quinta-feira, 14 de outubro de 2021

8 imagens revelam como aumento da temperatura vai afetar várias cidades do mundo




Simulação Salvador

CRÉDITO,CLIMATE CENTRAL

Legenda da foto,

Na simulação do que pode acontecer com Salvador caso a temperatura suba 3 °C, a região da marina e do Mercado Modelo da cidade seria totalmente tomada pelas águas

Como o aumento da temperatura global e a elevação do nível do mar vai afetar na prática diferentes regiões do planeta?

Essa foi a pergunta que guiou uma pesquisa conduzida pelo Climate Central, uma organização sem fins lucrativos sediada nos Estados Unidos, em parceria com a Universidade Princeton, também nos EUA, e o Instituto Potsdam de Pesquisa de Impacto do Clima, na Alemanha.

O trabalho, publicado na revista científica Environmental Research Letters, identificou as regiões do mundo que podem sofrer inundações "sem precedentes", caso as políticas para combater as mudanças climáticas não sejam colocadas em prática agora pelos países.

De acordo com o estudo, centenas de áreas costeiras, que abrigam atualmente mais de 1 bilhão de pessoas, estão sob risco.

O cientista Benjamin Strauss, líder da Climate Central e autor principal do artigo, destaca que "os líderes mundiais têm a oportunidade de ajudar ou trair o futuro da humanidade com suas decisões atuais sobre as mudanças climáticas".


"Nossa pesquisa, e as imagens criadas a partir dela, ilustram o que está por trás das negociações sobre o clima em Glasgow. Medidas robustas e imediatas para uma economia mundial limpa e segura para o clima podem ajudar bilhões de pessoas e preservar cidades e nações inteiras para o futuro. As escolhas de hoje definirão nosso caminho", completou o especialista.

Ao citar Glasgow, na Escócia, Strauss faz referência à Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP-26, que será realizada nesta cidade entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro de 2021.

Já Anders Levermann, professor de dinâmicas de sistemas climáticos do Instituto Potsdam, na Alemanha, avalia que "o aumento do nível do mar é uma ameaça à nossa herança".

"E não apenas às nossas heranças antigas, mas das cidades em que vivemos hoje. São esses locais nas quais as ações de agora deixam o mundo preparado para a próxima geração", completou.

E há uma diferença considerável no que pode acontecer com essas regiões de acordo com o aumento da temperatura: se ocorrer uma elevação de até 3 °C nas próximas décadas (em comparação com a média pré-industrial), o risco de danos é praticamente o dobro do que seria observado numa subida ligeiramente menor, entre 1,5 °C e 2 °C.

No cenário mais otimista, esse aumento de 1,5 °C aconteceria se diminuíssemos aos poucos a emissão de gases do efeito estufa, até alcançarmos zero emissões em 2050.

Já a elevação de 3 °C será realidade caso o ritmo atual continue como está ou até piore nas próximas décadas.

Para ilustrar o tamanho do problema, o Climate Central montou uma série de imagens, com o auxílio de programas de edição e fotos de satélites, que revelam como podem ficar cerca de 100 cidades costeiras de 39 países diferentes, incluindo o Brasil.

Os locais mais atingidos estão na Ásia: China, Índia, Indonésia e Vietnã teriam partes de seu território afetados, onde milhões de pessoas vivem atualmente.

As projeções, que levam em conta os cálculos feitos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), fazem parte do projeto Picturing Our Future (Imaginando Nosso Futuro, em tradução literal).

Efeitos do aumento da temperatura no Brasil

Nas imagens a seguir, arraste a seta para os lados e veja como algumas cidades brasileiras poderão ser afetadas com o aumento da temperatura, segundo o estudo do Climate Central.

À esquerda, é possível conferir a situação caso a elevação seja de apenas 1,5°C. À direita, a projeção leva em conta uma subida de 3°C nos termômetros (e, claro, o efeito disso no aumento do nível dos oceanos).

