sábado, 31 de dezembro de 2022

Marina Silva no governo Lula: os planos da futura ministra do Meio Ambiente






Marina Silva

CRÉDITO,CARLA CARNIEL/REUTERS

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Marina Silva foi confirmada como futura ministra do Meio Ambiente do próximo governo Lula. Segundo ela, Lula 'mudou' e agora considera preservação da Amazônia uma das suas principais prioridades. Meta, segundo ela, é zerar desmatamento até 2030.

Confirmada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para assumir o Ministério do Meio Ambiente no próximo governo, a deputada federal eleita Marina Silva (Rede-SP) tem como principal meta alcançar desmatamento líquido zero tanto na floresta Amazônica quanto em "todos os demais biomas do Brasil" até 2030.

Mas ela própria admite que o desafio será maior que o enfrentado quando foi ministra pela primeira vez, no primeiro mandato de Lula.

Naquela ocasião, Marina Silva implementou um programa ambicioso de controle do desmatamento. Mesmo assim, foram necessários dois anos para começar a ver resultados.

Em 2003 e 2004, os dois primeiros anos de governo Lula, as áreas destruídas de floresta continuaram a crescer. Mas de 2005 em diante a queda foi ancentuada. Em oito anos de governo, o desmatamento caiu 67%


Marina Silva deu entrevista à BBC News Brasil em novembro duante a COP27, a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas. Na época, ainda não havia sido confirmada para o Ministério do Meio Ambiente, mas já falava e era tratada como ministra por representantes estrangeiros presentes à conferência.

"A sociedade sabe que agora a prioridade é combater sem trégua o desmatamento criminoso para que se alcance o desmatamento zero", disse.

"Não é algo que seja fácil, porque hoje nós temos uma situação incomparavelmente mais grave do que tínhamos em 2003, mas temos uma vantagem. Nós já temos uma experiência que deu certo", disse na ocasião à BBC News Brasil


Na entrevista, ela indica quais serão as prioridades do governo Lula na área ambiental e garante que o petista "mudou" de seus primeiros mandatos para hoje. Passou a considerar, segundo ela, o combate ao desmatamento uma "prioridade".

Marina Silva foi ministra do Meio Ambiente entre 2003 a 2008. Deixou o ministério dois anos antes do fim do segundo mandato de Lula após desentendimentos com ministros de outras pastas, que a acusavam de travar projetos de desenvolvimento, como o Programa de Aceleração do Crescimento, na época gerido por Dilma Rousseff. Sem receber apoio de Lula diante de pressões para flexibilizar regras ambientais, pediu demissão.

"O presidente Lula mudou. Naquela época, o combate às atividades ilegais e a política ambiental eram diretrizes só do ministério (do Meio Ambiente). Agora, o próprio presidente assumiu como sendo de todo o governo", afirmou. "Foi ele que disse que a política ambiental vai ser transversal. Foi ele que disse que o clima está no mais alto nível de prioridade e que queremos chegar ao desmatamento zero."

Veja os principais trechos da entrevista feita durante a COP27, em Sharm El Sheikh:

BBC News Brasil O Brasil alcançou taxa de desmatamento recorde nos últimos anos e um aumento nas emissões de gases do efeito estufa. A senhora acredita que é possível reverter essa tendência ainda em 2023, no primeiro ano do governo Lula?

Marina Silva - Nós temos uma diferença na abordagem do que vinha sendo feito no governo Bolsonaro, que foi o desmonte das políticas públicas de modo geral, mas particularmente na área ambiental. Tivemos corte de orçamento, intimidação das equipes [de fiscalização], substituição de técnicos por policiais e a expectativa de mudar a lei para favorecer criminosos.

