sábado, 21 de setembro de 2019

Contraditório e 'bígamo', peronismo chega aos 75 anos ainda decisivo na Argentina

Rostos de Evita e Perón em comício sindical na Argentina em 2010Direito de imagemAFP
Image captionRostos de Evita e Perón em comício sindical em Buenos Aires em 2010; casal continua sendo decisivo no rumo político da Argentina
Quase setenta e cinco anos depois da fundação do movimento político peronismo, lançado pelo ex-presidente Juan Domingo Perón, os peronistas continuam sendo definidos como decisivos para o destino da Argentina.
A pouco mais de um mês da eleição presidencial, no dia 27 de outubro, o principal adversário político do presidente Mauricio Macri, o peronista Alberto Fernández, que tem a ex-presidente Cristina Kirchner como sua vice, está rodeado de seguidores de Perón, como parlamentares, governadores e sindicalistas.
A vitória de Fernández nas primárias partidárias de agosto, que antecedem a eleição presidencial, foi atribuída tanto à crise econômica da gestão Macri quanto ao apoio do peronismo. Assim, Fernández aumentou suas chances de chegar à Casa Rosada em dezembro deste ano, destacam analistas.
Quando era presidente, porém, Cristina preferia citar a ex-primeira-dama Eva Perón e dificilmente tocava no nome do marido dela, o general Perón. Para alguns setores, Evita simbolizou a esquerda, e Péron, a direita.
Recentemente, sem citar especificamente sua colega de chapa, Fernández disse que o peronismo é "bígamo", por ser de direita e de esquerda
Na cédula eleitoral da coalizão de Fernández e de Cristina, Frente de Todos, está uma foto do casal Perón e Evita, como lembra o historiador Santiago Régolo, do Instituto Nacional de Pesquisas Históricas Eva Perón, de Buenos Aires.

'María Eva'

Retrato oficial de Perón e Evita quando ele entrou no governo, em 1946; sete anos de vida pública juntos geram até hoje debate sobre as raízes do peronismoDireito de imagemMUSEO EVITA
Image captionRetrato oficial de Perón e Evita quando ele entrou no governo, em 1946
Perón e Evita formaram o casal mais poderoso da Argentina entre 1946, quando ele foi eleito presidente pela primeira vez, e 1952, quando ela morreu aos 33 anos.
E ainda hoje é possível ouvir em Buenos Aires e no interior do país - embora em menor frequência que tempos atrás - expressões como "um dia peronista" (ensolarado), "Santa Evita" e "São Perón". E mulheres argentinas são comumente batizadas com nomes como María Eva, em homenagem a Evita, que se chamava María Eva Duarte de Perón.
Seu rosto e o de Perón são constantes - junto ao do ex-guerrilheiro Ernesto 'Che' Guevara - nos cartazes dos protestos dos movimentos sociais no país. Em uma das principais avenidas de Buenos Aires, a Nove de Julho, é possível ver um imenso desenho de Evita, inaugurado na gestão de Cristina, no prédio histórico do Ministério de Obras Públicas.

Duas raízes?

