quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Ciência e Tecnologia:A corrida para lançar o primeiro táxi elétrico voador


Lilium eVTOL aircraftDireito de imagemLILIUM
Image captionIlustração de um avião Lilium voando perto de Nova York
Para qualquer pessoa, a perspectiva de chegar ao trabalho ou voltar para casa em uma fração do tempo que leva normalmente é sem dúvida atraente.
Não ter de enfrentar engarrafamentos, trens atrasados ou ônibus lotados e demorados — quem não gosta dessa ideia?
Essa é a promessa de mais de cem empresas que desenvolvem aeronaves elétricas de decolagem e aterrissagem vertical. Como helicópteros, eles não precisam de uma pista, mas, diferentemente desses veículos tradicionais, esses prometem ser menos barulhentos e mais baratos.
No entanto, o sonho ainda parece estar um pouco longe da realidade. Especialistas do setor conhecido como eVTOL (sigla em inglês para decolagem e pouso elétrico vertical) dizem que os serviços de táxi que usam essas aeronaves não serão um fenômeno de mercado de massa até a década de 2030.

Eles podem voar para muito longe?

Por enquanto, a ideia é que eles voem distâncias relativamente curtas dentro e fora de cidades. Existem boas razões para isso.
Em primeiro lugar, existem muitos clientes em potencial nas metrópoles; segundo, as aeronaves elétricas ainda não podem voar por longas distâncias.
Por enquanto, a maioria deles tem baterias que permitem voar por cerca de meia hora. No caso do Volocopter, produzido na Alemanha, isso equivale a um alcance de cerca de 22 milhas (35 km), com uma velocidade máxima de cerca de 110 quilômetros.
Na terça-feira, uma empresa realizou um voo de teste sobre Marina Bay, em Cingapura.
Outras empresas aumentaram o alcance adicionando asas aos modelos. Assim, empresas como a alemã Lilium possuem aeronaves que podem decolar na vertical, mas também são capazes de acionar asas e motores e voar de forma parecida com um avião comum. A Lilium espera que suas aeronaves tenham um alcance de 300 km.
A Vertical Aerospace, do Reino Unido, também está trabalhando em seu modelo com asas. Ela espera que ele voe por mais de 160 quilômetros.
Por causa dessa limitação, a indústria gostaria de ver uma inovação na tecnologia de baterias, algo que tornasse todos esses protótipos mais úteis a ponto de percorrer distâncias maiores sem precisar parar para recarregar.
Ilustração de uma plataforma de pouso em LondresDireito de imagemLILIUM
Image captionIlustração de uma plataforma de pouso em Londres

Mas onde decolar ou pousar?

Se você estiver planejando em criar um serviço de táxi aéreo, precisará de um local conveniente para sua aeronave decolar ou pousar, além de carregar ou trocar as baterias — o que a indústria eVTOL gosta de chamar de "vertiporto".
Isso apresenta vários desafios.
Nas grandes cidades, o espaço livre é limitado. Para helicópteros comuns existem os chamados helipontos, mas sua localização pode não ser a ideal - e eles talvez não possam lidar com um tráfego mais intenso.
Alguns edifícios podem ter telhados adequados, mas é provável que o custo para poder usar esse espaço seja alto. Mesmo se for possível identificar alguns lugares disponíveis para servirem de helipontos, eles ainda precisarão cumprir regulamentações que ainda nem existem.
Um dos pontos fortes das aeronaves elétricas é que elas são relativamente silenciosas em comparação com os helicópteros. Durante o vôo, eles devem fazer apenas um quarto do barulho de um helicóptero comum, de acordo com Michael Cervenka, executivo sênior da Vertical Aerospace.
Isso pode facilitar as preocupações das pessoas que morariam perto de um "vertiporto".
Por outro lado, é possível que haja críticas a um possível aumento do tráfego aéreo nas cidades — o que provavelmente faria também aumentar os acidentes.
Um acidente, por exemplo, teria grande potencial para criar uma oposição ainda maior à criação de "vertiportos" em áreas densamente povoadas.
Aeronaves aeroespaciais verticaisDireito de imagemVERTICAL AEROSPACE
Image captionVários rotores adicionam um nível extra de segurança às aeronaves eVTOL

Mas o quanto uma aeronave elétrica pode ser perigosa?

