segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Como será a transição de governo entre Temer e Bolsonaro?


Michel TemerDireito de imagemMARCOS CORREA/PR
Image captionO presidente Michel Temer parabenizou Bolsonaro pela vitória por telefone na noite de domingo
Pouco menos de 3 quilômetros separam o Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB) de Brasília do Palácio do Planalto, a sede do Executivo Federal. Ambos são prédios modernistas projetados por Oscar Niemeyer.
A partir desta segunda-feira, o prédio do centro cultural brasiliense será a sede oficial da equipe de transição escolhida pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), para preparar o governo que começa no dia 1º de janeiro de 2019.
Na equipe do presidente que deixará o cargo, Michel Temer (MDB), a preparação para a entrega da máquina do Executivo começou na semana seguinte ao 1º turno, com uma reunião no Palácio do Planalto na terça-feira seguinte, 11 de outubro. Temer discutiu o assunto com o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha (MDB), que coordenará o processo do lado do governo atual.
Na última quinta-feira, Padilha encontrou-se com o deputado federal reeleito e provável ministro da Casa Civil de Bolsonaro, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), para uma conversa inicial. Lorenzoni pretende começar a despachar no CCBB a partir desta quarta-feira.
No começo da semana, o próprio Bolsonaro deve ir a Brasília para se reunir com Temer e tratar da sucessão.
Em pronunciamento feito logo após a oficialização da vitória do candidato do PSL, Temer reforçou que o gabinete de transição já estava disponível para a nova equipe e afirmou que iria "oferecer a ideia" a Bolsonaro de que a reforma da Previdência que tramita no Congresso poderia ser aprovada ainda neste ano.
"Mas ela (a votação) só irá adiante se tiver o apoio do presidente eleito e de sua equipe", afirmou na noite de domingo.
Por questões de segurança, é possível que Bolsonaro use um avião da Força Aérea Brasileira no deslocamento à capital federal, diferentemente dos voos comerciais que usou ao longo da campanha. Temer preparou uma espécie de cartilha para entregar ao sucessor, com suas principais realizações e com explicações sobre o processo de transição.
O prédio do CCBB, em BrasíliaDireito de imagemAGÊNCIA BRASIL
Image captionO prédio do CCBB em Brasília, onde trabalhará a equipe de transição
O processo de dois meses de transição entre os dois governos é regulamentado por uma lei (de 2002) e por um decreto (de 2010). O processo serve para que, ao subir a rampa do Palácio do Planalto, o próximo presidente já esteja completamente ciente da situação deixada pelo governo anterior.
Nos poucos mais de dois meses até a data da posse, em 1º de janeiro de 2019, Bolsonaro terá de definir não apenas sua equipe ministerial, mas também os ocupantes de milhares de outros cargos, além de se familiarizar com os detalhes da estrutura e operação de ministérios, secretarias, autarquias e outros órgãos.
"Quando uma nova elite política assume o poder, leva um tempo até ter um entendimento de como opera a produção de políticas públicas, a execução dos programas. A transição serve para amenizar esse processo de aprendizado", disse à BBC News Brasil o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria.

Equipe de 50 pessoas e acesso a informações confidenciais

A partir desta segunda, Bolsonaro tem direito a indicar uma equipe de até 50 profissionais para trabalharem em Brasília, no time de transição. Basta que ele envie um ofício para Michel Temer com os nomes.
Jair BolsonaroDireito de imagemLUIS MACEDO / CÂMARA DOS DEPUTADOS
Image captionBolsonaro terá direito a uma equipe de até 50 pessoas para a transição
Estas pessoas terão acesso a todas as informações do governo atual - inclusive as sigilosas e confidenciais, às quais terão de manter em segredo, segundo disse à reportagem o subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil e atual ministro dos Direitos Humanos, Gustavo do Vale Rocha.
Cada um dos 27 ministros atuais precisa entregar relatórios sobre as atividades de suas pastas, a serem repassados para o time de transição. Os ministros precisam informar os futuros integrantes do novo governo, por exemplo, sobre qualquer assunto que demande atenção urgente nos próximos seis meses.
As contas de todas as áreas do governo também precisam ser informadas, assim como o organograma de todos os cargos da Esplanada.
"Uma transição de governo serve para você ter as informações básicas, começar a definir quais cargos vão ser ocupados por quem, aprender quais são os cargos mais estratégicos, o que cada ministério faz. Quando esse processo não é bem feito, esse aprendizado vai ser no decorrer do governo, o novo governo perde bastante tempo com isso", disse à BBC News Brasil o cientista político Sérgio Praça, professor da FGV.
Bolsonaro terá à disposição mais de 24 mil cargos que poderão ser preenchidos por indicação do governo, dos quais cerca de metade não precisa ser ocupada por servidores públicos.
"Nos ministérios, fora empresas estatais, são cerca de 11 mil cargos de confiança", calcula Praça, que faz parte de um projeto de pesquisa sobre cargos de confiança em países da América Latina.
Ao fim do processo de transição, o presidente eleito deve saber minúcias, como a agenda de compromissos e eventos assumidos pelo presidente anterior para os próximos 120 dias depois de sua posse.
Eliseu PadilhaDireito de imagemAGÊNCIA BRASIL
Image captionDo lado de Temer, a transição será comandada por Eliseu Padilha

