terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Como celulares roubados no Carnaval são desbloqueados e desovados em ‘feiras do rolo’ no Facebook

Celulares apreendidos com porteiro durante carnaval em São Paulo
Image captionDelegado do Deic diz que brasileiros viajam ao Paraguai para comprar aparelho que desbloqueia celular roubado | Foto: Divulgação/Deic
Os blocos de Carnaval se tornaram um sucesso de público e arrastaram milhões de pessoas pelas ruas de diversas cidades brasileiras neste ano, como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. Mas em meio à euforia dos foliões, milhares de celulares foram roubados e furtados.
Mas o que os assaltantes fazem com esses aparelhos, já que a polícia bloqueia o IMEI (número de identificação) assim que o boletim de ocorrência é registrado?
Em 2015, o então secretário da Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, anunciou que esse bloqueio do registro do celular faria o smartphone perder todas as suas funções "e virar uma pedra" na mão dos criminosos. Mas não é o que acontece.
O bloqueio até ocorre de forma efetiva, mas os criminosos descobriram um aparelho capaz de trocar o IMEI bloqueado por outro antigo em uso - o que pode levar a dois celulares a terem o mesmo código. Depois, os assaltantes encontraram nas "feiras do rolo" do Facebook um caminho fácil para desová-los. Alguns grupos do tipo têm mais de 300 mil participantes.
Nesta terça-feira, uma mulher ofereceu 14 celulares "semi-novos" em um grupo fechado para venda e troca de celulares no Facebook, com 248 mil membros.

Desbloqueio

Mas, antes de tudo, o aparelho precisa estar funcionando plenamente.
Fabricado na China e na Coreia do Sul, o desbloqueador de IMEI apaga a identificação do aparelho registrado no Cadastro de Estações Móveis Impedidas (Cime), da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Isso "engana" o sistema das empresas de telefonia e faz o aparelho ser reconhecido como válido e efetuar ligações e acessar a internet normalmente.
Venda de celulares em grupo fechado
Image captionMulher vende 14 celulares "semi-novos" em grupo fechado no Facebook após Carnaval | Foto: Reprodução
Esse desbloqueador foi proibido no Estado de São Paulo há três anos. Mas, em entrevista à BBC Brasil, o delegado titular da Delegacia de Cybercrimes do Departamento de Investigações Criminais (Deic), José Mariano de Araújo, disse que os criminosos brasileiros passaram a compram o aparelho no Paraguai. Cada um custa cerca de US$ 350 - o equivalente a R$ 1150.
O delegado do Deic diz que hoje apenas dois modelos de celular são imunes ao desbloqueio do IMEI: o iPhone X, fabricado pela Apple, e o Galaxy S8, da Samsung. Com um aparelho desses em mãos, só resta aos assaltantes tentar desmontá-lo e vender suas peças.
José Araújo, que também é professor de cybercrimes e Direito Eletrônico da Academia da Polícia Civil de SP, diz que essa barreira é apenas uma questão de tempo para os criminosos. Como a atualização do desbloqueador é feita online, quando um hacker de qualquer parte do mundo conseguir quebrar o código para destravar o IMEI do iPhone X, por exemplo, todos os desbloqueadores do mundo também poderão ter acesso à função.
Questionada pela BBC Brasil, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo não informou quantos celulares foram roubados durante o carnaval. Mas segundo o delegado, o número de ocorrências cresceu.
"Estamos vendo uma reedição do roubo e furto de automóveis. É como pegar uma BMW novinha, descobrir uma que deu perda total, implantar o chassi dela na roubada e está lá a mesma situação (legal). Tem celular roubado, com IMEI de celulares antiguíssimos, rodando normal", explica o delegado.
No dia 12 deste mês, a polícia prendeu um porteiro de 45 anos e uma moradora do prédio onde ele trabalha, de 27 anos, sob suspeita de participarem de um esquema de roubo de celulares no Carnaval de São Paulo. Com eles, foram apreendidos 300 aparelhos. Na semana anterior, outro grupo fora detido com 32 smartphones.
Em São Paulo, a Polícia Militar reforçou a segurança com 7.504 policiais a mais nas ruas durante o Carnaval. No período, 8.843 pessoas foram abordadas, 31 presas e 4 menores apreendidos na capital. Em 2017, 4.127 celulares foram recuperados em ocorrências de receptação.

