quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Os Teimosos




Professor Edgar Bom Jardim - PE

'Rio voador', o fenômeno climático que ajuda a explicar tragédias de verão no Brasil




Bombeiros em Petrópolis

CRÉDITO,REUTERS

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Tempestade atingiu Petrópolis (RJ), causando destruição e mortes

As tempestades que vêm causando tragédias como a de Petrópolis, na região serrana do Rio, a mais recente de uma sequência desde o final do ano passado, têm em comum um mesmo fenômeno.

Assim como a água corre em terra, também há fluxos massivos de água nos céus.

Na América do Sul, um desses enormes corredores de umidade atmosférica vai da região amazônica até o centro-sul do país.

Esse "rio voador" carrega parte da água que evapora no norte para outras partes do território nacional


"É uma região muito úmida e tropical, onde tem um aquecimento constante. A Floresta Amazônica por si só já despeja uma quantidade enorme de água na atmosfera pela evaporação", explica Estael Sias, da Metsul Meteorologia

"O relevo da América do Sul, a cordilheira dos Andes, não deixa essa umidade escapar do continente, obrigando esse rio voador a descer."

Se esse corredor de umidade se encontra com uma frente fria vinda do sul, as nuvens carregadas tendem a ficar concentradas por alguns dias em uma determinada região.

Gráfico sobre 'rio voador'

Um fenômeno potencializa o outro, formando um terceiro - a chamada zona de convergência do Atlântico Sul, que é recorrente durante o verão nesta região do planeta e provoca fortes chuvas.

Foi o que aconteceu primeiro no sul da Bahia, no final do ano passado e, depois, em Minas Gerais, no início do mês.

Depois, foi a vez das chuvas torrenciais atingirem São Paulo e, agora, Petrópolis, provocando mais inundações, deslizamentos e mortes.

Sias explica que o rio voador da América do Sul corre a uma altitude entre 5 a 10 km do solo e fica ativo durante o ano todo.

Seu curso e alcance são influenciados pela dinâmica dos ventos na região e pela passagem de outros fenômenos pelo continente.

"No inverno, um sistema de alta pressão atmosférica não deixa a maioria das frentes frias subirem até o Sudeste ou o Centro-Oeste, por isso é um período muito seco nessa parte do país, e o rio atmosférico consegue ir até mais ao sul", afirma a especialista.

"No verão, esse bloqueio vai para o oceano, se afastando do continente, e as frentes frias conseguem subir. Quando sobe uma frente fria, ela se conecta à umidade amazônica, e elas vão andando juntas até parar em cima do Sudeste ou do Nordeste do Brasil e se transformar em chuvas e temporais."

Mapa mostra zona de convergência do Atlântico Sul

CRÉDITO,CLIMATEMPO

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Encontro de 'rio voador' com frente fria cria zona de convergência na região do Atlântico Sul

Sias afirma que, na semana passada, o rio voador estava mais disperso, mas que, nesta semana, uma massa de ar frio e seco chegou ao sul do país e criou uma barreira que não deixou o corredor de umidade avançar.

As nuvens ficaram então paradas sobre a região metropolitana de São Paulo e foram potencializadas pela frente fria, provocando fortes chuvas.

O resultado foi que choveu em poucos dias a média histórica para o mês inteiro, e isso foi fatal em uma região que já vinha sofrendo com tempestades.

Fenômeno é característico do verão

No entanto, apesar de muita gente pensar que chuvas assim são excepcionais, Francisco de Assis, do Instituto Nacional de Meteorologia, explica que as zonas de convergência são algo característico da América do Sul no verão.

"Dependendo do ano, ocorrem mais para o sul ou mais para o norte", afirma Assis.

Nesta época do ano, o corredor de umidade que vem da Amazônia ganha força. "Há uma alta liberação de calor e umidade da Amazônia devido às temperaturas elevadas,", afirma Assis.

