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terça-feira, 13 de novembro de 2018

Contra perseguição de esquerda e de direita, acadêmicos criam revista científica 'anônima'


Professor Jeff McMahanDireito de imagemJOHN CAIRNS
Image captionPara Jeff McMahan, universidade precisa discutir de forma mais aberta
Um grupo de pesquisadores de várias universidades ao redor do mundo está organizando o lançamento de um novo periódico científico no qual os autores de artigos sobre temas sensíveis ou "polêmicos" poderão publicar os resultados de sua pesquisa protegidos por pseudônimos.
Para os líderes da iniciativa, a livre discussão intelectual em assuntos sensíveis está sendo cerceada por uma cultura de medo e de autocensura.
A nova revista científica foi batizada de "Journal of Controversial Ideas" (algo como "Periódico das Ideias Controversas", em tradução livre). Será lançada no começo de 2019.
Jeff McMahan, professor de filosofia moral da Universidade de Oxford, é um dos organizadores. "(O periódico) permitirá às pessoas cujas ideias podem criar problemas com a direita, com a esquerda ou com as administrações de suas universidades que publiquem sob um pseudônimo", disse.
Ele revelou os planos para o novo periódico numa entrevista para o University Unchallenged, um rádio-documentário da BBC Radio 4 sobre diversidade de pontos de vista na academia.
"A necessidade de discussões mais abertas é aguda. Há muita inibição nos campi universitários em assumir certas posições, por medo das consequências", disse ele.
"O medo vem da oposição sofrida pelos pesquisadores, tanto por parte da direita quanto da esquerda. As ameaças de fora da universidade tendem a vir mais da direita. E as ameaças à liberdade de expressão de dentro da academia costumam vir mais da esquerda", disse ele.

Revisão por pares

McMahan frisou que a nova publicação, que tratará de várias disciplinas científicas, adotará o procedimento padrão em periódicos do tipo, com revisão por pares.
Estudantes durante aulaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image caption'Nas condições atuais, algo deste tipo é necessário', disse McMahan sobre o periódico
"O processo de avaliação será tão rigoroso quanto o de outros periódicos. O nível de qualidade será mantido", disse.
O conselho editorial será composto por estudiosos de várias áreas e em vários países, com representação do pensamento de esquerda e de direita, bem como de intelectuais religiosos e seculares. O objetivo é evitar que o periódico seja identificado com algum ponto de vista específico. A primeira chamada para artigos deve sair em breve.
Outros pesquisadores importantes estão participando da iniciativa, como o filósofo australiano Peter Singer e a estudiosa de bioética Francesca Minerva, da Universidade de Ghent (Bélgica).
McMahan disse que os responsáveis veem a iniciativa como uma resposta ao "espírito do tempo".
"Acredito que todos nós ficaríamos muito felizes se, e quando, a necessidade de um periódico desses desaparecesse. O quanto antes, melhor".
"Mas, nas condições atuais, algo deste tipo é necessário", disse.
O rádio-documentário University Unchallenged estará disponível no BBC Sounds depois de ir ao ar na noite desta segunda-feira (12).
Professor Edgar Bom Jardim - PE

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Contra Escola sem Partido, governo do MA edita decreto por ‘escola sem censura’


João Valadares
Em uma tentativa de se antecipar aos efeitos do projeto de lei da Escola sem Partido,  uma das bandeiras do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), o governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), editou decreto nesta segunda-feira (12) que defende a liberdade de expressão dos professores. Há também a determinação para que filmagens em salas de aula só ocorram com o consentimento de quem será gravado.
O governador alega que a norma é uma maneira de garantir “escolas com liberdade e sem censura”. O texto da determinação, que começou a vigorar na manhã desta segunda-feira, também faz referência a alunos e servidores das instituições estaduais de ensino do Maranhão. O artigo 1º diz: “Todos os professores, estudantes e funcionários são livres para expressar seu pensamento e suas opiniões no ambiente escolar da rede estadual do Maranhão”.
Outro dispositivo do decreto diz que a Secretaria Estadual de Educação deve promover campanhas de divulgação nas escolas sobre garantias constitucionais.
O artigo 3º veda o cerceamento de opiniões mediante violência ou ameaça, ações ou manifestações que configurem a prática de crimes tipificados em lei, tais como calúnia, difamação e injúria e também qualquer pressão ou violação aos princípios da Constituição.