Mas aqueles sete anos de vida pública juntos, de Perón e de Evita, geram ainda hoje um debate sobre as raízes do peronismo.
Há quem entenda que Perón (1895-1974) e Evita (1919-1952) representam duas raízes diferentes do movimento político. Há quem diga que os dois foram complementares. E há quem entenda que o peronismo é principalmente ele, tendo ela como uma de suas facetas.
A BBC News Brasil entrevistou os principais biógrafos de Péron e de Evita, pesquisadores argentinos e peronistas. Para alguns deles, esta visão, da Evita de esquerda, foi alimentada, por exemplo, pelo estilo de Evita para quem, de um lado estavam os pobres (que chamava de "descamisados") e do outro os ricos ("as oligarquias").
"Historicamente, enquanto Evita viveu, houve um setor do poder, como os sindicatos, que respondia a ela. Mas esse setor não se caracterizava por ser de esquerda, como se reivindicou, mais tarde, nos anos 1970. Isso é um mito. Ela era conservadora e dominante, com a ideia totalitária do poder", disse o cientista político argentino Vicente Palermo, do centro de estudos Conicet, da Argentina.
Para ele, Evita não era politicamente pragmática como Perón. "Ela era mais divisória. Quem não estava com Péron, que para ela era um deus, era um inimigo", observa.
Palermo e um dos principais biógrafos de Perón, o professor americano Joseph A. Page, da Universidade Georgetown, em Washington, lembraram que Evita chegou a comprar armas na Europa para distribuir nos sindicatos argentinos para que eles protegessem o então presidente de um possível golpe. Quando o golpe ocorreu em 1955 e quando as armas chegaram em Buenos Aires, ela já tinha morrido.
Questionado se concordava com a ideia de que o peronismo tem duas raízes, a de Perón e a de Evita, Page responde: "Sim e não".
Evita em 1952Direito de imagemMUSEO EVITA
Image captionEvita em 1952; há quem diga que ela foi de esquerda e seu marido, de direita
Ele argumenta que, primeiro, é preciso entender o contexto do início do peronismo. "Quando Perón foi eleito, seus inimigos políticos diziam que era Eva que tinha o poder e a chamavam de 'a presidenta'. Mas isso não tinha que ver com a política, mas sim com uma forma de dizer que ele era 'menos macho', porque dependia dela".
Page acha que essa visão foi transmitida na ópera e no filme Evita, interpretado por Madonna (em 1996), mas que o roteiro pode ter sido influenciado por antiperonistas. Dizer que Evita era mais poderosa que Perón era uma forma de atacá-lo, interpreta o biógrafo.

"Se fosse viva, Evita seria guerrilheira"

Já nos anos 1960 e início dos anos 1970, quando o ex-presidente retornou do exílio (para onde embarcou depois do golpe de 1955), os jovens de esquerda que idealizavam o ex-guerrilheiro argentino cubano 'Che' Guevara (1928-1967) queriam atrair a classe trabalhadora para uma revolução.
"Mas eles tinham um problema porque, de acordo com Marx a revolução era feita com a classe trabalhadora, mas a classe trabalhadora na Argentina era totalmente peronista. E o peronismo era direita, esquerda, tudo. Os jovens perceberam, então, que não poderiam criar na Argentina a revolução que eles pensavam. Quando Perón voltou à Argentina, nos anos 1970, esses jovens levantaram a bandeira de que Evita era de esquerda. E com o slogan: 'Se Evita vivesse, seria montonera'", disse Page.
Os montoneros eram um grupo guerrilheiro ligado ao peronismo. O episódio da "Evita guerrilheira" foi rechaçado por Perón, recordam historiadores, contribuindo para alimentar a suposta divisão dos peronistas e das raízes do peronismo.
Cristina Kirchner e seu colega de chapa, Alberto FernándezDireito de imagemREUTERS
Image captionCristina Kirchner costumava citar Evita mas evitar Perón; seu colega de chapa, Alberto Fernández (à dir), afirmou que peronismo é 'bígamo'
Na visão da biógrafa de Evita, a espanhola Marysa Navarro, do Centro de Estudos Latino-Americanos David Rockefeller, da Universidade de Harvard, a ex-primeira-dama era "principalmente peronista".
"Na minha pesquisa não achei nada que pudesse indicar que ela fosse de esquerda. O apoio que ela tinha dos sindicatos e sua retórica apaixonada em defesa dos mais necessitados não a levaram a ser de esquerda", disse Navarro.
Para Santiago Régolo, professor da Universidade Nacional Lomas de Zamora (UNLZ), Perón e Eva se complementavam. "Apesar de Perón ter sido presidente e ela não, Eva era responsável pela ramificação feminina, pela vinculação com os sindicatos e com a questão social como um todo a partir da Fundação Eva Perón", disse.
Vem daí a imagem de que ela era mais de esquerda e ele de direita?
"Ela era mais contestatória e tinha um trabalho político e social, e ele, por ser militar, deixava uma imagem mais conservadora e mais à direita. Mas acho que não se pode explicar Eva sem Péron e Perón sem Eva".
Foi Eva, lembra Régolo, que impulsou o voto feminino na Argentina e a primeira eleição de mulheres para o Congresso Nacional, defendendo o mesmo espaço para homens e mulheres na política já nos anos 1950.
Em protesto recente contra Mauricio Macri, este eleitor usou uma camiseta com a imagem de PerónDireito de imagemAFP
Image captionEm protesto recente contra Mauricio Macri, este eleitor usou uma camiseta com a imagem de Perón

