noronha, passando pela Região Metropolitana do Recife, em direção a Palmares, na Mata Sul”, detalha. “Em cada local, o vírus vai se adaptando às condições geográficas e à ocupação urbana, se ela é mais densa, mais precária. Então, ele está procurando as áreas mais populosas e onde as pessoas não estão cumprindo como deveria o isolamento social”.

Na última sexta-feira (17), durante coletiva de imprensa virtual, o secretário de Saúde do Estado, André Longo, reafirmou a necessidade de manter a política de distanciamento, citando um “pequeno” estudo desenvolvido no Recife que indica que mais de 200 vidas chegaram a ser poupadas. “Isso já faz um tempo atrás, acho que até tem que atualizar”, informou. O gestor ponderou, no entanto, a taxa de isolamento, que hoje varia entre 50% e 60% da população, precisa aumentar. “Se tivéssemos praticado um isolamento na casa dos 70%, 75%, estaríamos [numa situação] muito melhor do que estamos hoje”, ressaltou.
Com Folha de Pernambuco

Professor Edgar Bom Jardim - PE

Pandemia desmascara 'arrogância da ignorância' de governantes, diz historiador



O historiador Sidney Chalhoub em meio a uma estante de livrosDireito de imagemHARVARD/DIVULGAÇÃO
Image captionO historiador Sidney Chalhoub falou à BBC News Brasil sobre a responsabilidade de governos e possíveis 'legados positivos' da pandemia de covid-19
No Brasil Império (1822-1889), as técnicas de "distanciamento social" usadas para impedir a propagação de epidemias consistiam basicamente em afastar os pobres do centro das cidades.
Na época, acreditava-se que a fonte de epidemias não eram vírus que se escondiam em espirros, mas sim "miasmas" — uma misteriosa ação que substâncias animais e vegetais em putrefação exerciam sobre o ambiente.
Diante da dificuldade em identificar o fenômeno, agentes públicos passaram a tratar como suspeitos todos os cortiços onde famílias pobres viviam — e que se tornaram objeto de demolições e operações policiais frequentes.
As cenas são descritas no livro Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial, em que o historiador Sidney Chalhoub descreve como doenças infecciosas mudaram o Brasil na virada do século 19 para o 20.
Em entrevista à BBC News Brasil, Chalhoub, professor de História e de Estudos Africanos e Afro-americanos na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, traça paralelos entre epidemias passadas e a covid-19.
Ele conta que situações atuais, como divergências entre autoridades quanto à melhor forma de responder à crise e o debate entre salvar vidas ou a economia, também ocorreram no passado.
Naquela época, no entanto, a "medicina científica" ainda era vista com desconfiança por parte expressiva do povo e das elites - um cenário distinto do atual, em que a maioria das autoridades globais recorre à ciência para definir suas políticas contra a pandemia.
Já os governantes que têm ignorado o caminho da ciência estão sendo desmascarados pelos fatos, diz Chalhoub. "No Brasil, a figura do presidente, que é uma caricatura disso, mostra como a ignorância é impotente contra a tragédia", afirma.
Em Harvard desde 2015, Chalhoub lecionou na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) por 30 anos e foi professor visitante nas universidades de Michigan e Chicago.
Além de Cidade febril, é autor de Trabalho, lar e botequim, sobre a vida nas classes baixas cariocas, e de Visões da Liberdade, sobre as últimas décadas de escravidão na cidade.
Também escreveu Machado de Assis, historiador, sobre as ideias políticas do escritor, e coeditou cinco livros sobre a história social do Brasil.
Mapa dos continentes com símbolos do coronavírus em alguns paísesDireito de imagemGETTY IMAGES
Na entrevista à BBC News Brasil, Chalhoub diz ainda que, embora trágica, a pandemia pode deixar legados positivos — como nos ensinar formas de viver com uma "economia desacelerada", que reduza a "movimentação alucinada de mercadorias e pessoas, que está explodindo com o planeta e que faz com que tudo circule mais rápido: bactérias, vírus e poluição".
Confira os principais trechos da entrevista:
BBC News Brasil - Qual o impacto que as epidemias no fim do Brasil Império tiveram na sociedade nacional?
Sidney Chalhoub - A epidemia que primeiro teve um impacto poderoso foi a de febre amarela de 1849-1850.
Ela não só matou muita gente como fez muito estrago nas elites. O imperador perdeu um filho. Como ela matava imigrantes, ela afetava o sonho de importar trabalhadores europeus.
E como ela voltava a cada verão, Petrópolis cresceu. Os nobres todos fugiam para lá, pois o mosquito transmissor não sobrevivia na altitude da região serrana, embora nem se soubesse ainda que a doença era transmitida por mosquito.
A epidemia também foi mais um argumento pelo fim do contrabando de africanos, que estava proibido desde a década de 1830, mas continuava intenso e contava com a conivência do Estado brasileiro.
Havia médicos que argumentavam que a febre amarela era transmitida para as Américas por meio do tráfico negreiro. Então houve finalmente a decisão de acabar com o tráfico.
BBC News Brasil - Que outras epidemias foram marcantes na época?
Chalhoub - Eu citaria uma epidemia de cólera violentíssima que houve em 1855. Como ela se espalhava pelo consumo de alimentos e água contaminados, as casas mais abastadas, que tinham acesso a água e alimentos de melhor qualidade, estavam mais protegidas do que aquelas que utilizavam rios da cidade para atender suas necessidades.