Os órgãos reguladores da aviação na Europa e nos Estados Unidos estão atualmente trabalhando em regulamentações para essas novas aeronaves.
Uma vez regulamentado o mercado, é provável que as aeronaves elétricas passem por anos de testes antes de voar comercialmente, um processo que provavelmente custará centenas de milhões de dólares.
"A maioria dos fabricantes com quem conversei estão tentando obter a certificação até 2023", diz Darrell Swanson, que administra sua própria consultoria especializada no setor de eVTOL.
A seu favor, as aeronaves elétricas são muito mais simples do que helicópteros ou jatos de passageiros; portanto, mecanicamente, há muito menos aspectos que podem dar errado.
"Não precisamos de grandes caixas de câmbio e coisas assim", diz Steve Wright, especialista em aviônicos (parte eletrônica dos aviões), da University of the West of England.
Vários projetos de aeronaves têm vários motores, para que eles possam voar mesmo que um deles falhe.
O Uber, que tem um projeto eVTOL chamado Uber Air, diz que os serviços de táxi voador só precisam ser mais seguros do que dirigir um carro.
Mas o público e os órgãos de regulação podem querer padrões de segurança próximos dos das companhias aéreas tradicionais.
Outra pergunta que ainda não foi respondida adequadamente é como as aeronaves eVTOL se sairão no mau tempo.
Para economizar peso, eles serão muito leves, o que pode tornar o voo em condições de vento forte uma experiência perigosa.
No entanto, um serviço de táxi que não opera em um dia de fortes ventos não seria muito útil.
Simulação Aerotáxi da UberDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionUber promete um táxi aéreo 'mais barato do que comprar um carro'

Quem vai monitorar essas aeronaves?

Os sistemas de controle de tráfego aéreo já monitoram as atividades dos helicópteros nas cidades. Especialistas afirmam que esses sistemas provavelmente poderiam lidar com centenas de outras aeronaves eVTOL.
Muitas metrópoles têm grandes rios, que poderiam servir de rotas de voo — para evitar que as aeronaves passem constantemente sobre áreas populosas.
Mas, futuramente, o grande objetivo da indústria é fabricar e tornar viáveis aeronaves que não precisem de pilotos, e possam ser controladas remotamente.
"Não é como se de repente tivéssemos 5 mil veículos sobrevoando Londres em 1º de janeiro de 2023", diz Swanson ."Haverá um lento crescimento do tráfego ao longo do tempo e isso nos permitirá provar que esses sistemas funcionam corretamente."

Vai ser caro?

O modelo de negócios de um serviço de táxi voador ainda está para ser elaborado. Mas é provável que eles atendam a rotas curtas e bem definidas dentro e fora das grandes cidades.
A Uber Air acredita que esses serviços se tornarão "uma forma acessível de transporte diário para as massas, ainda mais barato do que possuir um carro".
No entanto, para começar, esses serviços terão como alvo clientes mais ricos, dispostos a pagar mais por essas viagens.
Afinal, diz Wright "um deslocamento rápido de uma área cara na City (o centro financeiro) de Londres para o aeroporto de Heathrow ou algo assim será um produto incrivelmente valorizado".
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Polícia encontra 39 corpos dentro de caminhão em Essex na Inglaterra