A decisão do governador aborda ainda a questão das filmagens em sala de aula. “Professores, estudantes e funcionários somente poderão gravar vídeos ou áudios durante as aulas e demais atividades de ensino mediante consentimento de quem será filmado ou gravado”.

Em sua conta oficial do Twitter, Dino falou sobre o assunto. “Editei agora decreto garantindo escolas com liberdade e sem censura no Maranhão, nos termos do artigo 206 da Constituição Federal. Falar em Escola sem Partido tem servido para encobrir propósitos autoritários incompatíveis com a nossa Constituição e com uma educação digna”, postou.

Derrota nos tribunais 

Levantamento da Folha de S.Paulo apontou que a proposta de vetar a abordagem de gênero nas escolas, que integra o projeto de lei da Escola sem Partido, em discussão no Congresso, tem sofrido derrotas em tribunais estaduais e em decisões provisórias do STF (Supremo Tribunal Federal).
Só em 2018, as cúpulas dos tribunais de ao menos cinco estados (SP, RJ, MG, SE e AM) suspenderam leis municipais que proibiam menção a gênero. Desde 2017, a Procuradoria-Geral da República entrou no STF com ao menos sete ações contra normas de municípios de diferentes regiões que proíbem a “ideologia de gênero” nas escolas -dessas, duas tiveram liminares do Supremo suspendendo as leis. Em breve, o STF deve julgar o tema em plenário pela primeira vez.
As propostas ligadas a Escola Sem Partido, em geral, pregam a “neutralidade” dos professores, limitando que docentes exponham opinião em sala de aula e com canais de reclamações para que pais e estudantes possam denunciar condutas supostamente contrárias.
O projeto, que pode transformar a proposta em lei federal, segue em tramitação no Congresso Nacional.
paranaportal.uol.com.br
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Enquetes do Senado batem recorde após eleições, mas têm pouco efeito prático no Congresso


Teclas com sinais positivo e negativoDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionEnquetes do Senado receberam 7,67 milhões de votos, dos quais 4,9 milhões apenas entre 1º de outubro e 11 de novembro
Em maio de 2015, o senador Magno Malta (PR-ES) apresentou um projeto para sustar a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que autoriza a celebração de casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Como ocorre com toda proposta do Senado, foi aberta uma consulta na internet para que cidadãos pudessem dizer se concordam ou não.
Em mais de cinco anos no ar, a enquete no site do Senado havia recebido 1.045 votos - 620 contra e 425 a favor. Veio, então, a eleição presidencial e a votação na consulta online sobre o projeto explodiu.
Ao longo de pouco mais de uma semana, a enquete recebeu dezenas de milhares de votos. Hoje, já passam de 456 mil, dos quais 428 mil contra o projeto. Na escolha presidencial, apoiado por Malta, Jair Bolsonaro (PSL) foi eleito presidente do País.
O número de acessos à consulta do Senado foi tão grande que, na semana após a eleição, o site ficou instável e saiu do ar algumas vezes.
Parte da explicação para o aumento desta e de outras votações foram correntes de WhatsApp e posts em outras redes sociais mobilizando pessoas a votarem sobre os temas tratados por elas.
Não é a primeira vez que isso acontece: sempre que a discussão sobre um assunto polêmico esquenta e há algum projeto sobre ele em tramitação no Senado, surgem correntes de mobilização para que as pessoas votem nas respectivas enquetes.
Na semana após a eleição, também viralizaram as enquetes do projeto sobre a criminalização da "apologia ao comunismo", do fim do auxílio-moradia para juízes, senadores e deputados, da realização de um plebiscito sobre a revogação do Estatuto do Desarmamento, da classificação da ocupação de propriedades privadas por movimentos sociais como terrorismo e do projeto Escola Sem Partido.
Neste ano, por exemplo, as enquetes receberam 7,67 milhões de votos, dos quais 4,9 milhões apenas entre 1º de outubro e 11 de novembro.
"Essas pesquisas tendem a ganhar bastante tração especialmente num período eleitoral. Para muitas pessoas, o interesse pela política é sazonal, segue a lógica de temporadas", diz Carlos Affonso Souza, diretor do ITS-Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro).
"As pessoas vivem em hibernação política e despertam mais próximo do período de eleição. E pautas do Congresso acabam ganhando atenção", explica Souza.
Mas, afinal, para que servem estas enquetes? Elas têm algum efeito prático na tramitação de leis ou são apenas mais um campo de batalha na internet?

