sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

'Lixo do mundo': o gigantesco cemitério de roupa usada no deserto do Atacama





Roupas usadas jogadas fora no Deserto do Atacama

CRÉDITO,NICOLÁS VARGAS

O calor é extenuante. Ao meu redor só há terra, areia e algumas aves de rapina que dão voltas pelo ar em busca de animais mortos. O silêncio é desolador.

São 11 da manhã de uma segunda-feira de dezembro. Estou no imenso deserto do Atacama, no norte do Chile, na altura da cidade de Iquique - situada a 1.800 km da capital Santiago.

A alguns metros consigo avistar uma enorme montanha. Vamos nos aproximando pouco a pouco em um caminho improvisado e sem marcas de trilha.

A imagem vai ficando cada vez mais nítida. Sapatos, camisetas, casacos, vestidos, gorros, trajes de banho e até luvas para neve formam essa surpreendente montanha


São peças inexplicavelmente abandonadas em pleno deserto. É roupa descartada pelos Estados Unidos, pela Europa e Ásia, enviada ao Chile para ser revendida.

Roupas usadas jogadas fora no Deserto do Atacama

CRÉDITO,NICOLÁS VARGAS

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Calcula-se que 300 hectares do deserto do Atacama estejam cobertos por lixo

Das 59 mil toneladas importadas todos os anos, grande parte (algo como 40 mil toneladas) não é vendida - acaba no lixo.

A maioria fica nas cercanias de Alto Hospicio, uma comunidade com altos níveis de pobreza e vulnerabilidade.

Em novembro, imagens desse lixão deram a volta ao mundo. Quisemos ir até lá para averiguar com profundidade o que está acontecendo.

Como funciona o mercado de roupa usada?

Caminhões carregados com fardos de roupa usada entram e saem da Zona Franca de Iquique, mais conhecida como Zofri.

Este paraíso das compras abriga um imenso parque industrial onde operam mais de mil empresas que comercializam seus produtos isentos de impostos.

Seu lugar estratégico no norte do Chile - a poucos quilômetros do porto do Iquique - transforma a área em um importante centro comercial para outros países latino-americanos como Argentina, Brasil, Peru e Bolívia.

Porto de Iquique

CRÉDITO,NICOLÁS VARGAS

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O Chile é o maior importador de roupa usada da América do Sul, recebendo 90% desse tipo de mercadoria na região

Aqui estão instaladas ao menos 50 importadoras que diariamente recebem dezenas de toneladas de peças de segunda mão que depois são distribuídas por todo o Chile para revenda.

O negócio é imenso e completamente legal. De acordo com o Observatório de Complexidade Econômica (OEC), uma plataforma que registra diversas atividades econômicas pelo mundo, o Chile é o maior importador de roupa usada na América do Sul, recebendo 90% desse tipo de mercadoria na região.

Os proprietários das importadoras têm nacionalidades distintas: alguns são de países longínquos como o Paquistão.

Com um domínio precário do espanhol, vários se recusam falar sobre o assunto. "Ninguém quer se responsabilizar", diz um dos importadores.

Após várias tentativas, a fundadora da PakChile, Paola Laiseca, explica à BBC Mundo como funciona o negócio.

Roupa usada em caminhão

CRÉDITO,FERNANDA PAÚL

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As roupas usadas chegam em sacos e são selecionadas na zona franca para revenda em todo o Chile

"Nós trazemos roupa dos Estados Unidos, mas também chega da Europa", diz ela, sentada no escritório de um imenso galpão onde se acumulam vários fardos de peças de segunda mão.

A maioria dessas roupas foi doada a organizações de caridade em países desenvolvidos. Muitas vão para locais de distribuição ou são entregues a pessoas necessitadas.

Mas o que não é aproveitado (por defeito na peça, por exemplo) segue para países como Chile, Índia ou Gana.

Laiseca explica que ao porto de Iquique chegam peças de qualidades distintas.

Roupas usadas jogadas fora no Deserto do Atacama

CRÉDITO,FERNANDA PAÚL

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A maioria do que é importado acaba sendo descartado em lixões clandestinos

"A roupa usada vem em sacos e nós aqui fazemos uma seleção dividida em primeira, segunda e terceira categoria."