Essa epidemia matou uma quantidade enorme de escravos e foi inclusive responsável por uma mudança no mercado de trabalho. Até ali, havia certa abundância de escravos. A epidemia mudou essa equação.
BBC News Brasil - De que forma essas epidemias moldaram a estrutura do governo?
Bolsonaro ao microfoneDireito de imagemMARCOS CORRÊA/AGÊNCIA BRASIL
Image captionPresidente Jair Bolsonaro já disse que a covid-19 é uma 'gripezinha'
Chalhoub - A partir do enfrentamento da febre amarela, surge uma comissão de higiene que depois daria origem à Junta Central de Higiene Pública, o primeiro órgão do governo imperial que tenta centralizar a contenção de epidemias e elaborar políticas públicas para enfrentá-las.
No caso do Rio, onde a junta funcionava, ela ajuda a articular a política de repressão aos cortiços quando eles começam a crescer muito na cidade.
Ela também passa a sugerir políticas de transformação urbana para, segundo as teorias médicas da época, dispersar os miasmas e diminuir as chances de epidemias.
As cidades começaram a ter avenidas largas, e não era para as pessoas andarem de automóvel. Era para os miasmas se dispersarem. As reformas do (prefeito Georges-Eugene) Haussmann em Paris, nos anos 1850, foram para isso.
BBC News Brasil - O sr. diz em seu livro que as moradias dos pobres eram associadas à disseminação de epidemias no Brasil Império, o que levou a uma política de erradicação dos cortiços. Hoje fala-se o mesmo das favelas, mas as autoridades parecem ter desistido de dar uma "solução final" para o problema. O que mudou?
Chalhoub - Um fator foi a expansão das cidades. Até o século 19, não havia grandes cidades no mundo e elas não eram segregadas como hoje. Casarões ficavam ao lado de cortiços. A cidade não tinha essa projeção espacial da estrutura de classes.
Boa parte das reformas urbanas na segunda metade do século 19 teve como resultado e intuito a projeção espacial das desigualdades da sociedade. Passa a haver regiões dos ricos e regiões dos pobres.
Essa segregação permite também a criação da ideia de que os espaços ocupados pelos pobres são de perigo, de vadios, de criminosos, de circulação de doenças. Eles tinham que ser afastados para não contaminar.
O problema é que, abstraindo todo esse estigma, sabemos que a aglomeração nas moradias mais pobres é um elemento que facilita o contágio de uma doença como a covid-19.
A solução de erradicar as favelas já foi tentada, é violenta e não funciona. Mas você pode imaginar outras coisas.
BBC News Brasil - Como o quê?
Chalboub - Se aumenta a quantidade de gente trabalhando remotamente, como tem ocorrido agora, talvez em partes grandes da cidade possa haver menos edifícios dedicados a escritórios. Poderia haver programas de moradia no centro.
Também pode-se diminuir a densidade demográfica das favelas, o que já permitiria outra visão em relação ao acesso a serviços públicos.
BBC News Brasil - O sr. menciona no livro como as autoridades imperiais temiam a "ociosidade" dos pobres. Como o medo de sublevação das classes baixas acompanha a história das epidemias no Brasil?
Chalhoub - A segunda metade do século 19 criou a ideia de ameaça das massas urbanas. Isso continua.
O próprio presidente (Jair Bolsonaro) parece estar insuflando a rebelião, estimulando as pessoas a voltar a trabalhar de qualquer maneira e sugerindo que, se não conseguirem sobreviver nessa situação, vão resolver seu problema a qualquer custo.
Parece que ele está insuflando os saques e a desobediência a essas medidas que estão sendo sugeridas para ganhar tempo até que se tenham estratégias eficazes de conter o dano da epidemia.
Seria desejável que houvesse um concerto entre as autoridade públicas para que a mensagem fosse unívoca e as políticas fossem o mais eficazes quanto podem ser numa situação de extrema dificuldade.
Os sinais contraditórios podem, isso sim, aumentar o desespero e a noção de salve-se quem puder.
BBC News Brasil - Nas epidemias do passado, houve disputas equivalentes às que temos hoje entre governadores, que defendem medidas mais restritivas, e o presidente, que quer aliviar a quarentena?
Chalhoub - Um exemplo interessante foi a questão da vacina antivariólica. Ela já existia desde o início do século 19 e era comprovadamente eficaz.
No início do século 20, o (presidente) Rodrigues Alves e o (diretor-geral de Saúde Pública) Oswaldo Cruz tinham uma posição unívoca a favor da vacinação, um não ficava brigando com o outro como vemos hoje.
Mas havia problemas, porque era um procedimento doloroso e interferia em concepções religiosas de origem africana ou mesmo católicas, como a noção de que os flagelos eram punições de Deus que vinham para purificar sociedade.
O movimento antivacínico era muito forte. Havia uma presença policial ostensiva e violência na forma como a vacinação era conduzida, o que foi provocando uma reação da população.
Outra questão é que parte da elite, da imprensa e dos políticos pregava contra a vacina. Isso explode na revolta antivacina de 1904 - que é trágica, porque, quatro anos depois, o Rio de Janeiro teria uma das piores epidemias de varíola da sua história.
BBC News Brasil - Também havia debates sobre o equilíbrio entre salvar vidas e reduzir os danos à economia?