Por que não bloquear dois celulares com o mesmo IMEI?

A Anatel já fez anúncios de que bloquearia o IMEI de celulares piratas - sem o registro ou com a numeração repetida. A mais nova previsão é que a medida seja adotada a partir de maio de 2018, no Distrito Federal e Goiás.
Para o delegado do Deic, essa é uma das medidas mais importantes para evitar os roubos de celulares.
O delegado explica que o Brasil não exigiu que cada celular tivesse um IMEI diferente quando começou a registrar os aparelhos roubados no Cadastro de Estações Móveis Impedidas (Cime). Isso possibilitou que um registro fosse usado em diferentes celulares.
"Chega um aparelho da China aqui com um IMEI que nem existe e funciona. Fora isso, existe também uma configuração padrão de IMEI para testes de operadoras, que são usadas pelos fraudadores e aparecem dezenas de vezes", conta José Araújo.
Celular desmontado
Image captionNúmero de IMEI, gravado na bateria e na caixa do celular, é usado para bloquear as funções do aparelho
Segundo ele, a Anatel tem quer permitir que apenas aparelhos homologados funcionem nas redes de telefonia o mais rápido possível. "Mas as operadoras não têm nenhum interesse nisso porque o que elas querem é aumentar a sua massa de assinantes", diz.
Ele diz isso porque, caso os IMEIs piratas ou duplicados fossem bloqueados, a maior parte dos celulares importados da China deixaria de funcionar no Brasil por conta das identificações repetidas. Isso forçaria todos os brasileiros a usarem aparelhos nacionais e afetaria diretamente a quantidade de assinantes das operadoras.
O delegado do Deic ainda sugere que todos os celulares fabricados tenham um número de fábrica cravado em suas peças, como nos chassis de carros.
"Isso viabilizaria a gente saber a origem das peças de cada aparelho ao analisá-lo, além de evitar a venda das peças. Mas as fabricantes também não estão interessadas porque isso aumenta o custo de produção", explica Araújo.
Procurada pela reportagem da BBC Brasil, a Anatel não disse por que ainda não bloqueia IMEIs repetidos nem confirma quando adotará a medida.

Desova no Facebook

As "feiras do rolo", como são conhecidos os comércios ilegais de rua onde são vendidos produtos falsos ou roubados, agora migraram para a internet.
A maior parte desses grupos fechados e secretos está no Facebook e alguns são destinados exclusivamente ao comércio de celulares. A ideia inicial era de que os usuários pudessem vender aparelhos antigos ou com pequenos defeitos, mas criminosos estão aproveitando a plataforma para desovar os aparelhos roubados.
Celulares apreendidos com porteiro durante carnaval em São Paulo
Image captionCelulares apreendidos com porteiro durante carnaval em São Paulo | Foto: Divulgação/Deic
A reportagem da BBC Brasil teve acesso a mais de 10 grupos de troca e venda de celulares na rede social. Em alguns deles, pessoas vendiam até cinco aparelhos diferentes e faziam pacotes - um usuário vendia três celulares por R$ 800. Um sinal forte de irregularidade, segundo o delegado.
José Araújo e sua equipe do Deic investigam há mais de um ano os grupos criminosos que desovam celulares nas redes sociais. Diversos suspeitos foram identificados, mas nenhum foi preso.
"A infiltração virtual é muito complexa. Os criminosos agem como um exército e se blindam. É muito difícil conquistar a confiança de alguém pela internet. Assim que o cara desconfia de você, bloqueia na hora", diz o delegado.
Ele culpa redes sociais como o Facebook por dificultar o trabalho policial.
"Se nos mostrarem uma feira do rolo, eu mando uma equipe e a gente combate, mas na internet eu não tenho informação. As empresas que deveriam ajudar não vão porque elas têm que provar que possuem um ambiente seguro, não importa se o usuário é um criminoso ou não. Elas deveriam me dar acesso para trabalhar e investigar, mas não dão. Quer uma polícia eficiente que trabalhe com segurança ou preservar o anonimato de criminosos?", afirma o delegado.
Procurado, o Facebook informou que os "padrões da comunidade proíbem o uso do Facebook para praticar atividades criminosas, como as que causem danos financeiros a pessoas ou negócios". Diz ainda que "remove qualquer conteúdo desse tipo assim que fica ciente e fornece às autoridades os dados requisitados seguindo a legislação".