"A primeira é das melhores peças, sem defeitos, sem manchas, impecáveis. A segunda pode ter peças sujas ou descosturadas. Na terceira há produtos mais deteriorados", explica.

A empresária diz que as peças de terceira categoria são, sim, vendidas (e que ela só descarta 1% de tudo o que é importado). Mas autoridades locais ouvidas pela BBC Mundo afirmam que grande parte acaba em lixões clandestinos.

"Sabe-se que ao menos 60% [do que se importa] é resíduo ou descartável e é isso que forma os montes de lixo", afirma Edgard Ortega, responsável pela área de meio ambiente na municipalidade de Alto Hospicio.

Feira de La Quebradilla, Alto Hospicio

CRÉDITO,FERNANDA PAÚL

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A feira de La Quebradilla, onde as peças são revendidas

No Chile é proibido descartar têxteis até em depósitos legais porque causa instabilidade do solo. Assim, não há, em teoria local, para jogar fora o que não se comercializa.

Laiseca reconhece que existem pessoas que recebem dinheiro para descartar a roupa que não é vendida.

De acordo com Patricio Ferreira, prefeito de Alto Hospicio, os importadores da zona franca "contratam carreteiros ou um caminhão coletor e pagam para que deixem em qualquer lugar".

Carmen García, que veio da pequena cidade de Colchane, compra roupa dos importadores para revender na imensa feira de La Quebradilla, em Alto Hospicio. É possível encontrar marcas como H&M, Pepe Jeans, Wrangler e Nike.

Os preços são incrivelmente baixos: por menos de US$ 1 é possível comprar uma camiseta ou calças.

Roupas usadas jogadas fora no Deserto do Atacama

CRÉDITO,NICOLÁS VARGAS

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Grande parte da roupa abandonada no deserto está cheia de poliéster

"Tudo o que você vê aqui vem da Zofri", diz ela, mostrando sua barraca com araras cheias de roupa.

García diz que compra tudo por saco, sem garantia do que vem dentro.

"Com sorte você se dá bem. Mas tem vezes que tudo acaba no lixo", diz.

Quando questionada onde essa roupa vai parar, ela diz, sem dar muitos detalhes, que as peças são doadas para pessoas necessitadas.

Contaminação

A indústria da moda está entre as mais poluentes do mundo, depois da indústria do petróleo.

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), ela é responsável por 8% dos gases do efeito estufa e por 20% do desperdício de água no mundo.

Para produzir uma peça de jeans são gastos algo como 7.500 litros de água.

Roupas queimadas no deserto do Atacama

CRÉDITO,NICOLÁS VARGAS

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Em várias partes do deserto do Atacama se encontra roupa queimada



Além disso, grande parte da roupa está cheia de poliéster, um tipo de resina plástica derivada do petróleo e que oferece grandes vantagens em relação ao algodão: mais barato, pesa pouco, seca rápido e não amassa.

O problema é que demora 200 anos para se desintegrar - o algodão leva 2 anos e meio.

E aqui, no deserto do Atacama, a maioria das peças estão cheias justamente de poliéster. Camisetas esportivas, trajes de banho ou shorts brilham como novos, mas provavelmente estão há meses ou anos nas pilhas de lixo.

Com o passar do tempo, as roupas se desgastam e liberam microplásticos que acabam na atmosfera, afetando fortemente a fauna marítima ou terrestre das cercanias.

Outra coisa que preocupam as autoridades são os incêndios que anualmente ocorrem nos lixões clandestinos.

"Como não há um dispositivo legal, a única solução é queimar [a roupa]. E a poluição da fumaça é um grande problema", explica Eduardo Ortega. "São provocados incêndios anuais de grandes proporções, que duram entre dois e dez dias."

Acampamentos ao redor dos lixões

CRÉDITO,FERNANDA PAÚL

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Pessoas vivem nos lixões de roupas e inalam gases tóxicos

Segundo o departamento de meio ambiente da região de Tarapacá, a fumaça pode provocar doenças cardiorrespiratórias nos moradores de áreas próximas aos lixões, a maioria deles imigrantes ilegais que se instalam em casas improvisadas e em mau estado.