Mão com luva segura uma plataforma usada para teste molecularDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionO Brasil já registrou mais de mil mortes por covid-19; no mundo, já são mais de 100 mil mortes
Chalhoub - Sim. Quando as autoridades percebiam que havia uma epidemia de cólera ou de febre amarela, elas primeiro tentavam negar ao máximo, porque isso prejudicava a economia. A importação de produtos ficava paralisada.
E quando se impunham quarentenas, os navios evitavam os portos, o que criava dificuldades para a exportação de café. Então sempre havia a preocupação de equilibrar o combate à doença com os prejuízos econômicos que ela causava.
BBC News Brasil - A atual pandemia pode nos deixar legados positivos?
Chalhoub - Acho que sim. Por mais que tenhamos passado os últimos anos governados pelas fake news, nessa hora todo mundo espera a salvação pela ciência.
Espero que a epidemia ajude a desautorizar políticos levianos que têm governado várias partes do mundo com a arrogância da ignorância. Essa arrogância está agora sendo desmascarada por fatos trágicos.
No Brasil, a figura do presidente, que é uma caricatura disso, mostra como a ignorância é impotente contra a tragédia.
Não há solução fora de uma vacina, ou da descoberta de medicamentos eficazes, ou de seguir recomendações sanitárias que diminuam o estrago imediato.
Isso mudou em relação às epidemias dos séculos 19 e início do 20. Hoje há uma medicalização muito maior da sociedade e o entendimento da eficácia da medicina científica.
O que torna essa pandemia mais assustadora é que ela é uma metáfora perfeita da globalização. Ela segue a trilha das mercadorias e da circulação de pessoas de maneira tão radical e tão incontrolável quanto a ideologia neoliberal imaginava que a economia poderia ser.
Sempre houve uma relação direta entre a circulação de mercadorias e a de vírus e bactérias. A cólera e a febre amarela só viraram pandemias no século 19 quando os navios ficaram mais rápidos e quando começou a ter estrada de ferro.
Só que a pandemia atual é ainda mais rápida. Esse neoliberalismo agressivo que tomou conta das políticas econômicas internacionais criou outro problema, porque essas políticas diminuíram o Estado, e, de repente, os países se veem despreparados para lidar com uma crise aguda de saúde pública.
É por isso que ela também ataca o imaginário de forma tão radical. Ela coloca em questão todo um meio de vida e de pensar a economia nas últimas décadas, o Estado mínimo e a naturalização das desigualdades.
BBC News Brasil - Como tem sido sua rotina durante a pandemia?
Chalhoub - Desde o dia 10 de março, a universidade determinou que os alunos todos fossem para casa. Dois dias depois, todos os funcionários e professores pararam de ir aos escritórios.
A universidade fez um esforço muito grande para que todos os professores que nunca deram aula online antes tivessem um mínimo de treinamento sobre como fazer isso. Então as aulas têm acontecido. A universidade está a pleno vapor.
O que me faz pensar: se você pega os escritórios todos em uma grande cidade e reduz os dias de trabalho conjunto para dois dias por semana, imagina a quantidade de redução de poluição e de sobrecarga no transporte público?
Talvez essa pandemia também nos ensine algo sobre como viver com uma economia desacelerada.
Uma desaceleração da movimentação alucinada de mercadorias e pessoas, que está explodindo com o planeta e que faz com que tudo circule mais rápido: bactérias, vírus e poluição.