Tudo isso muda agora, com uma expectativa de que a sociedade saiba que a prioridade é combater sem trégua o desmatamento criminoso, para que se alcance o desmatamento zero. O Brasil vai recuperar as políticas que já deram certo e atualizá-las, para que a gente consiga o resultado necessário para reverter esse quadro atual. Não é algo fácil, porque hoje nós temos uma situação incomparavelmente mais grave do que tínhamos em 2003. Mas temos uma vantagem: a experiência do que deu certo. Sabemos o que fazer e como fazer.

ave sobrevoa queimada em Apuí, Amazonas, setembro de 2021

CRÉDITO,REUTERS/BRUNO KELLY

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Em situações extremas, as pessoas que têm compromisso com aquilo que existe de mais importante para a vida, para os direitos humanos e para a proteção do meio ambiente são capazes de produzir mudanças'

Agora é uma questão de articular essas políticas para conseguir uma resposta efetiva. Com certeza fica difícil você dizer o número percentual [de queda do desmatamento]. Eu mesma, quando fui ministra do Meio Ambiente e fizemos o planejamento, estabeleci metas inferiores àquilo que nós realmente alcançamos. Então eu prefiro seguir pelo caminho sabendo que não há mais tempo a perder e que a resposta precisa ter a urgência que a gravidade do problema exige. O Brasil tem o compromisso do desmatamento zero até 2030 e é esse o objetivo que vamos perseguir.

BBC News Brasil - A senhora falou em resgatar e atualizar políticas na área ambiental. Mas o que foi feito a partir de 2003, no primeiro governo Lula, que pode ser copiado agora e o que precisa ser modificado para alcançar essa meta de desmatamento zero?

Silva - Quando eu e o presidente Lula fizemos nosso reencontro para a composição política e programática — do ponto de vista pessoal, nós nunca rompemos — divulgamos um documento no qual ele se compromete com a sociedade brasileira. Nesse documento, está estabelecido o que será feito para resgatar a agenda ambiental perdida. O Plano de Prevenção de Controle do Desmatamento é algo a ser resgatado, mas agregando novos instrumentos e novas medidas, como, por exemplo, na área de ordenamento territorial e destinação de áreas florestadas.

Precisamos pensar como destino as terras indígenas e as unidades de conservação e uso sustentável. Isso é uma medida que já estava estabelecida lá atrás, mas que agora virou uma prioridade de alto nível. Também precisamos atualizar uma ação mais integrada com os Estados. O plano surge como ação do Governo Federal, mas, para ser realmente integrado, precisa da ação dos outros entes federativos.

Marina Silva na COP27

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Marina Silva disse à BBC News Brasil que 'Lula mudou' e que no próximo governo meio ambiente terá 'mais alta prioridade'

Mas o Governo Federal não vai esperar pelos Estados e precisa começar a fazer o trabalho. Ou seja, a concepção do plano que tínhamos continua atual, com o ordenamento territorial e fundiário, o combate às práticas ilegais e o desenvolvimento sustentável. Mas isso agora está combinado com a economia e a infraestrutura. Também precisamos transitar para uma agricultura de baixo carbono. Todos esses fatores são instrumentos novos que farão a diferença. Até porque não basta tirar e proibir o que não pode. É preciso colocar alguma coisa no lugar, para melhorar a vida das pessoas, gerar emprego e renda, possibilitar investimentos.

O que é muito interessante de ver é que todos os parceiros do Brasil estão ávidos para voltar a cooperar. Nas conversas que tive com Alemanha, Reino Unido, Canadá, Noruega, enfim, todos os parceiros têm sinalizado e entendido que o Brasil é o país que pode mudar o paradigma, porque reúne as melhores condições para fazer isso. E as pessoas querem ver o Brasil liderando pelo exemplo.

BBC News Brasil - Quando a senhora foi ministra do Meio Ambiente, colocou em ação o projeto que foi capaz de reduzir o desmatamento em mais de 60% até o fim do governo Lula. Mas a senhora deixou o ministério, segundo o que se falava na época, por pressões de outras pastas, que reclamavam que o ministério do Meio Ambiente retardava projetos de desenvolvimento. O que faz a senhora acreditar que o próximo governo Lula será diferente?