O primeiro exemplo da lista é Salvador, capital da Bahia. O aumento de 1,5°C já faria o mar avançar sobre parte do centro e outros bairros da Cidade Baixa. Agora, caso a elevação da temperatura chegue a 3°C, a imagem mostra que toda a área onde fica o Mercado Modelo até a frente do Elevador Lacerda seria tomada pelas águas.

Um cenário parecido pode ser observado no bairro de Casa Amarela, na região Norte de Recife. Com 1,5°C, é possível observar um possível aumento do nível do rio Capibaribe. Com 3°C, boa parte das ruas e das avenidas seriam tomadas.

Um dos cartões postais de Fortaleza, o Farol do Mucuripe é uma das únicas estruturas a permanecer intocada pelas águas do oceano com o aumento de 3°C na temperatura. Mas, mesmo com um aumento de 1,5°C, o mar já cobriria as praias do Titanzinho e do Futuro.

Às margens do rio Jacuí e na beira do Lago Guaíba, a Usina do Gasômetro, em Porto Alegre, também ficaria inacessível com a subida das águas no cenário mais pessimista. E, mesmo na possibilidade otimista (de aumento de 1,5°C na temperatura), já é possível notar algumas modificações na configuração da capital gaúcha.

Com a subida de 1,5°C na temperatura, o Aqueduto da Carioca (os populares Arcos da Lapa) são pouco afetados. Agora, com o acréscimo de 3°C nos termômetros, já é possível observar algumas inundações na parte inferior do mapa.

E no mundo?

Em Havana, em Cuba, Dhaka, em Bangladesh e Lagos, capital da Nigéria, as projeções do Climate Central mostram um cenário drástico. O aumento de 3°C poderia submergir parcialmente ou totalmente edifícios e praças no coração das cidades.

Você pode conferir as 180 projeções e imagens (que incluem outros cenários brasileiros) no site oficial do projeto.

  • André Biernath e Camilla Costa
  • Da BBC News Brasil em São Paulo e Londres
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Mortes por tuberculose aumento na pandemia





Uma das consequências da pandemia da Covid-19 foi uma diminuição da realização de exames de rotina. Com isso, outras doenças também passaram a ter um aumento de mortes devido ao diagnóstico tardio. Esse é o caso da tuberculose, que pela primeira vez em 10 anos registrou um crescimento no número de óbitos.

O alerta foi feito pela Organização Mundial de Saúde (OMS) nesta quinta-feira (14). Segundo o órgão, há tratamento e cura para a doença, no entanto, muita gente acaba não procurando ajuda médica e fica sem saber que possui tuberculose.

Aumento de mortes por tuberculose

A estimativa é que cerca de 4,1 milhões de pessoas tenham a doença sem saber. Em 2019, esse número era de aproximadamente 2,9 milhões de pessoas. No total, 1,5 milhão de pessoas morreram vítimas da doença, número que não era registrado desde 2017.

“Este relatório confirma nossos temores de que a interrupção dos serviços básicos de saúde devido à pandemia reduziria a nada os anos de progresso contra a tuberculose. Esta é uma notícia alarmante que deve servir como um sinal de alerta global sobre a necessidade urgente de investir e inovar para preencher as lacunas no diagnóstico, tratamento e atendimento aos milhões de pessoas afetadas por essa doença evitável e tratável”, disse Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS.

Em 2015, a OMS lançou uma estimativa de reduzir em 90% as mortes de tuberculose no mundo até 2030. Agora, com o aumento de óbitos, essa meta mudou para 80%. As porcentagens são comparadas com o ano de 2015.

Olhar Digital
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Governo de Pernambuco abre consulta pública sobre concessão de 234,6Km de rodovias estaduais





Consulta pública para discutir com a sociedade os estudos desenvolvidos para concessão administrativa de três trechos rodoviários que englobam a PE-060, PE-090 e PE-050 será aberta pelo Governo de Pernambuco, por meio da Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag) e da Secretaria de Infraestrutura e Recursos Hídricos (Seinfra), nesta quinta-feira (14).

