terça-feira, 24 de setembro de 2019

Bolsonaro contra o mundo na ONU





Em seu primeiro discurso no plenário da Assembleia-Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro abriu frentes de ataques severos contra os governos de esquerda no Brasil, a atitude da França diante dos incêndios na Amazônia e até mesmo o cacique caiapó Raoni Metuktire, uma das principais vozes contra as políticas indigenista e ambiental da sua gestão. Sob a alegação de que trazia a “verdade” ao plenário, o brasileiro criticou até mesmo a própria ONU, a quem acusou de “perverter a identidade biológica”, em referência à agenda da organização em favor da diversidade de gênero.
“Apresento aos senhores um novo Brasil, que esteve à beira do socialismo”, declarou logo no início de seu discurso de 31 minutos – 11 a mais do que o determinado pela ONU a cada chefe de Estado. “Meu país esteve muito próximo do socialismo, o que nos colocou numa situação de corrupção generalizada, grave recessão econômica, altas taxas de criminalidade e de ataques ininterruptos aos valores familiares e religiosos que formam nossas tradições”, completou, em uma clara apresentação do viés ideológico de seu governo.
Em plena situação de fritura de seu ministro da Justiça, em Brasília, Bolsonaro interrompeu seus ataques apenas ao alçar a figura do ex-juiz Sergio Moro, a quem elogiou por seu combate à corrupção. Igualmente valeu-se da presença da indígena Yzany Kalapalo, que trouxe à ONU como parte de sua delegação, para dar credibilidade a sua versão de que a Amazônia não está sendo destruída, de que seu governo combate o incêndio criminoso e de que sua política indigenista segue os anseios dos nativos brasileiros.
Bolsonaro não chegou a mencionar a França diretamente, mas referiu-se à nação presidida por Emmanuel Macron como “um país” que adotou uma postura colonialista, seguiu a “mídia sensacionalista” e ousou “sugerir a aplicação de sanções contra o Brasil” no episódio dos incêndios na Amazônia. O presidente brasileiro pediu respeito à soberania nacional e atribuiu a polêmica internacional em torno do desmatamento da Amazônia à “mídia sensacionalista”.
“É uma falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade, e um equívoco, como atestam os cientistas, afirmar que nossa floresta é o pulmão do mundo”, afirmou. “Valendo-se dessas falácias, um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista.”
Nesse capítulo, Bolsonaro voltou a ser agressivo em relação às reservas indígenas. Afirmou que não vai aumentar a área demarcada como terra indígena dos atuais 14% do território nacional para 20%, “como alguns chefes de Estado gostariam que acontecesse”. Mas completou que pretende permitir aos índios brasileiros, como os ianomâmis e os da Raposa Serra do Sol, a exploração econômica de suas reservas – citou ouro, diamante, urânio, nióbio e terras raras -,  para que não sejam mais “latifundiários pobres em terras ricas”.
O presidente alegou ainda que haver no país 225 povos indígenas e outras 70 tribos isoladas para sustentar, em seguida, que o cacique Raoni não fala em nome de todos eles. Raoni é a principal liderança que, especialmente no plano internacional, atua em favor da preservação ambiental e da proteção de áreas indígenas desde os anos 1980.
“A visão de um líder indígena não representa a de todos os índios brasileiros. Muitas vezes alguns desses líderes, como o cacique Raoni, são usados como peças de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia”, declarou. “Infelizmente, algumas pessoas, de dentro e de fora do Brasil, apoiadas em ONGs, teimam em tratar e manter nossos índios como verdadeiros homens das cavernas.”
Em seu afã de declarar superada a suposta conversão do Brasil ao regime socialista, Bolsonaro deu destaque especial à ação de Cuba, país que se desdobra atualmente para manter sua orientação política e que enfrenta crises fiscal e de desabastecimento. Afirmou que o Brasil “deixou de contribuir com a ditadura cubana” ao revisar o programa Mais Médicos.
“Há poucas décadas, tentaram mudar o regime brasileiro e de outros países da América Latina. Foram derrotados”, declarou, como forma indireta de defender as ditaduras militares de direita que vigoraram na região entre os anos 1960 e 1980.
Em mais um ataque à esquerda, acusou o Foro de São Paulo de ser uma “organização criminosa” criada para difundir o socialismo por Fidel Castro e os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez, da Venezuela. O Foro é uma entidade legítima que reúne os partidos de esquerda. Bolsonaro, porém, foi sucinto ao tocar no desafio da crise política da Venezuela, onde disse haver 60.000 agentes cubanos em ação. Em apenas duas linhas escritas, disse estar o Brasil empenhado no restabelecimento da democracia no país com o qual tem a maior fronteira terrestre.
Seu discurso não deixou de causar impressão na plateia. A chanceler Angela Merkel expressou na face sua contrariedade. Mas não houve, como se temia, protesto de delegação insatisfeita com a mensagem de Bolsonaro.
 A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, durante discurso de Jair Bolsonaro: enfado – 24/09/2019
A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, durante discurso de Jair Bolsonaro: enfado – 24/09/2019 (Tv Brasil/Reprodução)