Vista aéreaDireito de imagemPA MEDIA
Image captionO motorista, de 25 anos, foi preso por suspeita de homicídio — vítimas ainda não foram identificadas
Corpos de 39 pessoas foram encontrados na madrugada desta quarta-feira dentro de um caminhão em Essex, na Inglaterra.
A polícia foi acionada pelo serviço de ambulância pouco antes de 1h40 (horário local), logo após a descoberta dos corpos no Parque Industrial de Waterglade.
A polícia de Essex está transferindo o caminhão para um local seguro, para que os corpos — que permanecem dentro do contêiner — possam ser recuperados.
As vítimas — 38 adultos e um adolescente — ainda não foram identificadas. Fazer isso "continua a ser nossa prioridade número um", afirmou Pippa Mills, subchefe de polícia, em entrevista coletiva. Mas ela afirmou que isso será um "longo processo".
O motorista do caminhão, Mo Robinson, de 25 anos, da Irlanda do Norte, foi preso por suspeita de assassinato.
"Prendemos o motorista do caminhão por conexão com o incidente, ele permanecerá sob custódia da polícia enquanto damos prosseguimento às investigações", afirmou Andrew Mariner, superintendente-chefe da polícia de Essex.
Policiais no local onde o caminhão foi encontrado
Image captionUm cordão de isolamento foi colocado no local onde o caminhão foi encontrado — e o Parque Industrial de Waterglade foi fechado
Ainda de acordo com a polícia, o caminhão teria saído da Bulgária e entrado no Reino Unido por Holyhead, maior cidade do condado de Anglesey no País de Gales, no sábado.
A polícia de Essex disse que a balsa que transportava o caminhão atracou na área de Thurrock logo após as 00:30 e saiu cerca de 35 minutos depois.
A subchefe de polícia fez um apelo para que qualquer pessoa que tenha informações sobre a rota do caminhão ou que tenha visto o veículo entre em contato com a polícia.
O Parque Industrial de Waterglade é enorme e abriga várias empresas multinacionais. Glen Freeland, que trabalha na GSF Car Parts, perto de onde os corpos foram encontrados, afirmou que os funcionários da companhia não puderam acessar as instalações da empresa na manhã desta quarta-feira.
"O gerente chegou no trabalho nesta manhã e o local estava isolado, fomos transferidos para uma área diferente", contou Freeland.

'Condições horrendas'

A Agência Nacional de Crimes disse que enviou oficiais para ajudar e identificar quaisquer "grupos do crime organizado que possam ter participado".
Richard Burnett, presidente da Associação de Transporte Rodoviário, entidade de classe que represneta o setor no Reino Unido, disse que o contêiner parecia ser uma unidade refrigerada, onde as temperaturas podiam chegar a -25 °C.
Ele descreveu as condições em seu interior como "absolutamente horrendas".
Um porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da Bulgária confirmou que o caminhão foi registrado no país, "em Varna (na costa leste) sob o nome de uma empresa de propriedade de um cidadão irlandês".
"A polícia disse ser altamente improvável que [as vítimas] sejam búlgaras", acrescentou.

'Trágico incidente'

O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, afirmou que estava "chocado com este trágico incidente".
"Estou sendo atualizado regularmente, e o Ministério do Interior vai trabalhar em estreita colaboração com a Polícia de Essex, à medida que determinamos exatamente o que aconteceu. Meus pensamentos estão com todos aqueles que perderam a vida e seus entes queridos".
A ministra do Interior, Priti Patel, disse estar "chocada e triste com esse incidente totalmente trágico". "Colocar 39 pessoas trancadas em um contâiner demonstra um desprezo pela vida humana. A melhor coisa que podemos fazer em nome dessas vítimas é encontrar os responsáveis e levá-los à Justiça."
O líder trabalhista Jeremy Corbyn disse ser uma "tragédia humana inacreditável". "Deve ter sido obviamente uma situação desesperadora e perigosa sufocar até a morte em um contâiner."
Investigadores no local onde o caminhão foi encontradoDireito de imagemLEON NEAL/GETTY IMAGES
Image captionCaminhão teria saído da Bulgária e entrado no Reino Unido por Holyhead, maior cidade do condado de Anglesey no País de Gales
Jackie Doyle-Price, parlamentar de Thurrock, em Essex, considerou a "notícia nauseante". "O tráfico de pessoas é um negócio vil e perigoso", tuitou Doyle-Price, acrescentando que espera que a polícia de Essex possa "levar os assassinos à justiça".

