domingo, 1 de maio de 2022

O que é reserva cognitiva, que deve ser fortalecida para proteger o cérebro de doenças

Mulher com cérebro iluminado

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Trata-se de conceito que se originou no final da década de 1980 como resultado de um estudo bastante revelador. Os cientistas analisaram os cérebros de um grupo de pessoas e encontraram alterações típicas de ter sofrido da doença de Alzheimer em estágio avançado.

No entanto, durante a vida, esses indivíduos não apresentaram qualquer sintoma da doença. Mas o que poderia estar por trás disso?

"Eles tinham uma reserva cognitiva grande o suficiente para compensar os danos e continuar funcionando normalmente", afirma a Harvard Health Publishing, publicação da escola de medicina da Universidade Harvard (EUA) no artigo “O que é reserva cognitiva?”.

Um outro estudo também apontou que pessoas com maior reserva cognitiva podem evitar mais os sintomas de alterações cerebrais degenerativas associadas à demência ou outras doenças cerebrais, como Parkinson, esclerose múltipla ou acidente vascular cerebral.


Isso é uma boa notícia, e fica ainda mais positiva porque é possível, ao longo da vida, tentar construir uma forte “reserva cognitiva” para fortalecer as redes do cérebro

Mas como?

Entre as reservas

Segundo Manuel Vázquez Marrufo, professor do departamento de psicologia experimental da Universidade de Sevilha (Espanha), reserva cognitiva é o que se chama de "construto" em psicologia e neurociência. Ou seja, um conceito usado para tratar de uma teoria, mesmo que “não se saiba ao certo quais correlatos fisiológicos estão realmente por trás disso".

O especialista define a reserva cognitiva como “uma espécie de propriedade” que temos – um produto da experiência – e que “nos protege efetivamente contra lesões que ocorrem no cérebro”.

Para a publicação de Harvard, é “a capacidade do nosso cérebro de improvisar e encontrar formas alternativas de fazer tarefas”.

Vásquez explica à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) que o cérebro possui mecanismos de plasticidade, baseados principalmente em fatores genéticos, que permitem uma compensação quando sofremos, por exemplo, uma lesão ou trauma.

Isso se chama reserva cerebral e está mais relacionado à capacidade do cérebro de gerar novos neurônios, com a força da sinapse, com “o hardware do cérebro”, com sua estrutura.

Mulher com fio que sai da cabeça

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Reserva cerebral está mais relacionada à capacidade do cérebro de gerar novos neurônios

A reserva cognitiva, por sua vez, é tida como o que se acumula através de nossas atividades diárias e tem mais a ver com a atividade cognitiva que foi desenvolvida desde o nascimento

Dessa forma, uma combinação do que você tem em sua reserva cerebral e o que você tem em sua reserva cognitiva deve ser determinante para "como o cérebro lidará com lesões ou doenças neurodegenerativas", diz Vázquez.

É algo que também sugere o estudo "Questionário de reserva cognitiva: propriedades psicométricas na população argentina", publicado na Revista de Neurologia:

"Para o mesmo dano cerebral em dois pacientes com a mesma reserva cerebral, o paciente com maior reserva cognitiva poderá tolerar melhor o dano e retardar as manifestações clínicas.

Em outras palavras, reserva cognitiva designa o conjunto de recursos cognitivos que uma pessoa consegue adquirir ao longo de sua vida, e que conferem proteção contra o envelhecimento e lesões cerebrais".

No livro “Reserva Cognitiva: Teoria e Aplicações”, Yaakov Stern, professor de neuropsicologia da Universidade Columbia (EUA), afirma que a reserva cerebral é um exemplo do que poderíamos chamar de “modelo de reserva passivo”, que deriva do tamanho do cérebro e da contagem neural.

“Por outro lado, o modelo de reserva cognitiva sugere que o cérebro tenta ativamente lidar com danos cerebrais por meio de abordagens de processamento cognitivo pré-existentes ou de abordagens compensatórias.”

O neurocientista, que tem estudado a reserva cognitiva por décadas, busca entender “por que alguns indivíduos apresentam mais déficit cognitivo que outros com o mesmo grau de patologia cerebral”.

“Minha própria pesquisa, ao lado de outros pesquisadores, tem demonstrado que aspectos da experiência de vida, como realizações educacionais ou ocupacionais, podem oferecer uma reserva contra a patologia cerebral, permitindo que algumas pessoas se mantenham funcionais por mais tempo que outras.”