Silva - O mundo mudou. Aqueles que não são negacionistas mudaram também. Se nós pararmos para pensar em termos políticos, você imaginaria uma frente ampla com o PSDB apoiando o Lula? Ninguém imaginaria isso. Em situações extremas, as pessoas que têm compromisso com aquilo que existe de mais importante para a vida, para os direitos humanos e para a proteção do meio ambiente são capazes de produzir mudanças.

Vista do Lago do Aleixo, perto de Manaus, em foto de 25 de outubro de 2022, mostra que o rio Amazonas está em níveis mínimos de água por causa de uma seca

CRÉDITO,RAPHAEL ALVES/EPA-EFE/REX/SHUTTERSTOCK

E o presidente Lula mudou. Naquela época, as diretrizes de controle e participação social, o combate às atividades ilegais, a política ambiental, eram diretrizes só do Ministério do Meio Ambiente. Agora, o próprio presidente assumiu que essas instâncias serão de todo o governo. Lula disse que a política ambiental vai ser transversal. Ele afirmou que o clima está no mais alto nível de prioridade e queremos chegar ao desmatamento zero.

O que queremos fazer é uma reindustrialização já em acordo com os objetivos estabelecidos no Acordo de Paris. Queremos também transitar para a agricultura de baixo carbono.

E Lula disse isso tudo no discurso de vitória. Naquele momento, ele poderia escolher qualquer coisa para falar, mas escolheu exatamente aquilo que é mais importante para o Brasil nesse momento. Ele falou de democracia, de combate à desigualdade, de enfrentamento da mudança climática e de alcançar o desmatamento zero, respeitando as populações tradicionais e criando um novo ciclo de prosperidade.

BBC News Brasil - Além da redução da taxa de desmatamento, outras marcas do governo Lula foram as grandes obras de hidrelétricas e a exploração de petróleo no Pré-Sal. O que a senhora acredita que deva mudar a respeito dessas áreas a partir de 2023?

Silva - Eu acredito que o próprio presidente Lula já sinalizou o que vai mudar e eu não posso falar isso por ele. Mas posso dizer aquilo que ele já declarou. Em Manaus, ele disse que agora nós temos alternativas para produção de energia, como as usinas eólicas, a biomassa e a energia solar.

Elas já têm um custo mais barato do que a própria energia que vem das hidrelétricas. Esses grandes empreendimentos podem ser substituídos pela geração de energia limpa, renovável, segura e com boa distribuição. Elas, inclusive, ganham em eficiência, pois o custo [da energia obtida pelas hidrelétricas] é caro e há uma perda de 25% ao longo do processo de transmissão por longa distância.

Quando você trabalha com parques eólicos, de energia solar ou de biomassa, você tira o potencial máximo daquela localidade. Então essas alternativas vêm em socorro do objetivo de uma Amazônia preservada. E também ajudam a fazer com que o Brasil não apenas lidere o processo de preservação das florestas na América Latina, mas no mundo todo, especialmente na Ásia e na África.

Nós vemos o presidente Lula muito imbuído de um esforço para ajudar a República Democrática do Congo, a Indonésia e outros países com megaflorestas. Essa ação vai ser importante, pela liderança do Brasil.

Queremos cooperação técnico-científica, investimentos para a bioeconomia e para a infraestrutura. O Brasil pode ser o grande produtor de hidrogênio verde. Mas obviamente que não faremos isso com a mesma chantagem do que é feito agora, com a ideia de que só vamos proteger a floresta se nos pagarem.

O Brasil reduziu em 83% o desmatamento com recursos próprios e, por isso, recebeu um bônus da Noruega e da Alemanha. E agora nós queremos ampliar o Fundo Amazônia. Eu conversei ontem com o Reino Unido, com a Alemanha, com o Canadá, com a Noruega, e vários agentes querem cooperar com o Brasil. Essas lideranças já se comprometeram a fazer mais investimentos na Amazônia e sinalizaram interesse em aumentar a cooperação do Brasil. Elas têm a clareza da importância estratégica do nosso país, tanto na criação de um novo modelo de desenvolvimento com a preservação das florestas, quanto no fortalecimento da democracia.