Ideologia

Em linha com o pensamento do guru de seu governo, Olavo de Carvalho, o presidente condenou os “sistemas ideológicos de pensamento que não buscam a verdade, mas o poder absoluto”. Trata-se de uma definição repetida com frequência pelo chanceler Ernesto Araújo em seus discursos contra a “contaminação” do globalismo e do marxismo cultural em instituições e até mesmo na família.
Bolsonaro se disse vítima desse sistema, ao ter sido “covardemente esfaqueado por um militante de esquerda”, e trouxe esse arrazoado ao falar contra a atuação da própria ONU em prol dos direitos humanos e, especificamente, da defesa à diversidade de gênero. Para o presidente, “essa ideologia” a ser eliminada está expressa no politicamente correto, na repetição de clichês e palavras de ordem. Afeta a família, atinge as crianças e “deixa um rastro de morte, ignorância e miséria”.
“Não estamos aqui para apagar nacionalidades e soberanias em nome de um interesse global abstrato. esta não é a Organização do Interesse Global. É a ONU. Assim deve permanecer”, declarou.
Em resposta a duras críticas dirigidas a seu governo pela alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, Bolsono insistiu que a criminalidade está diminuindo no país. Avisou também que terroristas disfarçados de perseguidos políticos não terão mais esconderijo no Brasil.

Abertura econômica

Indo e voltando aos temas, sem uma ordem muita clara em sua oratória, Bolsonaro cometeu um deslize ao afirmar que, em apenas oito meses, seu governo conseguiu arrematar as negociações de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia e também com os países do EFTA (Noruega, Suíça, Islândia e Liechtenstein). As discussões haviam sido retomadas e praticamente finalizadas na gestão anterior, de Michel Temer.
Sua declaração em favor da assinatura de novos acordos comerciais, porém, remarcou seu compromisso com a agenda liberal do Ministério da Economia. Bolsonaro condenou os “vícios e amarras de quase duas décadas de irresponsabilidade fiscal, aparelhamento do Estado e corrupção generalizada” que, embora não tenha mencionado, vinculou aos governos do PT. Mencionou também, com entusiasmo, o início do processo de adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Como manda a tradição nas Nações Unidas, coube ao Brasil o primeiro discurso, seguido pelos Estados Unidos. Essa deferência se dá desde a primeira reunião plenária oficial da Assembleia-Geral, em 1947. Naquela época, a ONU tinha 57 membros. Nesta 74ª reunião, são 195.
Até 1982, os discursos do Brasil foram feitos pelos ministros de Relações Exteriores ou pelos chefes da missão do país na ONU. Naquele ano, porém, o discurso foi feito pelo então presidente brasileiro, o general João Baptista Figueiredo. Na redemocratização, falaram no plenário da Assembleia-Geral os presidentes José Sarney, Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer.
Bolsonaro deverá manter uma conversa informal com o presidente americano, Donald Trump, logo depois de seus discursos, no prédio da ONU. O retorno de Bolsonaro a Brasília está previsto para hoje. Por razões médicas, ele cancelou todos os encontros bilaterais que manteria ao longo da semana em Nova York. O chanceler Ernesto Araújo cumprirá parte dos encontros nos quais o presidente se ausentará.
Com informação de Veja.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Presidente da Câmara abre processo de impeachment de Trump