Em seu livro, Stern diz que a “variabilidade individual na reserva cognitiva pode se originar de diferenças inatas ou genéticas ou de experiências de vida”.

O estudo das freiras

Em 1986, um jovem epidemiologista chamado David Snowdon abordou freiras em um convento em Minnesota (EUA) para realizar um estudo que buscava examinar os mistérios do envelhecimento e da doença de Alzheimer.

O estudo, que durou vários anos, é considerado um dos esforços mais inovadores para entender a doença e entrou para a história como o Estudo das Freiras.

Quase 700 freiras participaram e receberam testes de memória e cognitivos todos os anos.

Foto de arquivo de freiras

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Estudo histórico com freiras trouxe pistas de como funciona a reserva cognitiva

"Irmã Mary, o padrão-ouro para o Estudo das Freiras, foi uma mulher notável que obteve altas pontuações em testes cognitivos antes de sua morte aos 101 anos de idade.

O mais notável é que ela manteve esse nível alto, apesar de ter abundantes emaranhados neurofibrilares e placas senis, as lesões clássicas da doença de Alzheimer", escreveu Snowdon.

O estudo teve um momento crucial quando a equipe de pesquisadores encontrou um arquivo cheio de diários escritos pelas irmãs quando entraram na ordem, o que rendeu o documentário da BBC Aging with Grace (Envelhecendo com Graça, em tradução livre).

“A equipe descobriu que as irmãs que usavam frases e ideias mais complexas eram menos propensas a desenvolver Alzheimer.”

À medida que morriam, o cérebro de cada irmã foi analisado para obter mais informações e essas amostras agora estão armazenadas na Universidade de Minnesota.

Educação e entretenimento

Em 2017, um estudo internacional encomendado pela prestigiosa revista científica The Lancet sobre prevenção e tratamento da demência descobriu que indivíduos que continuam aprendendo ou treinando ao longo da vida têm maior probabilidade de desenvolver as reservas cognitivas adicionais desejadas.

Acredita-se que existam fatores externos que podem melhorar nossa reserva cognitiva e não se trata apenas de educação e trabalho, mas de estímulo às atividades recreativas da vida diária.

"A influência do meio ambiente é fundamental", diz Vásquez.

"Na neurociência e na psicobiologia, sabemos que os genes determinam muitos aspectos do sistema nervoso, mas o ambiente também modula essa construção."

"Vai depender de suas atividades, desses fatores externos que você promoveu, que vão gerar reservas em alguns elementos cognitivos, como: memória e linguagem."

O especialista ressalta que sempre foi dado um peso muito importante à educação formal, ao aprendizado de diferentes tipos de conceitos e disciplinas acadêmicas.

“Mas há muito debate sobre se as atividades da vida diária, como ler e tocar um instrumento, podem ajudar na reserva cognitiva.”

"Há até resultados que sugerem que sua contribuição para a reserva cognitiva é ainda maior do que a própria educação, não importa quantas horas gastemos nela."

Cérebro

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Harvard indica que uma reserva cognitiva mais forte também pode nos ajudar a "funcionar melhor por mais tempo se expostos a eventos inesperados da vida, como estresse, cirurgia ou toxinas ambientais"

Isso é "uma controvérsia" em si, reconhece o professor, "mas o que está claro é que as pessoas que mantêm a mente ocupada sempre aumentarão essa reserva cognitiva e lidarão muito melhor com a deterioração do envelhecimento".

E não necessariamente se refere a doenças neurodegenerativas, mas a outros desafios que possam surgir.

A publicação médica de Harvard indica que uma reserva cognitiva mais forte também pode nos ajudar a “funcionar melhor por mais tempo se expostos a eventos inesperados da vida, como estresse, cirurgia ou toxinas ambientais”.

Vásquez, especialista em esclerose múltipla, viu como em jovens "ter uma atividade cognitiva diária, como ler, desenvolver uma página na web, fazer um blog pode ser positivo para lidar com a possível deterioração cognitiva causada por doenças".

Nunca é tarde

Não importa a idade, tudo indica que a reserva cognitiva pode ser fortalecida e enriquecida.