Professor Edgar Bom Jardim - PE

sábado, 18 de abril de 2020

Saudade do corpo e do cheiro


As surpresas inquietam e trazem incertezas. O mundo está pesado e a exploração estimula crueldade. As quarentena se espalham, há sustos e as datas confundem. Celebrar o quê? As mortes transitam, as misérias se propagam, mas existem fanatismos que desfazem o saber científico e debocham com cinismo imenso. Complexidades smepre presente e perturbadoras.
Cada no seu canto, esperando que o tempo passe, vendo de longe o corpo do outro, com saudades do passado e impressionado com a insegurança. Lança-se um enigma que acompanha o mito do juízo final.Do meu quarto, procuro escutar, visualizo generosidades raras. Será que os sonhos estão presos? Voar é com os pássaros? Por que multiplicar as intrigar isolar a dor? Com dividir e ampliar o cheiro da solidariedade?
Expulsar as intrigas e os narcisismos é um ação política. Não há como desculpar quem rir dos outros e faz da rua um espetáculo para curtir sua vaidade. Se a convivência não se estreita, a estrada da história se enche de curvas e os milicianos nutrem sua violência e fortalecem desgovernos. Há templos construídos para desfazer e minar as orações sinceras. Os labirintos possuem saídas desde que as mentiras não dominem o desejo de unir.
A memória não morre, nem se afasta das madrugadas mais estranhas. Imagine sempre a transformação ou a ousadia de cortar da vida o cinismo. Ha quem sirva para acumular e formalizar, Voluntariamente, inventam messias que cospem armadilhas e juntam-se aos animais predatórios. Os animais racionais são ficções? É preciso que a saudade não se entregue ao vazio. O outro é meu espelho mais sagrado.
Por Paulo Rezende
Professor Edgar Bom Jardim - PE

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Refugio-me ou refugiam-me?