Como sei que um celular é roubado?

O delegado do Deic aponta a receptação como o principal combustível que impulsiona os roubos e furtos de celulares. Mas muitas vezes o comprador tem boas intenções ao participar de um grupo de trocas nas redes sociais e não sabe identificar se um aparelho é roubado.
O delegado do Deic diz que a principal dica para não colaborar com crime é aplicar os mesmos conhecimentos usados ao comprar um carro quando adquirir um celular de outra pessoa.
"O produto tem documentação ou nota fiscal? O aparelho tem o IMEI bloqueado? Eu recomendo que ainda que marque um encontro com o vendedor num local público de grande movimentação para avaliar o aparelho pessoalmente. Vá acompanhado, ligue o aparelho, veja se a conta do iTunes da Play Store estão bloqueadas, leve um chip para testá-lo e coisa do tipo", recomenda o delegado.
Mas para ele, enquanto IMEIs repetidos forem permitidos e a comercialização indevida for possível por meio das redes sociais e até mesmo em lojas que fazem manutenção de aparelhos, todas as outras ações serão apenas para "enxugar gelo".
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Artes:Pantera Negra é marco para a representatividade negra nos filmes de super-heróis

Elenco e produção são compostos, majoritariamente, por afro-americanos. Foto: Marvel Studios/Divulgação
Elenco e produção são compostos, majoritariamente, por afro-americanos. Foto: Marvel Studios/Divulgação

Não é preciso análise profunda para perceber quão pouco diversa costuma ser a produção audiovisual de Hollywood: quem frequenta cinemas deve notar o perfil étnico predominante nos filmes. Estudo publicado no ano passado pela Universidade de Southern, na Califórnia, apontou que brancos representavam 70,8% dos papéis com falas nos cem títulos de maior bilheteria de 2016. Já os atores negros eram apenas 13,6%, de um total de 4.583 personagens. Diante desse cenário pouco representativo, Pantera Negra, blockbuster da Marvel que tem sessões a partir de meia-noite, faz uma saudável inversão, com elenco majoritariamente afro-americano, além do diretor, Ryan Coogler, e outros integrantes da produção.

O núcleo do filme é encabeçado por Chadwick Boseman (T’Challa/Pantera Negra) e tem ainda Lupita Nyong’o (Nakia), Danai Gurira (Okeye), Daniel Kaluuya (W’Kabi) e Michael B. Jordan (Erik Killmonger), entre outros. Martin Freeman (Everett K. Ross) e Andy Serkis (Ulysses Klaue) são os únicos caucasianos no elenco principal. Ainda que seja alardeado como primeiro filme solo de super-herói negro, Pantera Negra não é pioneiro nesse campo, mas é a maior produção. Entre os exemplos anteriores estão os menos lembrados Aço (1997) e Spawn(1997), além do bem-sucedido Blade: O caçador de vampiros (1998), que rendeu duas sequências, em 2002 e 2004. Há, ainda, Mulher-Gato (2004), estrelado por Halle Berry, embora a personagem se enquadre melhor como anti-heroína. 

Seja como for, não é uma lista exatamente longa de filmes nem, muito menos, um problema específico das produções de super-heróis. Aliás, transcende a sétima arte: a falta de diversidade é notável também em outras mídias e expressões artísticas, dos programas televisivos aos videogames. E, claro, abrange outras esferas para além da questão étnica, incluindo a representatividade feminina, LGBT e de pessoas com deficiências, entre outras minorias. 

Pantera Negra nas HQs A despeito do nome, o personagem não fazia referência ao Partido dos Panteras Negras, chegou a declarar Stan Lee, cocriador ao lado de Jack Kirby. A inspiração viria de um personagem de revistas pulp cujo símbolo era justamente a pantera negra. Nas primeiras artes conceituais, Kirby chegou a anotar o nome Coal Tiger(Tigre de Carvão, em português). Herdeiro do trono de Wakanda, uma sociedade fictícia africana mais intelectual e tecnologicamente avançada, T'Challa é também líder do clã Pantera. 