Também há uma maior evaporação de água dos oceanos Pacífico e Atlântico, intensificando esses fenômenos meteorológicos, explica o especialista.

Carro em rua alagada em Franco da Rocha

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Em poucos dias, choveu a média de janeiro inteiro na região metropolitana de SP

Josélia Pegorim, meteorologista da Climatempo, reforça que as zonas de convergência acontecem todos os anos, com maior ou menor intensidade.

"Se pegarmos outros eventos de desastres naturais e de chuvas catastróficas, no Sudeste em particular, quase todos, ou a maior parte, estiveram associados à formação de zonas de convergência", diz Pegorim.

A especialista avalia que as tragédias ocorrem não pela intensidade das chuvas ou porque elas sejam imprevisíveis - na verdade, foi o contrário, dizem os meteorologistas ouvidos pela reportagem, e alertas foram emitidos com antecedência.

O problema é a falta de preparo e de reação das autoridades aos avisos.

"A culpa é da chuva até certo ponto. Não se pode dizer que é por causa das mudanças climáticas ou que nunca choveu assim, porque já teve chuvas até piores. Não teve surpresa", diz Pegorim.

Ao mesmo tempo, afirma a meteorologista, a canalização do ar úmido da região Norte em direção ao Centro-Oeste e ao Sudeste e a formação das zonas de convergência no encontro com frentes frias, formando tempestades, tem uma função importante.

"Esse sistema é fundamental para que consigamos recompor as reservas de água para os reservatórios de geração de energia e de abastecimento da população."

  • Rafael Barifouse
  • Da BBC News Brasil em São Paulo
Professor Edgar Bom Jardim - PE

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Tragédia em Petrópolis: chuvas de verão extremas são reflexo das mudanças climáticas?



Carros em alagamento na cidade de Petrópolis

CRÉDITO,REUTERS

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Temporal extremo causou tragédia em Petrópolis

Os temporais que atingiram desde o final do ano passado a Bahia, Minas Gerais, São Paulo e, agora, o Rio foram seguidos por dois tipos de reação.

A primeira é de dor e revolta, pelas vidas perdidas por causa dos desastres, mas é bastante comum ouvir também que esses eventos extremos são por causa das mudanças climáticas.

Mas dá pra dizer isso? Ou são as mesmas tempestades de verão de sempre?

A resposta está no meio do caminho, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasi


Isso porque, sim, nessa época do ano, costumam ocorrer chuvas muito fortes

Mas, ao mesmo tempo, a frequência e intensidade dos eventos climáticos extremos está aumentando, de acordo com os dados científicos disponíveis.

A meteorologista Josélia Pegorim, da Climatempo, explica que essas tempestades são um resultado de um fenômeno climático conhecido como zona de convergência do Atlântico Sul.

Essas zonas se formam quando a umidade trazida pelos ventos da Amazônia se encontra com uma frente fria que vem do sul.

Isso faz com que as nuvens carregadas fiquem concentradas em uma região até desaguarem em temporais.

"Praticamente todos os anos a gente observa a formação dessas zonas de convergência, com maior ou menor intensidade. Não é nenhuma novidade, não dá pra dizer que é um fenômeno novo que as mudanças climáticas estão provocando", diz Pegorim.

Combinação


A meteorologista faz uma ressalva, no entanto: as zonas de convergência explicam os temporais em Minas, São Paulo e Bahia, mas, no caso de Petrópolis, tratou-se de um evento diferente e excepcional.

"Os outros eventos de chuvas fortes que teve foram chuvas que foram se acumulando em alguns dias, houve vários episódios de chuva intensa. Foram vários eventos de zonas de convergência atuando na mesma região ao longo de semanas. Em Petrópolis, choveu em três horas mais do que a média histórica do mês inteiro", diz Pegorim.

A meteorologista diz que houve na cidade fluminense uma "combinação perfeita" de fatores climáticos.