Já escutei maldições políticas em vários tons. Sei que o tempo foge e a história se apresenta com geometrias diferentes. Não há uniformidades, porém não esqueçam das permanências.Quem não se lembra das cruzadas, da peste negra, das violências dos imperadores romanos, das ambições dos reformistas na luta religiosa, na escravidão que invadiu o Brasil? Não faltam acontecimentos com dissonâncias e hábitos culturais que se multiplicam. Os profetas sempre gostam de afirmar verdades e limitar crenças aos seus interesses.
Os Estados Unidos não abandonaram suas astúcias e ameaçam sem sutileza. Conseguem assustar e fazer parceria com figuras obscuras.Dizem que Jair e Trump se estimulam na construção de uma soberania da maldade.. Será que o capitalismo não reproduz egocentrismos e joga fora a dignidade em nome de uma centralização danosa? Querem todas as máscaras e sentem que as derrotas também se expandem em suas cidades tomadas pelo vírus assassino. Os Estados Unidos se quebram em dores que não sabiam existir.
As discussões inquietam qualquer espaço para o diálogo. A política externa norte-americana é cínica. Curte quem a serve, incentiva golpes, troca tudo pela acumulação de riqueza. Obriga refúgios, cultiva o bélico, incentiva os seus servos e admite um poder que esfarrapa a solidariedade.Alguns se escondem, o mundo joga confusões e o desespero se fortalece. Quem inventou a intriga crescente?
Afirmar que haverá bons propósitos não traz ânimo. A China não suporta as quedas na balança comercial e trama armadilhas para mexer com os Estados Unidos. O feudalismo já se foi nas trevas, a especulação não cansa. Quem não observa a fome, quem não se entendia com o silêncio feito para intimidar? As dores do mundo atiçam e desfazem sobrevivências mínimas. Quem se cala e naturaliza tantos desmantelos? A história é ambiguidade, memória marcada por continuidades e desfazeres. Existe refúgio?  Por Paulo Rezende 
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Coronavírus: diretor da OMS agradece Mandetta e diz que combate deve ser baseado em evidências


Michael Ryan durante coletiva de imprensa da OMS em 30 de marçoDireito de imagemAFP
Image captionMichael Ryan comentou saída de Mandetta durante entrevista coletiva à imprensa na Suíça
O diretor-executivo da Organização Mundial de Saúde (OMS), Michael Ryan, agradeceu o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta por servir povo brasileiro e reforçou a necessidade de se considerar as evidências científicas no combate à pandemia da covid-19.
Durante entrevista coletiva à imprensa da OMS, Ryan se disse agradecido pelos serviços do ex-ministro e afirmou que a estratégia de combate precisa ser pragmática.
"Estamos cientes de que o presidente mudou seu ministro. Estamos gratos pelos seus serviços dele à população", disse o médico.
"É um ponto-chave que não apenas o governo do Brasil, mas todos os governos, tomem decisões baseadas em evidências. Que todo o governo e toda a sociedade tenham essa abordagem contra a covid-19", afirmou.
Mandetta apoiava no Brasil medidas de distanciamento social recomendadas pela OMS, mas acabou demitido pelo presidente Jair Bolsonaro, que defende o afrouxamento da quarentena e o uso da cloroquina desde o estágio inicial da doença, outro ponto em que discordava de seu então ministro.
Não há comprovação científica da eficácia da substância contra o coronavírus.
O ex-ministro da Saúde, Henrique Mandetta, após anunciar saída do cargoDireito de imagemREUTERS
Image captionMandetta foi demitido por Bolsonaro após semanas de divergências
A pergunta sobre Mandetta foi endereçada ao diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, mas a resposta acabou dada pelo colega, que frisou também as ações da organização no continente americano.
"Estamos todos voltados a proteger as populações mais vulneráveis. A Opas (Organização Pan-Americana de Saúde) nossa organização na região, tem apoiado o Brasil na resposta à covid-19 desde janeiro deste ano", disse.
"Queremos focar em prover apoio técnico, operacional e científico ao Brasil por meio do nosso escritório para as Américas, e fazer isso com consistência e sem falhas."
Ryan ainda revelou que a organização está ajudando na compra de milhões de kits de testes de diagnóstico, cuja a entrega está prevista para a próxima semana.
Mais cedo, a porta-voz da OMS Fadela Chaib informara por email à BBC News Brasil que a organização não iria "comentar decisões de países", numa menção à demissão de Mandetta, substituído por Bolsonaro pelo também médico Nelson Teich.
Informalmente, a atuação de Mandetta vinha sendo elogiada por técnicos da organização em Genebra e Brasília.Marina Wentzel
Professor Edgar Bom Jardim - PE