O projeto, desenvolvido com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), contempla o aperfeiçoamento de 234,6 quilômetros de extensão de malha rodoviária e deve aumentar a segurança e o serviço prestado aos usuários, além de fomentar o turismo e atrair investimentos à região. A publicação do edital está prevista para o primeiro semestre de 2022.

A sociedade terá até o dia 19 de novembro para conhecer o projeto e fazer contribuições para auxiliar o poder público na melhoria do projeto. Nos dias 10 e 11 do próximo mês, serão realizadas duas audiências públicas sobre os estudos. No dia 10, o diálogo será sobre a concessão da PE-60 e no dia 11, sobre a PE-90 e a PE-50.

As contribuições recebidas serão analisadas e o resultado dessa avaliação integrará o Relatório Final da Audiência Pública que será disponibilizado no site de Parcerias Estratégicas do Estado de Pernambuco www.parcerias.pe.gov.br.

“A construção de parcerias entre o poder público e o setor privado é uma alternativa com potencial para aumentar os investimentos em infraestrutura rodoviária, que é um dos pilares do Plano Retomada, lançado em agosto pelo Governo. Essas três rodovias (PE-060; 090 e 050) foram escolhidas devido ao seu volume do tráfego e a importância econômica para o Estado, pois facilitam o acesso ao Litoral Sul, Porto de Suape e ligam as regiões do Agreste à Mata Norte", afirma a secretária de Infraestrutura e Recursos Hídricos, Fernandha Batista.

"Essa união de esforços vem em um momento oportuno, no período pós-pandemia, com intuito de fomentar o desenvolvimento socioeconômico, gerar emprego e renda para a população. Além disso, a iniciativa reforça o trabalho que vem sendo desenvolvido desde 2019 pelo Programa Caminhos de Pernambuco que, já investiu cerca de R$ 659 milhões para a reconstrução de 731 quilômetros de rodovias, considerando obras concluídas e em andamento”, diz a secretária.

“Os estudos apontaram a viabilidade de atração de significativos investimentos em três das principais rodovias de Pernambuco que, somados aos investimentos públicos que estão sendo realizados pelo estado, permitirão mudar o patamar de infraestrutura rodoviária o estado”, informa Marcelo Bruto, secretário-executivo de Parcerias e Estratégias do Governo de Pernambuco. Marcelo também destaca a importância da participação da sociedade no debate.

O projeto inova ao incorporar a metodologia IRap, classificando as rodovias quanto a sua segurança viária e estabelecendo investimentos capazes de diminuir a quantidade de acidentes e mortes nas rodovias. Além de promover mais segurança na rodovia e aumentar a sua capacidade de tráfego, as melhorias devem atrair investimentos adicionais atrelados à chegada de novas empresas à região. O turismo também deve ser impulsionado, à medida que as praias do Litoral Sul do Estado contarão com um acesso mais seguro e de maior conforto aos usuários.


Professor Edgar Bom Jardim - PE

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Os 'documentos secretos' levados por Joe Biden ao Brasil que desafiam versão de Bolsonaro sobre ditadura

História: democracia X ditadura (1964 -1985)

Dilma e Biden sorriem um para o outro, sentados em sala

CRÉDITO,ROBERTO STUCKERT FILHO/PRESIDÊNCIA DA REP. (2015)

Legenda da foto,

Dilma e Biden em foto de 2015; na época, governo americano se aproximou de países latino-americanos com abertura de documentos históricos sobre violações de direitos humanos

Se havia alguma dúvida de que o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e o presidenciável democrata Joe Biden estão em lados políticos opostos, o debate entre Biden e o presidente Trump na última semana tratou de dissipá-las. Na ocasião, Biden, favorito para vencer o pleito de 3 de novembro pelas atuais pesquisas, criticou a devastação da Amazônia e aventou até sanções econômicas ao país.

O meio ambiente, no entanto, está longe de ser o único tema de discordância entre Biden e Bolsonaro. O ex-vice-presidente americano está no centro de uma das empreitadas pelas quais o atual presidente brasileiro mais demonstrou desprezo e resistência: a apuração, pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), de crimes e violações cometidos por agentes públicos durante a ditadura militar, entre 1964 e 1985.