Daí a importância de continuarmos a realizar na velhice atividades que nos façam exercitar a memória, a atenção, a linguagem e outros aspectos importantes ligados à reserva.

"Isso está nos protegendo do declínio cognitivo natural que ocorre com o envelhecimento", diz o acadêmico.

E quanto mais rápido você começar, melhor.

Por exemplo, tocar um instrumento musical “envolve recrutar novas estruturas cerebrais ou pelo menos tentar fazer com que algumas que não estavam sendo totalmente usadas sejam mais usadas”.

O bilinguismo e o falar em vários idiomas também podem ser benéficos para a reserva cognitiva.

Mulher com palavra cruzada

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Especialistas apontam que diversas atividades podem ajudar a fortalecer reserva cognitiva

O Centro de Diagnóstico e Intervenção Neurocognitivo de Barcelona (Espanha), ​​especializado em doenças neurodegenerativas e distúrbios cognitivos, indica que práticas diárias saudáveis ​​que ajudam a manter uma mente ativa “são fatores potencialmente favoráveis ​​para o desenvolvimento da reserva cognitiva”.

E sugere algumas diretrizes:

- A leitura, pois estimula não só a atenção e a concentração, mas também a memória e a linguagem.

- Aprender algo novo, pois ao fazê-lo não há apenas um estímulo cognitivo e uma aquisição de novos recursos e ferramentas, "mas ao mesmo tempo gera novas conexões sinápticas que favorecerão a plasticidade cerebral diante das mudanças que possam ocorrer no o futuro".

- Levar uma vida social ativa.

- Não pare de jogar, sejam jogos de tabuleiro, palavras cruzadas completas ou as diferentes alternativas encontradas na internet. A chave é que “eles nos permitem trabalhar habilidades como organização, planejamento, tomada de decisão ou iniciativa, por exemplo”.

- Altere rotinas. Embora as rotinas confiram estabilidade às nossas vidas, “automatizar atividades diminui a ativação cerebral, pois quando repetimos tarefas, o aprendizado diminui e a ativação cerebral é cada vez menor”. Então, às vezes vale a pena quebrar um hábito.

Embora, como alerta o livro produzido por Stern, a reserva cognitiva seja um conceito complexo e mais pesquisas sejam necessárias para ampliar nossa compreensão sobre ele, é essencial ajudar o cérebro a se manter saudável para enfrentar percalços de saúde.

Outras várias das recomendações já são bem conhecidas: não fume, faça exercícios regularmente, mantenha um peso saudável, trate a pressão alta e o diabetes, durma o suficiente.

Uma vida ativa sem excessos é apreciada não só pelo corpo, mas também pelo cérebro


Professor Edgar Bom Jardim - PE

sexta-feira, 29 de abril de 2022

Comitê da ONU vê falhas em processos contra Lula. Justiça brasileira armou contra Lula

Luiz Inácio Lula da Silva

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Segundo Comitê da ONU, Lula teve seus direitos violados no processo criminal do qual foi alvo na Operação Lava Jato

O Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) concluiu que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve seus direitos violados durante o processo criminal do qual foi alvo durante a Operação Lava Jato. A conclusão foi divulgada nesta semana e é resultado de quase seis anos de análise de uma queixa feita pela defesa de Lula junto ao comitê. Questionado, o Itamaraty disse que o governo tem a intenção de se manifestar sobre o caso no prazo dado pelo órgão.

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que o Brasil estaria, em tese, obrigado a acolher as recomendações que deverão ser feitas pelo comitê em relação ao caso do ex-presidente. Eles alertam, no entanto, que o impacto jurídico da conclusão do comitê é impreciso porque não há mecanismos que obriguem efetivamente o país a adotar as orientações dadas pelo órgão.

O Comitê de Direitos Humanos da ONU é um órgão criado a partir da Convenção para Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, de 1966. Na época, o Brasil vivia sob a ditadura militar, que governou o país entre 1964 e 1985. O Brasil passou a ser signatário da convenção em 1992, sete anos depois da redemocratização.

A função do órgão é monitorar a implementação da convenção entre todos os países que são signatários do documento, entre eles o Brasil.


O comitê é formado por especialistas em direitos humanos e direito internacional e não são indicados pelos países signatários do tratado.

Eles cumprem mandatos de três anos que podem ser renovados por mais três. Além de monitorar, o comitê também analisa queixas individuais de cidadãos de quaisquer países que sejam signatários do tratado que, por algum motivo alegam que seus direitos foram violados.