"Furacão"

Para o intelectual peronista Pascual Albanese, que há anos se dedica ao peronismo, a comparação entre Perón e Evita não pode ser similar e a raiz do movimento político é centrada no ex-presidente.
"Sem dúvida Eva é um emblema importante para o peronismo. Teve papel fundamental para a ala feminina da política. Mas ela é um dos rostos do peronismo. Perón, porém, é muito mais integral porque, como homem de Estado, ele tinha uma visão mais ampla, incluindo o doméstico, a justiça social e o internacional", opina Albanese.
Ele recorda que Perón foi presidente da Argentina por quase dez anos seguidos e, mais tarde, entre outubro 1973 e junho 1974, até morrer, e Evita nunca teve mandato. Em contrapartida, Evita foi, ainda na opinião de Albanese, como "um furacão" que passou pela história argentina - com pouco tempo de vida pública, teve grande impacto, organizando, inclusive, o primeiro partido feminino (Partido Peronista Feminino), extinto no golpe de 1955.
"Foi como um furacão na Argentina. Mas ela e Perón não estão no mesmo patamar. O peronismo se chama peronismo e não evismo. É verdade que muita gente acha que, se ela estivesse viva, por sua personalidade, Perón não teria caído (em 1955). Mas essas são especulações, porque a história teve outro curso", diz.

Professor Edgar Bom Jardim - PE

História:Oito décadas depois, novas descobertas reacendem debate sobre como morreu Lampião



Lampião e seu bandoDireito de imagemGESP
Image captionPerícia pedida por historiador deu mais detalhes sobre morte de Lampião (terceiro da esq. para a dir.)
Mais de oito décadas se passaram, e a história ainda não chegou à conclusão de como Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, foi morto. O debate ainda rende entre pesquisadores do cangaço e segue longe de um consenso sobre como se deram os últimos suspiros de Lampião. Há até mesmo quem duvide de sua morte.
Uma novidade trouxe mais elementos a um debate que parece não ter fim. Trata-se de uma perícia feita nas roupas e objetos que estavam com Lampião no dia da emboscada policial na grota do Angico, sertão de Sergipe, em 27 de julho de 1938. Após as mortes, as cabeças de Lampião, sua esposa Maria Bonita e outros cangaceiros foram cortadas e expostas ao público como troféu no Recife.
As peças estavam guardadas intocáveis até então no Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas – como a operação que caçou o cangaceiro na caatinga foi feita pela Polícia Militar do Estado, Alagoas herdou o material e o guarda como relíquia até hoje.
A análise foi feita pelo perito Victor Portela, do Instituto de Criminalística de Alagoas. A BBC News Brasil teve acesso ao documento inédito, datado de 19 de julho de 2019, que atesta que Lampião teria recebido três tiros.
Mas a morte do rei do cangaço apresenta teses e mais teses. Uma delas é que Lampião e o bando foram envenenados antes do tiroteio, e que a polícia disparou contra o grupo já morto. Há quem defenda que o rei do cangaço não morreu em Angico, mas, sim, um sósia – o verdadeiro cangaceiro teria morrido com 100 anos em Minas Gerais
Punhal utilizado por Lampião.Direito de imagemINGRYD ALVES
Image captionSegundo perícia, tiro acertou o punhal usado por Lampião e foi desviado para a região umbilical
"Se quiser, conto as duas mil teses que existem sobre a morte", brinca o historiador e jornalista João Marcos Carvalho, autor do documentário ainda inédito Os Últimos Dias do Rei do Cangaço. Foi ele quem pediu ao perito alagoano uma análise das peças, que deve reabrir um debate que parecia ter encontrado seu fim no ano passado, quando o escritor Frederico Pernambucano de Mello publicou livro Apagando Lampião.
Na publicação, o pesquisador do cangaço afirma que Lampião morreu com um único tiro disparado a oito metros de distância pelo cabo Sebastião Vieira Sandes. A versão ainda diz que o tiro certeiro foi dado de fuzil, conforme relatado pelo próprio policial alagoano autor do disparo – que o procurou quando estava com doença terminal em 2003 para revelar o que seria o maior segredo.