Em 17 de junho de 2014, Biden, o então vice-presidente na gestão Barack Obama, desembarcou em Brasília com um objeto especial na bagagem: um HD com 43 documentos produzidos por autoridades americanas entre os anos de 1967 e 1977. A partir de informações passadas não só por vítimas, mas por informantes dentro das Forças Armadas e dos serviços de repressão, os relatórios americanos detalhavam informações sobre censura, tortura e assassinatos cometidos pelo regime militar do Brasil.

Até aquele momento, a maior parte dos documentos era considerada secreta pelo governo dos Estados Unidos, que apoiou e colaborou com a ditadura durante boa parte do período em que os militares estiveram no poder.

Biden sabia bem do que se tratava. E sabia também que produziria impacto real ao passar a mídia para as mãos da então presidente brasileira Dilma Rousseff, ela mesma uma das oposicionistas torturadas nos porões da ditadura.

É certo que o governo americano poderia ter enviado o material por internet, pela embaixada nos Estados Unidos.

Mas a gestão Obama-Biden queria gravar seu nome no ato de abertura dos documentos, como um manifesto pela transparência e pelos direitos humanos.

Mais do que isso, queria melhorar relações diplomáticas com base na troca de informações altamente relevantes para a história de países como Brasil, Argentina e Chile.

No caso do Brasil, isso era ainda mais estratégico já que a revelação, meses antes, de que a Agência Nacional de Segurança americana (NSA, na sigla em inglês) havia espionado conversas da mandatária brasileira abalou o alicerce das relações entre os dois países.

"Estou feliz de anunciar que os Estados Unidos iniciaram um projeto especial para desclassificar e compartilhar com a Comissão Nacional da Verdade documentos que podem lançar luz sobre essa ditadura de 21 anos, o que é, obviamente, de grande interesse da presidente", afirmou Biden, sorridente, ao lado de Dilma.

Sem ditadura

A própria definição dada por Biden do regime militar é hoje refutada por Bolsonaro, que nega ter havido ditadura no país.

"Espero que olhando documentos do nosso passado possamos focar na imensa promessa do futuro", concluiu Biden.

Cinco anos após esse encontro entre Dilma e Biden, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro desqualificou por completo as revelações feitas pela CNV, das quais os documentos trazidos por Biden são peça fundamental.

"A questão de 64 não existem documentos se matou ou não matou, isso aí é balela, está certo?", disse Bolsonaro.

O presidente respondia à imprensa, que questionava uma declaração sua dada no dia anterior para atingir o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz. Bolsonaro disse pra Santa Cruz que poderia esclarecer a ele como seu pai havia desaparecido.

De acordo com a Comissão Nacional da Verdade, Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, pai do presidente da OAB, foi visto pela última vez em fevereiro de 1974, quando foi preso no Rio de Janeiro por agentes do DOI-Codi. Oliveira jamais voltou a ser visto. Ele morreu nas mãos dos agentes.

"Comissão da Verdade? Você acredita em Comissão da Verdade?Você quer documento para isso, meu Deus do céu? Documento é quando você casa, quando você se divorcia. Eles têm documento dizendo o contrário?, acrescentou Bolsonaro.

Mas, afinal, o que há nos documentos trazidos por Biden?

reprodução de documento datilografado

CRÉDITO,ARQUIVO COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

Legenda da foto,

Documento enviado pelo consulado americano do Rio de Janeiro descreve padrão de tortura

"O suspeito é deixado nu, sentado e sozinho em uma cela completamente escura ou refrigerada por várias horas. Na cela há alto-falantes, que emitem gritos, sirenes e apitos em altos decibéis. Então, o detido é interrogado por um ou mais agentes, que o informam qual crime acreditam que a pessoa tenha cometido e que medidas serão tomadas caso não coopere. Nesse ponto, se o indivíduo não confessa, e se os agentes consideram que ele possui informações valiosas, ele é submetido a um crescente sofrimento físico e mental até confessar."