"Há populações que vivem nesses lixões, que inalam diretamente os gases produzidos e ficam sujeitas a doenças cardiorrespiratórias", diz Gerson Ramos, responsável pelos resíduos da secretaria regional de meio ambiente.

Nesses depósitos é comum encontrar imigrantes que escavam as montanhas de roupas para achar uma peça para vestir ou ganhar algumas moedas com revenda.

"Como não podem trabalhar formalmente procuram peças nos lixões para vender por um preço mínimo. E isso gera um problema porque o lixo se dispersa ainda mais", diz Ortega.

"Os pobres pagam o pato por esse modelo de negócio que ninguém quer se responsabilizar", afirma.

Soluções?

O problema da roupa no deserto do Atacama não é novo.

Faz cerca de 15 anos que os descartes têxteis se acumulam nesse lugar icônico, mas agora o problema tem atingido proporções gigantescas, afetando 300 hectares (algo como 420 campos de futebol) da região, segundo a secretaria de meio ambiente de Tarapacá.

A solução, no entanto, não é simples.

Ropa usada botada en el desierto de Atacama.

CRÉDITO,NICOLÁS VARGAS

No momento, há dois planos em andamento: um programa de erradicação de lixões clandestinos e a incorporação da roupa usada à Lei de Responsabilidade Estendida do Produtor, que estabelece obrigações para empresas importadoras.

Mas ainda faltam passos importantes para que os planos sejam colocados em prática: no caso do primeiro, é necessária a aprovação do governador regional e, no caso do segundo, ainda é preciso elaborar o decreto de regulamentação.

"Não é fácil conciliar tantos interesses para uma solução ampla e incisiva, como proibir a entrada de roupa usada, isso não é factível", diz Moyra Rojas, secretária de meio ambiente da região de Tarapacá.

A falta de fiscalização e controle na área faz com que seja muito fácil descartar as peças em depósitos ilegais.

"Alto Hospicio é uma área vulnerável, que tem um orçamento muito baixo. Não podemos contratar mais fiscais, não recebemos recursos", declara Ortega.

Ninguém quer viver em um lixão

Com a falta de soluções reais - e o aumento indiscriminado da chamada "fast fashion" - a roupa segue se acumulando todos os dias nesse deserto inóspito.

Bonecas velhas e jogos infantis escondidos entre as montanhas do deserto evidenciam a passagem do tempo e, de alguma forma, o abandono de uma área distante dos países desenvolvidos - de onde sai muito da roupa descartada aqui.

"Ninguém quer viver em um lixão", diz Ferreira.

"E lamentavelmente transformamos nossa cidade no lixão do mundo", conclui.

  • Fernanda Paúl
  • BBC News Mundo, enviada especial ao Chile

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Professor Edgar Bom Jardim - PE

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

A tecnologia inovadora que alimentou o Império Inca




Plantação agrícola inca de Moray com montanhas ao fundo

CRÉDITO,MAX SHEN/GETTY IMAGES

No século 15 e início do 16, uma pequena ilha no lago Titicaca era um dos locais religiosos mais importantes da América do Sul.

Reverenciada como o local de nascimento do Sol, da Lua e da dinastia Inca, Isla del Sol ("Ilha do Sol") atraía peregrinos de toda parte dos Andes.

Há alguns anos, segui os passos deles, pegando um barco na cidade boliviana de Copacabana para atravessar as águas agitadas do lago, que fica a 3.812m de altitude, sendo o único lugar do planeta que um viajante pode "sofrer de enjoo no mar e mal da altitude ao mesmo tempo", de acordo com o explorador britânico Percy Harrison Fawcett, que o visitou no início do século 20.

Após atracar na costa nordeste de Isla del Sol, segui uma trilha centenária passando por uma série de ruínas incas e pré-incas — tambos (estalagens), santuários, templos, praças, altares e um complexo cerimonial que inclui Titikala, um afloramento de arenito de onde o deus criador dos Andes Viracocha teria gerado o Sol e a Lua


Fascinado pelos sítios arqueológicos antigos e pela vista da Cordilheira Real coberta de neve à distância, prestei pouca atenção às plantações em socalcos (técnica de cultivo em degraus) que serpenteavam ao longo das encostas da ilha.