A primeira aparição foi na HQ do Quarteto Fantástico, em julho de 1962 e, após participações especiais ao lado de outros personagens, ganhou um título próprio somente em 1973, na revista Jungle action. Ao longo das décadas, o herói chegou a ter algumas séries, a mais longeva delas com pouco mais de 60 edições. No Brasil, o Pantera nunca teve revista própria e a fase mais recente do personagem, que serve de base para o filme, é publicada em volumes encadernados, compilando as edições mensais, assinadas por Ta-Nehisi Coates (roteiro) e Brian Stelfreeze (arte). 

+ Em versosFã de quadrinhos, o rapper Emicida escreveu, ao lado de Felipe Vassão, uma música intitulada Pantera Negra, dedicada ao herói da Marvel. A faixa, já disponível nas plataformas de streaming, faz referências a outros personagens negros das HQs e à cultura Black e ancestralidade. "Com a garra, razão e frieza, mano/ Se a barra é pesada, a certeza é voltar/ Tipo Pantera Negra (eu voltei)/ Tipo Pantera Negra", diz o refrão da canção. 

Olhar Vencedora do Oscar de atriz coadjuvante por Histórias cruzadas (2012), Octavia Spencer estará no estado do Mississipi para o lançamento do filme e anunciou que irá bancar sessões destinadas a comunidades carentes. "Quero garantir que crianças negras possam se enxergar como super-heróis", disse a atriz, que fez ação similar no ano passado para exibição do filme Estrelas além do tempo.

Outros heróis negros 

John Stewart (1971) 
Substituto de Hal Jordan, o mais conhecido dos personagens a assumir o manto de Lanterna Verde, Stewart se tornou o protagonista da série durante alguns números nos anos 1980. Ganhou mais popularidade na série animada Liga da justiça, exibida de 2001 a 2006, o que influenciou nos quadrinhos, desfrutando de mais destaque a partir daí. Especula-se que John Stewart seja integrado ao universo cinematográfico da DC. 

Tempestade (1975) 
Já que as histórias dos X-Men traziam subtexto sobre tolerância e enfrentamento ao preconceito, fez todo o sentido a criação de Ororo Munroe, mutante descendente de uma linhagem ancestral de feiticeiras africanas. Mais conhecida pelo codinome de Tempestade, pela capacidade de manipular o clima, a personagem chegou a se casar, nos anos 2000, com o Pantera Negra, mas a união teve fim. 

Miles Morales (2011) 
O personagem negro e latino assumiu o manto do Homem-Aranha em uma linha de quadrinhos paralela ao universo original do herói. Posteriormente, Miles foi integrado à série regular de títulos da Marvel e coexiste junto com a versão clássica do aracnídeo, Peter Parker. Miles Moraes será o protagonista do longa-metragem em animação Homem-Aranha no Aranhaverso, que estreia nos cinemas em dezembro. 

Luke Cage (1972) 
Um dos primeiros super-heróis negros a ter revista mensal própria, Luke Cage foi transposto para as telas recentemente, em série da Netflix de mesmo nome. Com inspirações no movimento blaxploitation dos anos 1970, a HQ era ambientada no Harlem e, antes de se tornar um herói de aluguel, Cage foi membro de uma gangue e praticou pequenos delitos. Simbólico, o poder dele é ter uma pele invulnerável e superforça. 

Raio Negro (1977) Primeiro personagem negro da DC Comics a ter um título solo, repetiu, recentemente, feito similar na TV, estrelando série própria realizada em parceria entre o canal CW e Netflix. Após lidar com a perda do pai, morto por mafiosos locais, e sentir a ameaça de uma gangue poderosa, Jeff Pierce constrói, com a ajuda de um amigo, um uniforme com poderes elétricos e decide combater o crime no bairro. 