O ar já estava úmido por causa de uma frente fria que tinha passado. Ventos vindos do oceano trouxeram ainda mais umidade. E o encontro desse ar mais frio com uma massa de ar quente na região serrana favoreceu a formação de nuvens

Para completar, o relevo montanhoso fez com que os ventos úmidos subissem as encostas das serras e deixassem as nuvens ainda mais carregadas.

Foto noturna mostra pessoas na rua observando enchente à frente delas

CRÉDITO,REUTERS

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Enchente em Caieiras (SP) no final de janeiro

Estael Sias, meteorologista da Metsul, concorda que a chuva que atingiu Petrópolis foi incomum por causa da sua intensidade em uma área tão concentrada, mas diz que isso não chega a ser surpreendente.

Sias explica que o encontro entre massas de ar frio e quente costuma ser o gatilho de formação de nuvens com potencial "explosivo".

O relevo dessa área do Rio também contribui para que ocorram chuvas fortes.

"Não precisa ir muito longe, nas últimas décadas, a região serrana teve temporais, deslizamentos e mortes", recorda a meteorologista.

Ela cita especialmente as chuvas de janeiro de 2011, que deixaram mais de 900 mortos em Petrópolis, Nova Friburgo e Teresópolis.

Mas Sias avalia que a ocorrência de uma sequência de chuvas tão intensas em tão pouco tempo, junto com outros eventos climáticos extremos, é um sinal das mudanças climáticas.

"Houve tempestades de areia no ano passado, calor muito forte no sul do país neste ano, cheia no Tocantins, secas intensas. Quando a gente olha tudo isso junto pode considerar um indicativo", diz Sias.

O climatologista Carlos Nobre diz ser raro que as mudanças climáticas provoquem eventos nunca vistos antes.

O mais comum é ver fenômenos extremos como esses cada vez mais intensos e frequentes.

"Basta olhar os relatórios científicos e ver que a frequência das ondas de calor é de três a quatro vezes maior do que há 150 anos, as chuvas intensas que causam desastres ficaram mais frequentes, os incêndios florestais e as secas, batemos recordes de temperatura. tudo isso está acontecendo por causa do aquecimento global", diz Nobre.

O cientista avalia que o que causa a tragédia não é exatamente a ocorrência das tempestades, mas o fato de muita gente morar em áreas de risco e continuarem a viver ali mesmo depois de tragédias como a de 2011, por exemplo.

Hoje, diz Nobre, 5 milhões de brasileiros vivem em áreas de risco. "Isso não é nada trivial", afirma o climatologista.

"O que a gente vê hoje acontece em meio a um aumento de pouco mais de 1 grau na temperatura do planeta e, mesmo que a gente tenha muito sucesso com as políticas ambientais, ainda vai subir mais, então, a gente precisa colocar em prática políticas para sermos mais resilientes a esses desastres naturais, e a melhor delas é não deixar as pessoas habitarem áreas de risco.

  • Rafael Barifouse
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

Professor Edgar Bom Jardim - PE

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Malfatti, Graz, Novaes e Aita: as mulheres (esquecidas) da Semana de Arte Moderna de 22





Folheto da Semana de Arte Moderna

CRÉDITO,KARINA BACCI/DIVULGAÇÃO

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Folheto da Semana de Arte Moderna

No ano em que ocorreu a Semana de Arte Moderna, em 1922, as mulheres no Brasil ainda não podiam votar - a conquista desse direito viria uma década depois. Na vida privada, elas não podiam ter conta bancária sem autorização do marido, assim como não existia o divórcio - este seria permitido no país quase 60 anos após o evento modernista.

Isso revela como a Semana de 22, ocorrida em São Paulo entre os dias 13 e 17 de fevereiro, foi revolucionária para a sociedade da época, mas também ajuda a explicar o porquê o nome de praticamente apenas uma mulher entrou para a história do evento - Tarsila do Amaral.