Novas rotas de contrabando

Desde que os campos de imigrantes de Calais, na França, foram fechados há três anos e as medidas de segurança foram ampliadas em Dover e no túnel do Canal Mancha, contrabandistas de pessoas se mudaram cada vez mais para outras rotas, diz o jornalista da BBC Mark Easton.
Questionada sobre quais portos estão sendo utilizados, a Agência Nacional de Crimes disse: "Todos eles".
Métodos mais perigosos estão sendo usados para transportar carga humana. O mais comum é esconder-se na parte de trás de um caminhão, mas cada vez mais estão sendo usados contêineres comerciais, às vezes até mesmo refrigerados.
"Os riscos são substanciais para os migrantes, que podem pagar £10.000 (R$ 52,3 mil) ou mais por um espaço nesses veículos", diz Easton.

Imigrantes mortos em trânsito

O número de migrantes que morrem em trânsito é registrado pela Organização das Nações Unidas desde 2014. Desde então, cinco corpos de migrantes suspeitos foram encontrados em caminhões ou contêineres no Reino Unido:
Em 2014, um migrante afegão foi achado morto em Tilbury Docks, em Essex, em um contêiner de remessa. Outros 34 afegãos sobreviveram.
Dois imigrantes foram encontrados mortos em uma caixa de madeira enviada da Itália em um armazém em Branston, em Staffordshire, em 2015.
No ano seguinte, um imigrante de 18 anos foi esmagado enquanto viajava agarrado à parte de baixo de um caminhão em Banbury, em Oxfordshire. Também em 2016, um corpo foi achado em Kent no fundo de um caminhão que viajava da França.
Antes disso, em 2000, 58 migrantes chineses morreram sufocados em um caminhão em Dover.
Fonte:BBC

Professor Edgar Bom Jardim - PE

Um ano após reclamar que China 'compraria o Brasil', Bolsonaro quer vender estatais e commodities em visita a Xi Jinping


Retrato de Xi Jinping durante comemoração, em 1º de outubro, dos 70 anos da República Popular da ChinaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionRetrato de Xi Jinping durante comemoração, em 1º de outubro, dos 70 anos da República Popular da China; Brasil busca no país interessados em comprar estatais
O presidente Jair Bolsonaro chega nesta quarta-feira (23/10) ao momento mais importante de sua viagem pela Ásia e pelo Oriente Médio com o desafio de avançar em três grandes objetivos econômicos, ao mesmo tempo em que tenta minimizar obstáculos políticos e ideológicos que surgiram após sua posse.
Em sua estreia em solo chinês, o brasileiro aposta no eixo-chave do maior projeto de investimentos de seu governo: encontrar empresários dispostos a comprar estatais em processo de privatização, como a Eletrobras, os Correios e setores da Petrobras. Também quer mostrar um Brasil mais disposto do que nunca a vender soja, carne, petróleo e minério de ferro ao gigante asiático.
Por fim, busca convencer megainvestidores a construirem ferrovias, estradas, portos e usinas de energia na expectativa de destravar a economia brasileira, estacionada em problemas históricos de infraestrutura.
O cliente é um velho conhecido. Há 10 anos, a China é o principal parceiro comercial do Brasil no mundo. A relação entre os dois países vem se aprimorando com o passar do tempo: em 2018, a soma das importações e exportações entre os dois países alcançou um recorde inédito na América Latina — US$ 98,9 bilhões, ou quase R$ 400 bilhões, sinalizando um ápice na relação bilateral.
Mas o governo brasileiro também colocou pedras no caminho para atingir suas próprias metas
Há um ano, em outubro de 2018, Bolsonaro, ainda candidato à Presidência, subiu o tom contra o país asiático e ganhou manchetes no mundo inteiro ao dizer: "A China não compra no Brasil. A China está comprando o Brasil".
Cinco meses depois, em aula magna a formandos do Itamaraty, o chanceler bolsonarista Ernesto Araújo disse a diplomatas que o Brasil não iria "vender sua alma" para "exportar minério de ferro e soja" para a China comunista.
O cenário nesta semana é o oposto. Prestes a encontrar o presidente chinês, Xi Jinping, na capital do país com o maior Partido Comunista do planeta, o líder brasileiro tenta aproveitar o vácuo aberto pela guerra comercial entre China e EUA para ampliar ao máximo seus negócios com os chineses.
Em meio a tantos altos e baixos, quais devem ser os resultados práticos da visita e como os chineses reagirão à reaproximação bolsonarista? Que impactos ela pode ter na relação amistosa entre o brasileiro e o presidente americano, Donald Trump? E por que os brasileiros exportam apenas commodities a um dos mercado consumidores mais ávidos por produtos industrializados em todo o planeta?
Chineses na Praça da Paz CelestialDireito de imagemREUTERS
Image captionBolsonaro visitará capital chinesa em meio a giro pela Ásia e pelo Oriente Médio