Riri Williams (2016) 
Com 15 anos de idade, a adolescente chamou a atenção do Homem de Ferro original, Tony Stark, por conseguir construir uma armadura similar à do herói. Com a bênção de Stark, que auxilia com treinamento e suporte tecnológico, a garota assume o lugar do herói. O arco inicial de histórias de Riri Williams começou a ser publicado recentemente no Brasil na revista mensal Homem de Ferro, da Panini. 
Com informações de Diário de Pernambuco
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Cidadania:STF decide se grávidas e mães presas provisórias podem ir pra casa; entenda o que está em jogo

Mãe com filho no Complexo Penitenciário de Bangu, em foto de arquivo
Image captionMãe com filho no Complexo Penitenciário de Bangu; proteção à criança depende da proteção à presa, diz advogado | Foto: Tânia Rêgo/Ag. Brasil
O Supremo Tribunal Federal (STF) pode decidir nesta terça-feira se mulheres grávidas e mães de crianças de até 12 anos que estejam em prisão provisória (ou seja, que não foram condenadas) terão o direito de deixar a cadeia e ficar em prisão domiciliar até seu caso ser julgado.
A Segunda Turma da corte, composta pelos ministros Edson Fachin, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, vai votar um habeas corpus coletivo em nome dessas detentas e de seus filhos, sob o argumento de que "confinar mulheres grávidas em estabelecimentos prisionais precários, subtraindo-lhes o acesso a programas de saúde pré-natais, assistência regular no parte e pós-parto, e ainda privando as crianças de condições adequadas a seu desenvolvimento, constitui tratamento desumano, cruel e degradante".
Não há dados oficiais a respeito, mas estima-se que um terço da população carcerária feminina (hoje composta de mais de 42 mil mulheres) se enquadre na categoria de gestantes ou mães de crianças pequenas, segundo o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu), que está entre os impetrantes do habeas corpus no Supremo.
Ou seja, é possível que até 14 mil detentas sejam autorizadas a ficar em prisão domiciliar. No entanto, não se sabe de antemão se o habeas corpus, caso acatado, teria efeito imediato ou não.
Uma lei de 2016 já determina que presas grávidas ou com filhos de até 12 anos possam pedir substituição da prisão preventiva pela domiciliar dentro da justificativa de "assegurar os direitos da criança, do adolescente e do jovem como prioridade absoluta". Mas há uma resistência entre juízes de primeira instância em conceder esse benefício, segundo advogados.
"Hoje, os juízes argumentam que não ficou comprovado (pela defesa dessas mulheres) que a mãe é insubstituível, o que é infundado. A mãe é sempre insubstituível, e esperamos que isso não precise ser comprovado caso a caso", diz Nathalie Fragoso, advogada do CADHu, à BBC Brasil.
"Outro argumento é de que a defesa não conseguiu comprovar que a mãe está em situação degradante na cadeia, quando sabemos que o sistema penitenciário inteiro está em absoluta calamidade no Brasil."

'Forma seletiva'

O tema ganhou destaque no noticiário recente com dois casos ocorridos em São Paulo. Neste mês, um bebê recém-nascido foi levado com a mãe à penitenciária após ela ter sido detida sob a acusação de tráfico de drogas, e no mês passado, a presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Laurita Vaz, negou habeas corpus à mãe de uma criança de um mês de vida, impedindo-a de cumprir pena domiciliar.
A mãe havia sido presa com 8,5 g de maconha encontradas dentro de um bolo que ela levava ao marido na prisão. Na decisão, Vaz afirmou que "a simples existência de filhos menores não enseja a concessão automática da benesse (da prisão domiciliar)".
Para críticos, decisões do tipo contrastam com o benefício concedido a Adriana Ancelmo, ex-primeira-dama do Rio, presa no âmbito da Operação Calicute (desmembramento da Lava Jato).
Ela, que é mãe de crianças de 11 e 15 anos, recebeu o direito a prisão domiciliar em dezembro, por decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF, que afirmou que a prisão de mães e grávidas é "absolutamente preocupante" e defendeu alternativas ao encarceramento, para não haver "punição excessiva" à mulher ou a seus filhos.
"O habeas corpus (em votação nesta terça) ressalta a forma seletiva como a Justiça trata as mulheres presas (...) e o quão constratantes são as decisões envolvendo mulheres de diferentes classes sociais", diz o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos. "Por essa perspectiva, oferece uma oportunidade para que o STF corrija injustiças e revogue a prisão de todas, e não apenas de um grupo seleto de mulheres."