Quem estará na equipe de transição de Bolsonaro?

Há três núcleos do entorno de Bolsonaro que estarão representados na equipe de transição.
São eles o núcleo político, chefiado por Onyx Lorenzoni, o núcleo econômico, comandado pelo provável ministro da Fazenda, Paulo Guedes, e o núcleo de formuladores de Brasília, chefiado pelo general da reserva do Exército Augusto Heleno, integrado por militares e professores da Universidade de Brasília (UnB) de várias áreas. As informações são de pessoa da equipe de Bolsonaro, que falou à BBC sob condição de anonimato.
Há também a possibilidade de colaboradores voluntários participarem da transição.
Ainda não há definição dos nomes individuais que participarão da equipe de transição - o certo é que Heleno, Onyx e Guedes serão ouvidos na hora de escolher os profissionais.
"Se o Onyx for confirmado (como ministro da Casa Civil), então ele é que coordenará este processo do lado de cá", disse um dos formuladores de Bolsonaro.

'Grupo do Heleno' se reúne há meses para formular propostas

Em Brasília, a preparação de propostas para o futuro governo já estava em andamento muito antes desta segunda-feira - muito antes, inclusive, do começo oficial da campanha, em 16 de agosto.
Comandado pelo general Augusto Heleno Ribeiro, o grupo está se reunindo pelo menos desde abril, segundo uma pessoa que participa das conversas. No início, as reuniões aconteciam no apartamento do general de quatro estrelas Oswaldo Ferreira, na Asa Norte de Brasília.
General Augusto Heleno Ribeiro PereiraDireito de imagemAGÊNCIA BRASIL
Image captionGeneral Heleno, na época em que ainda estava na ativa
Depois, com o aumento do número de encontros e de participantes, as conversas foram transferidas para um salão no subsolo do Brasília Imperial Hotel, um pequeno estabelecimento no Setor Hoteleiro Sul da capital.
"Aquilo começou a atrapalhar a rotina doméstica dele (Ferreira), então surgiu esse espaço no hotel", explica um apoiador.
Heleno e Ferreira já têm suas nomeações quase certas no próximo governo: Heleno deve chefiar o ministério da Defesa; o segundo vai comandar a área de Infraestrutura, que deve englobar ministérios já existentes hoje, como Transportes.
Para os formuladores de Bolsonaro, a pasta de Meio Ambiente deve se juntar a este superministério de Infraestrutura, e não à Agricultura, como ventilado inicialmente.
Além de Heleno e Ferreira, outro general que faz parte do grupo de formuladores de Bolsonaro é Aléssio Souto, que deve ficar responsável pelo Ministério da Educação - no grupo de formuladores, ele cuida também da área de Ciência e Tecnologia, e é possível que as duas pastas - MEC e MCTIC - sejam fundidas.
"O bom deste processo (das reuniões de formulação) é que o programa de governo conseguiu reunir colaborações de um monte de especialistas e consultores sem custo nenhum", disse um colaborador do grupo.
Ele cita os professores Carlos Alberto Decotelli (FGV), na área de agronegócio, e Fernando Coutinho (UnB), na área de minas e energia. Professores da UnB de outras áreas também compõem o grupo.
Para viabilizar as reuniões, o grupo acabou sendo dividido em núcleos temáticos - educação, infraestrutura etc. Na semana que antecedeu o 2º turno, a reunião no subsolo do Brasília Palace Hotel foi do núcleo de infraestrutura, por exemplo.
Lula (esq.) e Fernando Henrique Cardoso (dir.)Direito de imagemDIVULGAÇÃO
Image captionA transição de Lula para Fernando Henrique, em 2002/2003, foi a primeira com regras estabelecidas no Brasil