Donald Trump será submetido a um processo de impeachment pelo Congresso americano, anunciou nesta terça-feira, 24, a democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados. Antes cautelosa em relação à abertura do procedimento, Pelosi se viu pressionada pela base de seu partido depois das recusas sucessivas de Trump e de seu governo em prestar informações ao Congresso sobre denúncias de abuso de poder.
“O presidente viola a Constituição dos Estados Unidos, especialmente quando diz que pode fazer o que quer”, afirmou Pelosi, que acentuou ter Trump traído a integridade da Carta Magna do país. “Ele está pedindo a um governo estrangeiro para ajudá-lo em sua campanha (eleitoral, o que é uma traição a seu juramento como presidente.”
Trump será o quarto presidente dos Estados Unidos submetido a um processo de impeachment. O mais emblemático caso foi o do republicano Richard Nixon, que renunciou antes da conclusão dos procedimentos, em 1974. O democrata Bill Clinton sobreviveu ao processo, em 1999, assim como James Buchanan, em 1860, e Andrew Johnson, em 1868.
O estopim foi a recente pressão de  Trump sobre o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenski, para que investigasse negócios em sue país do ex-vice-presidente americano Joe Biden, pré-candidato democrata à Casa Branca em 2020, e de seu filho. Em troca, o líder dos Estados Unidos havia  prometido liberar ajuda militar de 250 milhões de dólares a Kiev, que pouco antes havia oportunamente congelado
Segundo o jornal The New York Times, em uma reunião a portas fechadas com a bancada democrata, Pelosi já tomou as primeiras medidas. Pediu aos presidentes de comitês da Câmara para reunirem os argumentos em favor do impeachment e entregá-los ao Comitê de Assuntos Judiciários, que compilará o pacote final a ser apresentado ao plenário.
 A presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosy: limite de paciência superado – 24/09/2019
A presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosy: limite de paciência superado – 24/09/2019 (Tom Brenner/Reuters)
Em meio aos discursos e encontros bilaterais nas Nações Unidas, Donald Trump, tentou abortar a iniciativa dos democratas ao anunciar que disponibilizará ao público a transcrição completa da conversa por telefone que manteve com Zelensky.
“Estou neste momento nas Nações Unidas representando nosso país e autorizei a divulgação da transcrição completa e sem alterações da minha conversa por telefone com o presidente da Ucrânia, vocês vão ver que foi uma conversa apropriada e amigável”, informou  pelo Twitter.
O debate sobre o impeachment de Trump havia perdido força após a divulgação do relatório final sobre a interferência russa na campanha republicana de 2016, mas voltou aos holofotes com o vazamento à imprensa da conversa de Trump com o presidente ucraniano.
A investigação gira em torno da suposta participação de Hunter Biden em um esquema de corrupção na empresa energética ucraniana Burisma, quando integrava o quadro de funcionários. Em 2014, Joe Biden teria pressionado o então líder da Ucrânia Petro Porosheko a demitir o procurador que estava encarregado no caso. Caso contrário, cortaria a ajuda financeira  americana ao Exército da Ucrânia, que enfrentava na época uma insurgência separatista no leste de seu território apoiada pela Rússia


 O pré-candidato democrata à Casa Branca e ex-vice-presidente dos EUA Joe Biden: ‘Trump não tem outra escolha senão ser impedido’ – 24/09/2019
O pré-candidato democrata à Casa Branca e ex-vice-presidente dos EUA Joe Biden: ‘Trump não tem outra escolha senão ser impedido’ – 24/09/2019 (Olivier Douliery/AFP)
Biden endossou a proposta de impeachment de Trump em discurso nesta terça-feira no estado de Delaware. “Ele não tem outra escolha senão ser impedido”, afirmou. “Se nós permitirmos um presidente escapar retalhando a Constituição dos estados Unidos, isso vai repercutir para sempre”, completou.
Segundo o ex-vice-presidente, Trump tem de parar de emparedar todas as investigações sobre seus alegados atos ilícitos e entregar as informações requeridas legalmente pelo Congresso sobre suas ações. “Se o presidente não concorda com esta demanda do Parlamento, ele continua a obstruir o Congresso e a escapar da lei. Donald Trump não deixará ao Congresso outra opção, na minha opinião, que iniciar o impeachment”, afirmou. “Isso seria uma tragédia. Mas uma tragédia gerada por ele mesmo.”
As chances de aprovação do impeachment de Donald Trump pelo Senado americano, onde a maioria é republicana, são praticamente nulas. Ainda assim, o processo aberto pela Câmara deverá provocar estragos na campanha de reeleição do presidente americano em 2020 – e os democratas contam com isso.
Veja
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Artista restaura cor de brasileiros fotografados às vésperas da abolição