Debate

Para Carvalho, a tese de Frederico está errada. Ele diz que Lampião foi morto pela polícia em uma emboscada e estava com outros integrantes do grupo quando foi surpreendido.
Em busca de mais detalhes sobre o enigma da morte do cangaceiro, Carvalho pediu um laudo ao perito alagoano. "Procurei o perito Victor Portela e solicitei a análise daqueles objetos que estavam guardados e nunca tinham sido mexidos", explicou.
À BBC News Brasil, o perito disse que de imediato aceitou a missão. Ainda em 2018, ele iniciou a análise no punhal, nas cartucheiras e nos bornais (tipo de bolsas usadas pelo cangaço) de Lampião. Segundo ele, foram percebidos pontos de impacto e perfurações nos materiais utilizados.
Perito Victor Portela, da Perícia Oficial de AlagoasDireito de imagemINGRYD ALVES
Image captionPerito Victor Portela, que fez análise das roupas e objetos que lampião estava usando na hora de sua morte
O laudo de Portela diz que foram três tiros. O primeiro deles acertou o punhal, e a bala acabou desviada para a região umbilical; outro atravessou a cartucheira – que era utilizada no ombro – e atingiu o coração; e o terceiro atingiu cabeça.
Para o perito, é impossível saber qual dos tiros – ou se a combinação deles – matou Lampião. Mas ele destaca que sua experiência como perito aponta um dado controverso das teorias até então: os disparos no peito e na barriga não matariam o cangaceiro instantaneamente.
"Ele poderia morrer alguns minutos depois pelo sangramento. Só o tiro na cabeça o mataria rápido, mas não temos como dizer a cronologia dos disparos", explicou.
Um dos pontos novos apresentados no laudo veio da análise dos bornais feitos por Dadá (famosa cangaceira do grupo), que tinham duas marcas de tiros. João Marcos crê que Lampião não teve tempo de vesti-los no momento do tiroteio. "Quando o bando chegou à grota, o local não estava em um silêncio de catedral. Lampião estava vestindo a cartucheira, o punhal e tomou os tiros ali. Não deu tempo de ele vestir os bornais", explicou.
Portela concorda com o jornalista e historiador, revelando que a perícia mostrou que os tiros foram dados de cima pra baixo, e que os bornais não tinham marca de sangue. "Ficou uma incógnita com relação aos bornais, mas quando fiz a sobreposição das cartucheiras com os bornais, vi que não há compatibilidade com nenhum dos disparos", afirmou.
Bornais de LampiãoDireito de imagemINGRYD ALVES
Image captionPerícia também analisou bornais (bolsas usadas pelo cangaço) de Lampião

Neta rechaça ideia de um tiro

Vera Ferreira, neta de Lampião, disse à BBC News Brasil acreditar que a perícia recente sustenta a teoria mais correta a respeito da morte do avô.
Ferreira não acredita na versão de tiro único, nem de envenenamento, muito menos de que seu avô sobreviveu e morreu em Minas Gerais. "Quando o corpo do meu avô foi periciado, apontou-se três tiros", disse.
Questionada sobre a versão de que o cabo Sandes ter matado o avô, Vera afirmou que não é possível saber quem matou Lampião. "Quem deu o tiro de misericórdia? Imagine várias pessoas atirando ao mesmo tempo, o mesmo alvo, ninguém sabe", completou.