Porém, segundo a professora do Departamento de Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade de Brasília (UnB), Vera Pugliese, Tarsila nem no Brasil estava na data do festival.

"É interessante que, principalmente fora do meio universitário, Tarsila do Amaral seja indicada como uma das principais participantes da Semana de Arte Moderna. Em fevereiro de 1922, ela estava em Paris", diz Pugliese


A pintora paulista foi, de fato, umas das principais modernistas do país, "mas não participou da Semana de Arte Moderna. Nenhuma de suas obras esteve presente no festival artístico", conta a professora da UnB

Corrigindo a história: Aina, Gomide Graz e Novaes

Segundo os registros, apenas quatro mulheres participaram da Semana de Arte Moderna: as artistas visuais Anita Malfatti, Gomide Graz e Zina Aita; e a pianista Guiomar Novaes.

"Considerando-se a época, é natural que o número de participantes mulheres tenha sido pequeno, afinal, no Brasil do início do século 20 ainda predominava a ideia de arte feminina e arte masculina", explica a professora do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (USP) Mayra Laudanna


A professora Pugliese lembra que fazia parte da cultura burguesa da década de 1920 que as mulheres dessas famílias "escrevessem poesia e mesmo desenhassem ou pintassem, preferencialmente aquarelas", e que "tocassem ou pelo menos tivessem aprendido um instrumento musical".

"Escultura, nem pensar; era considerada excessivamente masculina", afirma.

No entanto, não era incentivado que as mulheres se profissionalizassem, uma vez que seus conhecimentos artísticos "deveriam restringir-se ao espaço privado de suas residências, dentro dos limites permitidos primeiro pelo pai e depois pelo marido", diz a professora da UnB.

Além das diferenças de gênero, a própria definição de arte da época impôs barreiras à popularização das artistas ligadas à decoração, como a tapeçaria e a cerâmica.

"Precisamos com urgência rever as hierarquias da história da arte para entender melhor o que foi a experiência modernista, que não se limitou ao espaço da tela, da moldura", ressalta a professora do Instituto de Estudos Brasileiros da USP Ana Paula Cavalcanti Simioni.

Autora do livro "Mulheres modernistas: estratégias de consagração da arte brasileira", que será publicado neste semestre, Simioni explica que um dos objetivos da arte modernista foi o de transformar os objetos do dia a dia. "Promover a ruptura com a separação entre arte e vida que se tinha", diz.

"Isso levará a uma compreensão mais generosa e contextualizada da relevância de Regina Graz [tapeceira] e Zina Aita [ceramista] para a arte moderna", sugere Simioni.

Já em relação ao esquecimento da participação da pianista Guiomar Novaes na Semana de Arte Moderna, a professora Laudanna sugere que o motivo pode ser a musicista "ter se indisposto com o evento devido a algumas paródias ocorridas antes de sua apresentação no Teatro Municipal de São Paulo", afirma.

Zina Aita

Mário de Andrade (sentado), Anita Malfatti (sentada, ao centro) e Zina Aita (à esquerda de Anita) em São Paulo em 1922

CRÉDITO,DOMÍNIO PÚBLICO

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Mário de Andrade (sentado), Anita Malfatti (sentada, ao centro) e Zina Aita (à esquerda de Anita) em São Paulo em 1922

A artista plástica Tereza Aita, conhecida como Zina, nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 1900, e estudou desenho, pintura e cerâmica na Itália dos 14 aos 18 anos.

Quando retornou ao Brasil, em 1918, teve contato com o modernismo por meio, principalmente, dos amigos Anita Malfatti e Mário de Andrade.

Apesar de ser considerada precursora do modernismo em Minas Gerais por causa de uma exposição individual feita na capital mineira em 1920, Laudanna aponta que a lacuna sobre a obra de Aita no Brasil é enorme.