Participação em enquetes cresceu com a eleição

As enquetes sobre projetos legislativos fazem parte do site e-Cidadania, portal dentro do site do Senado, criado após os protestos de junho de 2013.
"O senado aprovou algumas medidas para mostrar à população que estava ouvindo o clamor do público, e o site foi uma delas", afirma Alisson Bruno Dias de Queiroz, coordenador do e-Cidadania.
O e-Cidadania permite, por exemplo, que os cidadãos façam comentários sobre projetos de lei que serão alvo de audiências públicas - dos quais uma pequena parcela chegam a serem lidos nas reuniões. Também permite que a população sugira projetos de leis.
As enquetes são inegavelmente sua face mais popular e a que costuma atrair a maior participação - que vem aumentando de forma expressiva desde 2016.
Na semana após o segundo turno deste ano, por exemplo, o e-Cidadania chegou a receber 17 mil acessos simultâneos - em média, são de 300 a 400. "Há alguns picos ao longo do ano, mas este foi o maior de todos", diz Queiroz.
"Eu mesmo recebi muitas enquetes pelo WhatsApp no grupo da família, do condomínio, e outras pessoas me disseram que o mesmo aconteceu com elas. Esse aplicativo costuma ser o principal motor."
O coordenador do e-Cidadania avalia que "o terreno já estava fértil para a circulação de mensagens de teor político. E, com o fim da votação, talvez não houvesse mais o que falar da eleição em si e a atenção tenha se voltado para os projetos."
Souza destaca que o Congresso, por meio de sua função legislativa, tem um enorme poder de transformação social, e que "suas pautas que dizem respeito a família, sexualidade, religião e exercício de direitos fundamentais, tendem a ganhar bastante tração, especialmente num período eleitoral".
Resultado de enquete no site do SenadoDireito de imagemREPRODUÇÃO
Image captionEnquete havia recebido pouco mais de mil votos em cinco anos no ar, e, após eleição, participação explodiu
"Parte da população vê a eleição como uma oportunidade de renovação e mudança no País, e as enquetes acabam funcionando como um referendo sobre programas e as ideias de determinado candidato."
Mas, na prática, essas votações não são um referendo (quando a população vai às urnas para ratificar ou rejeitar uma proposta legislativa) porque seu resultado não tem nenhum efeito decisivo sobre se um projeto será ou não de fato aprovado.
Ou seja, servem apenas como um termômetro para os senadores saberem o que está chamando atenção dos cidadãos e como eles estão se posicionando.