De FHC para Lula

Apesar da importância desse período, o estabelecimento de regras é relativamente recente no Brasil. A primeira vez em que houve um processo de transição formal foi durante a troca de comando entre os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, que tomou posse em janeiro de 2003.
"Uma das tarefas exitosas da administração FHC foi ter facilitado o processo de transição, justamente por conta do espírito da época, que era minimizar os riscos para a economia diante da incerteza que era gerada pela vitória do Lula", observa Cortez.
Desde então, não houve outro processo de transição da mesma magnitude, já que a sucessora de Lula, Dilma Rousseff, era ministra de seu governo. Dilma foi substituída em 2016 por Temer, seu vice-presidente, após sofrer impeachment.
O modelo brasileiro é considerado pioneiro na América Latina. "Acho que o Brasil está muito bem nesse aspecto", avalia Praça. "A organização federal do governo brasileiro é melhor, na média, do que nos outros países da América Latina."

Como é a transição nos Estados Unidos?

O sistema no Brasil ainda é menos avançado do que em países como os Estados Unidos, onde os preparativos para a transição começam mais de seis meses antes do dia da votação, que ocorre sempre no início de novembro.
Em 2016, equipes dos principais favoritos nas primárias republicana e democrata começaram a se reunir com representantes da Casa Branca já em abril, antes mesmo que os candidatos de cada partido fossem definidos. A partir de 1º de agosto, quando os nomes de Donald Trump e Hillary Clinton foram formalmente confirmados, suas respectivas equipes começaram a trabalhar em escritórios fornecidos pelo governo.
Trump e ObamaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionA transição nos EUA envolve bem mais gente e custos maiores que no Brasil
Essa operação, meses antes da eleição, é separada das campanhas. Cada candidato tem direito a espaço de trabalho e equipamentos para 114 pessoas. Entre suas atribuições estão elaborar listas de possíveis indicados para os 4 mil cargos que o presidente eleito deverá preencher e desenvolver planos e exercícios para supostas emergências relacionadas a terrorismo, clima, saúde e outras áreas.
O esforço é pago com recursos públicos e privados. Em 2016, o orçamento para as atividades de transição antes da eleição ultrapassou US$ 13 milhões (cerca de R$ 47 milhões). Além disso, as campanhas também têm permissão para arrecadar recursos privados, por meio de organizações isentas de impostos, para pagar suas equipes de transição.
Mas o sistema americano também é relativamente recente, e durante a maior parte da história do país a troca de poder ocorreu sem planejamento prévio. A lei que estabeleceu pela primeira vez mecanismos formais para o processo é de 1963 e prevê financiamento federal, espaço físico para as equipes, acesso a serviços do governo e treinamento para os novos funcionários.
No entanto, até 2008, esse trabalho só começava a partir da eleição. Foi somente no governo do presidente George W. Bush que o planejamento antecipado se tornou prioridade e os candidatos começaram a preparar a transição com vários meses de antecedência.
Membros do governo Bush estavam em contato com as equipes dos candidatos democrata, Barack Obama, e republicano, John McCain, meses antes da votação, e o esforço para transmitir informações sobre o governo e preparar os novos funcionários envolveu não apenas a Casa Branca, mas toda a administração.

Bush, Obama e Trump

Até hoje, a troca de comando entre Bush e Obama, que assumiu em 20 de janeiro de 2009, é considerada uma das mais bem-sucedidas da história e citada como exemplo.
Na eleição seguinte, em 2012, o padrão foi seguido. O republicano Mitt Romney, que desafiava Obama, instalou sua equipe de transição em junho, antes mesmo da formalização de sua escolha como candidato pelo partido. A operação contava com mais de 400 funcionários e US$ 4 milhões (cerca de R$ 14,5 milhões). Romney acabou sendo derrotado por Obama, que se reelegeu.
Apesar de toda a estrutura à disposição dos candidatos, a troca de comando entre Obama e Trump foi considerada conturbada, com desorganização e problemas na equipe do presidente eleito.
O coordenador inicial, Chris Christie, foi substituído três dias após a eleição. Mesmo após a posse, vários departamentos continuavam com lideranças provisórias e novos funcionários sem experiência nem conhecimento sobre os setores em que iriam atuar.
No Brasil, a expectativa dos analistas consultados pela BBC News Brasil é de que a transição para o novo governo ocorra sem problemas, apesar da relativa inexperiência do grupo que assume.
"É um grupo político que nunca ocupou postos dessa magnitude. A curva de aprendizado pra essa nova elite vai ser muito expressiva. Há um incentivo para que minimizem esse custo de transição e se aproximem da atual equipe", observa Cortez.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Agora é Bolsonaro na presidência:os obstáculos para concretizar 10 de suas propostas mais polêmicas