Sergio Moro

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Sergio Moro condenou Lula no caso do triplex, mas STF o considerou parcial no caso

Foi com base nessa possibilidade que os advogados de Lula recorreram ao comitê, em julho de 2016, no auge da Operação Lava Jato

Lula foi um dos principais investigados da operação. Ele foi acusado de crimes como corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Segundo as acusações, ele teria recebido vantagens indevidas de empreiteiras em troca de contratos com a Petrobras.

Em julho de 2017, ele foi condenado a nove anos de prisão por Sergio Moro no caso do apartamento tríplex no Guarujá (SP) e a 12 anos de prisão no caso do sítio de Atibaia (SP). As condenações foram mantidas pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Em 2021, porém, o Supremo Tribunal Federal (STF) acolheu recursos da defesa do ex-presidente e anulou as condenações alegando, entre outros motivos, que os casos não deveriam ter tramitado na Justiça Federal do Paraná.

Além disso, o STF também considerou Moro suspeito (parcial) nos casos envolvendo o petista. Com as decisões, Lula recuperou o direito de concorrer a cargos eletivos. Atualmente, ele lidera as pesquisas de intenção de voto para as eleições presidenciais deste ano.

As queixas de Lula

A denúncia feita pela defesa do ex-presidente de que seus direitos estavam sendo violados pela Justiça brasileira se baseia em quatro pontos principais:

- a detenção de Lula pela Polícia Federal em uma sala do aeroporto de Congonhas, em 2016, teria ocorrido de forma arbitrária, durante um mandato de condução coercitiva;

- a divulgação de conversas telefônicas e mensagens do ex-presidente Lula ordenada pelo então juiz Sergio Moro;

- parcialidade de Sergio Moro;

- proibição de que Lula fosse candidato à presidência em 2018.

Ao analisar a queixa de que Lula não teve direito a um julgamento justo, o comitê entendeu que os requerimentos de imparcialidade do juiz responsável, na época Sergio Moro, não teriam sido atingidos.

"O comitê considera que, para um observador razoável, os fatos que ocorreram mesmo antes da primeira condenação do autor, em 2017, mostram que o elemento objetivo do requerimento de imparcialidade não foi atingido. O comitê observa que uma decisão tomada no momento certo sobre o assunto teria evitado o prejuízo causado pelo autor, o que incluiu uma condenação, a confirmação da condenação, ser impedido de concorrer à presidência e 580 dias de prisão injusta", diz um trecho do documento.

Conselho de Direitos Humanos da ONU durante a eleição de novos membros, em 2018

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Conselho de Direitos Humanos da ONU durante a eleição de novos membros, em 2018

Em nota, o ex-juiz e ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, contestou as conclusões do comitê e disse que elas foram influenciadas por decisões erradas do Supremo Tribunal Federal (STF). Moro disse ainda que Lula não foi alvo de perseguição.

"Considero a decisão do STF um grande erro judiciário e que infelizmente influenciou indevidamente o Comitê da ONU. De todo modo, nem mesmo o Comitê nega a corrupção na Petrobras ou afirma a inocência de Lula [...] Também é possível constatar, no relatório do Comitê da ONU, robustos votos vencidos que não deixam dúvidas de que a minha atuação foi legítima na aplicação da lei, no combate à corrupção e que não houve qualquer tipo de perseguição política", diz um trecho da nota de Moro.

Impacto jurídico impreciso

Para a professora de Direito Internacional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, Elaini da Silva, o Brasil é obrigado a cumprir a decisão do comitê.

Mesmo assim, ela argumenta o impacto jurídico delas ainda é impreciso. Isso acontece porque, quando se trata de direitos humanos, não há mecanismo que obrigue os Estados a cumprirem as determinações do comitê.

"No cenário político brasileiro atual, é pouco provável que a decisão do comitê tenha efeitos práticos no ordenamento brasileiro porque o sistema internacional, apesar de obrigatório não tem aplicação direta", explica.

A questão sobre a obrigatoriedade no cumprimento das medidas expedidas pelo comitê já havia sido alvo de debate em 2018, quando o comitê emitiu uma recomendação ao governo brasileiro para que Lula pudesse ser candidato nas eleições daquele ano. Como estava condenado pela Justiça, Lula foi considerado inelegível e não disputou o cargo.