Resultados distorcidos

No entanto, o sociólogo Danilo Cersosimo, diretor do instituto de pesquisas Ipsos, ressalta que estes votos talvez não sejam a melhor forma de medir a opinião popular.
Não há, por exemplo, qualquer controle sobre a amostragem das pessoas que respondem às perguntas para garantir que seja representativa da população como um todo, como ocorre com pesquisas de opinião, que devem atender a critérios técnicos para garantir que a parcela de pessoas ouvidas corresponda ao conjunto total dos cidadãos.
Não raro as enquetes acabam sendo respondidas de forma desproporcional por pessoas de determinados grupos: faixas etárias, classes sociais, grupos políticos.
"O resultado vai ser distorcido, porque esse tipo de enquete tem um recorte muito específico, que não é condizente com o perfil da população brasileira", afirma Cersosimo.
"Se quem divulga é militante, você gera um problema ainda mais grave que o desvio amostral, porque só um grupo vai participar e você não dá chance para que todos sejam representados."
Plenário do SenadoDireito de imagemJEFFERSON RUDY/AGÊNCIA SENADO
Image captionTodo projeto que tramita no Senado tem uma enquete atrelada a ele
Há uma limitação da própria plataforma, já que parte da população não tem acesso à internet. E, com as campanhas de divulgação promovidas por determinados grupos, uma votação pode ser influenciada por quem defende certa posição, transformando-se mais em uma forma de pressão do que de manifestação de opinião pública como um todo.
Souza, do ITS-Rio, diz que a experiência de mais de uma década dos brasileiros com votações online favorece "esse tipo de organização para gerar artificialmente um determinado resultado".
"Sabemos que a internet é craque em promover essas situações. É possível orquestrar para dar enorme votação para um lado ou outro", diz Souza.
Segundo Cersosimo, o que mais gera preocupação é a maneira como isso é utilizado. "Em certo sentido, esse tipo de enquete tem a função de criar engajamento. Mas não pode determinar a condução de política pública ou influenciar a pauta da casa", diz o diretor da Ipsos.
De fato, um dos efeitos mais frequentes de um pico de votação em uma enquete é chamar atenção para projetos que muitas vezes estão parados e colocá-los na pauta do Congresso.
Tuíte de Elza SoaresDireito de imagemREPRODUÇÃO
Image captionCampanhas por meio de redes sociais influenciam nos resultados
A PEC 106/2015, de autoria do senador Jorge Viana (PT-AC), de redução do número de parlamentares, teve um pico de acesso há dois anos. Hoje tem 1,8 milhão de votos a favor e 10 contra.
"Quando teve esse boom, um senador viu e pediu a relatoria do projeto, que estava aguardando designação havia sete meses, estava engavetado. Então, no mínimo, fez o projeto andar um pouco", afirma Queiroz.
Parte do pico de votação foi resultado de um boato espalhado por redes sociais: mensagens enganosas pediam votos e afirmavam que a PEC tinha o objetivo de reduzir o salário dos senadores - o que não é verdade, ela lida apenas com a questão da quantidade de assentos na Casa.
"As enquetes podem parecer algo que não tem utilidade, mas, no fim das contas, têm sim, nem que seja para resgatar um tema esquecido e renovar o debate em torno dele", diz Queiroz.
O coordenador do e-Cidadania ainda destaca que projetos de lei sugeridos por cidadãos, as chamadas ideias legislativas, caso recebam mais de 20 mil apoios, são transformados em sugestões que são apreciadas pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado. Um senador é designado como relator e é debatido se ela deve ser transformada em projeto de lei.
"Uma ideia legislativa sobre a regulamentação da maconha passou por esse processo e, depois de muito debate, virou um projeto de lei que hoje tramita no Senado para regulamentar o uso medicinal", exemplifica Queiroz.