Somos o maior país da América Latina e temos um papel importante no terreno da geopolítica. O mundo tem consciência disso e sabe que nós vivemos uma crise econômica, social e política e está muito solidário em ajudar nesses quatro anos. Nós vemos as respostas do ponto de vista social, econômico, ambiental e político, para estabilizar a nossa democracia.

  • Nathalia Passarinho e Andre Biernath
  • Da BBC Bews Brasil em Londres
  • BBC

Professor Edgar Bom Jardim - PE

Lula e Getúlio Vargas: semelhanças e diferenças entre os dois únicos presidentes que foram e voltaram ao poder na história do Brasil





Getúlio Vargas e Luiz Inácio Lula da Silva

CRÉDITO,PALÁCIO DO PLANALTO

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Apenas dois brasileiros foram presidentes por duas vezes, com um espaço entre um governo e outro: Getúlio Vargas e Luiz Inácio Lula da Silva

Esta reportagem foi atualizada às 14h30 de Brasília em 01/01/23

Eleito com mais de 60,3 milhões de votos, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) será o segundo presidente na história do Brasil a reassumir o posto depois de um hiato fora do Executivo. Sua posse ocorre neste domingo (01/01).

Eleito pela primeira vez em 2002, reeleito em 2006, Lula ficou oficialmente distante da esfera de poder entre 2011 e 2022.

Getúlio Vargas (1882-1954), por sua vez, presidiu o país de 1930 a 1945, sem ter sido eleito pelo voto, vale ressaltar — nos primeiros quatro anos, chefiou o Governo Provisório. Depois foi indicado pela Assembleia Constituinte e, entre 1937 e 1945, foi ditador no período chamado de Estado Novo. Em 1951, entretanto, após ter sido eleito por escrutínio popular, Vargas reassumiu o comando do Executivo — mandato este que seria interrompido com o fatídico suicídio do mesmo, em 1954




Essa característica que une ambos — o fato de ter reassumido o posto depois de um período sem função executiva — por muito pouco também não foi vivenciada por Francisco Rodrigues Alves (1848-1919). Presidente do Brasil entre 1902 e 1905, ele foi eleito novamente em 1918. Contudo, pelo fato de ter contraído a gripe espanhola, ele se viu impossibilitado de assumir o cargo. Morreu em janeiro de 1919.

A convite da BBC News Brasil, especialistas comentam as diferenças e semelhanças entre ambos os políticos, separados por décadas


'Lula deve estar atento à reação conservadora'

Autor de três livros que, em sua totalidade, compreendem uma completa biografia de Vargas, o jornalista e escritor Lira Neto reconhece que tanto ele quanto Lula compartilham características em comum, sobretudo o "imenso carisma" e a "popularidade", além da "marcante força eleitoral junto às classes médias e camadas populares".

Resultados

"Não há precedentes, na história brasileira, de líderes que tenham desfrutado de tamanha empatia com as massas", afirma ele. "Ambos estabeleceram a questão social como prioridade de seus respectivos governos, ao mesmo tempo em que articularam alianças pragmáticas com diferentes segmentos da população, incluindo desde o operariado até o patronato. Lula, a exemplo de Vargas, sempre defendeu que, em um país de desigualdades tão abissais como o Brasil, o Estado não pode se eximir de seu papel como indutor do desenvolvimento econômico."

Lira Neto ressalta também que ambos "foram alvos de fortes tentativas de desconstrução política e moral". Segundo o biógrafo, isso se deu a partir de um "discurso seletivo dos adversários contra a corrupção" e a partir da "fantasmagoria de um suposto 'perigo vermelho'."

Mas, na visão do jornalista, nem tudo são semelhanças entre os políticos. Por um lado, Vargas é fruto do "seio das oligarquias gaúchas" e teve sua formação "acadêmica e política no positivismo do movimento republicano, de matriz autocrática e elitista". Além disso, como lembra o biógrafo, ele chegou ao poder, originalmente, "por meio de um movimento civil e militar, a chamada Revolução de 30", sendo que governou "ditatorialmente até 1945, com exceção do pequeno interregno constitucional entre 1934 e 1937".