"Ele é colocado nu, em uma pequena sala escura com um chão metálico, que conduz correntes elétricas. Os choques elétricos, embora alegadamente de baixa intensidade, são constantes e eventualmente se tornam insuportáveis. O suspeito é mantido nessa sala por muitas horas. O resultado é extrema exaustão mental e física, especialmente se a pessoa é mantida nesse tratamento por dois ou três dias. Em todo esse período, ele não recebe comida nem água."

O texto acima é um trecho de um documento de sete páginas enviado pelo consulado americano do Rio de Janeiro ao Departamento de Estado, em 1973, e trazido por Biden em sua visita.

A comunicação diplomática informa que 126 pessoas teriam passado por tratamento parecido ao relatado, além de outras formas de sevícias, como o "pau de arara". O informe é feito não só com base em depoimentos de vítimas, mas de informantes militares, cuja identidade aparece protegida por trechos apagados no documento.

Detalhes

"Esse é um dos relatórios mais detalhados sobre técnicas de tortura já desclassificados pelo governo dos Estados Unidos", afirmou à BBC News Brasil Peter Kornbluh, diretor do Projeto de Documentação Brasileiro do Arquivo de Segurança Nacional Americano, em Washington D.C.

Ainda de acordo com Kornbluh, "os documentos americanos ajudam a lançar luz sobre várias atrocidades e técnicas (de tortura do regime). Eles são evidências contemporâneas dos abusos dos direitos humanos cometidos pelos militares brasileiros. Quase todo o mundo acredita neles. As pessoas que preferem não reconhecer a verdade sobre o que foi feito são os Bolsonaros e aqueles que realmente cometeram esses crimes".

Mas nem sempre Bolsonaro nega que a ditadura tenha cometido violações aos direitos humanos. Em julho de 2016, em uma entrevista à rádio Joven Pan, ele afirmou: "O erro da ditadura foi torturar e não matar".

E dois anos mais tarde, em meados de 2018, quando já estava em pré-campanha presidencial, confrontado com a informação de um relatório da CIA, aberto em 2015 no escopo do mesmo projeto de desclassificação de Biden, que o presidente Ernesto Geisel teria aprovado a execução sumária de adversários do regime, o atual presidente disse à rádio Super Notícia: "Errar, até na sua casa, todo mundo erra. Quem nunca deu um tapa no bumbum do filho e depois se arrependeu? Acontece."

Tortura e morte

Um dos outros documentos trazidos por Biden evidencia que a máquina repressiva da ditadura brasileira não só torturou como matou. Nele, o cônsul-geral americano em São Paulo, Frederic Chapin, afirma que ouviu o relato de "um informante e interrogador profissional trabalhando para o Centro de Inteligência Militar de Osasco", em São Paulo.

Reprodução de documento digitalizado

CRÉDITO,ARQUIVO COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

Legenda da foto,

Telegrama de 1973 descreve a tortura de um policial e de uma amiga dele que, inicialmente, se recusou a colaborar

Em um telegrama de maio de 1973, Chapin escreve o seguinte: "Ele (o informante) explicou como havia quebrado uma célula 'comunista' envolvendo um agente da polícia civil. O policial foi forçado a falar depois de ter tomado choques elétricos nos ouvidos e mencionou sua conexão com uma amiga, que foi imediatamente detida. Ela não foi cooperativa, no entanto, então foi deixada no pau-de-arara por 43 horas, sem alimentos ou água."

"Isso a quebrou, nossa fonte contou. Tortura, de uma forma ou de outra, é prática comum em interrogatórios em Osasco. Ele também nos deu um relato em primeira mão do assassinato de um subversivo suspeito, o que chamou de 'costurar' o suspeito, ou seja, dar tiros nele da cabeça aos pés com uma arma automática."

O termo "costurar" seria referência a um método para desfigurar o cadáver e evitar sua futura identificação.

Assassinatos cometidos pela repressão

O cônsul Chapin relata ainda que "vários agentes de segurança nos informaram que suspeitos de terrorismo são mortos como prática padrão. Estimamos que ao menos doze tenham sido mortos na região de São Paulo no ano passado (1972)".