Choque de realidade

A viagem é descrita por representantes do mercado, da academia e da diplomacia ouvidos pela BBC News Brasil na China como "controle de danos", "choque de realidade" e "correção entre o discurso eleitoral e o de governo".
"A gente passou por atritos profundos na relação bilateral durante a campanha eleitoral", avalia Tulio Cariello, coordenador do Conselho Empresarial Brasil-China, que reúne as principais empresas brasileiras do setor. "As frases polêmicas do governo não faziam o menor sentido por uma razão muito simples: a relação entre Brasil e China é hoje essencialmente econômica, e não política."
As exportações brasileiras para a China são compostas principalmente por produtos básicos, sem valor agregado. A soja ocupa o topo da lista, com 35% das exportações, seguida por óleos brutos de petróleo (24%) e minério de ferro (21%).
Do outro lado, segundo o Itamaraty, as importações brasileiras de produtos chineses "correspondem, em sua quase totalidade, a produtos manufaturados" — a maioria é formada por componentes elétricos e bens de consumo.
Representando o lado chinês, o especialista em infraestrutura Jesse Guimarães, diretor de uma das maiores multinacionais chinesas de construção pesada, classifica a viagem como uma oportunidade de "destravar mais de 200 projetos de projetos de infraestrutura apresentados pelo governo Bolsonaro para empresários chineses" e "aproveitar um momento recorde de otimismo no empresariado asiático com o Brasil".
Segundo Guimarães, que participou de reuniões em Pequim entre politicos chineses e o vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, em maio deste ano, os principais projetos oferecidos pelos brasileiros se referem a aeroportos, ferrovias e portos. Eles estão em fase de finalização até que as concessões sejam oferecidas por meio de concorrências.
Para a professora Karin Vazquez, chefe do Centro de Estudos dos BRICS da Universidade Fudan, em Xangai, o presidente brasileiro desembarca na China após sofrer um "choque de realidade" posterior às eleições.
"Há uma diferença normal entre o discurso eleitoral e o de governo. O eleitoral usa um apelo popular, exageros, uma retórica para ganhar um eleitorado que não conhece a China ou o comércio internacional. É o que ganha voto", explica.
Bolsonaro durante visita ao Japão, em turnê pela ÁsiaDireito de imagemJOSÉ DIAS/PR
Image captionBolsonaro durante visita ao Japão, em turnê pela Ásia; em campanha, ele chegou a dizer que 'a China não compra no Brasil. A China está comprando o Brasil'
"Depois que assume, o presidente é imediatamente pressionado pelo lobby do agronegócio, pelas confederações de industria. Ele se dá conta que quase 30% da pauta de exportações se refere à China. E percebe que não fazer negócios com chineses em 2019 é inconcebível para qualquer país", prossegue.
A China é o principal destino das exportações brasileiras em todo o planeta. De janeiro a setembro de 2019, 27,6% do total das exportações brasileiras foram para o país asiático. No mesmo período, a China também ocupou o primeiro lugar entre os países de origem das importações brasileiras, com 19,9% do total das importações brasileiras.
Favorável ao Brasil há 10 anos, o superávit entre os dois países saltou de US$ 11,8 bilhões para US$ 29,5 bilhões entre 2016 e 2018, de acordo com dados oficiais.