Vargas faz discurso

CRÉDITO,GETTY IMAGES

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Para Lira, nem tudo são semelhanças entre Vargas e Lula


"Lula nasceu em família nordestina pobre, formou-se politicamente no meio sindical e chegou à Presidência pelo voto, seguindo e respeitando os ritos democráticos ao longo dos oito anos em que passou no Planalto", compara Lira Neto.

Enquanto muitos classificam o segundo mandato de Vargas como pior que o primeiro — e usam desse argumento para desqualificar, de antemão, a volta de Lula —, Lira Neto não concorda. "Penso exatamente o contrário", enfatiza. "Creio que o segundo governo de Getúlio, entre 1951 e 1954, consolidou, de forma eficaz e democrática, todas as iniciativas em prol do desenvolvimento do país forjadas no período anterior, ditatorial, no Estado Novo."

"No contexto da Guerra Fria, sua política nacionalista e independente da tutela americana atraiu a ira dos conservadores, daí a perversa campanha desencadeada pelos adversários, [o político de oposição a ele] Carlos Lacerda [1914-1977] à frente, que resultou na trágica crise que o levaria à morte", analisa o biógrafo.

Na opinião do escritor, "Lula deve estar atento à reação conservadora que, por certo, enfrentará". "A extrema-direita, embora tendo sido derrotada, estará à espreita, com seus golpes baixos, incluindo o apelo ao moralismo seletivo".

'Adesão por afeto'

O historiador Carlos Fico, pro fessor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lembra que, com a eleição deste ano, Lula é o "primeiro presidente eleito pelo voto direto três vezes" da história do Brasil. Nesse sentido, fazer um paralelo com Vargas significa compará-lo a um presidente que só foi eleito "dessa maneira uma vez".

Nesse sentido, para ele, "as duas situações são diferentes".

"A única semelhança que vejo é a seguinte: ambos se beneficiaram da 'adesão por afeto', quando parte de seus apoiadores permanece política e eleitoralmente fiel independentemente do que façam os líderes", ressalta. "Getúlio Vargas e Lula conquistaram esse tipo de apoio por causa do fascínio que exercem e, sobretudo, em função impacto da legislação social e trabalhista do primeiro e do programa Bolsa Família [de redistribuição de renda mínima] do segundo."

Na visão do historiador, é impossível comparar o "segundo mandato" de Vargas com o mandato que Lula terá a partir do ano que vem. Isso porque o primeiro acabou acumulando uma sucessão de governos diferentes, do Provisório dos primeiros quatro anos e da presidência indicada pela Constituinte dos anos seguintes à ditadura do Estado Novo e à eleição pelo voto direto em 1950.

Como lembra Fico, o governo Vargas dos anos 1950 "foi marcado por crescente inflação, greves, crises políticas e militares". "Mas o presidente conseguiu [nesse período] criar a Petrobras e o BNDE. Discutiu-se muito o nacionalismo econômico e a abertura ao capital estrangeiro. A oposição da UDN foi muito forte. O contexto internacional era o da Guerra Fria. O atentado contra Lacerda levaria ao suicídio [de Vargas]", frisa o historiador. "Não vejo nada nesse período que permita estabelecer correlações com o terceiro mandato de Lula."

Lula em São Bernardo

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Fico lembra que Lula é o 'primeiro presidente eleito pelo voto direto três vezes' da história do Brasil

'Lula é um negociador'

Professor na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), o cientista político, filósofo e sociólogo Paulo Niccoli Ramirez ressalta a coincidência histórica de que tanto Lula quanto Vargas são expoentes do chamado "desenvolvimentismo". "Os dois defendem uma maior intervenção do Estado nas políticas de bem-estar social, ou seja, saúde, educação, moradia, relações de trabalho…", enumera. "Também têm um amplo projeto econômico de desenvolvimento, isto é um aspecto em comum."