O 'julgamento' de Lampião

Além da polêmica da forma da morte, a história de Lampião também levanta o questionamento: herói ou bandido? Matar Lampião era um desejo das autoridades brasileiras desde a segunda metade da década de 1930. A ordem foi dada pelo então presidente Getúlio Vargas. Atendendo a pedidos de políticos nordestinos, ele impôs uma longa caçada ao bando.
Vera Ferreira, jornalista e neta de lampiãoDireito de imagemINGRYD ALVES
Image captionNeta de Lampião, Vera Ferreira rebate tese de que cangaceiro morreu com apenas um tiro
Um seminário marcado para 2020, em Piranhas, sertão de Alagoas, vai levar as teses da morte e "julgar" se Lampião era herói ou bandido. "Existem aqueles que defendem que Lampião era bandido, mas alguns dizem que o cangaceiro era uma vítima da sociedade. Vamos analisar isso".
O júri será composto por promotores, juízes, advogados e os historiadores, aos quais serão apresentadas as versões, casos e opiniões.
O perito Victor Portela também contou que na ocasião será apresentado o laudo. "Vamos utilizar a perícia para excluir teorias que não são compatíveis com os fatos que foram levantados. Vamos filtrar e excluir teorias que realmente não batem", disse. "Além do julgamento queremos posteriormente fazer uma análise no local com reprodução simulada para ver os pontos de impacto no local", disse
Professor Edgar Bom Jardim - PE

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Destruição da saúde humana:30% dos ingredientes de agrotóxicos liberados neste ano são barrados na UE


[610] Agrotóxicos
[610] AgrotóxicosFoto: Divulgação
Dos 96 ingredientes ativos que compõem os agrotóxicos liberados no Brasil neste ano, 28 não são liberados ou registrados na União Europeia, 36 na Austrália, 30 na Índia e 18 no Canadá, segundo levantamento da reportagem.

A reportagem comparou o Brasil com seis dos dez maiores exportadores de produtos agrícolas do mundo, com base em relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura): Argentina, Austrália, Canadá, EUA, Índia e União Europeia. Nenhum deles liberou ou registrou todos os 96 ingredientes -o mais similar são os EUA, que têm 93 deles.

O nível de toxicidade tolerado em cada país, o interesse comercial no produto e as condições climáticas são fatores que explicam a diferença. A comparação foi feita a partir dos ingredientes dos pesticidas, que são os compostos analisados no registro e na liberação dos produtos.

Neste ano, foram registrados 325 agrotóxicos no Brasil, de acordo com dados do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). Desses, mais de 60 foram liberados na última semana. Se a lista é parecida com a americana, em relação à União Europeia há uma grande discrepância: cerca de um terço dos ingredientes usados aqui não são liberados lá.

O acefato (contra pragas) e a atrazina (contra ervas daninhas), dois dos componentes de agrotóxicos mais vendidos no Brasil, são alguns exemplos de substâncias que não podem ser usadas na Europa. O primeiro já foi associado a casos de câncer, toxicidade reprodutiva para humanos e efeitos neurotóxicos, o que levou a Anvisa a adotar novas regras para seu uso em 2013. A aplicação manual foi proibida.

A análise para liberação de agrotóxicos é hoje dividida entre Mapa (que avalia a eficácia dos produtos), Anvisa (que analisa impactos na saúde) e o Ibama (que checa riscos ao meio ambiente). Segundo Renato Porto, diretor de autorização e registros sanitários da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o processo de autorização influencia nas diferenças de registros entre os países.

No Brasil, uma vez concedida a autorização, ela é válida por tempo indeterminado até que seja requisitada uma reavaliação. Em outros países, os registros têm de ser renovados. "Dependendo do interesse da empresa, ela não vai pagar pelo registro do agrotóxico que no Brasil é barato e em outros lugares do mundo é muito mais caro", diz Porto. Ele diz que a Anvisa costuma acender o alerta vermelho quando há notícias de que um ingrediente é suspeito de causar câncer, mutações ou malformações. Se tal composto estiver registrado no Brasil, passa por uma reavaliação.