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Jovens sem estrutura para estudar em casa temem por ‘desvantagem' no Enem: 'Atrapalhou tudo'


A estudante Érica Senna, de 18 anos, em sua casa no interior de PernambucoDireito de imagemARQUIVO PESSOAL
Image captionA estudante Érica Senna, de 18 anos, não tem internet em casa no sítio onde vive, no interior de Pernambuco
Filha de agricultores, a estudante Érica Senna, de 18 anos, sonha em ser economista.
Foi por pouco que ela não conseguiu entrar no curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), no ano passado.
Para 2020, a jovem pernambucana já tinha tudo planejado: aulas em cursinhos preparatórios e horas diárias de estudo em casa.
"Comecei o ano achando que esse era o meu ano. Mas aí, infelizmente, veio o coronavírus e atrapalhou tudo".
No sítio onde Érica mora com os pais, na zona rural de Vitória de Santo Antão (PE), a internet praticamente não chega. Não há estrutura para a instalação de redes de banda larga e a internet móvel é instável.
Durante a semana, ela ia, quando achava carona, ao centro da cidade, a mais de 10 quilômetros de distância, onde podia ter aulas presenciais, tirar dúvidas e usar a internet. Mas agora, por causa das restrições impostas pelo coronavírus, ela não vai mais às aulas e nem consegue acompanhar o conteúdo ensinado via videoaulas, disponibilizadas pelos cursos.
Érica tem de se virar com livros e apostilas que tem em casa.
Com o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) mantido para os dias 1 e 8 de novembro, estudantes estão preocupados em como se manter produtivos e preparados paras provas, sem contar com aulas presenciais.
Dados de 2018 divulgados pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) apontam que 33% dos lares brasileiros não tinham acesso à internet.
Muitos estudantes, como Érica, temem que a falta de estrutura em suas casas e de material de qualidade possam atrapalhar nos resultados do fim do ano, devido ao "tempo perdido".
Em nota, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela aplicação do Enem, afirmou que "está buscando garantir a execução adequada [do Enem], não apenas para cumprir com seu dever institucional, mas, principalmente, para não prejudicar mais ainda a sociedade brasileira".
O instituto informou ainda que cada sugestão de instituições e associações "será avaliada e discutida, sempre buscando o que seja melhor para a educação brasileira".

'Processo desigual'