Mas, na visão de Ramirez, é preciso enfatizar a diferença grande entre ambos, principalmente pelo fato de que Vargas, em seu primeiro governo, foi líder de uma ditadura, "em que havia pouca margem para liberdade de expressão e perseguição a partidos de esquerda". "Lula, por sua vez, foi eleito pelas vias democráticas, com consenso popular em torno de sua pessoa", recorda.

Contudo, na visão do pesquisador, há uma característica que os une. "Eles são considerados populistas, ou seja, atraíram um grande contingente de apoiadores. São líderes carismáticos capazes de sensibilizar a população mais pobre no processo eleitoral", ressalta.

Segundo Ramirez, a diferença nesse movimento é que o segundo governo de Vargas foi "marcado por um amplo nível de oposição", principalmente "pelas elites econômicas". "E isso é diferente de Lula agora, quando grandes banqueiros e grandes industriais o estão apoiando. Ele tem uma margem de apoio muito maior do que aquela que Vargas tinha na década de 1950", compara.

Retrato de Getúlio Vargas

CRÉDITO,TOMAZ SILVA/AGÊNCIA BRASIL

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O professor salienta que a forte oposição, inclusive da mídia, sofrida por Vargas em seu segundo mandato fez com que o período fosse marcado por 'forte instabilidade'

O professor salienta que a forte oposição, inclusive da mídia, sofrida por Vargas em seu segundo mandato fez com que o período fosse marcado por "forte instabilidade". "Isto acabou presente até em sua carta de despedida, de suicídio, quando ele disse que 'forças ocultas' o pressionavam", comenta. "Mas, no caso de Lula, há um cenário diferente. Ele tem amplo apoio de empresários, movimentos sociais… Então, provavelmente terá um governo mais tranquilo. Conseguiu uma base de apoio partidário, permitiu uma aliança inclusive com [o ex-tucano histórico] Geraldo Alckmin [seu vice-presidente], uma figura conservadora e representativa dos interesses do grande capital."

"Vargas não conseguiu promover uma ampla negociação com opositores da direita brasileira e parte da imprensa, inclusive do Lacerda", diz. "Lula, ao que me parece, vai pela via oposta, se apresentando como negociador, capaz de promover alianças com grupos conservadores do grande capital. Esse parece ter sido o grande aprendizado do populismo brasileiro: não se governa por si só, somente com o apoio do povo, mas principalmente é preciso ter apoio dos grandes do setor econômico."

'Grandes estadistas'

"Desde 2002, as campanhas de Lula sempre tentaram relacioná-lo à figura de Getúlio Vargas", analisa o historiador e sociólogo Wesley Espinosa Santana, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

"Porém, como historiador, não consigo fazer uma comparação diacrônica, de dois tempos diferentes, sem marcar a ideia de que a história não é cíclica. Ela aparentemente traz alguns elementos que podem ser repetidos, mas com outro pano de fundo, outro contexto histórico", argumenta ele.

Nesse sentido, Santana ressalta que, embora tanto Lula quanto Vargas tenham sido "grandes estadistas", é preciso ressaltar que o presidente do Estado Novo foi "autoritário, ditador". "Mas foi um grande estadista, porque criou o Estado brasileiro. Ao mesmo tempo, ficou à mercê dos interesses internacionais", pondera. "Vargas fez os direitos sociais, mas ligados aos interesses do desenvolvimento e da consolidação do capitalismo industrial."

Luiz Inácio Lula da Silva

CRÉDITO,REUTERS

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'Não acredito que nenhum governo se repita, e o segundo governo de Lula não será tão ruim como o segundo governo de de Getúlio Vargas. Não vejo dessa forma', avalia Santana

"Não acredito que nenhum governo se repita, e o segundo governo de Lula não será tão ruim como o segundo governo de de Getúlio Vargas. Não vejo dessa forma", avalia. "Lula fez um bom primeiro governo até quando houve o escândalo do Mensalão. Mais tarde, ele foi preso e as razões de sua prisão são discutidas ainda hoje, justamente por conta de um funcionário público, o então juiz Sergio Moro, ter sido parcial em seu trabalho, extrapolando suas funções. Ele investigou e julgou, o que é bem complicado, depois virou ministro do concorrente [do PT], o que é um problema ético já consolidado. Fora as questões jurídicas que estão vindo pela frente."