Hoje, há sete ingredientes na fila para reavaliação. São eles: tiofanato metílico, clorpirifós (ambos registrados em todos os países analisados pela reportagem), clorotalonil (banido neste ano na União Europeia), linurom, procimidona, epoxiconazol e carbendazim. Porto diz que o Brasil usa agrotóxicos de forma equilibrada e que a população não corre riscos com possíveis resíduos em alimentos. Ele afirma que hoje a principal preocupação da Anvisa é com agricultores que entram em contato direto com pesticidas.

Em julho deste ano, pesquisa do Datafolha mostrou que 78% dos brasileiros consideram agrotóxicos inseguros para a saúde humana e 72% avaliam que os alimentos produzidos no Brasil têm mais agrotóxicos do que deveriam. A Organização Pan-Americana da Saúde estima que o uso de agrotóxicos e substâncias químicas nocivas esteja relacionado a cerca de 193 mil mortes por ano no mundo. A maior parte se dá por contaminações durante a aplicação dos produtos e dispersão pela água e pelo ar.

"No Brasil, é um problema sério considerando que a população rural é pouco assistida. Não se usa equipamento de proteção individual", diz Eloisa Dutra Caldas, pesquisadora de toxicologia da UnB (Universidade de Brasília). Ela diz que todo agrotóxico tem algum nível de toxicidade e que o risco depende do nível de exposição. "Para consumidores de alimentos o risco é baixo. O Brasil tem níveis comparáveis a outros países."

O clima do Brasil, que favorece a proliferação de insetos e outras pragas, e o tamanho de seu território e da atividade agropecuária, influenciam na liberação, diz Osmar Malaspina, professor do departamento de biologia da Unesp. "Em muitos países europeus, há meses de frio e as pragas morrem. Quando chega o verão, não dá nem tempo de se espalhar", diz.

Para Larissa Mies Bombardi, geógrafa da USP e autora de "Atlas Geográfico do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia", somos mais permissivos em relação aos produtos que usamos no campo, assim como outros países da América Latina. "A nossa posição subalterna na economia mundial é clara na questão dos agrotóxicos. Somos muito mais permissivos com o que usamos e com o quanto usamos, desde aquilo que é usado no campo até os resíduos que permitimos nos alimentos e na água", diz ela. Ela cita como referências no controle os países nórdicos e a Áustria, primeiro país da União Europeia a proibir o uso do glifosato (que combate ervas daninhas) devido ao potencial cancerígeno. "Mesmo países mais liberais têm mecanismos de controle de agrotóxicos mais eficazes."

Os novos registros no Brasil atingiram o maior patamar, em ao menos 13 anos, em 2018, quando foram liberados 451 produtos para venda no mercado ou uso industrial. O país, contudo, ocupa a 44ª posição no ranking sobre uso de defensivos agrícolas da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura).

A liberação de agrotóxicos tem pautado discussões na Câmara dos Deputados. Tramita na Casa um projeto de lei que afrouxa regras sobre uso, registro e fiscalização de agrotóxicos. O texto, de autoria do ex-ministro da Agricultura, Blairo Maggi, está pronto para ir a votação no plenário. Críticos da proposta afirmam que ela gerará riscos à saúde da população, enquanto apoiadores dizem que a legislação atual, de 1989, é defasada e impede a chegada de produtos mais seguros.

O Mapa atribui a grande liberação a "ganhos de eficiência" de medidas desburocratizantes. Hoje, há 2.000 produtos na fila para ser avaliados. O prazo legal para avaliação é de quatro meses mas, segundo a pasta, alguns estão há mais de oito anos na fila.

A Anvisa diz que está acelerando registros de agrotóxicos com o objetivo de modernizar os pesticidas disponíveis e diminuir os níveis de toxicidade presentes no país.

O Mapa afirmou ainda que "cada país tem suas próprias diretrizes sobre registro de produtos, dependendo das condições agronômicas" e que o Brasil segue parâmetros internacionais para aprovar novos registros.
Com Folha de Pernambuco
Professor Edgar Bom Jardim - PE

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Fernando Bezerra Coelho nega todos os fatos


Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
 (Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
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Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
O advogado André Callegari, que defende o líder do governo Jair Bolsonaro (PSL) no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), alegou que o parlamentar foi alvo de operação da Polícia Federal na manhã desta quinta-feira (19) por sua atuação política combativa em relação a alguns pontos do pacote anticorrupção, encabeçado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro.