Magnum calibre 357 da TaurusDireito de imagemREUTERS
Image captionJá existe projeto avançado no Congresso para afrouxar os critérios da compra de armas
Capitão reformado do Exército e deputado federal pelo Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro (PSL) foi eleito Presidente da República neste domingo com 57.797.423 votos, ou 55,13% dos votos válidos.
Após tomar posse no dia 1º de janeiro de 2019, Bolsonaro será o chefe do governo e o representante máximo do Estado brasileiro. Mas quão grande é o poder de um Presidente da República? Quais decisões podem ser tomadas por decreto, e quais dependem do Congresso? Há algo nas propostas de Bolsonaro, ditas durante a campanha, que seja impossível de ser posta em prática?
A reportagem da BBC News Brasil conversou com profissionais e pesquisadores de diversas áreas para entender como podem ser concretizadas algumas das propostas mais polêmicas de Bolsonaro. Na maioria dos casos, a aprovação dependerá da interlocução entre o Palácio do Planalto e o Congresso.
"Claro que há uma dose de incerteza (sobre a relação de Bolsonaro com o Congresso). Ele foi deputado por várias legislaturas, mas era uma figura periférica. Mas, por outro lado, alguém que se elege para a presidência da República, ainda mais no primeiro mandato, entra com um capital político muito grande. Com certeza ele tem, hoje, mais força política do que Dilma Rousseff tinha em 2014", avalia o cientista político e analista Rui Tavares Maluf.
O partido de Bolsonaro, o PSL, elegeu a segunda maior bancada da Câmara, com 52 cadeiras - fica atrás apenas do PT, com 56 deputados eleitos.
Cartela com proposta de Bolsonaro e o trâmite de cada uma
Image captionAs propostas de Bolsonaro e o possível trâmite de cada uma. O grau de dificuldade é uma avaliação da reportagem
Além disso, diz o cientista político, é provável que o Bolsonaro do dia 2 de janeiro de 2019 já seja diferente do candidato. Junto com o capitão reformado do Exército, sobem a rampa do Planalto vários políticos aliados e setores econômicos interessados em evitar turbulências no país.
Conheça abaixo, em detalhes, o que Bolsonaro precisará fazer para tirar algumas de suas propostas mais polêmicas do papel.

1. Aulas de 'Educação Moral e Cívica' e OSPB nas escolas

Tanto Bolsonaro quanto o vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão, já defenderam em público a volta das disciplinas de Educação Moral e Cívica (EMC) e Organização Social e Política do Brasil (OSPB) ao currículo das escolas brasileiras, apesar de a proposta não constar oficialmente no programa de governo entregue pelo então candidato do PSL ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Escola militar em RoraimaDireito de imagemGOVERNO DE RORAIMA
Image captionBolsonaro disse que pretende expandir modelo de escolas militares por meio de convênios
As disciplinas de EMC e OSPB foram introduzidas nas salas de aula em 1969, durante o regime militar (1964-1985), e só deixaram de existir em 1993, por iniciativa do então presidente da República Itamar Franco. Enquanto a Educação Moral e Cívica era destinada ao ensino fundamental, a OSPB aprofundava os conteúdos no ensino médio.
O trâmite para inserir ou retirar disciplinas do currículo das escolas é complexo: primeiro, é preciso aprovar um projeto de lei ordinário no Congresso Nacional - que pode ser enviado pelo presidente da República, mas precisa ter na Câmara e no Senado maioria simples (50% mais um, com quórum de metade da Casa).
Depois, a mudança ainda precisa ser chancelada pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), um órgão colegiado independente, cuja função é auxiliar o titular do MEC na tomada de decisões.
Os legislativos de Estados e municípios também podem aprovar leis determinando a inclusão de conteúdos nas escolas da rede estadual ou municipal, respectivamente.
Para Célio da Cunha, pesquisador e ex-coordenador especial da ONU para a Educação, a criação de novas disciplinas no currículo escolar é desnecessária - os conteúdos antes abordados na EMC e na OSPB já são contemplados de forma transversal em outras disciplinas da grade.
"Estes conteúdos já estão contemplados nas diretrizes curriculares atuais. Ninguém propõe criar uma disciplina sobre meio ambiente, nem sobre cidadania, porque estes temas já são abordados", explica ele, que é professor da Universidade Católica de Brasília.
"O Congresso (Nacional) está cheio de propostas de criação de disciplinas, mas a tendência hoje é contrária a isso. A reforma do Ensino Médio inclusive reduziu disciplinas. A ideia é deixar somente as que são realmente necessárias", diz ele.