Para Santana, contudo, o que se vê hoje é "um estado de exceção na política das narrativas, das fake news". "É um clima de guerra", frisa, deixando claro que isso pode tumultuar um futuro governo.

"Se o próximo governo Lula vai ser pior ou melhor do que os anteriores, é muito difícil falar. A situação vai estar difícil, crítica, tanto no cenário político quanto no externo", acredita.

  • Edison Veiga
  • De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil
  • BBC

Professor Edgar Bom Jardim - PE

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Nomes do Secretariado de Raquel Lira


 (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação

Pondo fim ao mistério envolvendo os nomes que irão compor o primeiro escalão da sua gestão, Raquel Lyra (PSDB) anunciou, na tarde desta quinta-feira, os primeiros titulares das secretarias que irão integrar seu governo. Dentre as oito pastas divulgadas hoje, quatro serão comandadas por mulheres. Uma das principais figuras aguardadas para também compor seu secretariado, Miguel Coelho (União) não foi convidado.

 

“Um time montado com paridade de gênero, com sensibilidade política e capacidade técnica”, essas eram as únicas informações repassadas por Raquel Lyra sempre que questionada a respeito do secretariado que fazia questão de esconder a sete chaves. No entanto, com o anúncio feito hoje, Pernambuco passa a conhecer parte integrante dos novos titulares. 

 

Seguindo o rito adotado durante as suas duas gestões em Caruaru, a tucana anuncia os primeiros secretários e secretárias poucos dias antes de tomar posse do cargo de governadora de Pernambuco, gestão que assumirá ao lado da sua vice, Priscila Krause (Cidadania).

 

As pastas divulgadas e seus respectivos titulares são: Secretaria de Defesa Social, com a Delegada Carla Patrícia Cunha; Secretaria da Cultura, com Silvério Pessoa; Secretaria do Turismo e Lazer, com Daniel Coelho; Mulher; Secretaria da Comunicação, com Rodolfo Costa Pinto e Secretaria do Desenvolvimento Urbano e Habitação, com Simone Benevides, que também integrou o primeiro escalão de Raquel Lyra em Caruaru, como secretária da Fazenda.

 

Também foram anunciados o novo presidente da Empetur, Eduardo Loyo; e a nova secretária-executiva de Imprensa, Daniella Brito Alves.

 

Miguel Coelho

 

Um dos primeiros nomes de peso a declarar apoio à Raquel Lyra durante o segundo turno das eleições, Miguel Coelho era uma das figuras políticas mais aguardadas para compor o secretariado da nova gestão em Pernambuco. Raquel e Miguel chegaram a ter alguns encontros a portas fechadas para discutir a questão. No entanto, poucos instantes depois de a tucana anunciar os primeiros secretários e secretarias, o ex-prefeito de Petrolina lançou uma nota informando que não foi convidado para compor o governo de Raquel.

 

“Mesmo não sendo convidado a integrar sua equipe, estarei à disposição para contribuir para Pernambuco voltar a ser grande de novo”, diz trecho da nota divulgada nesta quinta-feira. “Desejo sorte e sucesso para a governadora Raquel Lyra. Que ela atenda a todos os anseios dos pernambucanos que, assim como eu, votaram na esperança de um futuro com mais saúde, educação, respeito, dignidade e oportunidade”.

 

Quando ainda era presente a expectativa de que Miguel Coelho fosse anunciado como futuro secretário do governo Raquel Lyra, uma fonte próxima ao ex-gestor de Petrolina informou em entrevista ao Diario, no último dia 20 de dezembro, que Miguel não estaria “fazendo questão” de uma vaga no secretariado, apesar de estar “muito disposto”. “Raquel tem a opção de ter um auxiliar com a experiência e relevância política de Miguel trabalhando ao lado”, continuou a fonte, em reserva. “Mas ela pode querer governar com pessoas mais técnicas e do círculo mais próximo. É legítima qualquer escolha e Miguel compreende”. 