"O senador tem apregoado uma posição de respeito às garantias de direitos fundamentais e parece que isso tem descontentado alguns setores", disse.

Ele lembrou declaração recente de seu cliente, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em que diz, ao comentar uma possível troca no ministério, que Moro pode ser esquecido em 60 dias.

"É uma conjunção de fatores. Essa declaração pode ter contribuído para a retaliação política", afirmou.

O advogado declarou que a Polícia Federal fez um espetáculo e lembrou que a Procuradoria-Geral da República foi contra a ação autorizada pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso.

"Isso nos chama atenção porque o titular da ação penal é o Ministério Público. Se ele não tem interesse naquela prova, o que nos deixa estarrecido é um ministro do supremo de ofício contrariar essa posição", disse.

Ele ressaltou que todos dados que embasaram a ação foram produzidos exclusivamente por delatores. "Só com base nisso é temerário", diz.

André Callegari afirmou que Fernando Bezerra Coelho nega todos os fatos e não têm ciência do que foi produzido.

"Todo esse espetáculo foi feito sem que a defesa tenha ciência daquilo foi produzido. Não tivemos acesso às informações."

Por meio de nota, a diretoria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil manifestou preocupação com a operação de busca e apreensão realizada na manhã desta quinta-feira (19) no Congresso Nacional.

O documento diz que a Polícia Federal realizou operação à revelia das casas legislativas e baseada em fatos extemporâneos.

Para o conselho, medidas de tal gravidade mereceria no mínimo o requerimento expresso do titular da ação penal, o Ministério Público.
"No entanto, na ocasião de oitiva da Procuradoria Geral da República, esta se manifestou contrária à medida deflagrada na data de hoje, por entender que ali não estavam presentes os requisitos legais que a autorizassem."

A Polícia Federal aponta que Fernando Bezerra Coelho recebeu R$ 5,5 milhões em propinas de empreiteiras encarregadas das obras de transposição do rio São Francisco e de outros contratos do Executivo federal. 

A negociação e o repasse dos valores teriam ocorrido de 2012 a 2014, época em que Bezerra Coelho era ministro da Integração Nacional na gestão de Dilma Rousseff (PT) e integrava o PSB. 

Além do senador, também teria sido destinatário de subornos o filho dele, Fernando Bezerra Coelho Filho (DEM-PE), deputado federal e ex-ministro de Minas Energia de Michel Temer. Ele teria recebido R$ 1,7 milhão. 

As investigações da PF se deram a partir das delações premiadas de empreiteiros e dos empresários João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho, Eduardo Freire Bezerra Leite e Arthur Roberto Lapa Rosal.

As apurações sobre Mello Filho começaram após a PF descobrir, na Operação Turbulência, que ele era o dono do avião que caiu em 2014, matando o ex-governador pernambucano e então candidato à Presidência pelo PSB, Eduardo Campos.

No decorrer do inquérito, a polícia diz ter identificado supostas operações financeiras ilícitas das empresas dele. 

Mello Filho e os outros dois colaboradores contaram ter feito o "pagamento sistemático de vantagens indevidas" a Bezerra Coelho e ao filho dele por ordem das empreiteiras OAS, Barbosa Mello, Paulista e Constremac Construções, envolvidas nas obras da transposição e em outros projetos do governo federal. 

A pasta da Integração, comandada por Bezerra Coelho, era a responsável pela construção dos canais que levam água do rio São Francisco para outras regiões do semiárido nordestino. 

Para ocultar a origem ilícita dos recursos, pai e filho teriam se valido de um esquema de lavagem de dinheiro, envolvendo empresários, operadores e outros políticos e pessoas jurídicas.
Com Diario de Pernambuco
Professor Edgar Bom Jardim - PE