2. 'Excludente de ilicitude' para policiais que matam

Em agosto, Bolsonaro disse ao Jornal Nacional da TV Globo que pretendia "dar para o agente de segurança pública o excludente de ilicitude. Ele entra, resolve o problema. Se matar 10, 15 ou 20 (traficantes), com 10 ou 30 tiros cada um, ele (policial) tem que ser condecorado, e não processado", disse ele - dando a entender que pretende amenizar a possibilidade de punição de policiais que matam em serviço.
Policiais militares do ChoqueDireito de imagemAGÊNCIA BRASIL
Image captionO 'excludente de ilicitude' defendido por Bolsonaro para policiais já existe hoje no Código Penal
O tal "excludente de ilicitude" já existe hoje, no Código Penal brasileiro. E se aplica a qualquer pessoa, não só a policiais.
São situações nas quais a pessoa faz algo tipificado como crime, mas deixa de responder. É o que ocorre numa agressão ou homicídio que a Justiça entenda ter sido realizado em legítima defesa, por exemplo. Um policial que mate em ação pode deixar de responder por homicídio, se ficar provado, durante um processo judicial, que agiu para defender a própria vida.
Além da legítima defesa, há algumas outras situações que podem impedir alguém de responder por um crime. Entre elas está o "estrito cumprimento do dever legal": um policial que prende alguém em flagrante não pode ser condenado por sequestro, por exemplo.
O programa de governo de Bolsonaro reafirma a proposta, mas não traz detalhes. "Policiais precisam ter certeza que, no exercício de sua atividade profissional, serão protegidos por uma retaguarda jurídica. Garantida pelo Estado, através do excludente de ilicitude", diz um trecho.
"O excludente de ilicitude já está previsto no Código Penal, mas seria preciso entender em mais detalhes qual tipo de alteração está sendo proposta. Criar uma espécie de 'excludente automático', que elimine a necessidade de investigação, me parece extremamente perigoso. Significaria ter decisões judiciais automatizadas, quando o ideal é que cada caso seja analisado individualmente", diz o advogado criminalista Thiago Turbay, sócio do escritório Boaventura Turbay Advogados.
Alterações no Código Penal são feitas por meio de projetos de lei ordinários - precisam ser aprovados por maioria simples na Câmara e no Senado, e depois sancionados pelo presidente da República. No caso da Câmara, são 257 dos 513 deputados; no Senado, 41 dos 81 senadores.

3. Fusão e extinção de ministérios

Ministérios e secretarias podem ser extintos por medida provisória (MP). Este tipo de texto é editado pelo Planalto e tem força de lei logo depois de publicada no Diário Oficial.
Depois de publicada, uma medida provisória precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado, dentro de 60 dias (prorrogáveis por mais 60 dias) ou perde a validade.
Esplanada dos MinistériosDireito de imagemAGÊNCIA BRASIL
Image captionO presidenciável e sua equipe têm defendido reduzir o número de ministérios dos 27 atuais para 15
Em maio de 2016, logo depois assumir a Presidência da República, o presidente Michel Temer (MDB) publicou uma medida provisória reduzindo de 32 para 23 o número de ministérios. Foi a primeira MP editada por Temer.
Hoje, o país tem 27 ministros de Estado. Há também dois dirigentes com status de ministro - a advogada-geral da União, Grace Mendonça, e o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn. Em declarações recentes, Bolsonaro disse que pretende reduzir o número para 15.
Na época, sumiram do organograma da Esplanada as secretarias de Portos, Comunicação Social e a Casa Militar da Presidência, cujos titulares tinham status de ministro; também foram riscados do mapa os ministérios das Comunicações, do Desenvolvimento Agrário e das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos.
O governo também chegou a anunciar a fusão do Ministério da Cultura com o Ministério da Educação, mas depois voltou atrás.
Uma vez no Congresso, o rito de votação da MP favorece uma tramitação rápida. Se não for aprovada dentro de 45 dias, a medida provisória passa a trancar a pauta de votação da Casa em que se encontra (Câmara ou Senado). Ou seja: nada mais pode ser votado até que deputados ou senadores decidam sobre a MP. A aprovação se dá por maioria simples (metade mais um dos deputados e senadores).
Em seu plano de governo entregue ao TSE, Jair Bolsonaro não esclarece quais ministérios pretende suprimir. Mas, em março deste ano, disse que gostaria de extinguir o Ministério da Cultura (transformando-o numa secretaria do Ministério da Educação).
No domingo passado (21/10), Bolsonaro voltou a dizer que pretende fundir os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, embora a ideia seja rejeitada por alguns integrantes da sua equipe.