No entanto, esta façanha aparentemente simples de engenharia agrícola ajudou os Incas a construir o maior império da história da América do Sul.

Conhecidos como andenes ("plataformas", em tradução literal), estas plantações em socalcos estão espalhadas pelos Andes Centrais.


Construídos pela primeira vez há cerca de 4.500 anos por culturas antigas de toda a região, eles foram aperfeiçoados pelos Inca, que surgiram no século 12 e eram mestres na adoção e adaptação de técnicas, estratégias e sistemas de crenças de outras sociedades.

Os andenes, diz Cecilia Pardo Grau, curadora da exposição Peru: A Journey in time em cartaz no British Museum, em Londres, foram "uma forma criativa de desafiar o terreno... que permite uma maneira eficiente de cultivar [lavouras]".

Eles permitiram que as comunidades andinas superassem ambientes desafiadores, incluindo encostas íngremes, solo ralo, temperaturas extremas e oscilantes e chuvas escassas ou sazonais.

Abastecidos por poços artificiais e elaborados sistemas de irrigação, os andenes expandiram significativamente a área de terras cultiváveis.

Eles também conservaram água, reduziram a erosão do solo e — graças aos muros de pedra que absorviam o calor durante o dia e depois o liberavam à noite — protegiam as plantas de geadas severas.

Como ilusão de ótica

Isso permitiu que os agricultores cultivassem dezenas de safras diferentes, de milho e batata a quinoa e coca, muitas das quais não teriam sobrevivido na região.

Choquequirao

CRÉDITO,CHRISTIAN DECLERCQ/GETTY IMAGES

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Choquequirao foi construído durante o auge do império Inca no fim do século 15

O resultado foi um aumento dramático na quantidade total de alimentos produzidos.

Além de sua engenhosidade, os andenes também possuem uma qualidade artística, formando vastos padrões geométricos nas paisagens dos Andes.

Alguns se parecem com gigantescas escadarias verdes esculpidas na encosta da montanha, enquanto outros são feitos de conjuntos de círculos concêntricos, chamando a atenção como uma ilusão de ótica.

Um dos mais impressionantes é o sítio arqueológico peruano de Moray, que se assemelha a um anfiteatro natural. Localizado a cerca de 50 km ao norte da antiga capital inca de Cuzco e 3.500m acima do nível do mar, ele demonstra como os andenes eram usados ​​para criar uma variedade de microclimas.

Graças aos vários desenhos, tamanhos, profundidades e orientações dos socalcos, a diferença de temperatura entre o mais alto e o mais baixo é de cerca de 15ºC.

Moray foi descrito como uma "estação de pesquisa agrícola": amostras de solo de todo o império foram descobertas aqui, e os pesquisadores argumentam que os Incas podem ter usado o local para experimentar práticas como rotação de culturas, domesticação e hibridização.

Técnicas agrícolas sofisticadas, como os andenes, desempenharam um papel vital na expansão do império Inca, que era conhecido como Tawantinsuyu e se estendia por grande parte do Peru moderno, oeste da Bolívia, sudoeste do Equador, sudoeste da Colômbia, noroeste da Argentina e norte do Chile em seu auge.

Plantações em socalcos

CRÉDITO,CHRISTIAN VINCES/GETTY IMAGES

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As plantações em socalcos podem ser encontradas espalhadas pelas encostas íngremes dos Andes centrais

Um dos relatos mais antigos que temos conhecimento sobre seu uso vem de Garcilaso de la Vega (1539-1616), filho de uma nobre inca e um conquistador espanhol.

Após conquistar um novo território, os Incas começavam a expandir a quantidade de terras agrícolas levando engenheiros qualificados, observou de la Vega em seu livro Royal Commentaries of the Incas.

"Depois de cavar os canais [de irrigação], eles nivelavam os campos e os retificavam para que a água da irrigação pudesse ser distribuída de forma adequada", escreveu ele.