Na época, o Itamaraty divulgou uma nota afirmando que as conclusões do comitê não teriam caráter "vinculante", ou seja: o Brasil não estava obrigado a cumpri-las.

"As conclusões do Comitê têm caráter de recomendação e não possuem efeito juridicamente vinculante. O teor da deliberação do Comitê será encaminhado ao Poder Judiciário", disse o Itamaraty em agosto de 2018.

Procurado após a divulgação da decisão final do comitê, o Itamaraty disse à BBC News Brasil News que o governo brasileiro já iniciou a análise do documento e que "tem a intenção" de respeitar o prazo de seis meses dado pelo órgão para se manifestar sobre o assunto. A nota não

"O governo brasileiro iniciou processo de análise do teor da decisão adotada pelo Comitê, processo que exigirá o concurso de diferentes órgãos com competência sobre a matéria. O governo tem intenção de respeitar o prazo de 180 dias para pronunciar-se a respeito das conclusões do Comitê", diz um trecho da nota enviada.

Em outro trecho, a nota diz que o Brasil "reconhece e valoriza" o papel desempenhado pelo comitê.

"O Brasil reconhece e valoriza o papel desempenhado pelos órgãos de tratados de direitos humanos, entre eles o Comitê de Direitos Humanos, na promoção dos direitos humanos e na defesa das liberdades e garantias fundamentais", diz a nota.

Procurado, o comitê disse que espera que as recomendações sejam implementadas uma vez que o Brasil é um dos signatários do tratado.

"As decisões do comitê representam interpretações oficiais do tratado em questão. Elas são decisões legais proferidas por um por um mecanismo que é quase judicial. Isso significa que o comitê não é uma corte, mas tem funções jurisdicionais, emitindo decisões que contém recomendações para os países-membros que são esperadas que sejam cumpridas", diz um trecho da nota enviada pelo órgão à BBC News Brasil.

Em outro trecho, o comitê diz que os países-membros alvo de decisões são convocados a informarem, dentro de 180 dias, se tomaram as medidas recomendadas. Caso as medidas não sejam tomadas, o caso é mantido como aberto até que ações consideradas satisfatórias sejam adotadas.

O consultor na área de direitos humanos Paulo Lugon discorda do entendimento do Itamaraty de que o Brasil não estaria obrigado a cumprir as recomendações do comitê. Entretanto, ele admite que o país ainda não tem uma tradição de seguir as determinações de instâncias internacionais.

"As cortes brasileiras ainda não desenvolveram completamente um entendimento sobre essa obrigação de implementar as decisões dos órgãos internacionais. Isso acontece muito mais por uma questão de cultura jurídica [...] Obviamente, o Executivo e o Judiciário podem optar por não implementar, mas estarão em violação do direito interno e internacional", explica.

"Quando se trata de direitos humanos em nível internacional, se um Estado não cumpre uma decisão ou uma recomendação, não existe uma figura de um oficial de justiça internacional ou algum tipo de força que obrigue o país a seguir o que foi dito", diz Lugon.

Luiz Inácio Lula da Silva

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Conclusão do comitê da ONU foi tomada após denúncia feita pela defesa do ex-presidente

O que acontece se o Brasil não acatar as recomendações

Tanto Lugon quanto Elaini afirmam que, do ponto de vista prático, não há previsão de sanções ao Brasil caso ele não cumpra o que for determinado pelo comitê. As recomendações do órgão ainda deverão ser publicadas.

Mesmo assim, eles afirmam que caso o Brasil se negue a cumpri-las, isso poderia deteriorar a imagem do país junto à comunidade internacional.

"Uma negativa poderia prejudicar ainda mais a imagem do Brasil no exterior, especialmente junto aos outros países do sistema ONU. O Brasil poderia ser visto como um pária em matéria de direitos humanos", explica Paulo Lugon.

Elaini diz que o impacto de um descumprimento se daria no campo simbólico.

"Não faria bem para a imagem e a reputação do Brasil, especialmente porque o país é um dos signatários do tratado. Outro ponto é que este caso se refere à segurança jurídica. É muito ruim mandar um sinal de que pessoas podem não ter seus direitos civis e políticos respeitados em um país como o Brasil", afirma. BBC


Professor Edgar Bom Jardim - PE