"Ainda hoje, pouco se sabe e quase nada se conhece dos trabalhos de Zina Aina", diz Laudanna. "Ela basicamente foi esquecida por falta de pesquisas [no Brasil] e por se localizar pouquíssimas obras suas".

A professora Pugliese também destaca o retorno de Zina à Itália logo após a Semana de Arte Moderna, em 1924, tendo permanecido no país até a sua morte, em 1967, e a sua preferência pela cerâmica.

"A desvalorização da cerâmica, taxada como arte decorativa (inclusive entre os artistas homens) não favoreceu seu reconhecimento como artista maior no meio das artes plásticas [modernistas]", acrescenta Pugliese.

"Sua produção permanece pouco conhecida, e grande parte de suas obras não é datada", afirma trecho de sua biografia na enciclopédia do Itaú Cultural.

Regina Gomide Graz

Retrato de Regina Gomide Graz

CRÉDITO,ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL DE ARTE E CULTURA BRASI

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Retrato de Regina Gomide Graz feito pelo seu irmão, Antônio Gomide

A pintora, decoradora e tapeceira Regina Gomide Graz nasceu em Itapetininga (SP) em 1897. Após estudar em Genebra, na Suíça, Graz retornou ao Brasil em 1920, se aproximou dos modernistas e expôs sua obra em tapeçaria na Semana de Arte Moderna. Foi pioneira no interesse pela tradição indígena brasileira, tendo estudado a tecelagem indígena do Alto Amazonas para compor parte de sua obra.

"Regina Gomide Graz foi a introdutora das artes decorativas modernas no Brasil, em especial nos suportes têxteis. Participou de um projeto de modernização da decoração em lares de São Paulo, ao lado de seu esposo, o artista suíço John Graz e seu irmão, o artista Antonio Gomide", conta Simioni.

A artista é considerada uma das mais produtivas do Modernismo brasileiro entre 1920 e 1940, mas sua obra foi reduzida pela história como "colaboradora" do marido John Graz e do irmão Antônio Gomide. Em livros, Regina é descrita como "esposa" e "irmã" de artistas, quase nunca como "autora".

Exposição dos tapetes de Regina Gomide

CRÉDITO,DOMÍNIO PÚBLICO

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Exposição dos tapetes de Regina Gomide Graz em 1925

Além disso, "em virtude de sua escolha por materialidades menos valorizadas pela história da arte (decoração, arte têxtil), Regina acabou ocupando um lugar menor, mas que vem sido revisto", diz Simioni.

Guiomar Novaes

Retrato da pianista Guiomar Novaes

CRÉDITO,REPRODUÇÃO INSTITUTO PIANO BRASILEIRO

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Retrato da pianista Guiomar Novaes

A pianista se apresentou na terceira noite do evento em um recital com obras de Debussy e Villa-Lobos. Teria sido a única artista daquela noite no Teatro Municipal a ter uma plateia em silêncio durante a sua apresentação e, em seguida, receber aplausos calorosos do público.

Apesar do sucesso entre o público, Novaes deu uma entrevista na época afirmando estar triste com "peças satíricas à música de Chopin" que marcaram a segunda noite de apresentações. A pianista teria se sentido ofendida, uma vez que Chopin era a sua especialidade.

Novaes nasceu em São João da Boa Vista, interior paulista, em 1894. Começou a tocar piano aos 4 anos e, aos 15, se mudou para a Europa para estudar música.

A musicista teve uma sólida carreira internacional, tendo se apresentado para personalidades como a Rainha Elizabeth 2ª e o presidente americano Franklin Roosevelt. Ela já era uma das pianistas mais prestigiadas do Brasil quando se apresentou na Semana de Arte Moderna.