4. Imposto de Renda com alíquota única de 20%

Há alguns impostos federais cujas alíquotas podem ser aumentadas ou reduzidas com um decreto do presidente da República, sem passar pelo Congresso.
É o caso do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e da Contribuição sobre Intervenção no Domínio Econômico (Cide), que incide sobre os combustíveis.
Mas não do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF): este só pode ser alterado por meio de uma lei ordinária, que precisaria ser aprovada pelo Congresso.
O plenário da CâmaraDireito de imagemMARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL
Image captionMudar o Imposto de Renda envolve alterar leis ordinárias e talvez a Constituição
A ideia de uma faixa única para o imposto de renda, de 20%, foi defendida pela primeira vez pelo guru econômico de Bolsonaro, Paulo Guedes - em setembro, em entrevista, Bolsonaro reafirmou o apoio à ideia, acrescentando a isenção do imposto para quem recebe menos de R$ 5 mil por mês.
Hoje, o IRPF possui quatro faixas diferentes de alíquotas - de 7,5% a 27,5%. Só está isento quem ganha menos de R$ 1.903,98 mensais.
Como a proposta é de redução do tributo, e não de aumento, também não se aplica o princípio jurídico da "anterioridade tributária" - segundo o qual um imposto novo, ou um aumento de alíquota só entram em vigor um ano depois de aprovados. Ou seja, a redução de tributos defendida por Bolsonaro e Paulo Guedes entraria em vigor imediatamente depois de passar pela Câmara e pelo Senado - e pela sanção presidencial, segundo explica o advogado tributarista Igor Mauler Santiago, sócio-fundador do escritório Mauler Advogados.
Mauler alerta que há risco da proposta ter sua constitucionalidade contestada: a Carta de 1988 determina que o IR tenha entre suas características a progressividade.
Isto é, pessoas mais ricas devem pagar mais, proporcionalmente à renda, que os mais pobres. A determinação está no artigo 153 da Constituição, diz o tributarista. Portanto, a criação de uma alíquota única de IR pode envolver a necessidade de aprovação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC).

5. Parar a demarcação de terras indígenas

A demarcação de terras indígenas é um processo complexo, com várias etapas, e que pode demorar anos. Uma das últimas etapas, porém, é a chamada homologação da terra indígena, feita por meio de decreto do presidente da República.
Uma vez eleito, portanto, é relativamente fácil para um Presidente da República deixar de demarcar as terras.
De acordo com um levantamento do jornal O Estado de S. Paulo, existem hoje 129 processos de demarcação de terras indígenas em andamento no país, que poderiam ser afetados caso Bolsonaro leve adiante sua proposta. As áreas somam 11,3 milhões de hectares - maior que o Estado de Pernambuco.
Vivem nestas áreas cerca de 120 mil indígenas.
Indígenas brasileirosDireito de imagemMARCELO CAMARGO / AGÊNCIA BRASIL
Image captionO processo de demarcação de terras indígenas depende de aval presidencial, por meio de decreto
O programa de governo de Bolsonaro, entregue ao TSE, não traz menções às terras indígenas. O presidente eleito, porém, já se disse contrário às demarcações em diversos momentos ao longo da campanha eleitoral. Logo depois do primeiro turno das eleições, o capitão reformado prometeu "acabar com a indústria de demarcação de terras indígenas".
As demarcações estão previstas na Constituição Federal - na verdade, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) determinou que a demarcação fosse "concluída" em até cinco anos depois de promulgada a Carta de 1988, o que não aconteceu.
De qualquer forma, um procurador da República que atua em questões indígenas disse que o MPF pode ajuizar ações na Justiça caso Bolsonaro realmente deixe de demarcar.
"Quando o poder público não cumpre o papel dele (de demarcar), cabe ao MPF provocar a Justiça para obrigá-lo a isso, cumprir o dever de constitucionalidade", disse o procurador Antonio Carlos Alpino Bigonha.