Confira a lista a seguir:

Defesa Social: Delegada Carla Patrícia Cunha

Delegada da Polícia Federal, com mais de 20 anos de atividade, ocupando diversas funções, como a Superintendência da Polícia Federal em Pernambuco. Carla Patrícia Cunha é graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), pós-graduada em Ciência Policial e Inteligência pela Academia Nacional de Brasília e pela Universidade de Brasília/ANP-UNB. É mestre em Engenharia de Produção, com foco em gestão e doutoranda em Engenharia de Produção, com foco em gestão pública, também pela Universidade Federal de Pernambuco/UFPE.  

Cultura: Silvério Pessoa

Cantor, compositor e pesquisador em cultura popular e cotidiano escolar, religiosidade popular e música religiosa e diálogos entre culturas, com atividades também na área de formação docente. Silvério Pessoa é pedagogo, graduado pela Universidade Federal de Pernambuco. Tem pós-graduação em Psicopedagogia pela Fafire e em Moderna Educação: Metodologias, Tendências e Foco no Aluno pela Escola de Humanidades da PUCRS. É mestre e doutor em Ciências da Religião pela Universidade Católica de Pernambuco, onde leciona atualmente.

Turismo e Lazer: Daniel Coelho

É formado em Administração pela Universidade de Pernambuco (UPE-FCAP) e tem mestrado em Administração de Negócios Internacionais pela Universidade de Bournemouth, na Inglaterra. Na vida pública desde 2004, foi vereador do Recife por dois mandatos. Em 2010, se elegeu deputado estadual. Em 2014, foi eleito deputado federal, cargo que ocupou por duas legislaturas.

Empetur: Eduardo Loyo

Advogado, formado em direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Atualmente é CEO da MAI Hotéis & Resorts e faz parte de uma família com mais de 35 anos de história no turismo do Estado.


Secretaria da Mulher: Regina Célia Barbosa

Filósofa, mestra em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professora universitária há 25 anos, com docência nos cursos de Direito e demais áreas das Ciências Humanas. Cofundadora, vice-presidenta e diretora pedagógica do Instituto Maria da Penha. É Ativista na área de enfrentamento à violência contra a mulher, violência doméstica e violência de gênero. Membro representante da Sociedade Civil, da Comissa%u0303o Seccional da Mulher Advogada (CSMA) da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional de Pernambuco. 

Desenvolvimento Urbano e Habitação: Simone Benevides

É servidora concursada da Caixa Econômica Federal há mais de 20 anos e mestre em Gestão Estratégica de Pessoas pela FBV/Wyden. É formada pelo IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) como conselheira de administração. Possui MBA em Gestão Financeira pelo Cedepe - Centro de Desenvolvimento Empresarial e Gestão de RH na Escola Superior de Marketing. Exerce cargo de liderança desde 2004, tendo ocupado funções de alta gestão na Caixa, tais como diretora executiva de Logística e Segurança, diretora executiva de Contratos e Operações, diretora de Participações da Holding Caixa Participações. Atuou também como superintendente nacional de Varejo e superintendente regional do estado de Pernambuco. Desde outubro de 2021 estava cedida ao município de Caruaru, à frente da Secretaria da Fazenda.

Secretaria de Comunicação: Rodolfo Costa Pinto

É  cientista político pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), com mestrado em Comunicação Política pela George Washington University (EUA).

Executiva de Imprensa: Daniella Brito Alves 

É jornalista, graduada pela UFPE, com pós-graduação em Administração e Marketing e mestrado em Sociologia, com atuação profissional voltada para área de assessoria de imprensa e marketing nos setores público e privado. Também é professora de cursos de graduação e pós-graduação em Comunicação e Marketing Político

Professor Edgar Bom Jardim - PE