Aluno com prova do EnemDireito de imagemFABIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL
Image captionO Enem foi mantido para novembro, mesmo diante da crise do coronavírus
Oficialmente, o estudante Vinicius Pereira, de 18 anos, está de férias da escola estadual que frequenta em Ribeirão Preto (SP) desde o início do isolamento social imposto pelo novo coronavírus. Porém, o tempo de "recesso" não o impede de seguir angustiado com as provas do fim do ano.
"A gente sente que está saindo com um passo atrás, porque os alunos de escolas particulares já têm plataformas de estudos mesmo antes da crise. Para a gente, vai ser tudo muito novo, não sabemos como vai funcionar, se todos terão acesso", conta.
As aulas na rede estadual de São Paulo estão suspensas desde o dia 23 de março. A partir de 22 de abril, com a volta, o governo paulista vai disponibilizar aulas ao vivo ministradas pelos professores da rede, acessadas via aplicativo e pela TV. Professores e alunos poderão acessar o conteúdo sem custo de internet, devido a uma parceria com as operadoras.
Mesmo com as alternativas oferecidas por alguns Estados, profissionais que têm contato com esses estudantes relatam o medo pela "concorrência desleal". Fundador do projeto Salvaguarda, que atua no suporte a estudantes de mais de 40 escolas da rede estadual do Rio e São Paulo, Vinícius de Andrade acredita que, sem adiar datas, o processo se torna ainda mais desigual.
"Essa transição para o ensino à distância é mais fácil nas escolas particulares. Para as públicas, o cenário é mais caótico", opina.
Para quem não encontra condições ideais em casa, o cenário fica ainda mais difícil.
Diferentemente de muitos colegas, a estudante Thaís Reis, de 18 anos, não tem acesso à internet em casa, em Confins (MG), na Grande Belo Horizonte.
A conexão foi cortada há 6 meses, após o pai caminhoneiro não ter mais condições de bancar o contrato. Thaís quer ser fisioterapeuta e diz que estava levando o ano "a sério".
"A gente fica em desvantagem agora, sem recursos para poder se preparar", conta.
Para não ficar parada, Thaís segue estudando com apostilas distribuídas na escola. Uma vez por semana, a jovem mineira vai até a casa da avó, no centro de Confins, onde consegue ter acesso ao wi-fi, para baixar conteúdo.

Dicas de quem já estudou em casa

Sem estrutura em casa, Thaís (direita) vê desvantagem para a preparação para o Enem. Nayara (esquerda) passou no vestibular baixando conteúdo no celular.Direito de imagemARQUIVO PESSOAL
Image captionSem estrutura em casa, Thaís (direita) vê desvantagem para a preparação para o Enem. Nayara (esquerda) passou no vestibular baixando conteúdo no celular.
Após terminar o ensino médio, em 2015, Nayara Régis passou dois anos sem estudar para cuidar da filha recém-nascida.
Quando resolveu ir atrás de uma universidade, dois anos depois, já não tinha mais estrutura da rede estadual de ensino de Araguatins (TO) e precisou estudar em casa com os poucos recursos que tinha.
"Nem internet em casa eu tinha, só um celular. Quando eu estava em algum local que tinha internet, eu baixava vários conteúdos em PDF e vídeos", relembra a jovem, hoje com 25 anos.
A determinação deu certo e ela foi aprovada no curso de letras da Universidade Estadual do Tocantins (Unitins).
Hoje aluna do quinto semestre, Nayara aconselha os estudantes a aproveitarem todos os momentos com acesso a internet e baixar "tudo que der", até a capacidade máxima do telefone.
Para a organização, a tocantinense diz que é importante conhecer bem o edital do vestibular e fazer um cronograma para estudar todos os assuntos.
Os conselhos também são reforçados por Vinícius de Andrade. Com a pandemia do coronavírus, ele criou uma "força-tarefa" para apoiar alunos e ex-alunos da rede pública, com monitoria nas disciplinas, aulas de redação, planos de estudo e escolha profissional, tudo via grupos de WhatsApp. O contato é pelo telefone 16-99390-7355 ou pela página no Facebook do projeto Salvaguarda.
Morador da periferia de Ribeirão Preto, Andrade estudou dois anos em casa até conseguir uma vaga no curso de Economia Empresarial na USP, em 2015. Na época, também não tinha internet em casa e dependia das redes dos vizinhos que conseguia na rua.
Andrade apresenta algumas soluções na hora de buscar conteúdo na web. "Tem que saber procurar", alerta
Entre os pontos, ele destaca: ficar atento aos comentários positivos, número de visualizações e o tempo dos vídeos, além de analisar outros conteúdos postados pelos canais.
Andrade também orienta conhecer bem o edital e como funciona a prova. O treinamento com questões de provas anteriores é fundamental. "Pra quem não tem internet, não é fácil. Mas aconselho tirar prints e baixar provas antigas quando der. Anote todas as dúvidas em um papel, para tirá-las depois, quando tudo voltar ao normal", diz.
Professor Edgar Bom Jardim - PE