Ao registrar as mortes em São Paulo, Chapin aponta para a atuação do coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, o chefe do DOI-Codi paulista, um dos principais órgãos de repressão do país, entre 1970 e 1974. Ustra foi o primeiro militar brasileiro a ser condenado civilmente pela Justiça pelos crimes de tortura. Ele é também considerado um herói e uma referência por Bolsonaro, que já afirmou ter como livro de cabeceira a obra de Ustra, A verdade sufocada.

"Sou capitão do Exército, conhecia e era amigo do coronel, sou amigo da viúva. (...) o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra recebeu a mais alta comenda do Exército, a Medalha do Pacificador, é um herói brasileiro", afirmou Bolsonaro em 2016.

Enquanto era deputado, no dia da votação da abertura de processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff, naquele mesmo ano, Bolsonaro citou o militar em seu voto: "Perderam em 1964, perderam em 2016. (...) Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, pelo Exército de Caxias, pelas nossas Forças Armadas, pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de todos, o meu voto é sim".

"Só terroristas"

Outro documento da leva de Biden desafia um argumento central de Bolsonaro sobre o período: o de que o regime militar só prendeu, torturou e matou "terroristas".

Em dezembro de 2008, quando o Ato Institucional número 5, instrumento da ditadura que cassou liberdades individuais, completava 40 anos, o então deputado federal Bolsonaro ocupou o plenário da Câmara para dizer: "Eu louvo os militares que, em 1968, impuseram o AI-5 para conter o terror em nosso País, (...) Mas eu louvo o AI-5 porque, pela segunda vez, colocou um freio naqueles da esquerda que pegavam em armas, sequestravam, torturavam, assassinavam e praticavam atos de terror em nosso País".

reprodução de documento datilografado, com palavra 'confidencial' riscada em vermelho

CRÉDITO,ARQUIVO COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

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Serviço diplomático americano no Brasil mandou uma comunicação ao Departamento de Estado registrando os relatos de um cidadão americano, Robert Horth, que havia sido confundido com um extremista e preso no DEOPS

Mas em outubro de 1970, o serviço diplomático americano no Brasil mandou uma comunicação ao Departamento de Estado registrando os relatos de um cidadão americano, Robert Horth, que havia sido confundido com um extremista e preso no DEOPS, a unidade de polícia política paulista.

Horth não era um comunista subversivo e afirmou aos diplomatas americanos que "cinco dos seis prisioneiros em suas celas eram absolutamente inocentes da acusação de subversão política".

Outro documento, de dezembro de 1969, dá força ao questionamento sobre os crimes reais dos alvos escolhidos pela repressão ao informar que freiras dominicanas foram presas, humilhadas e torturadas em Ribeirão Preto.

"Mais do que trazer novos fatos, os documentos americanos foram cruciais porque comprovaram muitos fatos a partir de uma fonte insuspeita. Estamos, afinal, falando de relatórios da diplomacia dos Estados Unidos, que não tinham qualquer simpatia pelos oposicionistas de esquerda e que apoiavam os militares", afirmou à BBC News Brasil Pedro Dallari, relator da CNV.

Prova de que o governo americano era, naquele período, abertamente a favor do regime está em uma comunicação do embaixador americano William Rountree de julho de 1972. Na carta, ele alerta ao Departamento de Estado que qualquer tentativa de fazer críticas públicas contra o que qualifica como "excessos" cometidos contra os direitos humanos poderia "prejudicar nossas relações gerais".

CNV

Os documentos americanos tornaram-se especialmente importantes para a CNV diante da negativa das Forças Armadas Brasileiras de oferecer evidências que corroborassem os depoimentos de vítimas de tortura em dependências militares.

"Ao mesmo tempo em que chegavam os documentos americanos, recebíamos retorno dos militares dizendo que suas sindicâncias não localizaram nada", afirma Dallari.