Enquetes divulgam dados de quem opina

Há milhares de enquetes em andamento no site do Senado - uma para cada projeto atualmente em tramitação. Desde o lançamento do e-Cidadania, 6.955 propostas legislativas já receberam ao menos um voto.
"As enquetes são criadas automaticamente, sempre que um projetos de lei, emenda à constituição, medida provisória, decreto legislativo ou projeto de resolução é apresentado no Senado", explica Queiroz.
O site da Câmara costumava ter enquetes parecidas, mas o sistema está atualmente fora do ar, segundo a Casa, devido a problemas técnicos.
Para votar nas matérias que estão em tramitação no site do Senado, é preciso fazer um cadastro, com nome, e-mail e Estado de residência, ou usando seu login em outra rede social. A ideia é evitar votos repetidos ou feitos por robôs.
"São pessoas de verdade, porque o site tem mecanismos que impedem a atuação de robôs para influenciar o resultado", diz Queiroz.
O que muita gente não sabe é que os dados pessoais de quem participou são publicados em um arquivo PDF no site quando a enquete é encerrada. Assim, é possível saber nome, e-mail de quem votou e como a pessoa se posicionou.
"Não é um documento sigiloso. A forma como as enquetes exibem os dados é campo fértil para datamining (coleta de dados) e exploração de dados pessoais de forma altamente sensível", alerta Souza.
"Quanto mais polêmica a enquete, mais sensível é o posicionamento do indivíduo", diz Souza.
"Se quero criar um grupo de pessoas favorável ao armamento, tem ali os dados de centenas de pessoas. Isso é gravíssimo, e ninguém está falando dessa questão da privacidade."
Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 11 de novembro de 2018

Brasil:Por que Getúlio Vargas criou o Ministério do Trabalho, que Bolsonaro quer extinguir


Getúlio VargasDireito de imagemPLANALTO
Image captionVargas criou o ministério para intermediar relações entre trabalhadores e empresários, função até então do Ministério da Agricultura
Caso seja confirmada a extinção do Ministério do Trabalho no governo de Jair Bolsonaro, conforme anunciou o presidente eleito nesta semana, será a primeira vez em 88 anos que o país não terá uma pasta na área, desde que Getúlio Vargas (1882-1954) a criou após chegar ao poder.
Hoje, esse ministério é responsável por elaborar diretrizes para geração de emprego e renda, além de emitir documentos e fiscalizar as relações trabalhistas no Brasil, investigando denúncias de trabalho escravo e infantil e o cumprimento da legislação por parte das empresas. Mas sua criação teve outro propósito.
Quando surgiu, em 26 de novembro de 1930, a ideia era que a pasta fosse responsável por intermediar as relações entre trabalhadores e empresários, até então sob a responsabilidade do Ministério da Agricultura.
"Era uma política alinhada com o que se pensava então sobre o papel do Estado como um mediador das relações entre grupos e indivíduos", explica Renan Pieri, professor de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e do Insper.
"Vargas dá um golpe de mestre e assume a dianteira deste processo, estatizando estas relações."
A criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio foi uma das primeiras iniciativas de Vargas ao assumir o governo por meio de um golpe, após a Revolução de 1930, que culminou com a deposição do então presidente Washington Luís (1869-1957) e o impedimento de que seu sucessor, Júlio Prestes (1882-1946), assumisse o cargo, dando fim à República Velha.
A pasta foi batizada de "ministério da Revolução" por Lindolfo Collor (1890-1942), seu primeiro titular e avô do ex-presidente Fernando Collor de Melo.
"Essa revolução se refere a uma ruptura com a velha oligarquia agrária por meio da criação de um Estado positivista, a instauração de um modelo legal e burocrático que passa a organizar as relações sociais por meio do monopólio da força através de um sistema normativo", diz Marcelo Nerling, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP).
"O Estado passa a ser o protagonista, baseado na crença de que é possível mudar a realidade social por meio de normas criadas de cima para baixo."
Nerling explica que não havia na época no Brasil um Estado como conhecemos hoje. "A administração pública só começa a se organizar a partir da década de 1930. Até então, as principais forças do país estavam concentradas nos municípios, comandados por coronéis. Era um modelo descentralizado e patrimonialista, em que não se separava o público do privado."

Qual foi o impacto da criação do Ministério do Trabalho?