'China quer namorar o Brasil'

O pragmatismo com que os chineses são conhecidos no mundo dos negócios fala mais alto que qualquer sentimento de rancor ou desconfiança, na opinião dos entrevistados.
"O chinês sempre observa calmamente o que acontece antes de fazer qualquer movimento. Eles não agem por emoção ou impulso, como fez Bolsonaro", diz Eduardo Ponticelli, um empresário brasileiro que vive há 12 anos na China intermediando importações de produtos brasileiros e exportações para o Brasil.
A visita do vice-presidente Mourão ao país, em maio, trouxe tranquilidade aos chineses, segundo diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil em condição de anonimato.
"Mourão acabou apertando as mãos e acalmando Xi Jinping em pessoa, meses antes do chefe de Estado chinês encontrar o presidente brasileiro", lembra um membro do Itamaraty. "É um protocolo torto, mas mostrou que o governo brasileiro não pensa daquela maneira."
Para Ponticelli, a experiência de Mourão e o prestígio do ministro Paulo Guedes (Economia) desfizeram qualquer má impressão.
"Hoje, o que ouço dos chineses é que a China quer namorar o Brasil e roubá-lo do Trump", brinca.
O comentário surge em meio à guerra comercial travada entre Washington e Pequim - um dos principais impulsionadores do recorde nas trocas comerciais registrada no ano passado entre chineses e brasileiros.
Xi JinpingDireito de imagemREUTERS
Image captionEncontro de Bolsonaro com Xi Jinping é descrito por representantes do mercado, da academia e da diplomacia como tentativa de 'correção entre o discurso eleitoral e o de governo'
"No curto prazo, os ganhos foram significativos principalmente no agronegócio e no mercado de soja", lembra o doutor em ciência política Mauricio Santoro, especialista em relações Brasil-China e professor do Departamento de Relações Internacionais da UERJ.
"Mas a guerra comercial cria uma instabilidade grande no sistema multilateral de comércio, cria desrespeito a regras da OMS, aumenta o protecionismo."
Chineses e americanos sinalizam uma possível trégua por meio de um novo acordo comercial — que traria dor de cabeça aos brasileiros. "Em uma situação de acordo, o Brasil perde, porque chineses vão precisar comprar mais produtos agrícolas dos americanos", diz Santoro.
Hoje, além de principal parceiro comercial, segundo o Banco Central, a China é o 9º maior investidor no Brasil. Os recursos chineses são destinados principalmente a energia (geração e transmissão, além de petróleo e gás) e infraestrutura (portuária e ferroviária), de acordo com o Ministério da Economia.

Honraria máxima a um Chefe de Estado

A estrutura organizada pelo governo chinês para receber o líder brasileiro mostra que não parece haver ressentimentos sobre os comentários de Bolsonaro na eleição.
Na tarde de sexta-feira (horário chinês), Bolsonaro será recebido no Grande Palácio do Povo pelo presidente Xi JinPing, pelo primeiro-ministro, Li Keqiang, e pelo Presidente da Assembleia Popular da China, Li Zhanshu.
À noite, Xi Jinping oferece jantar ao presidente brasileiro junto aos principais CEOs chineses — entre os quais, especula-se, o magnata Jack Ma, fundador do império de vendas online AliBaba.
Além dos encontros com as autoridades chinesas, Bolsonaro também participa de um jantar organizado pelo presidente da Fiesp, Paulo Skaf, com empresários brasileiros que fazem negócios com a China.
"Se compararmos essa viagem com a abertura da Assembleia-Geral da ONU, veremos outro Bolsonaro. Nas Nações Unidas, ele mostrou seu lado mais extremo, com a retórica antiglobalista e um nacionalista extremado que não reconhece preocupações globais, como meio ambiente. Na China, ele vai se comportar de forma mais trivial, cordial, o que já é um ganho para o Brasil", avalia Mauricio Santoro, da UERJ.
Mas, junto a toda a cordialidade do encontro, obstáculos politicos podem dificultar a lua de mel econômica entre os presidentes.
Navio de mercadorias em porto chinêsDireito de imagemAFP
Image captionA China é o principal destino das exportações brasileiras em todo o planeta