"Eles construíam socalcos nas montanhas e nas encostas, onde o solo era bom… Desta forma todo o monte foi sendo gradualmente cultivado, as plataformas sendo aplainadas como degraus de uma escada, e todo o terreno cultivável e irrigável sendo aproveitado."

O terreno recém-expandido era posteriormente dividido em três partes: uma para o imperador Inca; outra para fins religiosos; e uma terceira para a comunidade, cujos lotes eram distribuídos pelas lideranças locais.

Embora não fossem tributados, os agricultores eram obrigados a passar um tempo trabalhando nas terras religiosas e do imperador, assim como nas suas próprias terras.

Técnicas como os andenes eram combinadas com políticas como a mitma, em que as pessoas eram levadas para territórios recentemente conquistados para ajudar a consolidar o controle inca; e a mit'a, uma forma de serviço público obrigatório usado para fornecer mão de obra para construir infraestrutura, incluindo uma rede de estradas com dezenas de milhares de quilômetros de extensão.

Esta abordagem em relação à agricultura, comunidade e organização imperial permitiu aos Incas acumularem grandes excedentes de alimentos para uso durante as secas, inundações, conflitos e outros períodos de escassez.

Vale do Colca

CRÉDITO,ALBERT ENGELN/GETTY IMAGES

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O dramático Vale do Colca, no sul do Peru, é duas vezes mais profundo que o Grand Canyon

Estas reservas — que incluíam chuño, batata liofilizada produzida por repetida exposição à geada e ao sol forte — eram mantidas em enormes depósitos chamados qullqas.

Na ausência de uma linguagem escrita, os Incas usavam um sistema complexo de cordas multicoloridas com nós, conhecido como quipu (ou khipu), para administrar os estoques, assim como para manter o controle de população e dados astronômicos.

Alguns acadêmicos acreditam que o quipu pode até ter sido usado para registrar narrativas como histórias, canções e poemas.

Grau argumenta que os quipus — há exemplares em exibição na exposição do British Museum — eram fundamentais para a sociedade Inca.

"Eles herdaram esse conhecimento dos Wari, uma sociedade que existia nas terras altas do sul, 400 anos antes dos Incas", diz ela.

"Os Incas usavam um sistema decimal: eles tinham um nó diferente para cada número de um a nove, e depois para dezenas, centenas e milhares... o quipu era essencial na forma como o império funcionava e era organizado."

No fim das contas, os andenes, os estoques de alimentos e os quipus ajudaram os Incas a expandirem constantemente um império que acabou dominando uma grande parte da América do Sul, abrangendo 12 milhões de pessoas e produzindo cidadelas majestosas como Machu Picchu.

Mas a chegada dos conquistadores espanhóis no século 16 provocou a queda dos Incas e o declínio dos andenes.

A violência colonial, as epidemias de doenças europeias e os deslocamentos forçados devastaram as populações indígenas dos Andes Centrais.

Lavouras e práticas agrícolas europeias foram introduzidas e rapidamente se espalharam por toda a região.

No entanto, embora muitos andenes tenham sido abandonados ou caíram em desuso, eles nunca desapareceram por completo.

Com base no conhecimento transmitido ao longo das gerações, muitos agricultores andinos continuam a usá-los hoje e, embora muitas vezes esquecidos pelos turistas, ainda é comum avistá-los em lugares como a Isla del Sol e a região do Titicaca como um todo, o Vale Sagrado perto de Machu Picchu, e o Vale do Colca no sul do Peru, que tem o dobro da profundidade do Grand Canyon.

Nos últimos anos, também houve um interesse acadêmico renovado pelos andenes como uma forma de agricultura sustentável que poderia ajudar o mundo a enfrentar a crise climática, a escassez de água e a erosão do solo.

A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, por exemplo, descreve a cultura andina tradicional como "um dos melhores exemplos de adaptação e consciência dos agricultores do meio ambiente" e destaca sua abordagem sustentável em relação ao uso da terra, gestão da água, proteção do solo e biodiversidade de culturas.

Quatro mil e quinhentos anos após terem surgido, as plantações em socalcos dos Andes parecem estar à frente de seu tempo.

Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel.

  • Shafik Meghji
  • BBC Travel
Professor Edgar Bom Jardim - PE