6. Privatização de empresas estatais

Ao longo da campanha, o então candidato do PSL e sua equipe emitiram sinais conflitantes sobre a proposta de privatização de empresas públicas.
Em 12 de outubro, o presidenciável disse que companhias "estratégicas" para o país seriam poupadas - ele mencionou o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e a empresa gestora da hidrelétrica de Furnas.
Esta última é subsidiária da Eletrobras, cujo processo de privatização foi tentado pelo governo Michel Temer (MDB), sem sucesso até o momento.
Congresso NacionalDireito de imagemAGÊNCIA BRASIL
Image captionPrivatizações são processos complexos, que exigem apoio político no Congresso e retaguarda jurídica
A venda de empresas estatais depende de aprovação do Congresso, por maioria simples, nas duas casas. São precisos os votos de 257 dos 513 deputados; e de 41 dos 81 senadores.
O exemplo da Eletrobras, porém, mostra a complexidade envolvida na venda de grandes empresas pertencentes ao governo: o projeto de lei ordinário para a venda da empresa do setor elétrico foi enviado pelo governo ao Congresso em janeiro deste ano - e lá ficou.
Além de uma eventual má vontade de congressistas - que poderiam evitar o tema por acharem que ele poderia gerar-lhes ônus político no período eleitoral -, a proposta se tornou objeto de uma guerra jurídica, com várias decisões liminares (provisórias) de juízes federais da primeira instância contestando aspectos do projeto.
Além disso, o governo precisa realizar licitações para vender ações e patrimônio das estatais, sempre que esta venda resulte na perda do controle acionário da empresa.
Em meados deste ano, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski reafirmou em decisão a necessidade de autorização do Legislativo para a venda de empresas públicas, sejam elas da União, dos Estados ou dos municípios.

7. 'Rasgar o ECA'

Não está claro se Bolsonaro deseja realmente revogar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Em 23 de agosto, Bolsonaro disse que pretendia "rasgar" o Estatuto. E, em 27 de setembro de 2017, seu filho Flavio Bolsonaro publicou no YouTube um vídeo de um discurso seu na Assembleia Legislativa do Rio, sob o título "#Bolsonaro quer revogar o estatuto da criança e do adolescente (ECA)". O programa de governo entregue pelo candidato ao Tribunal Superior Eleitoral, entretanto, não menciona o assunto.
Caso deseje mesmo revogar o ECA, é preciso enviar um projeto de lei ao Congresso.
Entretanto, o Estatuto é hoje a base legal de várias políticas públicas em curso no país - desde o combate à exploração sexual de crianças e adolescentes até a atenção pré-natal às mães, como explica o advogado e coordenador do programa Prioridade Absoluta do instituto Alana, Pedro Hartung.
Plenário do SenadoDireito de imagemGERALDO MAGELA / AGÊNCIA SENADO
Image captionUma série de políticas públicas precisariam ser regulamentadas novamente se o ECA fosse revogado
Por isso, para "rasgar o ECA" completamente, seria preciso criar novas regulamentações para uma série de políticas públicas, diz o especialista. Isso torna a revogação total da lei improvável.
"O ECA não é somente uma lei. É um complexo sistema de políticas públicas e regulatórias. Políticas públicas de combate ao trabalho infantil, ao abuso sexual (de menores), todas têm no Estatuto sua base", diz Hartung. "O estatuto diz respeito a todas as crianças, inclusive os nossos filhos, e não somente aos infratores", diz ele.
"A maioria dos países democráticos do mundo possui legislação específica para crianças e adolescentes. Tanto é que a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, de 1989, é o tratado internacional com o maior número de países subscritores. Há um consenso internacional sobre a necessidade de proteger as crianças", afirma Pedro Hartung, doutorando na Universidade de São Paulo (USP).

8. Redução da maioridade penal

Para reduzir a maioridade penal é preciso aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado. A idade penal de 18 anos está definida no artigo 228 da Constituição.
Emendas à Constituição são votadas duas vezes (ou seja, em dois "turnos"), nas duas Casas. Em cada uma dessas quatro votações, a proposta precisa ter maioria qualificada de três quintos das duas Casas. Na Câmara, significa ter o voto de 308 dos 513 deputados; no Senado, é preciso a aprovação de 49 dos 81 senadores.
Já tramitam no Congresso algumas propostas de redução da maioridade penal para 16 anos.
Em meados de 2015, o plenário da Câmara aprovou em dois turnos a redução da maioridade penal nos casos de crimes hediondos (estupro, latrocínio, homicídio qualificado) - e a proposta está atualmente parada no Senado, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sob o número 115 de 2015. O novo governo pode, por exemplo, reunir apoio para acelerar a tramitação dessa proposta ou enviar uma nova.