Nova Rota da Seda

Avaliado como o maior projeto de política externa da China em 40 anos, a Nova Rota da Seda é um mega programa de investimentos em infraestrutura que deve movimentar mais de 1 trilhão de dólares vindos da China em mais de 70 países com a construção de portos, ferrovias, estradas, gasodutos e oleodutos.
O objetivo chinês é expandir o acesso de seus produtos a outros mercados, ao mesmo tempo em que multiplica a presença de suas multinacionais ao redor do mundo e amplia seu acesso a recursos naturais escassos em seu território.
O projeto, que inicialmente se concentrava na Ásia e na África, se expandiu para a América Latina, onde já tem a adesão de 19 países — o principal deles é o Chile, somado a economias menores no Caribe e na América Central.
A adesão formal de uma economia forte como a brasileira ao projeto seria uma enorme vitória política para os chineses e é um dos principais esforços da diplomacia de Pequim no momento.
O problema, no entanto, é a reação que isso causaria em Washington.
"O discurso do Brasil é de querer estes investimentos, mas pelo Programa de Parceria de Investimentos (PPI), e não pela Rota da Seda", explica Santoro.
"O Brasil quer evitar o ônus político na sua relação com os EUA. É uma preocupação legítima. Apoiar o projeto chinês é se posicionar diante de uma disputa comercial intensa entre o país asiático e Donald Trump, que é um parceiro-chave do Brasil neste momento", diz.
Para a professora Karin Vazquez, o Brasil precisaria de contrapartidas fortes para aderir ao projeto.
"Traria um ganho político imenso para a China, na medida em que a China tenta aumentar seu 'foot print' na América Latina. Mas, do lado do Brasil, não me parecem claras as vantagens para um país que já atrai investimentos do tipo há décadas e já é uma das maiores economias do continente."
Tulio Cariello, do Conselho Empresarial Brasil-China, concorda. "Uma eventual assinatura teria efeito mais político do que econômico. A vantagem teria que estar muito clara para o Brasil embarcar", afirma.
Trump e Bolsonaro na ONUDireito de imagemALAN SANTOS/PR
Image caption'Apoiar o projeto chinês é se posicionar diante de uma disputa comercial intensa entre o país asiático e Donald Trump, que é um parceiro-chave do Brasil neste momento'

Commodities, burocracia e o mercado consumidor chinês

Nos últimos anos, o governo chinês tem investido pesado na expansão da importância do consumo no seu PIB.
De 1978, com o processo de abertura da economia chinesa, até hoje, o PIB do país cresceu 172 vezes.
O analfabetismo, que alcançava 80% da população, hoje se aproxima de zero. A expectativa de vida saltou de 35 anos para 75.
Com isso, uma nova classe média, mais conectada aos costumes do ocidente e ávida por consumo, se consolidou no país.
"Muitos politicos e empresários no Brasil têm uma visão da China pré-revolução, ou o país que produzia artigos baratos e de baixa qualidade. É uma visão muito estigmatizada e antiga, que faz com o que o Brasil não aproveite as maiores oportunidades desse mercado", avalia a professora Vazquez.
"Estamos falando sobre um país que desenvolveu uma lua artificial para oferecer energia, que criou o trem-bala mais rápido do mundo, que lidera a quarta revolução industrial, pautada por tecnologia de ponta, cidades inteligentes, big data, ciber-segurança", diz.
Mas por que o Brasil não exporta produtos industrializados para essa sociedade em ebulição?
O caso do café oferece respostas interessantes.
"O Brasil é o maior exportador mundial de café bruto. Pela primeira vez na história, os chineses, tradicionais consumidores de chá, estão se tornando grandes bebedores de café. O mercado está crescendo a quase 40% ao ano. Seria ótimo para o Brasil", conta Mauricio Santoro.
O jovem chinês, no entanto, não procura o café ensacado tradicional do supermercado, mas variedades "gourmet".
"Este não é o café brasileiro. É um café com forte valor agregado em marketing. Um café para um consumidor que está ficando mais refinado, mais rico. O Brasil poderia entrar nesse mercado, mas ainda não associa seus produtos a esta imagem e acabamos ficando presos às matérias-primas,"
Do outro lado, os chineses reclamam da dificuldade de investir no Brasil — principalmente a burocracia estatal.
"O ICMS é um bom exemplo. Os chineses reclamam muito porque há uma regra diferente para cada Estado. No final das contas, são várias regras diferentes para pagamentos de impostos e isso dificulta muito o trabalho", diz Santoro.

Professor Edgar Bom Jardim - PE