Uma das primeiras medidas do novo ministério neste sentido foi criar uma nova regulamentação da atividade sindical, com critérios para a criação de sindicatos.
Entre as novas regras, estava haver uma única representação para profissionais de uma categoria dentro de uma mesma região, um mínimo de 30 membros, com ao menos dois terços de brasileiros, veto a qualquer manifestação política e ideológica, punições a empresários que impedissem a sindicalização dos trabalhadores e a aprovação da entidade pelo ministério - até então, não se dependia de autorização do governo.
O ministro Collor declarava na época que enxergava os sindicatos como uma forma de mediar os conflitos e tinha como objetivo trazer estas organizações para a órbita do novo ministério para que passassem a ser controladas pelo Estado.
"Vargas queria que os sindicatos se tornassem satélites do governo, politizando as relações entre empresas e trabalhadores", diz Pieri.
Na época, o Brasil ainda era um país extremamente rural, mas havia uma indústria nascente, que ganha força em reação ao crescente impedimento de importar produtos da Europa a partir da Primeira Guerra Mundial.
Ao mesmo tempo, a abolição da escravatura lançou um grande contigente de mão de obra ao mercado enquanto houve simultaneamente uma chegada massiva de imigrantes a partir do fim do século 19, facilitada pela Constituição de 1891, que, ao mesmo tempo, consagrou o direito de livre associação.
Surge, assim, uma classe de trabalhadores urbanos e de profissionais liberais, e se formam os primeiros movimentos sindicais, que foram reconhecidos e regulamentados em lei ao longo da primeira década do século 20, primeiro para os trabalhadores agrícolas e, depois, para os urbanos.
"Com a formação de uma economia de mercado, foi natural a formação de sindicatos especializados para representar os trabalhadores", diz Pieri.
Ao mesmo tempo, nas questões relativas a direitos, o regime de Vargas buscava atender reivindicações históricas dos trabalhadores, alinhado com a ideia da outorga dos direitos trabalhistas pelo Estado.
"Vargas havia acompanhado o que ocorreu na Rússia a partir de 1917 com a revolução, quando, em meio ao conflito entre capital e trabalho, o proletariado assumiu o poder. Então, ele, que era um capitalista, sabia aonde isso poderia acabar", diz Nerling.
"Vargas sabia que, se os trabalhadores fizessem greve atrás de greve para reivindicar direitos, poderiam quebrar o capital. Ele opta por chamar para si a responsabilidade de regular estas relações, cria leis que vinculam os cidadãos. Entrega os anéis para não perder os dedos."

O que mudou a cada Constituição?

O ministério teve sob Vargas uma atividade legislativa intensa. Foram lançadas medidas importantes, como a criação da carteira profissional (precursora da atual carteira de trabalho e previdência social), a regulamentação do trabalho feminino e infantil e o estabelecimento de juntas de conciliação de conflitos entre patrões e empregados, que seria um embrião da Justiça do Trabalho, criada pela Constituição de 1934 e que passaria a atuar a partir de 1941.
Homem segurando carteira de trabalhoDireito de imagemCAMILA DOMINGUES/ PALÁCIO PIRATINI
Image captionMinistério criou a carteira profissional, precursora da atual carteira de trabalho e previdência social
Também se destaca a criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões, que mudaram o sistema previdenciário do país. Ainda seriam instituídos o salário mínimo, a jornada de trabalho de oito horas e o descanso semanal, as férias remuneradas e a indenização por dispensa sem justa causa.
Uma das iniciativas de maior peso foi a instituição em 1943 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que unificou as leis trabalhistas existentes até então. O dia em que recebeu a sanção presidencial, 1º de maio, passaria a ser o Dia do Trabalho, feriado celebrado até hoje em todo o país.
As décadas após a primeira era Vargas foram marcadas por diversas mudanças nas leis e direitos trabalhistas.
Em 1946, a Assembleia Constituinte convocada após o fim da ditadura, acrescentou novos pontos como o direito à greve e o descanso remunerado aos domingos e feriados.
O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) surge em 1966, já durante o regime militar, para proteger o trabalhador demitido sem justa causa com uma conta aberta em seu nome, vinculada a seu contrato de trabalho, na qual são depositados mensalmente o correspondente a 8% do salário.
A Constituição de 1967 instituiu a aplicação da legislação trabalhista a empregados temporários, a proibição de greve em serviços públicos e atividades essenciais e o direito à participação do trabalhador no lucro das empresas, entre outras medidas.
A partir da Constituição de 1988, passam a ser previstos medidas de proteção contra demissões sem justa causa, o piso salarial, a licença maternidade e paternidade, o veto à redução do salário, a limitação da jornada de trabalho a oito horas diárias e 44 horas semanais e proibição de qualquer tipo de discriminação quanto a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência. Também foi criado o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), destinado em parte ao custeio do Programa de Seguro Desemprego.
"São políticas criadas e geridas dentro do Ministério do Trabalho, por ele oferecer um corpo técnico e orçamento dentro do governo para discutir essas relações, mas que têm muito mais a ver com o ambiente político de cada época, a pressão popular por mudanças e cada governo do que com o órgão em si", avalia Pieri.
O economista destaca que a partir dos anos 1990, a pasta assume um papel cada vez mais de fiscalização do cumprimento das normas e leis trabalhistas e na gestão de recursos como os do FGTS e do FAT.