Colagem com retrato antes e depois da restauraçãoDireito de imagemMARINA AMARAL
Image captionLegenda da foto original diz apenas 'tipos negros'
Nada se sabe sobre o homem de cabelos grisalhos e olhar triste na foto acima, retratado pelo fotógrafo alemão Alberto Henschel no Brasil por volta de 1869, alguns anos antes da Lei Áurea. A legenda do retrato original, à esquerda, diz apenas "tipos negros".
O retrato à direita foi restaurado e colorido pela artista brasileira Marina Amaral e é uma das 22 fotografias que a artista está recuperando para sua série "Escravidão no Brasil".
"Quando a gente olha para os números e para a escala enorme do que foi a escravidão, fica tudo meio abstrato. Mas quando consegue olhar para as pessoas... Ver cada rosto deixa tudo menos abstrato, cria uma conexão", disse à BBC News Brasil.
A mineira de 25 anos é artista digital especializada em colorir fotos antigas em preto e branco – ficou conhecida mundialmente por dar cor a fotos das vítimas dos campos de concentração de Auschwitz. Ela diz que sempre teve vontade de criar um projeto sobre história do Brasil, mas tinha dificuldade de encontrar um arquivo que tivesse fotos em alta resolução.
"Até descobrir esses 22 retratos através de uma biblioteca de Berlim", diz ela à BBC News Brasil. Encontrar fotografias de escravos do século 19 é algo raro. Nas poucas vezes em que eram retratatos, era como parte da propriedade de algum grande senhor de escravos.
Legenda dizia apena 'moça cafuza', nome que se dava a mestiço de negro e índioDireito de imagemMARINA AMARAL
Image captionPelas roupas e adereços desta moça retratada, e possível que ela fosse livre
Mesmo sobre o ensaio de Alberto Henschel não há muitas informações. "O que se sabe é que elas chamaram muita atenção na época porque ele tentou retratá-los com um certo nível de dignidade que não era comum", diz Marina.
Henschel era um fotógrafo profissional alemão que se tornou um dos pioneiros da fotografia no Brasil no século 19 e chegou a retratar a a monarquia brasileira, incluindo o imperador Dom Pedro 2º e sua família. Seus primeiros estúdios foram em Recife e em Salvador. A partir de 1870, ele passou a atuar também no Rio de Janeiro e em São Paulo.
É possível que entre os negros retratados por Henschel também houvesse homens e mulheres livres — sua luta por liberdade era constante e muitos conseguiram conquistar sua própria liberdade antes das leis que foram progressivamente abolindo a escravidão, até o seu fim definitivo com a Lei Aurea, em 1888.

O processo de colorir

Para Marina, colorir as fotos ajuda a trazer o observador para mais perto das pessoas retratadas.
"Aplicar cores a esses fotos permite que as pessoas criem uma empatia maior, humaniza as vítimas. Fotos monocromáticas parecem uma coisa quase irreal, parece que aconteceu há tanto tempo, que não foi de verdade", afirma.
Retrato original diz apenas 'moça cafuza'Direito de imagemMARINA AMARAL
Image captionEste retrato foi o primeiro colorido por Marina Amaral para sua série sobre escravidão no Brasil
"Mas, com cor, ainda mais em um mundo tão cheio de estímulos, é mais fácil de entender, aproxima. Eles passam a ser pessoas como a gente, e não só personagens de livros."
Marina passa cerca de três a cinco horas colorindo cada foto - caso os originais estejam em bom estado. As que estão mais danificadas e precisam de restauração antes demoram muito mais.
"A segunda foto da série (veja abaixo) demorou entre 10 e 12 horas, porque tive que limpar as partes danificadas."
Marina explica que o processo de descobrir as cores em fotos antigas é uma mistura de pesquisa histórica com escolhas artísticas.
Para retratar o tom de pele de cada um, ela faz uma interpretação a partir da escala de cinza das fotos originais.
Segunda foto da série, tirada em RecifeDireito de imagemMARINA AMARAL
Image captionEsta é a segunda foto da série e foi tirada em Recife
"Como não temos muitas informações sobre as pessoas, é uma interpretação mais artística", diz ela.
"No caso da roupa dos escravos, sei que eles jamais poderiam usar tons muito chamativos. Usavam muito branco e creme. Uso como referência pinturas históricas e desenhos que foram feitos na época", explica.
"Olhando para as fotos também é possível saber onde as roupas estavam mais desgastadas e sujas."