Malfatti, a primeira modernista

A discreta e tímida Anita Malfatti produziu "uma arte distante dos padrões vigentes [os padrões europeus] antes mesmo de 1922", diz Laudanna. Por isso, segundo a professora, Malfatti é considerada a primeira pintora modernista do Brasi

Anita Malfatti em foto de 1912

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Anita Malfatti em foto de 1912

Filha de um imigrante italiano, Malfatti nasceu em 1889 em São Paulo. Em 1910, se mudou para a Alemanha para estudar artes. Em seguida, foi para os Estados Unidos, onde produziu uma série de nus artísticos - um escândalo para os conservadores da época.

Em 1917, já de volta ao Brasil, a pintora realizou uma exposição individual em São Paulo intitulada "Exposição de Pintura Moderna", que serviu de estopim para a Semana de Arte Moderna, cinco anos depois.

Isso porque, assim como o evento de 1922, que não foi bem recebido por parte do público, a exposição individual de Malfatti de 1917 foi ferozmente criticada por Monteiro Lobato em um texto intitulado "Paranóia ou Mistificação?".

"Após a crítica negativa de Monteiro Lobato, Oswald de Andrade, Di Cavalcanti e outros saíram em defesa de Anita nos jornais. Foi aí que estes artistas tomaram consciência do que os unia: um desejo de inovação e de se contraporem aos parâmetros da crítica e de gosto então em vigor", comenta Simioni.

A exposição de 1917 foi lembrada pelos críticos e pelos jornais nos anos em que se seguiram. Ora lembravam da coragem e originalidade de Malfatti, ora retomavam as críticas de Lobato.

"Ainda que Malfatti não tenha se concretizado como a cabeça do movimento modernista, posição inicialmente assumida por Victor Brecheret, a artista continuou sendo, na Semana de Arte Moderna, a personificação do escândalo da arte modernista", explica Pugliese.

O projeto "Ver Anitta", da professora Laudanna, hospedado no site da USP, recuperou entrevistas de Malfatti sobre a repercussão de sua exposição anterior à Semana de Arte Moderna.

Em 1955, a pintora afirmou ao jornal A Gazeta que não tinha ideia de que suas obras de 1917 seriam encaradas como uma "revolução".

"Achei que era natural aquilo", disse Anita à Gazeta sobre a crítica de Lobato.

"Apenas não tomei aquilo tudo como uma revolução nem imaginei o que iria causar mais tarde. Apenas quando o movimento tomou conta da literatura, da música e das outras artes, em geral, foi que avaliei o que estava acontecendo", continuou a artista modernista.

Malfatti expôs cerca de dez obras durante a Semana de Arte Moderna

"Estávamos completamente felizes apesar dos protestos e vaias. O Villa executou um tremendo concerto sinfônico de abalar as paredes do velho Municipal, na noitada de sexta-feira. Assim terminava a Semana. Tínhamos feito algo que só vinte ou trinta anos depois poderíamos registrar assim: deixamos um ponto luminoso na história da cultura da Cidade de São Paulo", afirmou Malfatti em 1954 ao jornal O Carioca.

Reescrevendo Tarsila na Semana

Tarsila, por sua vez, além de não ter participado do evento, foi apresentada aos modernistas fomentadores da Semana, Oswald de Andrade, Mario de Andrade e Menotti del Picchia, meses depois do evento, por intermédio de Anita Malfatti, sua conhecida desde 1919.

"Tarsila passou a conviver com eles após a Semana. Juntos, formaram o 'Grupo dos Cinco', que se manteve unido em torno da ideia de produzir uma arte 'brasileira'", resgata Laudanna.

O "Grupo dos Cinco" durou apenas alguns meses, contudo.

"O grupo se desfaz com o retorno de Tarsila para a Europa ainda no mesmo ano de 1922", diz a professora da USP.

"A Semana foi se construindo como um "mito fundador" posteriormente, assim como se foi construindo Tarsila como a musa do modernismo, e em algum momento se atrelou uma coisa a outra, mas isso não tem nenhuma veracidade", conclui a professora Simioni

  • Laís Modelli
  • De São Paulo para a BBC Brasil

Professor Edgar Bom Jardim - PE