E se o ministério acabar?

Se sua extinção se confirmar, não será a primeira vez que o Ministério do Trabalho será fundido com outras áreas.
Ao surgir em 1930, a pasta também era responsável por indústria e comércio. Em 1960, passa ser Ministério do Trabalho e Previdência Social. Torna-se puramente Ministério do Trabalho em 1974. Em 1990, volta a incorporar a Previdência.
Jair BolsonaroDireito de imagemREUTERS
Image captionPresidente eleito anunciou a extinção do Ministério do Trabalho
Dois anos depois, passa a ser o Ministério do Trabalho e da Administração Federal e, em 1999, do Trabalho e Emprego. Em 2015, vira mais uma vez Ministério do Trabalho e Previdência Social, até, em 2016, tornar-se novamente apenas Ministério do Trabalho.
Ao tratar do tema, Bolsonaro já declarou em entrevistas que o trabalhador terá de"decidir entre menos direito e emprego ou todos os direitos e desemprego". "Os encargos trabalhistas fazem com que se tenha aproximadamente 50 milhões de trabalhadores brasileiros na informalidade", disse à rádio Jovem Pan.
Pieri avalia que, com o anúncio do fim da pasta, surge uma "incerteza jurídica" sobre quem exercerá os papéis que hoje cabem ao ministério. "Isso é uma questão mais importante do que se terá ou não um status de ministério, que é algo secundário."
Nerling discorda e acredita que a transformação da pasta em uma secretaria sinaliza quais serão as prioridades do novo governo.
"Isso representa uma mudança de paradigma. Quando você dá a uma área status de ministério, diz que as políticas públicas nesta área serão priorizadas. Em um governo, a tomada de decisões ocorre em camadas, e a alteração de status precariza o cumprimento das competências que hoje cabem ao ministério, retira força e abala a eficácia de suas políticas", diz Nerling.
"Ao dizer que se deve escolher entre trabalho e direitos, o presidente eleito diz que os direitos são um problema, mas isso só é um problema para o capital. Se antes o Estado se posicionava para garantir os direitos dos trabalhadores, agora, ele pesa a mão para o outro lado e passa a priorizar o capital."
Por sua vez, Pieri destaca que, com a Reforma Trabalhista, passou a prevalecer sobre as leis trabalhistas a negociação entre sindicatos e empresas.
"O fim do ministério pode sinalizar um novo tempo em que o Estado não mais intermedia a relação entre capital e trabalho. Isso teria no futuro o efeito de despolitizar os sindicatos", diz Pieri.
"Será necessário entender o que o presidente quis dizer com o fim do ministério. Significa um relaxamento da fiscalização e que o governo não está mais pensando nestes problemas ou apenas uma mudança burocrática? Bolsonaro não pode dar uma canetada e tirar direitos, mas temos de debater se alguns benefícios previstos na lei de fato beneficiam o trabalhador."
Professor Edgar Bom Jardim - PE