9. Reduzir as cotas nas universidades e concursos

O termo "cotas" não aparece nas 81 páginas do programa de governo de Bolsonaro, entregue ao TSE. Mas, ao longo da campanha, o candidato se posicionou mais de uma vez contra as cotas raciais na universidade pública e nos concursos para o funcionalismo.
Estudante negro assiste aula na Universidade de Brasília (UnB)Direito de imagemAGÊNCIA BRASIL
Image captionDurante a campanha, Bolsonaro disse defender cotas sociais, e não raciais
"Eu sou contra a forma de cotas que está aí, que prejudica o próprio negro. Você bota cota para negros, a princípio quais negros têm mais facilidade de passar em concurso ou então ser admitido em vestibular? O negro filho de negro bem de vida. A minha cota é social, eu defendo a cota social. A racial, não", disse ele no fim de agosto.
As existentes hoje nas universidades e outras instituições federais de ensino superior foram criadas por uma lei federal, aprovada pelo Congresso e sancionada em agosto de 2012. Metade das vagas das universidades são hoje destinadas a estudantes que fizeram o ensino médio ou o ensino fundamental em escolas públicas. Dentro destes 50%, metade é destinada a pessoas pobres (cuja renda familiar é de 1,5 salário mínimo, ou R$ 1.405,50). O percentual destinado às cotas raciais varia conforme a população negra (parda e preta) de cada Estado.
Assim, para modificar as cotas, seria preciso enviar um projeto de lei ao Congresso. A aprovação seria a mesma das demais leis ordinárias: mínimo de 257 votos na Câmara, e 41 no Senado; além da sanção presidencial.
"Essa é uma matéria que não pode ser tratada por medida provisória, pois são reservadas a casos em que há urgência. E, evidentemente, é uma medida que enfrentará oposição no Congresso, na sociedade. Aparentemente, com o Congresso que emergiu das urnas no primeiro turno, Bolsonaro teria maioria para fazer isso", avalia o sociólogo e cientista político Paulo Baía, professor da UFRJ.
Mas há um porém: o Congresso só pode legislar a respeito de universidades federais.
Outras instituições de elite do país, como a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp) não seriam afetadas. Para mudar o sistema de cotas dessas instituições, seria preciso aprovar leis específicas nas assembleias legislativas dos Estados ou no legislativo municipal de São Paulo, no caso da USP.
A UERJ foi a primeira universidade brasileira a adotar o sistema de cotas, ainda em 2003.
Jair BolsonaroDireito de imagemAGÊNCIA CÂMARA DOS DEPUTADOS
Image captionEm sua primeira disputa presidencial, Jair Bolsonaro (foto) foi eleito com 55,13% dos votos

10. Revogar o Estatuto do Desarmamento

O Estatuto do Desarmamento é uma lei federal, sancionada em dezembro de 2003 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Portanto, só pode ser revogada se o Congresso Nacional aprovar uma outra lei sobre o mesmo tema, eliminando o estatuto vigente como um todo ou partes dele.
Há alguns projetos ligeiramente diferentes entre si sobre o assunto, na Câmara e no Senado.
Um dos mais avançados é o projeto de lei (PL) 3722 de 2012, de autoria do deputado Rogerio Mendonça (MDB-SC), o Peninha. Apresentado em 2012, o projeto sofreu várias modificações e foi aprovado pela Comissão Especial que tratou do assunto em 2015, na forma de um relatório do deputado Laudívio Carvalho (Pode-MG).
Desde aquela época, o projeto está pronto para ser votado no plenário da Câmara. Se aprovado, ainda precisa passar pelo Senado e pela sanção do presidente da República. Projetos de lei são aprovados em plenário por maioria simples - metade dos deputados e senadores mais um, estando presentes pelo menos metade dos integrantes de cada Casa.
O PL 3722 busca revogar o Estatuto do Desarmamento tal qual existe hoje, mas não libera totalmente a venda de armas. A proposta determina que o interessado em comprar uma arma faça um curso de tiro e um exame psicotécnico, além de não ter antecedentes criminais.
Além destes critérios, o Estatuto atual determina que a autoridade policial avalie a necessidade da pessoa ter uma arma. Este critério desaparece na nova norma.

Professor Edgar Bom Jardim - PE