Impacto

"Foi a primeira que eu fiz algo relacionado à história do Brasil que gerou um impacto tão grande", diz Marina, sobre a reação positiva que os dois primeiros trabalhos da série tiveram nas redes sociais.
Inicialmente, ela ia apenas postar as fotos em sua rede, mas quando viu a reação decidiu fazer algo maior. "Resolvi convidar alguns professores e autores brasileiros parar dar um contexto para as fotos. A idéia principal é apresentar a história do Brasil para os meus seguidores de fora, já que a maior parte do meu público é da Europa e dos Estados Unidos", diz ela. As legendas são publicadas em inglês e português.
"E também que falem dos impactos desse período nos dias de hoje, porque vivemos as consequências da escravidão todos os dias."
Não foi a primeira vez que emoção contida em fotos antigas chamou a atenção da artista. Seus trabalhos mais famosos, em que coloriu as fotos das vítimas dos campos de concentração de Auschwitz, também causaram grande impacto.
"Você pode ver o quanto ela está sofrendo, no entanto, ela tem uma coragem assombrosa em seu olhar", disse Marina à BBC quando restaurou a imagem de Czesława Kwoka (abaixo), em 2018.
Foto de Czesława Kwoka feita no campo de concentração de Auschwitz e colorida digitalmente por Marina AmaralDireito de imagemMARINA AMARAL
Image captionCzesława Kwoka foi uma das vítimas dos campos de concentração de Auschwitz cujas fotos Marina coloriu digitalmente
Czesława tinha apenas 14 anos quando foi levada ao campo de concentração, em 13 de dezembro de 1942. Foi morta três meses depois, uma das 11 milhões de vítimas do holocausto.
Marina também tem outros trabalhos conhecidos, como a colorização de fotos históricas, como as do dia D, quando os aliados desembarcaram na França durante a Segunda Guerra Mundial.


Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 22 de setembro de 2019

É possível ser anônimo na era da internet?

Ilustração que mostra uma mulher ao lado de uma arte gráfica baseada em códigos binários de informática
Image captionProfessor do Oxford Internet Institute diz que hoje temos mais aparelhos tecnológicos com sensores para captar dados sobre nós
"No futuro, todo mundo terá seus 15 minutos de anonimato." É o que disse o artista Banksy. Mas com tudo online, de status de relacionamento a destinos de férias, é mesmo possível ser anônimo – mesmo que brevemente – na era da internet?
Esse dizer, uma brincadeira com a famosa frase de Andy Warhol dos "15 minutos de fama", foi interpretada de várias formas por fãs e críticos. Mas sublinha a real dificuldade de manter algo privado no século 21.
"Hoje, nós temos mais aparelhos digitais do que nunca, e eles possuem mais sensores para captar mais dados nossos", diz Viktor Mayer-Schoenberger, professor do Oxford Internet Institute.
E isso importa. De acordo com uma pesquisa da empresa de recrutamento Careerbuilder, nos Estados Unidos, no ano passado, 70% das empresas usaram as redes sociais para analisar candidatos a vagas, e 48% checaram a atividade dos funcionários nas redes sociais.
Instituições financeiras também checam perfis em redes sociais quando decidem se dão empréstimos ou não.