Proteção à infância

O impacto da prisão repentina de uma mãe é "desvastador" para famílias carentes, explica à BBC Brasil Maria do Carmo Leal, médica e pesquisadora da Fiocruz e coordenadora de uma pesquisa chamada "Nascer nas Prisões", cujos dados serão apresentados ao STF durante a votação desta terça.
"Ocorre uma desestruturação completa, porque a mãe em geral era o arrimo da família e ela desaparece repentinamente (da vida familiar)", relata.
Detenta grávida
Image captionLevantamento recente do Conselho Nacional de Justiça diz que há no Brasil 622 mulheres presas grávidas ou lactantes | Foto: Fiocruz
Entre 2011 e 2014, a pesquisa da Fiocruz mapeou detentas gestantes ou mães de bebês pequenos em penitenciárias de 24 Estados brasileiros.
"A maioria tem entre 20 e 29 anos, é pretas ou parda, de baixa escolaridade e muita vulnerabilidade social. E 62% delas já tinham de dois a quatro filhos", diz a médica.
"Mais da metade delas não tinha companheiros e um terço se declarou chefe de família. A maioria foi presa por delitos menores, como levar drogas para o marido na cadeia, vender pequenas quantidades da droga ou envolver-se em brigas. É a baixa democracia brasileira: prender mães pobres, (impondo-lhes) um castigo desse tamanho."
A mulher não perde a guarda dos filhos ao ser presa, mas essa guarda fica suspensa até o julgamento definitivo do processo, suspensão que persiste se houver condenação a pena superior a dois anos.
"Os irmãos são separados para viver em abrigos ou serem cuidados por parentes ou vizinhos. E bebês de até seis meses ficam com as mães na prisão na maioria dos Estados, enquanto são amamentados. Mas é um período de grande sofrimento, porque a mãe não sabe o que vai acontecer com a criança em seguida. Daí, de um dia para o outro esse bebê simplesmente deixa de ver a mãe, algo inominável para o desenvolvimento e a saúde infantil", prossegue Leal.
Os filhos das detentas são citados como parte interessada no habeas corpus porque o encarceramento de suas mães "viola massivamente direitos constitucionais das crianças, como saúde, alimentação (por conta da amamentação) e convivência com a família e a comunidade", diz Pedro Hartung, advogado do Alana, grupo de defesa dos direitos infantis.
"Pesquisas mostram que crianças expostas a estresse, inclusive o afastamento da mãe e da família, levam essa marca para toda a vida em atraso cognitivo, problemas de saúde e estresse tóxico. É um impacto social muito grave. Todos nos beneficiamos como sociedade que as crianças tenham um desenvolvimento sadio. E para proteger essas crianças precisamos proteger suas mães."
Mas o fato de essas mães serem potencialmente criminosas não configura um perigo a esses filhos? Para Hartung, os dispositivos legais já preveem que essas crianças sejam acompanhadas pelo Conselho Tutelar, que pode intervir caso o convívio com a mãe se converta em um risco. "Abusos ou violência podem resultar na perda do benefício da prisão domiciliar para a mãe", diz ele.

'Absoluta indignidade'

Mãe amamentando na prisão
Image captionMãe pode amamentar filho na cadeia, dependendo do Estado onde está presa, mas condições 'violam direitos constitucionais das crianças' | Foto: Reprodução Nascer nas Prisões/Fiocruz
Levantamento recente do Conselho Nacional de Justiça diz que há no Brasil 622 mulheres presas grávidas ou lactantes.
O cadastro foi solicitado pela presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que afirmou em janeiro que não quer que "nenhum brasileirinho nasça dentro de uma penitenciária. Isso não é condição precária, é de absoluta indignidade".
Hartung, do Alana, afirma que há também 1,8 mil bebês vivendo com suas mães no cárcere, "em situação degradante" por causa da falta de estrutura, higiene e garantias de proteção à infância nos presídios.
Não se sabe ao certo, porém, qual o número de detentas que têm filhos de até 12 anos. O Departamento Penitenciário Nacional tem informações a respeito dos filhos de apenas 9% da população carcerária total do Brasil. Nesse universo, 74% das mulheres detidas até 2016 têm ao menos um filho, de idade não determinada.
Nesse universo, outro fator preocupante é a explosão da população carcerária feminina no Brasil: o número de mulheres presas aumentou quase 600% entre 2000 e 2015. Segundo dados oficiais, 80% delas são as responsáveis principais (ou únicas) pelos cuidados com os filhos.
Paula Adamo Idoeta. BBC
Professor Edgar Bom Jardim - PE