Kornbluh concorda que, enquanto muito da documentação brasileira do período pode já ter se perdido, os arquivos americanos são fonte importante para acessar a história brasileira.

"Parte dos militares brasileiros esconderam com sucesso a maioria de seus próprios documentos e mantiveram isso fora do escrutínio público. E conseguiram escapar de qualquer tipo de responsabilidade legal por seus crimes contra os direitos humanos. E então os documentos americanos fornecem um histórico fidedigno de pelo menos alguns casos. E se as coisas mudarem no Brasil, essas são evidências de crimes que ainda podem ser litigados", afirma o especialista, que menciona a lei da Anistia, de 1979, que impediu a responsabilização criminal de agentes e oposicionistas por crimes cometidos durante a ditadura.

Em 2014, durante os trabalhos da CNV, o Exército brasileiro afirmou que não opinaria sobre o reconhecimento do Estado Brasileiro em relação às torturas, enquanto a Força Aérea e a Marinha disseram não ter provas para reconhecer, tampouco refutar as acusações de violações de direitos humanos nas décadas de 60 e 70.

reprodução de telegrama em inglês, datilografado e com anotações manuscritas

CRÉDITO,ARQUIVO COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

Legenda da foto,

Embaixador escreveu sobre não condenar excessos publicamente

O que o histórico diz sobre relação Brasil-EUA em possível governo Biden?

Para Dallari, apesar de o golpe de 1964 ter recebido o apoio do governo americano, então sob a batuta do democrata Lyndon Johnson, nas últimas décadas, os democratas deixaram claro ter interesse em colaborar com processos de investigação sobre atrocidades cometidas pelos governos na região e o papel dos Estados Unidos nelas.

"Eu não tenho porque duvidar que Obama e Biden tivessem real interesse em abrir essas informações. E o primeiro presidente americano a se opor a violações dos direitos humanos na região foi outro democrata, o presidente Jimmy Carter", diz ele, em referência ao presidente americano entre 1977 e 1981.

Na verdade, desde a administração Clinton, nos anos 1990, documentos secretos sobre ditaduras latino-americanas têm se tornado públicos. Mas foi na gestão Obama que essa abertura dos arquivos ganhou tons de política de relações exteriores, em algo que Kornbluh batizou de "diplomacia da abertura".

Além do Brasil, Argentina e Chile também receberam acesso a documentos, em um esforço americano para melhorar sua imagem e seu relacionamento na região.

E com Biden e Dilma, o especialista afirma que esse tipo de diplomacia alcançou um de seus pontos mais altos, já que as relações foram reconectadas depois da visita de Biden em 2014.

"Tenho certeza de que ele foi informado sobre o teor dos documentos. E é uma tarefa importante a de carregar esses documentos que descrevem violações graves dos direitos humanos durante a era militar. Certamente foi uma experiência de aprendizado para o vice-presidente Biden e um lembrete pungente para ele dos horrores cometidos", diz Kornbluh.

Em conversas com a BBC News Brasil, conselheiros da campanha de Biden têm dito que o tema dos direitos humanos é central para o candidato, especialmente na América Latina.

Mas embora ainda exista um grande arquivo intocado sobre a história da ditadura do Brasil, especialmente de informações dos órgãos de inteligência como FBI e CIA, é improvável que Biden faça qualquer nova abertura se vencer as eleições.

Isso porque documentos secretos americanos sobre outros países só podem se tornar públicos se os governos dessas nações requisitarem acesso aos americanos. E hoje não há interesse no governo brasileiro por esse tipo de informação.

"Naquele momento, a abertura foi importante e ajudou os dois países a se reaproximarem. Agora, em um possível governo Biden, com Bolsonaro no Brasil, é um contexto completamente diferente. Mas se Bolsonaro cometer violações de direitos humanos, a administração Biden agiria de modo muito mais rápido e negativo do que Trump e pressionaria Bolsonaro a parar", diz Kornbluh.

  • Mariana Sanches -
  • Da BBC News Brasil em Washington
  • 09/08/2020
Professor Edgar Bom Jardim - PE