Uma TV rosa com o logo: "No futuro, todo mundo será anônimo por 15 minutos", do show de Banksy, Los Angeles, 2006
Image captionÉ mesmo possível ser anônimo na era da internet?
Outras empresas, por sua vez, estão criando modelos com hábitos de compras, visões políticas e usam, inclusive, inteligência artificial para prever hábitos futuros com base em perfis de redes sociais.
Uma maneira de tentar obter controle é deletando redes sociais, o que algumas pessoas fizeram depois do escândalo da empresa Cambridge Analytica, quando 87 milhões de pessoas tiveram seus dados usados secretamente para campanhas políticas.
Mas, ainda que deletar contas em redes sociais seja a maneira mais óbvia para remover informações pessoais, isso não terá impacto nos dados guardados por outras empresas.
Felizmente, alguns países oferecem proteção.
O Brasil tem o Marco Civil da Internet, aprovado em 2014, e a Lei Geral de Proteção de Dados, aprovada em 2018. A lei, que entrará em vigor em 2020, proíbe o uso indiscriminado de dados pessoais. Além disso, garante aos cidadão o direito de saberem como e para o que as suas informações serão usadas.
A União Europeia tem sua versão: o GDPR, que regula a proteção dos dados, e inclui o "direito de ser esquecido" – basicamente, que um indivíduo tem o direito de ter informações pessoais removidas de onde quiser.
No ano passado, houve 541 pedidos de que informações fossem removidas no Reino Unido, segundo apuração da BBC, ante 425 do ano anterior e 303 em 2016-17. Os números reais podem ser mais altos, já que o Information Commissioner's Office (Departamento de Informação) só se envolve depois que uma reclamação inicial à empresa que guarda os dados é rejeitada.
Mas Suzanne Gordon, do Departamento de Informação, diz que isso não é necessariamente objetivo: "O GDPR fortaleceu os direitos das pessoas de pedirem que organizações deletem seus dados se acreditam que não são necessários. Mas o direito não é absoluto e em alguns casos deve ser balanceado contra outros direitos e interesses competidores, como, por exemplo, a liberdade de expressão."
O "direito de ser esquecido" ficou notório em 2014 e levou a vários pedidos de que informações fossem removidas – um ex-político que procurava a reeleição e um pedófilo são alguns exemplos –, mas nem todos foram aceitos.
Empresas e indivíduos que tenham dinheiro para tal podem contratar especialistas para ajudá-los.
Uma indústria inteira está sendo construída ao redor da "defesa de reputação" com empresas desenvolvendo tecnologia para remover informação – por um preço – e enterrar notícias ruins de mecanismos de busca, por exemplo.
Uma empresa, Reputation Defender ("defensora da reputação"), fundada em 2006, diz que tem um milhão de clientes, como profissionais e executivos. Ela cobra cerca de 5.000 libras (cerca de R$ 25 mil) pelo pacote básico.
Ela utiliza seu próprio software para alterar os resultados do Google sobre seus clientes, ajudando a colocar as notícias ou textos menos favoráveis mais para o fim dos resultados e promovendo as histórias favoráveis no lugar.
Imagem de um homem com o logotipo do Google refletido várias vezes em seu rostoDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionEmpresas de defesa de reputação querem remover informações pessoais de bancos de dados e sites
"A tecnologia foca no que o Google vê como importante quando indexa sites no topo ou na parte de baixo dos resultados de busca", diz Tony McChrystal, diretor da empresa.
Geralmente, as duas maiores áreas que o Google prioriza são credibilidade e autoridade que a página tem, e quantos usuários se engajam com os resultados de busca e o caminho que o Google vê que cada usuário único segue.
"Trabalhamos para mostrar ao Google que um maior volume de interesse e atividade estão ocorrendo nos sites que queremos promover, sejam sites novos que criamos ou sites estabelecidos que já aparecem nos resultados das buscas, enquanto sites que queremos suprimir mostram um percentual mais baixo de interesse."
A empresa diz que atinge seu objetivo em 12 meses.
"É impressionantemente efetivo", ele diz, "já que 92% das pessoas não navegam depois da primeira página de resultados do Google e mais de 99% não passam da segunda página".
Mayer-Schoenberger, de Oxford, aponta que, enquanto empresas de defesa de reputação possam ser efetivas, "é difícil entender por que só pessoas ricas podem ter acesso a isso, e por qual razão isso não pode beneficiar todo mundo".
Um membro da equipe do British Museum faz os ajustes finais para uma seleção de uma obra de Andy Warhol, em fevereiro de 2017Direito de imagemGETTY IMAGES
Image captionAndy Warhol previu uma vez que todo mundo teria 15 minutos de fama
Então, será que podemos nos livrar de todos nossos rastros online?
"Se formos responder de uma maneira simples, não", diz Rob Shavell, cofundador e chefe executivo do DeleteMe, um serviço de assinatura que remove dados pessoais de bancos de dados públicos, corretoras de dados e sites de busca.
"Você não pode se apagar completamente da internet a não ser que algumas empresas e indivíduos que operem serviços de internet sejam forçados a mudarem fundamentalmente como eles operam", afirma.
"Estabelecer regulamentações fortes para permitir que consumidores tenham autonomia para decidir como sua informação pessoal pode ser recolhida, compartilhada e vendida já é um bom caminho para encarar o desequilíbrio de privacidade que temos agora."
Professor Edgar Bom Jardim - PE