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Brasil:ato contra a reforma da Previdência

Ato reúne centenas de trabalhadores nas principais ruas do Centro do Recife. Foto: Sávio Gabriel/DP (Ato reúne centenas de trabalhadores nas principais ruas do Centro do Recife. Foto: Sávio Gabriel/DP)
Ato reúne centenas de trabalhadores nas principais ruas do Centro do Recife. Foto: Sávio Gabriel/DP


Após a manhã de protestos contra a reforma da Previdência, as centrais sindicais de Pernambuco se reúnem, na tarde desta segunda-feira, no Parque 13 de Maio, no bairro da Boa Vista, para mais um ato contra a votação. Ao longo do dia, os postos de atendimento do INSS e escolas fecharam as portas, houve bloqueios nas principais rodovias federais que cortam o estado e, agora, os trabalhadores saem em caminhada para manter a pressão sobre os deputados federais.

O ato é endossado por faixas e dois trios elétricos. Depois da concentração, que começou por volta das 15h, os trabalhadores saíram em caminhada pela Rua do Hospício em direção à Avenida Conde da Boa Vista. Os organizadores adiantaram que a mobilização deve seguir até a Praça da Independência, mais conhecida como Pracinha do Diario.

"Desde o início da manhã, teve ação no estado todo e paralisação de diversas categorias. É preciso lembrar que a reforma da Previdência não está sendo votada, porque Temer não tem maioria. O povo está na rua, está pressionando os deputados nas suas bases eleitorais, e ele não tem os 308 votos. A intervenção no Rio de Janeiro é apenas uma desculpa para ele não votar. E, pode ter certeza, todas as vezes que anunciarem a votação da reforma da Previdência nós vamos parar o Brasil", adiantou o presidente da Central Única dos Trabalhadores de Pernambuco (CUT-PE), Carlos Veras.

Durante o ato, houve uma peça teatral explicando os danos da reforma aos trabalhadores. Foto: Sávio Gabriel/DP (Durante o ato, houve uma peça teatral explicando os danos da reforma aos trabalhadores. Foto: Sávio Gabriel/DP)
Durante o ato, houve uma peça teatral explicando os danos da reforma aos trabalhadores. Foto: Sávio Gabriel/DP


Segundo a liderança sindical, não haverá trégua. "Vamos fazer muitas manifestações, muitos atos, vamos continuar denunciando nas bases eleitorais de cada deputado federal. A população vai continuar informada sobre quais são os parlamentares que estão em Brasília assaltando os direitos da classe trabalhadora", advertiu. "A principal ação agora é manter o que os trabalhadores têm feito nas bases eleitorais. Essa pressão tem gerado medo neles no ano eleitoral. A nossa estratégia é a mesma do Temer, que ameaça não apoiar os candidatos caso não votem a favor da reforma", explicou Veras.

Caminhada começou por volta das 17h. Foto: Sávio Gabriel/DP (Caminhada começou por volta das 17h. Foto: Sávio Gabriel/DP)
Caminhada começou por volta das 17h. Foto: Sávio Gabriel/DP


As centrais denunciam que a reforma não acaba com privilégios. "A superaposentadoria continua, a exemplo do próprio Temer, que se aposentou com 55 anos recebendo mais de R$ 30 mil. Na CPI da Previdência, R$ 4,7 trilhões deixaram de ser arrecadados por conta das dívidas de empresas públicas e privadas. O trabalhador tem o valor descontado, mas as empresas não repassam para o governo, o que gera a dívida. É preciso combater a sonegação e cobrar a dívida, não penalizar os trabalhadores", continuou o sindicalista. 

Além da CUT-PE, outras oito centrais sindicais participam do ato, entre elas, a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), União Geral dos Trabalhadores (UGT), Central Sindical e Popular/Conlutas (CSP/Conlutas), a Intersindical e também a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo. "Não podemos ter tranqulidade com um governo golpista como esse cheio de artifícios. Essa reforma crimonosa só privilegia os banqueiros e acaba com o direito a aposentadoria de todos os homens e mulheres do país. Não vamos deixar isso acontecer", concluiu. 


Com informações do repórter Sávio Gabriel
Diário de Pernambuco
Professor Edgar Bom Jardim - PE